Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3577/23.9T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA MIRANDA
Descritores: DESTITUIÇÃO DE TITULARES DE ÓRGÃOS SOCIAIS
LIBERDADE NA DESTITUIÇÃO
Nº do Documento: RP202406183577/23.9T8VNG.P1
Data do Acordão: 06/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Em matéria de destituição de membro do conselho de administração ou gerente, que constitui uma das formas de cessação da relação de administração/gestão, resulta da lei o princípio da livre destituibilidade a todo o tempo.
II - Não tendo o autor responsabilizado a sociedade por danos sofridos em consequência da deliberação que o destituiu da administração da sociedade, alegadamente sem justa causa, face ao princípio acima aludido da livre destituibilidade, não assume relevância ou utilidade para a decisão que incide tão-só sobre a validade da decisão colegial, apurar se in casu não havia motivos suficientemente graves para o afastar da gestão societária.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 3577/23.9T8VNG.P1

Relatora: Anabela Andrade Miranda

Adjunta: Lina Castro Baptista

Adjunto: Alberto Taveira


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Sumário

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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I—RELATÓRIO

AA, residente na Rua ..., ..., Matosinhos, e “A..., S.A.”, com sede na Avenida ..., ..., intentaram a presente acção sob a forma de processo comum contra “B...-SGPS, S.A.”, com sede na Rua ..., Vila Nova de Gaia, pedindo que a deliberação tomada na assembleia geral da Ré, de 24 de Março de 2023, de destituição com justa causa do membro do conselho de administração AA, seja declarada anulável, nos termos e para efeitos do estabelecido no art. 58º, n.º 1, alínea c), do Código das Sociedades Comerciais, devendo, ainda, ser declarados nulos todos e quaisquer actos praticados ou que venham a ser praticados com base em tal deliberação.

Alegam, em síntese, que são accionistas da Ré, padecendo a deliberação social que destituiu por justa causa o primeiro autor do cargo de administrador do vício de anulabilidade, uma vez que não foi precedida do fornecimento de elementos mínimos de informação, tendo, assim, sido violado o direito de informação (por não constarem da convocatória os factos fundamentadores da justa causa de destituição). Que a execução da deliberação causa, é susceptível de causar danos, com os fundamentos que aqui damos por reproduzidos, bem como factos tendentes a demonstrar a inexistência de justa causa de destituição.

A Ré contestou, pugnando pela validade da deliberação em causa, reiterando a fundamentação da destituição que consta da acta, mas sempre defendendo que a inexistência de justa causa de destituição não seria fundamento de invalidade da deliberação, e impugnando os danos alegados pelos autores, considerando que não existe nexo de causalidade entre o invocado vício deliberativo e tais danos.


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Proferiu-se sentença que julgou a acção totalmente improcedente a absolveu a Ré do pedido.

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Inconformados com a sentença, os Autores interpuseram recurso finalizando com as seguintes

Conclusões

A)Pela via do presente recurso, pretendem os ora Recorrentes demonstrar o desacerto da decisão constante da sentença do tribunal “a quo” datada de 24.10.2023, que julgou a acção interposta pelos Autores improcedente e absolveu a Ré do pedido.

B)Foi alegada na petição inicial a inexistência de justa causa para a destituição do Recorrente AA do cargo de administrador da sociedade Ré, para além da arguição da violação do dever de informação.

C)Alegação, essa, que o tribunal “a quo” ignorou, na medida em que sobre ela não se pronunciou fundamentadamente na sentença objecto do presente recurso, limitando-se a observar que “(…) a matéria alegada a tal propósito é irrelevante para a decisão da causa, uma vez que a inexistência de justa causa não é motivo de invalidade da deliberação”, sem analisar, de todo, os fundamentos alegados pelos Recorrentes para a inexistência de justa causa da deliberação.

D)Pelo que a sentença do tribunal “a quo” encontra-se ferida de nulidade, de harmonia com o disposto na alínea b), do nº 1 do artigo 615º do CPC, atenta a ausência de fundamentação sobre a justa causa de destituição do 1º Recorrente, nulidade que desde já se argui.

E)O tribunal “a quo” profere o saneador sentença objecto do presente recurso sem sequer dar a oportunidade aos aqui Recorrentes de, em sede de audiência de discussão e julgamento, fazer prova dos factos alegados e supra mencionados.

F)Não fazendo sequer um convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, por forma a que os Autores, e aqui Recorrentes, pudessem clarificar quais os vícios arguidos de que padece a deliberação societária posta em crise, verificando-se assim uma violação do princípio da cooperação e do dever de gestão processual, ínsito no disposto no art. 6º e 590º/2, 3 e 4 do CPC, gerando uma nulidade processual.

G) Pelo que, de acordo com as disposições conjugadas dos arts 6º e 590º/2, 3 e 4, 195º/2, 197º, 199º, 200º/3 e 201º todos do CPC, deve a sentença em apreço ser revogada, o que expressamente se requer.

H) Os, aqui Recorrentes, intentaram a presente acção judicial com vista à anulação da referida deliberação, atenta a ausência de justa causa para a efectiva destituição, constata-se, contudo, que o tribunal de primeira instância apenas tem em consideração a violação dos deveres de informação.

I) A destituição do Recorrente AA da administração da sociedade Ré é considerada com base nos alegados factores:

1) Falta de adaptação à evolução técnica e tecnológica da sociedade Ré;

2) Incapacidade de uso de um computador;

3) Incapacidade de uso do portal da Segurança Social e do portal da Autoridade Tributária e Aduaneira;

4) Incapacidade para escrever um e-mail;

5) O Conselho de Administração da Ré funciona, na prática, com 2 (dois) membros;

5) O 1.º Recorrente tornou-se «um peso morto» para a sociedade Ré.

6) O 1.º Recorrente não consegue trabalhar, faltando-lhe os conhecimentos necessários para poder realizar uma gestão normal e ordenada da sociedade Ré e das suas funções.

7) O Conselho de Administração da Ré funciona, na prática, com 2 (dois) membros.

J) A qualificação da inaptidão ou incompetência profissional do 1.º Recorrente como violação grave dos seus deveres de competência técnica, actualização, diligência e de disponibilidade para aprender.

K) No entanto, tais fundamentos não procedem, dado que, o Recorrente AA nunca soube utilizar um computador e sempre conseguiu gerir adequadamente a sociedade e exercer as suas funções com rigor e rectidão.

L) Inexistindo qualquer facto novo que fundamente o acto de destituição, ou mesmo, altere o exercício das funções de gestão que aquele sempre desempenhou de forma rigorosa.

M) Nem tendo a Recorrida logrado demonstrar que, o aqui Recorrente AA, recusou qualquer tipo de formação de aprendizagem na utilização de equipamentos informáticos, ou mesmo, que tal ausência de conhecimento esteja a prejudicar o exercício da função.

N) O Recorrente AA foi destituído do cargo de administrador da sociedade Ré, de acordo com as disposições conjugadas dos arts. 403º e 64º do CSC, por alegada violação dolosa dos seus deveres enquanto administrador, cabendo à Recorrida, no entendimento deste Autor, o ónus da prova relativamente à verificação das situações que consubstanciam a justa causa.

No entanto,

O) Não logrou, a sociedade Ré, demonstrar que o 1º Recorrente se recusou a frequentar acções de formação, relativamente ao uso de equipamentos informáticos, nem que tal ausência de conhecimento, prejudicasse o exercício das suas funções.

P) É inequívoco que a referida deliberação foi tomada de forma contrária à lei, configurando um claro abuso de direito, de harmonia com o disposto no art. 344º do CC,

Q) A alegação de que essa condição constitui justa causa de destituição do 1º Recorrente, integra uma conduta abusiva da sociedade Ré, porquanto violadora dos limites impostos pela boa-fé relativamente ao exercício de direitos, no âmbito de comportamento contraditório do titular do direito face às legítimas expectativas geradas na contraparte.

R) Ao recorrer, apenas agora, a tal argumentário, contrariando a actuação mantida ao largo de anos, sem qualquer aviso prévio, actuou a Recorrida em abuso de direito, sob a forma de venire contra factum proprium, desonrando as expectativas que criou no 1º Recorrente, bem como, violando a confiança depositada.

Consequentemente,

S) De harmonia com o disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 58º do CC, deve a referida deliberação ser anulada, porquanto é ilegal.

T) A sentença, em análise, julga também improcedente a alegação de violação do dever de informação.

U) Da análise à convocatória da AG e da acta nº ... (junta como doc. n.º 2 da contestação e para o qual a sentença do tribunal “a quo” remete) constata-se que, o ponto da ordem de trabalhos é o mesmo: “discutir e deliberar sobre a destituição, com justa causa, do administrador o Senhor AA.”

V) Caso tivesse sido advertido sobre a razão que funda a justa causa de destituição, ou seja, quais os comportamentos que lhe são imputados susceptíveis de integrar o conceito de justa causa, poderia o 1º Recorrente ter preparado a sua defesa, nomeadamente demonstrado estar inscrito em cursos e formações profissionais que pretende frequentar a colmatar a sua suposta lacuna.

W) Parafraseando o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, “, “[o] direito à informação dos sócios ou accionistas – o dever de informação deve permitir que os convocados se preparem para a discussão e deliberação dos temas da ordem do dia, de tal modo que não venham a ser colhidos de surpresa quanto às ditas matérias na defesa dos seus interesses ou do interesse societário – é um dos princípios básicos em que assenta o Código das Sociedades, sancionando com a anulabilidade as deliberações tomadas sem que o dever de informação se mostre satisfeito – art.º 58.º-1-c) (…) A convocatória, ainda que sucinta, deve ser clara, suficiente e elucidativa, contendo os elementos mínimos de informação que permitam aos interessados tomar conhecimento dos assuntos que vão ser debatidos e prepará-los para uma decisão tendencialmente situada dentro desse objecto decisório.” .

X) Encontrando-se, por isso, a deliberação em crise ferida de anulabilidade, de harmonia com o disposto na alínea c) do nº 1 do art. 58º e alínea d) do nº 5 do art. 377º do CSC, o que desde já se argui para os devidos e legais efeitos.

Y) Não obstante já não auferir qualquer remuneração relativamente às funções exercidas na sociedade Ré, desde 07.04.2022, o Recorrente AA assumiu, a título pessoal, como avalista/fiador, responsabilidades bancárias/cambiárias no montante global de €2.382.881,27 (dois milhões trezentos e oitenta e dois mil oitocentos e oitenta e um euros e vinte e sete cêntimos).

Z) Pelo que, tais danos deveriam ter sido tomados em consideração pela sentença, objecto do presente recurso, que, quanto a essa temática, nem se pronunciou.

AA) Devendo assim, e consequentemente, face a todo o supra exposto, o saneador sentença ser revogado.


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A Ré apresentou resposta defendo o acerto da sentença.

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II—Delimitação do Objecto do Recurso

A questão principal decidenda, delimitada pelas conclusões do recurso, para além das nulidades da sentença, consiste em saber se a deliberação de destituição do Autor, com justa de causa, de membro do conselho de administração é (in)válida.


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III—FUNDAMENTAÇÃO

FACTOS PROVADOS (elencados na sentença)

a)A ré “B...–SGPS, S.A.” está registada na Conservatória do Registo Comercial com o NIPC ..., com sede na Rua ..., Vila Nova de Gaia, tendo por objecto a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas, com o capital de 50.151,00 euros, dividido em 50.151 acções nominativas, com o valor nominal de 1,00 euros cada, obrigando-se com a assinatura de dois dos seus administradores ou com a assinatura de um ou mais mandatários legalmente constituídos;

b)Tal sociedade comercial foi constituída a 9 de Novembro de 2020, regendo-se pelo contrato de sociedade junto aos autos com a petição inicial como documentos ns.º 1 e 2, cujo teor se dá aqui por reproduzido;

c)São accionistas da ré:

•“C..., S.A.” – titular de 16.666 acções;

•“D..., S.A.” – titular de 16.666 acções;

•“A..., S.A.” – titular de 16.666 acções, correspondente a 33% do capital;

•BB – titular de 1 acção;

•CC – titular de 1 acção;

•DD – titular de 1 acção;

•EE – titular de 50 acções;

•FF – titular de 50 acções;

•AA – titular de 50 acções, correspondentes a 0,099% do capital;

d)Na data referida na alínea b) foram designados para o conselho de administração, para o quadriénio 2020/2023, FF, EE e o autor AA;

e)O artigo 8º do pacto social da ré tem o seguinte teor:

“1.- A sociedade é gerida por Conselho de Administração, composto por dois ou três Administradores, eleitos em Assembleia Geral, tendo o seu mandato a duração de quatro anos.

2.- Os Administradores, caucionarão ou não i exercício do seu cargo e terão ou não remuneração conforme o que for deliberado pela assembleia geral que os designar, à qual cabe fixar o seu montante.”;

f)A sociedade comercial “A..., S.A.” está registada na Conservatória do Registo Comercial com o NIPC ..., com sede na Avenida ..., freguesia ..., ... e ..., concelho de Santa Maria da Feira, com o capital de 50.000,00 euros, tendo por objecto a prestação de serviços de consultoria de gestão, assessoria em matéria de gestão estratégica empresariam e gestão de activos, obrigando-se com a assinatura do administrador único ou de um ou mais mandatários;

g)Foi constituída a 21 de Agosto de 2020, tendo como administrador único, desde essa data, o autor AA

h)Tal sociedade comercial rege-se pelo pacto social cuja cópia foi junta aos autos com a petição inicial como documento n.º 5, cujo teor se dá aqui por reproduzido;

i)A 24 de Fevereiro de 2023 reuniu o conselho de administração da ré, estando presentes os três administradores, FF, EE e o autor AA;

j)Relativamente a tal reunião foi elaborada a acta nº ..., junta com a contestação, cujo teor se dá aqui por reproduzido, onde se lê o seguinte:

“Posto o ponto da ordem do dia à deliberação, foi o mesmo aprovado por maioria com os votos a favor do Sr. FF e do Sr. EE e o voto contra do Sr. AA, ficando assim aprovado convocar uma Assembleia Geral com o seguinte ponto da ordem do dia: discutir e deliberar sobre a destituição, com justa causa, do administrador o Senhor AA”;

k)O Presidente da Mesa da Assembleia Geral da ré, através de comunicação datada de 3 de Março de 2023, convocou os accionista para a realização de uma assembleia geral, a realizar na Rua ..., ..., Loja ..., Edifício ..., ..., no dia 24 de Março de 2023, pelas 14 horas e 30 minutos, com a seguinte ordem de trabalhos:

•“Ponto único: Discutir e deliberar sobre a destituição, com justa causa, do administrador o Senhor AA.”;

l)Na assembleia geral estiveram presentes ou representados todos os accionistas;

m)Os autores fizeram-se representar por terceiro;

n)Relativamente à assembleia geral referida na alínea k) foi elaborada a acta n.º ..., cuja cópia acompanha a petição inicial e cujo teor se dá aqui por reproduzido;

o)Na assembleia geral, o administrador EE “apresentou os seguintes fundamentos para a destituição, com justa causa, do administrador o Senhor AA:

Incapacidade de adaptação à evolução técnica e tecnológica.

O senhor AA não se adaptou à evolução da sociedade com recurso crescente, como se impõe na economia actual, a tecnologias. Apesar dos esforços e incentivos dos outros administradores para que o senhor AA se adaptasse a esta evolução e necessidade, o mesmo sempre se recusou.

Importa sublinha que quando referimos esta inaptidão estamos a referir-nos ao seguinte:

a)Não saber usar e operar um computador;

b)Não saber usar qualquer portal que a sociedade tem sistematicamente de usar (portal da autoridade tributária, portal da segurança social, etc.);

c)Não sabe escrever um e-mail;

d)Não sabe responder ou enviar e-mail.

Ou seja, estamos em face de uma incapacidade para o exercício normal das funções de um administrador. Infelizmente, o senhor AA tornou-se um “peso morto” para a sociedade, com prejuízo para esta pois dispõe de um administrador que não consegue trabalhar e contribuir para a sociedade como se impõe a um administrador normalmente diligente, atento, conhecedor e capaz de trabalhar com o que qualquer administrador (e até qualquer trabalhador) consegue fazer. É o interesse da sociedade que sai prejudicado pois faltam-lhe os conhecimentos necessários para poder realizar uma gestão normal e ordenada da sociedade e das suas funções. Diga-se que recai exclusivamente sobre os outros dois administradores todas as tarefas. Na verdade, o Conselho de Administração funciona, na prática, com dois administradores.

Esta inaptidão ou incompetência profissional traduz-se numa violação grave dos seus deveres de competência técnica, de atualização exigíveis pela sociedade e pelo mercado, de diligência, de disponibilidade para aprender, tornando inexigível a manutenção do senhor AA como administrador da sociedade. Na verdade, já não age como um administrador deve agir nos nossos dias, demonstrando estar inadaptado à evolução que a economia e a sociedade teve (uma exigência do mercado). A sua incompetência técnica impede-o de ser um gestor criterioso e ordenado, prejudicando gravemente a sociedade, os acionistas (desde logo os interesses de longo prazo dos acionistas) e os trabalhadores.

A exigência de hoje estabelecida para um administrador e, consequentemente, para o bom funcionamento da sociedade, é a de um profissional qualificado e o senhor AA absteve-se e, mais, como já referido, recusou-se a obter as qualificações necessárias.

Temos aqui um comportamento culposo que, atendendo à gravidade e consequências para o interesse social e para os acionistas, torna inexigível à sociedade que mantenha a relação de administração.”;

p)O representante dos autores AA e “A..., S.A.” pediu para intervir e apresentou uma “declaração de voto”, cujo teor se dá aqui por reproduzido, onde se lê, para além do mais, o seguinte:

“(…)

2. Em momento algum prévio ao da presente AG foi disponibilizada qualquer informação e/ou documento que suportasse a alegada justa causa da sua destituição ou sequer a indiciasse.

(…)

7. Os acionistas convocados devem ser avisados do propósito da deliberação, sendo que não basta tão-só mencionar na Ordem de Trabalhos que será discutida e deliberada a destituição por justa causa de um membro do CA, sem que, para o efeito, seja fornecida qualquer informação, ainda que mínima, aos acionistas convocados que os permita, de forma livre, informada e consciente, discutir e deliberar sobre tal ponto.

8. Não poderão, assim, os acionistas deliberar sobre a proposta de destituição por justa causa, quando, em bom rigor, nunca lhes foram dados a conhecer, nem, bem assim, ao administrador visado, quaisquer indícios da existência dessa justa causa.

Acresce que,

9. Sempre deverá ser reconhecido ao Administrador visado o direito de contraditar o propósito da sua destituição.

10. O due process exige e impõe que se dê conhecimento ao Administrador da proposta da sua destituição, por forma a que tenha oportunidade de ser ouvido em AG.

11. Impõe-se que seja reconhecida oportunidade de defesa ao administrador visado, o que não se verifica enquanto não lhe foram dados a conhecer os factos.

12. Acontece que, a presente AG ao ser convocada nos termos em que foi, obstou, de forma manifesta e gravosa, ao exercício do direito ao contraditório que me é reconhecido.

(…)”;

q)Posto à votação, foi deliberado, por maioria, com os votos a favor dos accionistas “D..., S.A.”, “C..., S.A.”, BB, CC, DD, EE e FF, destituir o autor AA de administrador com fundamento em justa causa “em virtude da violação grave dos seus deveres como administrador e da sua inaptidão para o exercício normal das suas funções, tendo-se tornado inexigível a manutenção da relação orgânica do Senhor AA com a sociedade B... – SGPS, S.A. por facto exclusivamente imputável à sua atuação dolosa. Face aos factos apresentados todos os pressupostos essenciais à manutenção da relação orgânica, como administrador, do senhor AA com a sociedade, desapareceram.”;

r)Da acta consta, ainda, o seguinte: “Não obstante os acionistas A..., S.A. e AA se encontrarem impedidos de votar, atento o conflito de interesses que se verifica relativamente ao teor da deliberação posta à votação, deixam manifesta a sua oposição à deliberação acabada de votar, nos termos acima expostos.”.


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Das Nulidades

Os Recorrentes sustentam que a decisão de mérito, proferida no saneador, integra a nulidade prevista no artigo 615.º, al. d) do C.P.Civil, ou seja, que se verifica omissão de pronúncia por não terem sido apreciados os fundamentos alegados sobre a inexistência de justa causa, tendo o tribunal se limitado a declarar a irrelevância dos mesmos sem fundamentar juridicamente essa conclusão.

A nulidade decorrente da omissão de pronúncia está estritamente conexionada com o princípio do dispositivo.

Como corolário do princípio do dispositivo, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras—v. art. 608.º, n.º 2 do C.P.Civil.

A questão para efeito de julgamento alicerça-se na causa de pedir (factos concretos que sustentam o pedido) e/ou nas excepções invocadas pelo réu.[1]

O tribunal a quo, sobre a alegada inexistência de justa causa, pronunciou-se da seguinte forma: “Os autores alegam, também, que não existe justa causa de destituição (cfr. artigos 125º e seguintes da petição inicial).

No entanto, a matéria alegada a tal propósito é irrelevante para a decisão da causa, uma vez que a inexistência de justa causa não é motivo de invalidade da deliberação (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25 de Janeiro de 2021, in www.dgsi.pt).”

Por conseguinte, é manifesto que não se verifica a apontada nulidade uma vez que o tribunal pronunciou-se sobre a questão declarando que não constitui fundamento de invalidade, tendo recordado, anteriormente, que a causa de pedir invocada pelos Autores para a pretendida anulabilidade da deliberação é a violação do direito de informação.

De qualquer forma cumpre acrescentar o seguinte :

As sociedades gozam de personalidade jurídica (cfr. art. 5.º do CSC) e de capacidade de exercício de direitos, de forma regular, através dos seus órgãos ou, menos frequentemente, por actuação de representantes voluntários (cfr. art. 6.º do CSC).

O conselho da administração da sociedade anónima, previsto no art. 399.º do CSC, constitui o órgão que exerce, nas palavras de Brito Correia[2] uma actividade de controlo e de fiscalização e tem poderes de representação (orgânica) que são directamente imputáveis à pessoa colectiva.

As funções dos membros da administração podem terminar por reforma, destituição ou renúncia, nos termos estabelecidos nos arts. 402.º a 404.º do CSC.

Sobre a temática da destituição o art. 403º do CSC estabelece no n.º 1 que, por deliberação da assembleia geral, qualquer membro do conselho de administração pode ser destituído a todo o tempo.

Acrescenta-se no n.º 3 que “Um ou mais accionistas titulares de acções correspondentes, pelo menos, a 10% do capital social podem, enquanto não tiver sido convocada a assembleia geral para deliberar sobre o assunto, requerer a destituição judicial de um administrador, com fundamento em justa causa.”

E, no n.º 4, esclarece-se que “Constituem, designadamente, justa causa de destituição a violação grave dos deveres do administrador e a sua inaptidão para o exercício normal das respectivas funções.”

O art. 64º do Código das Sociedades Comerciais estabelece uma regra geral de conduta e um dever de diligência, imposto a todos aqueles que tomem nas suas mãos a gestão e os destinos de uma qualquer sociedade, aí se estabelecendo que os gerentes ou administradores de uma sociedade devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado.

A sentença interpretou a norma relativa à destituição do Autor em conformidade com a doutrina e jurisprudência consolidada nesta matéria.

Com efeito, vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio da livre destituibilidade dos gerentes, sendo que a verificação de justa causa releva apenas para efeitos de desvinculação da sociedade do dever de indemnizar o gerente destituído. (cfr. Raúl Ventura, in Sociedades por Quotas, Vol. III, pág. 104; Meneses Cordeiro, in Manual de Direito das Obrigações, Vol. II, pág. 431; Acórdão da Relação de Lisboa de 4 de Junho de 2019, in www.dgsi.pt).

Neste sentido Coutinho de Abreu[3] confirma que a regra é a da livre destituição a todo o tempo e independente de justa causa, elucidando que se trata de uma regra com longa tradição entre nós.

Nesta conformidade, por ser um facto lícito (não contra mas conforme com o direito): a lei atribui às sociedades o direito (potestativo) de destituir administradores sem justa causa.[4]

Aqui chegados, facilmente se compreende que para aferir da validade da deliberação de destituição do Autor, que corresponde ao objecto do presente pleito, desnecessário se torna a alegação e prova de que foi excluído sem justa causa por ser admissível a destituição “ad nutum”.

O recente Acórdão do STJ, de 29/04/2021[5], mantendo a orientação que prevalece sobre esta questão na jurisprudência, em igual regime aplicável às sociedades por quotas, concluiu que é estatuída a livre revogabilidade da relação entre a sociedade e o gerente por acto unilateral e discricionário daquela, independente de justa causa, pelo que a inexistência de justa causa releva apenas para efeitos do direito a indemnizar o gerente pelos danos sofridos em consequência dessa destituição, nos termos do n.º 7.

Esse entendimento tem vigorado nesta Relação do Porto, tendo o Acórdão desta secção, proferido em 24/02/2015[6], concluído que não sendo pedida indemnização, torna-se inútil a realização do julgamento para apreciação da inexistência da justa causa invocada como fundamento da destituição.

Nesta conformidade, não tendo o Autor responsabilizado a sociedade por danos sofridos em consequência da deliberação que o destituiu como membro do conselho da administração, a qual, no seu entender, foi tomada sem ocorrer justa causa, não tem qualquer relevância ou utilidade para a decisão sobre a validade da decisão colegial apurar se in casu não havia motivos suficientemente graves para o afastar da gestão da sociedade.

Nenhuma utilidade reveste, para a decisão de anulabilidade da deliberação, a produção de meios de prova sobre a contestação dos Autores relativamente às causas invocadas para a sua destituição da administração da Ré.

E, nesta conformidade, não se justificava o exigido despacho de de aperfeiçoamento pela simples razão de que nada havia para ser completado ou esclarecido nesta matéria, mantendo-se incólumes os princípios da cooperação ou/e gestão processual.

Segundo o disposto no artigo 595.º, n.º 1, al. b) do C.P.Civil o despacho saneador destina-se a conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo o permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma excepção peremptória.

Ao contrário, quando a acção prosseguir, o juiz, nos termos do art. 596.º, n.º 1 do C.P.Civil, profere despacho destinado a identificar  o objecto do litígio e a anunciar os temas da prova.

Nesta conformidade, o juiz só deverá elencar os temas da prova quando o processo carece de instrução e julgamento por ser necessária a demonstração de factos essenciais, que sejam controvertidos e interessem à decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis de direito.

Os Recorrentes fundamentaram o pedido de nulidade/anulabilidade da deliberação que destituiu o Autor tão-só na violação do direito de informação.

Como refere Abrantes Geraldes[7] “Se o conjunto de factos alegados pelo autor (factos constitutivos) não preenche de modo algum as condições de procedência da acção, torna-se indiferente a sua prova e, por conseguinte, inútil toda a tarefa de selecção da matéria de facto, instrução e julgamento da mesma.”

Assim sendo, não se verificam as nulidades invocadas pelos Recorrentes.


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IV-DIREITO

Com a presente acção pretendem os Autores obter a declaração de anulabilidade da deliberação que destituiu, com justa causa, o Autor do cargo de administrador com fundamento na violação do direito de informação, concretamente por não constarem da convocatória os motivos que integram a justa causa de destituição.

Nesta sede de recurso invocaram ainda que a deliberação é ilegal por a Ré ter actuado com abuso do direito.

Do regime legal das anulações das deliberações sociais

Os fundamentos que determinam a nulidade das deliberações da sociedade estão elencados no art. 56.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), nos termos seguintes:

“1 - São nulas as deliberações dos sócios:

a) Tomadas em assembleia geral não convocada, salvo se todos os sócios tiverem estado presentes ou representados;

b) Tomadas mediante voto escrito sem que todos os sócios com direito de voto tenham sido convidados a exercer esse direito, a não ser que todos eles tenham dado por escrito o seu voto;

c) Cujo conteúdo não esteja, por natureza, sujeito a deliberação dos sócios;

d) Cujo conteúdo, diretamente ou por atos de outros órgãos que determine ou permita, seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios.”

São duas formas distintas de “nulidade”, como esclarece Pinto Furtado[8], “consoante a diferente localização ou origem do vício:
a) “nulidade resultante dos vícios de formação que enumera nas duas primeiras alíneas do seu n.º 1;
b) a nulidade consistente naqueles vícios de conteúdo da deliberação, de que se ocupam as duas últimas alíneas do mesmo número.”

A nulidade obedece ao regime previsto nos artigos 286.º e 289.º do C.Civil, podendo ser invocável a todo o tempo, conhecida ex officio pelo tribunal e a sua declaração tem efeito retroactivo.

Por outro lado, são anuláveis as deliberações que, segundo o artigo 58.º, n.º 1, al. c) do CSC, não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação, aqui se incluindo as menções exigidas pelo art. 377.º, n.º 8, do mesmo código.

O direito de informação consagrado no artigo 21º, nº 1, alínea c), do Código das Sociedades Comerciais (CSC) estabelece que “Todo o sócio tem direito: (…) a obter informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato”.

E o artigo 288º do Código das Sociedades Comerciais, aplicável às sociedades anónimas, concretiza e estabelece um direito mínimo à informação nos seguintes termos:

1 - Qualquer accionista que possua acções correspondentes a, pelo menos, 1% do capital social pode consultar, desde que alegue motivo justificado, na sede da sociedade:

a) Os relatórios de gestão e os documentos de prestação de contas previstos na lei, relativos aos três últimos exercícios, incluindo os pareceres do conselho fiscal, da comissão de auditoria, do conselho geral e de supervisão ou da comissão para as matérias financeiras, bem como os relatórios do revisor oficial de contas sujeitos a publicidade, nos termos da lei;

b) As convocatórias, as actas e as listas de presença das reuniões das assembleias gerais e especiais de accionistas e das assembleias de obrigacionistas realizadas nos últimos três anos;

c) Os montantes globais das remunerações pagas, relativamente a cada um dos últimos três anos, aos membros dos órgãos sociais;

d) Os montantes globais das quantias pagas, relativamente a cada um dos últimos três anos, aos 10 ou aos 5 empregados da sociedade que recebam as remunerações mais elevadas, consoante os efectivos do pessoal excedam ou não o número de 200;

e) O documento de registo de acções.

2 – (…)

3 - A consulta pode ser feita pessoalmente pelo accionista ou por pessoa que possa representá-lo na assembleia geral, sendo-lhe permitido fazer-se assistir de um revisor oficial de contas ou de outro perito, bem como usar da faculdade reconhecida pelo artigo 576.º do Código Civil.

O direito de informação, que assiste ao sócio/acionista, tem sido interpretado pela doutrina e jurisprudência por forma a ser distinguido o direito à informação stricto sensu, que versa especificamente sobre actos ou factos de gestão da sociedade, do direito de consulta dos registos documentais, os quais espelham o desenvolvimento da sua actividade em diversas áreas.

No Acórdão proferido na Relação do Porto, de 17/01/2000[9], esta distinção é explicada nestes termos: “De acordo com o disposto no artigo 214º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais, o direito à informação “stricto sensu” só pode ter como objecto a “gestão da sociedade”, isto é, o sócio só pode requerer que o gerente preste informação sobre actos ou factos que se integrem na “gestão da sociedade”. (...) A “gestão da sociedade” que aí se pretende ver inserida é a que se compadece tão só com actos substantivos de gestão no com actos de mero registo dessa gestão pois, a entender-se doutro modo, ficaria sem justificação, sem interesse, e, de alguma forma, sem conteúdo o direito de consulta da respectiva escrituração, livros e documentos, já que o resultado de uma possível aos livros da escrituração, de que faz parte o “Diário Razão”, poderia ser obtido através dos gerentes ou administradores” (...) a entender-se de outra forma, (...) poderia transformar-se o gerente ou administrador em constante informador contabilístico, permitindo-se, desta forma, um constante exercício de chicana por parte dos sócios e para com os gerentes ou administradores da sociedade”.

Por conseguinte, o direito à informação (lato sensu), que assiste ao sócio/acionista, desdobra-se no direito à informação stricto sensu cuja finalidade consiste na obtenção de informações sobre actos de gestão da sociedade e no direito de consulta dos documentos existentes na sede social.[10]

Para Ana Gabriela Ferreira Rocha,[11] sobre as sociedades por quotas, “(...) podemos definir informação como a possibilidade de acesso a quaisquer dados, de facto ou de direito, relacionados com o andamento dos negócios sociais ou a gestão da sociedade, obtidos de modo directo ou indirecto, independentemente dos meios ou instrumentos utilizados para o seu conhecimento, assim como o conteúdo ou substracto que deriva daquela possibilidade de acesso”.

Margarida Costa Andrade[12] alerta que o direito à informação, nas sociedades anónimas, tem um regime legal que não encontra paralelo nos restantes tipos societários atendendo “a que a responsabilidade pessoal e o envolvimento na gestão é menor para os accionistas do que para os sócios dos outros tipos sociais.”

Apenas o acionista cujo capital corresponde a, pelo menos, 1% do capital social pode consultar na sede, e desde que alegue motivo justificado, os elementos descritos no citado preceito legal.

Na assembleia geral, o accionista, mesmo que esteja impedido de votar, pode requerer que lhe sejam prestadas informações verdadeiras, completas e elucidativas que lhe permitam formar opinião fundamentada sobre os assuntos sujeitos a deliberação-cfr, art. 290.º, n.º 1 do CSC.

Essas informações devem ser prestadas pelo órgão da sociedade que para tal esteja habilitado e só podem ser recusadas se a sua prestação puder ocasionar grave prejuízo à sociedade ou a outra sociedade com ela coligada ou violação de segredo imposto por lei. (n.º 2)

No que concerne especificamente a assuntos sociais, o direito colectivo de informação está limitado aos accionistas cujas acções atinjam 10% do capital social, os quais podem solicitar, por escrito, ao conselho de administração ou ao conselho de administração executivo que lhes sejam prestadas, também por escrito, tais informações-cfr. art.º 291.º, n.º 1 do CSC.

Portanto, está em causa saber se a deliberação de destituição do Autor como membro do conselho da administração da Ré é inválida por violação do direito à informação designadamente numa vertente lata de omissão de inclusão dos motivos considerados como justa causa de destituição na convocatória.

Do Aviso Convocatório

Segundo o art. 377.º, n.º 5 do CSC a convocatória, quer publicada, quer enviada por carta ou por correio electrónico, deve conter, pelo menos:

a) As menções exigidas pelo artigo 171.º;

b) O lugar, o dia e a hora da reunião;

c) A indicação da espécie, geral ou especial, da assembleia;

d) Os requisitos a que porventura estejam subordinados a participação e o exercício do direito de voto;

e) A ordem do dia;

f) Se o voto por correspondência não for proibido pelos estatutos, descrição do modo como o mesmo se processa, incluindo o endereço, físico ou electrónico, as condições de segurança, o prazo para a recepção das declarações de voto e a data do cômputo das mesmas.

E em conformidade com o n.º 8 do citado preceito legal, o aviso convocatório deve mencionar claramente o assunto sobre o qual a deliberação será tomada.

No aviso convocatório da assembleia geral da Ré consta que se irá “discutir e deliberar sobre a destituição, com justa causa, do administrador o Senhor AA.”

O Autor reitera, nesta sede de recurso, que se tivesse sido informado sobre os comportamentos que lhe são imputados susceptíveis de integrar o conceito de justa causa, podia ter preparado a sua defesa, demonstrando que não correspondem à realidade.

O aviso convocatório obedeceu ao formalismo aplicável, sendo válido e eficaz, uma vez que dele consta claramente o assunto que iria ser objecto de discussão e de deliberação, não sendo exigido que nele também fosse incluída a fundamentação (ainda que de forma sucinta) da invocada justa causa de destituição.

Por outro lado, o Autor tinha conhecimento, desde, pelo menos, o dia 24 de Fevereiro de 2023, data da reunião do conselho de administração, de que ia ser submetida à votação dos accionistas, em assembleia geral, a sua destituição do cargo de administrador da Ré por justa causa.

No início da assembleia em que foi discutida a destituição do Autor, o administrador e accionista EE transmitiu os motivos subjacentes à destituição por justa causa do Autor, tendo o representante dos Autores feito a “declaração de voto” referida na alínea p) a qual não contém pedidos de informação direccionados ao conselho de administração.

Ora, atendendo ao quadro legal aplicável, o Autor tinha direito de pedir, na assembleia, que lhe fossem prestadas informações verdadeiras, completas e elucidativas que lhe permitissem formar opinião fundamentada sobre o mencionado assunto sujeito a deliberação-cfr.art. 290.º, n.º 1 do CSC- mas não o fez.

Em suma, a deliberação é válida, improcedendo a argumentação aduzida para alcançar a sua anulabilidade.

Os Autores acrescentaram que a deliberação é nula por abuso de direito por considerarem que contraria a actuação mantida ao longo de anos, “desonrando as expectativas que criou no 1º Recorrente, bem como, violando a confiança depositada.”

Uma deliberação com votos abusivos determina a respectiva anulabilidade nos termos do art. 58.º, n.º 1, al. b), do Código das Sociedades Comerciais, quando tenha em vista a prossecução de um interesse particular, ou seja, em detrimento do interesse dos sócios e da própria sociedade.

Pinto Furtado[13] decompondo a norma elucida que “é anulável, por abuso do direito dos votos através dos quais foi aprovada:
a) a deliberação apropriada para a satisfação do propósito de um dos sócios;
b) de conseguir através do exercício do direito de voto;
c) vantagens especiais para si ou para terceiros;
d) em prejuízo da sociedade ou de outros sócios.”

A norma, explica este autor, com pertinência para o caso em apreço, “não quis, obviamente, aplicar sem mais a sanção da anulabilidade à deliberação vantajosa para a maioria e desvantajosa para a minoria, a sociedade ou terceiros, mas àquela que a estas características acrescente a feição excessiva, i.é., abusiva-como inequivocamente se realça no adjectivo “abusivos”, expressamente usado para classificar os votos que a compõem.”

Acrescenta que sem o ingrediente de flagrante e marcada iniquidade, não poderá haver abuso do direito.

Neste particular, Pinto Furtado[14]adverte ainda que “não basta que a deliberação seja adequada a tal efeito: é preciso que efectivamente contenha ou aprove vantagens especiais”.

Cumpre notar que inexistem factos dos quais resultem uma actuação anterior dos membros do conselho de administração contrária à deliberação de destituição, ou seja, não se pode concluir que ocorreu uma frustração de expectativas clamorosa face a uma conduta anterior em sentido manifestamente oposto.

Nem a deliberação, que se encontra devidamente fundamentada em diversos motivos, está viciada, em razão de pretenderem conseguir vantagens especiais para os membros que a votaram ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou dos acionistas.

Em suma, não se mostra preenchido o conceito de abuso de direito, mesmo na modalidade de votação abusiva, nem excedidos, de forma manifesta, os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito (cfr. art. 334.º do Código Civil).

Perante todas as razões aduzidas, o recurso não merece provimento, devendo ser confirmado o saneador-sentença, em consequência do seu acerto jurídico.


*

V-DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso e em consequência confirmam a sentença.

Custas pelos Recorrentes.

Notifique.


Porto, 18/6/2024
Anabela Miranda
Lina Baptista
Alberto Taveira
__________________
[1] Neste sentido cfr. Freitas, José Lebre de, A Acção Declarativa Comum, 3.ª edição, Coimbra Editora, pág. 334.
[2] Os Administradores de Sociedades Anónimas, Almedina, 1993, págs. 60 e 61.
[3] Curso de Direito Comercial, vol. II, 5,ª edição, pág. 573
[4] Coutinho de Abreu, ob. cit., pág. 582.
[5] Disponível em www.dgsi.pt.
[6] V. ainda Ac. Rel.Porto de 28/06/2016, disponíveis em www.dgsi.pt.
[7] Temas da Reforma do Processo Civil, vol. II, Almedina, 1997, pág. 127.
[8] Direito das Sociedades, 3.ª edição, Almedina, pág. 431.
[9] CJ, Ano XXV, Tomo I, págs. 184-186, citado no Ac. STJ de 19/10/2021 disponível em www.dgsi.ot.
[10] Cfr. Margarida Costa Andrade, Anotação ao art. 21.º do CSC em Comentário, vol. I. 2.ª edição. pág. 377.
[11] O Direito à Informação do sócio gerente nas Sociedades por Quotas”, RDS, ano III, 2011, n.º 4, p. 1033, citada no Ac. STJ de 19/10/2021, que acompanhamos por se tratar de caso similar, disponível em www.dgsi.pt.
[12] Ob. cit., pág. 378.
[13] Deliberações dos Sócios, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Almedina, 1993, pág. 387.
[14] Ob. cit., pág. 404.