Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | PAULO DIAS DA SILVA | ||
Descritores: | COMPRA E VENDA DE FRAÇÃO AUTÓNOMA BEM DEFEITUOSO DANOS NÃO PATRIMONIAIS | ||
Nº do Documento: | RP202409126420/20.7T8VNG.P1 | ||
Data do Acordão: | 09/12/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - A venda de uma fracção de um prédio urbano de que faz parte uma garagem individual, à quais não é possível aceder em condições de normalidade com a viatura do comprador, como pretendia e era do conhecimento do vendedor, constitui venda de bem defeituoso, assistindo ao adquirente o direito à redução do respectivo preço. II - Na responsabilidade contratual são indemnizáveis os danos não patrimoniais que mereçam a tutela do direito, isto é, desde que se apure uma grave lesão susceptível de causar, segundo a experiência da vida, danos não patrimoniais merecedores de tutela jurídica. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Recurso de Apelação - 3ª Secção ECLI:PT:TRP:2024:6420/20.7T8VNG.P1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto 1. Relatório AA e mulher, BB, casados entre si, residentes na Travessa ..., Rés-do-Chão, A1, Quinta ..., ... ..., Vila Nova de Gaia, instauraram acção declarativa, sob a forma de processo comum contra A..., Lda., com sede na Rua ..., ..., ... ..., onde concluíram pedindo a condenação da Ré no pagamento aos AA. da quantia de € 24.000,00 a título de danos patrimoniais e danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora desde a data da citação até integral pagamento. Alegaram, em síntese, que adquiriram a fracção autónoma (que identificam) no pressuposto essencial, que era conhecido pela Ré, de que a mesma tinha lugar de garagem onde poderiam estacionar dois veículos, sendo que só após a escritura de compra e venda e quando começaram a utilizar o lugar de estacionamento em causa se aperceberam que, afinal, o lugar, devido à sua configuração, não permite o estacionamento de nenhum veículo. * Citada, a Ré contestou.Alegou, em síntese, não existir qualquer vício que legitime a pretendida redução do preço pois que o lugar de garagem em causa tem as dimensões correspondentes ao objecto do contrato de compra e venda, cumprindo as regulamentações em vigor. Asseverou que apenas procedeu à venda de um lugar de garagem, impugnando o conhecimento da alegada essencialidade (para os RR.) da possibilidade de estacionamento no lugar de dois veículos, acrescentando, ainda, que os alegados danos não patrimoniais não têm tutela jurídica. A Ré, entretanto, pediu a condenação dos AA. como litigantes de má-fé, no pagamento de multa e indemnização a favor da Ré no valor mínimo de € 5.000,00 a fixar pelo Tribunal, em virtude de terem omitido deliberadamente que haviam vendido a terceiros a fracção em causa. * Foi proferido despacho saneador, fixado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova.* Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, com observância das formalidades legais.* Após a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente onde se decidiu:- Condenar a Ré A..., Lda. pelo incumprimento defeituoso do contrato de compra e venda celebrado a 19-2-2020 com os AA. no pagamento de indemnização, em montante concreto a liquidar, correspondente ao custo médio de mercado de aquisição de um lugar de estacionamento com a área de 23 m2 na ... - ..., na zona mais próxima possível da Travessa ..., ..., da freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia. - Condenar a Ré no pagamento aos AA. da quantia de € 1.000,00 a título de danos não patrimoniais. - Absolver a Ré do demais peticionado. - Absolver os AA. do pedido de condenação como litigantes de má fé. * Não se conformando com a decisão proferida, a recorrente A..., Lda., veio interpor recurso de apelação, em cujas alegações conclui da seguinte forma:I.A Douta Sentença sofre de nulidade por omissão na pronúncia, ao abrigo e para os efeitos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, quanto à culpa do lesado. II. No artigo 24.º da Contestação, a Apelante, alegou o seguinte: “Ora, se os AA. não consideraram correctamente, na data do DPA de Compra e Venda, as eventuais dificuldades de estacionamento no lugar de parqueamento da fracção, atendendo ao facto de existir um pilar a meio do lugar de estacionamento, tal erro de apreciação não pode ser imputado à R.” III. É ainda possível verificar ao longo dos autos e sobretudo nas declarações de parte da Apelada, que todo o processo de compra e venda foi tratado com extrema leviandade e falta de diligência, como se se tratasse de uma compra vulgar de um bem móvel do dia-a-dia, e não um “projeto de vida” como indicado pelos Apelados. IV. Os Apelados omitiram junto da Apelante estas informações cruciais ao bom desenvolvimento e boa execução do contrato, nomeadamente, o lugar de estacionamento atribuído ao imóvel a adquirir teria de permitir o estacionamento simultâneo dos seus dois veículos e a identificação dos veículos em causa (de dimensões acima dos veículos tradicionais por se tratarem de SUVs). V. Os Apelados dispensaram a realização de diligências indispensáveis ao bom desenvolvimento e boa execução do contrato, designadamente a visita e teste no lugar de estacionamento. VI. Os Apelados segundo palavras dos próprios, “confiaram” que o lugar de estacionamento tinha 23m2 dava para estacionar os seus dois veículos. VII. Houve extrema falta de diligência e desinteresse quanto à verificação das condições alegadamente pretendidas pelos Apelados no imóvel e, em particular no lugar de estacionamento (claramente confessada pela Apelada, nas suas declarações de parte prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento de 02.02.2024, das 15h09 às 16h04 – minutos: 00h08m11s-00h08m42; 00h09m18s-00h09m23s; 00h10m42s-00h11m43s; 00h15m17s-00h16m25s; 00h25m35s -00h25m47s). VIII. Mesmo admitindo a configuração do lugar de estacionamento como um defeito (o que por mero dever de patrocínio, sem conceder, se admite), estaríamos claramente perante um defeito aparente, sendo a disposição desse lugar óbvia, não havendo nada oculto. IX. Aliás, o Apelado e o Sr. Taxista que auxiliou na inspeção ao local, mal entraram na garagem aperceberam-se da sua estrutura e a dificuldade em estacionar veículos de dimensões superiores às dimensões dos veículos tradicionais, pelo que bastaria terem solicitado a visita ao local para aferir das conformidades, nem sequer sendo necessário utilizar efetivamente o lugar de estacionamento em causa (Audiência de Discussão e Julgamento com Inspeção no Local pelo Tribunal, no dia 27.11.2023, pelas 14h10 - minutos 00h18m19s 00h19m00s; Audiência de discussão e julgamento de 02.02.2024, das 15h09 às 16h04 - Declarações de Parte da Apelada - minutos 00h25m34s - 00h26m36s). X. Neste caso, mesmo que se aceitassem como defeito ou dano, para além da culpa dos lesados, teríamos que a responsabilidade da Apelante estaria excluída, nos termos e para os efeitos 1219.º, do Código Civil. XI. Em suma, a compra do imóvel com alegada falta de conformidade para o fim pretendido pelos Apelados apenas e tão só se deveu à omissão plena de diligências nas negociações e na aceitação do imóvel por parte dos Apelados, pois que a Apelante cumpriu com tudo aquilo a que se obrigou (nomeadamente, entrega do imóvel, com arrumo e um lugar de estacionamento com 23m2, conforme ficha técnica e cumprindo com todas as normas legais aplicáveis). XII. Pelo que, deverá ser aplicado o disposto no artigo 572.º, do Código Civil, donde resulta claro o seguinte: “Àquele que alega a culpa do lesado incumbe a prova da sua verificação; mas o tribunal conhecerá dela, ainda que não seja alegada.” e no artigo 5.º do Código de Processo Civil, onde se estabelece que “2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.”. XIII. Quanto a esta questão, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 27.10.2004, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido em 14.01.2010 e Acórdão do Tribunal de Lisboa, proferido em 04.07.2002 (disponíveis em IGFEJ - Bases Jurídico-Documentais (dgsi.pt)) XIV. O Tribunal dever-se-ia ter pronunciado, ao abrigo dos artigos 572.º do CC e do 5.º do CPC, devendo forçosamente ter concluído pela existência de culpa dos lesados, Apelados, por manifesta falta de zelo, de boa-fé e de cuidado no âmbito das negociações e por omissão de informações essenciais ao bom andamento do negócio, devendo decidir-se pela absolvição total do pedido da Apelante. XV. Não se tendo pronunciado quanto à culpa dos lesados (Apelados), o Tribunal a quo omitiu o seu dever de pronúncia, no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, pelo que se deverá declarar a nulidade dos autos, e, consequentemente, se deverá concluir pela absolvição da Apelante. XVI. Na douta decisão recorrida, considerou-se como Facto Provado D) que “Quando a fração lhes foi vendida foi-lhes explicado, explicitado e destacado que embora tivesse um único lugar de garagem o mesmo tinha 23m2, o que dava para estacionar dois veículos automóveis, condição que foi explicada ao vendedor e assegurada por este”. XVII. Para tal conclusão, o Tribunal atendeu ao seguinte: “- quanto ao conhecimento por parte da R. da relevância para os AA. da possibilidade de estacionar dois veículos no lugar de estacionamento em causa: Que o assunto foi falado aquando das negociações preparatórias ao contrato promessa resulta das declarações da A. É certo que as negociações ocorreram com um “encarregado de venda” cujo vínculo à R não ficou esclarecido – se seu representante, empregado, empregado da empresa associada ou simplesmente agente imobiliário de uma empresa terceira sem vínculo à R - mas, por um lado a negociação dos AA com a R que conduziu à contratação ocorreu no local da construção mediante contato com a pessoa que nesse local procedia à comercialização do imóvel e, por outro lado, também das declarações da A resulta que na própria assinatura do contrato promessa essa pessoa se encontrava juntamente com o representante legal da R no local tendo intervindo assinalando precisamente que não obstante se referir apenas um lugar de estacionamento nele caberiam dois veículos, sem oposição ou intervenção daquele.” XVIII. Não ficou provado: que a Apelante, na qualidade de vendedora, estivesse presente aquando da alegada comunicação desta condição dirigida pelos Apelados fosse a quem fosse; nem a transmissão dessa informação dos Apelados à Apelante (direta ou indiretamente); nem a indicação da Apelante a algum dos seus representantes no sentido de assegurarem essa condição junto dos Apelados. XIX. É o próprio tribunal nas suas conclusões que admite que nem sequer se provou qual a ligação entre a pessoa com que os Apelados teriam supostamente falado e a Apelante (“É certo que as negociações ocorreram com um encarregado de venda cujo vínculo à R. não ficou esclarecido [Sr. CC] - se seu representante, empregado, empregado da empresa associada ou simplesmente agente imobiliário de uma empresa terceira sem vínculo à R.” - Motivação quanto ao ponto de conhecimento por parte da Apelante para os Apelados da possibilidade de estacionar dois veículos no lugar de estacionamento em causa). XX. Apenas se poderá admitir que no momento da assinatura do CPCV e mesmo em momento anterior, o Sr. CC terá assegurado a condição do estacionamento, sendo a única pessoa que tinha conhecimento da condição e que referiu, supostamente, aquando do CPCV que o lugar dava para dois veículos (declarações de parte da Apelada na audiência de discussão e julgamento de 02.02.2024, das 15h09 às 16h04 – minutos 00h03m38s-00h03m50s; 00h04m08s-00h04m53s; 00h07m27s-00h07m46s; 00h08m11s-00h08m42s; 00h41m39s-00h42m33s; 00h45m07s-00h45m19s; 00h50m39s-00h50m44s. Inquirição de testemunha DD, audiência de discussão e julgamento de 02.02.2024, das 11h57 às 12h42: 00h07m50s-00h08m03). XXI. O representante legal da Apelante apenas interveio no CPCV para a sua assinatura, não se tendo manifestado ou intervindo quando o Sr. CC terá falado do lugar de estacionamento. O Tribunal indica que “na própria assinatura do contrato promessa essa pessoa [Sr. CC] se encontrava juntamente com o representante legal da R. no local tendo intervindo assinalando precisamente que não obstante se referir apenas um lugar de estacionamento nele caberiam dois veículos, sem oposição ou intervenção daquele.”. XXII. Apenas se poderá retirar que o representante legal da Apelante esteve presente aquando da assinatura do CPCV, e nada mais. O representante poderá nem ter ouvido e não se pronunciou quanto a essa questão, ou seja, não assegurou fosse o que fosse a esse respeito – tal como a própria Apelada disse que estava distraída aquando da leitura do CPCV, também o poderia estar o legal representante da Apelante, não tendo, inclusive, intervindo (declarações de parte da Apelada na audiência de discussão e julgamento de 02.02.2024, das 15h09 às 16h04 – minutos 00h09m18s-00h09m25s). XXIII. Ora, não se tendo provado qual a ligação do Sr. CC com a Apelante e a qualidade em que se apresentou no CPCV e nas negociações, não se poderá dizer que aquilo que o Sr. CC prometeu ou disse possa produzir os seus efeitos na esfera jurídica da Apelante (artigo 258.º do Código Civil). XXIV. Por seu turno, o silêncio da Apelante (ou do seu representante) após a afirmação do Sr. CC relativamente à possibilidade de estacionamento de dois veículos no lugar de estacionamento não poderá valer como declaração negocial, nos termos e para os efeitos do disposto no 218.º do Código Civil a contrario. XXV. Conforme resulta do contrato promessa de compra e venda e do DPA de compra e venda, e das comunicações havidas entre as mesmas, em momento algum se encontra sequer algum indício de que a Apelante tenha tido conhecimento de ser uma condição negocial para os Apelados que o lugar de estacionamento pertencente ao Imóvel adquirido permitisse o estacionamento de dois veículos – muito menos dos dois veículos dos Apelados. XXVI. Dos artigos 7.º, 23.º e 26.º da Petição Inicial, depois corroborado na declaração de parte da Apelada e da testemunha DD, apenas se poderá concluir que os Apelados assumiram por si, ao observar as plantas e ao ter conhecimento da metragem do lugar de estacionamento, e sem qualquer explicação ou indicação da Apelante, que poderiam colocar os seus dois veículos no lugar de estacionamento atribuído (declarações da Apelada na audiência de discussão e julgamento de 02.02.2024, das 15h09 às 16h04 – minutos: 00h17m02s-00h17m53s; 00h22m00s; Inquirição de testemunha DD, audiência de discussão e julgamento de 02.02.2024, das 11h57 às 12h42 – minutos: 00h41m50s-00h42m05s) XXVII. Sem prescindir, admitindo que os Apelados tivessem comunicado esta condição à Apelante diretamente, o que apenas por mero dever de patrocínio se acolhe, esta tratar-se-ia de uma condição negocial verbal, pelo que, por aplicação do disposto no artigo 221.º do Código Civil, essa estipulação deveria ter sido considerada nula, pois que, tratando-se de uma estipulação/condição negocial no âmbito de um contrato de compra e venda, a mesma deveria ter sido reduzida a escrito. XXVIII. A livre apreciação da prova tem limitações quanto a factos que apenas se podem considerar como provados por documento, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, pelo que, o Douto Tribunal a quo não poderia ter dado como provado o conhecimento e até a existência da condição em apreço, inexistindo prova documental a esse respeito. XXIX. Quanto a esta questão o Tribunal a quo mal esteve ao decidir por provado o Facto Provado D) na sua totalidade, quando, considerando a prova apresentada e válida, apenas deveria ter ficado provado nos autos o seguinte quanto a esta matéria: “Quando a fração lhe foi vendida os Autores foram informados de que a mesma teria um único lugar de garagem, com 23m2.” XXX. Quanto aos Factos Provados E), J) e F), destaca-se, desde logo, a contradição entre os Factos Provados E) e J). É que, enquanto o Facto Provado E) indica: “E) Os AA. quando celebraram o contrato de compra e venda e receberam a chave nunca os AA. se aperceberam do defeito existente no seu lugar de garagem, que nunca sequer tinham visto “in loco”.” Já no Facto Provado J) diz-se o seguinte: “J) No dia 15 de Fevereiro de 2020, os AA. procederam à vistoria do imóvel, no qual se inclui o lugar de estacionamento em causa e a segunda página do doc. n.º 2, no quadro referente a “Situações não conformes”, não foi indicada pelo aqui A. qualquer anomalia ou desconformidade do apartamento que adquiriu.”. XXXI. Esta contradição/confusão com a visita ou não visita do lugar de estacionamento foi uma constante também durante as declarações de parte da Apelada (declarações da Apelada na audiência de discussão e julgamento de 02.02.2024, das 15h09 às 16h04 - minutos: 00h11m56s-00h12m38s) XXXII. Quando à visita do lugar de estacionamento aquando da vistoria, a Apelada disse que não pediu para ver o lugar de estacionamento e tal não lhe interessava, tratando-se só de chão, paredes, listas marcadas no chão, e que achou que o lugar de estacionamento satisfazia as suas necessidades (Declarações da Apelada na audiência de discussão e julgamento de 02.02.2024, das 15h09 às 16h04 – minutos: 00h15m17s-00h16m27s; 00h17m02s-00h17m53s). XXXIII. Existe efetivamente junto aos autos, o auto de vistoria (Doc. 2 junta com a Contestação), comprovadamente realizada no dia 15.02.2020, embora o auto tenha sido assinado em 06.03.2020, em que o Apelado assina, como tendo sido visitado todo o imóvel – lugar de estacionamento incluído – e em como se encontra tudo em conformidade. XXXIV. Ficou provado cabalmente, que os Apelados visitaram o lugar de estacionamento em momento anterior ao DPA de compra e venda, e que tiveram acesso às plantas do imóvel em momento anterior à assinatura do DPA de compra e venda, incluindo o lugar de estacionamento, a qual foi alvo de análise por parte dos Apelados, bem conhecendo estes a formatação/constituição do imóvel por completo, em planta e com visita ao mesmo. XXXV. No Facto Provado F), pode ler-se: “F) Só com a utilização do lugar é que começaram a perceber que quando os lugares da frente estivessem ocupados se veriam impedidos de utilizar os mesmos.” XXXVI. Quanto a esta questão, para além do acima exposto, terá de se acrescentar que o Apelado, segundo declarações da Apelada, visitou com o seu veículo próprio o lugar de estacionamento no mesmo dia em que assinou o auto de vistoria, no dia 06.03.2020, aceitando tudo como estando em conformidade, explicando a Apelada explica, que o Apelado, nesse dia, tendo ido com o seu veículo às garagens, e mesmo sem o estacionar, disse-lhe que seria muito difícil estacionar os seus veículos no lugar que lhes correspondia (declarações de partes da Apelada na audiência de discussão e julgamento de 02.02.2024, das 15h09 às 16h04 – minutos 00h25m34s-00h26m36s) XXXVII. As condições do lugar de estacionamento são óbvias e, a considerar-se um defeito seria um defeito aparente, o qual os Apelados não poderiam ignorar, bastando olhar para as dimensões do lugar de estacionamento e as dimensões dos veículos que afinal se queriam estacionar, o que não fizeram antes por mera falta de diligência e desinteresse, conforme já sobejamente explanado (Audiência de Discussão e Julgamento com Inspeção no Local pelo Tribunal, no dia 27.11.2023, pelas 14h10 – minutos: 00h18m19s-00h19m03s; Audiência de discussão e julgamento de 02.02.2024, das 15h09 às 16h04 – declarações de parte da Apelada 00h25m34s-00h26m37s) XXXVIII. Desconhecem os autos qual o veículo do Apelado mas o veículo da Apelada era um “Mercedes ...”, i.e., um SUV, que, como é consabido é de dimensões superiores a de um veículo tradicional (i.e. sedan ou berlina), que caberiam no lugar em apreço, conforme se veio a confirmar. XXXIX. Será ainda de reiterar a culpa dos Apelados, na qualidade de lesados, por falta de diligência aquando da verificação das condições do imóvel, i.e., se todos os elementos do imóvel correspondiam ao assegurado pela Apelante e ao pretendido pelos Apelados. XL. Não se poderá querer responsabilizar a Apelante por algo que resulta de falta de diligência extrema por parte dos Apelados, quando, sendo um ponto tão relevante a existência de lugar para ambos os seus veículos, e tendo os Apelados veículos SUVs, e não de tamanho tradicional, e não tendo disto informado a Apelante, decidem não visitar devidamente o local, tendo a Apelada afirmado que até teve mais relevância visitar os arrumos do que o lugar de estacionamento XLI. Assim, quanto a esta questão, mal esteve o tribunal ao decidir da forma por que o fez, devendo, antes, ter decidido da seguinte forma, perante toda a prova produzida, em particular a acima discriminada: “Quando o Apelado entrou com o seu veículo na garagem no dia 06.03.2020, apercebeu-se da configuração do lugar de estacionamento e da dificuldade (mas não impossibilidade) de estacionar os veículos dos Apelados, tendo assinado nessa mesma data, sem reservas nem indicações de qualquer tipo de defeitos, o auto de vistoria realizada a 15.02.2020, aceitando o imóvel conforme entregue.” XLII. Facto Provado G) diz o seguinte: “G) Os AA não têm conhecimentos técnicos para perceberem se aquele pilar vai interferir com o estacionamento e confiaram que 23m2 era mais do que suficiente para estacionar dois veículos médios” XLIII. Não resulta de nenhum dado ou prova objetiva que os Apelados não tenham conhecimentos técnicos para a devida interpretação da planta do lugar de estacionamento. XLIV. O único que ficou assente é que a Apelada é médica, sendo que independentemente disso a própria Apelada declara ter conseguido interpretar grande parte da planta que lhe apresentaram, com o lugar de estacionamento que lhe fora atribuído (Audiência de Discussão e Julgamento com Inspeção no Local pelo Tribunal, no dia 27.11.2023, pelas 14h10 - minutos: 00h18m32s-00h22m18s). XLV. A Apelada, confessa que através da planta conseguiu perceber a configuração do lugar de estacionamento, nomeadamente a existência de mais do que um pilar (embora inicialmente tenha tentado negar que se tinha apercebido dos pilares indicados na planta). XLVI. Com os elementos contidos nos autos e com a prova produzida, e sem mais, o Tribunal não tinha sequer como concluir quanto aos conhecimentos técnicos ou falta destes em relação ao Apelado, pois que em momento algum foi alegada ou provada a sua profissão ou formação técnica (aliás tendo sido talvez esse o motivo pelo qual apenas a Apelada apresentou declarações de parte). XLVII. No caso em concreto, mesmo não tendo inquirido as testemunhas e a Apelada, teria bastado ao Tribunal colocar o nome completo do Apelado num motor de busca na internet (designadamente, o Google) para encontrar facilmente as informações necessárias para o efeito, sendo informação pública e notória, até porque o mesmo pertence às Forças Armadas Portuguesas (através de uma mera pesquisa e em menos de cinco minutos aceder às seguintes informações quanto ao Apelado: Página de Facebook, (disponível em AA | Facebook); página de Linkedin, (disponível em AA | LinkedIn); obtenção de Medalha de Serviços Distintos, Grau Prata, nos termos do disposto nos artigos 16.º, 34.º e 38.º do Regulamento da Medalha Militar e das Medalhas Comemorativas das Forças Armadas, nos termos da Ordem do Exército Sumário 1.ª série n.º 05/31 de maio de 2017 Ministério da Defesa Nacional Estado-Maior do Exército (disponível em I - JUSTIÇA E DISCIPLINA - ORDEM DO EXÉRCITO (1library.org)); que o Apelado é Coronel de Artilharia das Forças Armadas e Chefe da Repartição de Apoio Social (disponível em Despacho n.º 11225/2023 | DR (diariodarepublica.pt)). XLVIII. Com outra breve pesquisa em relação à formação necessária a um Coronel de Artilharia, para verificar que - tal como faz todo o sentido, pois de outra forma não teriam capacidade tática e de organização militar -, a especialidade de Artilharia, tem na sua formação profissional a disciplina de Topografia, onde é obrigatória a interpretação de plantas (disponível em Academia Militar - Ciências Militares, na especialidade de Artilharia). LIX. Assim, cabia ao Tribunal, averiguar esta questão, ao abrigo e para os termos do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea c), do CPC, onde se estabelece que “2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: […] c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.” Entende-se por facto público e notório aqueles que “são os de conhecimento geral no país, os conhecidos pelo cidadão comum, pelas pessoas regularmente informadas, com acesso aos meios normais de informação. Para ser considerado facto público e notório, é indispensável um conhecimento extenso revestido do carácter de certeza. Por outro lado, é necessário que não possam ser considerados meras ilacções ou conclusões meramente jurídicas” (disponível em https://portal.oa.pt/cidadaos/glossario-oa-termos-juridicos/letra-f/) L. Com os conhecimentos técnicos para interpretação de plantas e de espaços, e mesmo tendo tido acesso à planta e tendo visitado o local, o Apelado decidiu assinar o auto de vistoria sem indicar qualquer problema e celebrar o contrato de compra e venda definitivo, não podendo vir alegar agora que apenas assim o fez por não compreender o que estava na planta e por não ser óbvio o suposto problema com o lugar de garagem. LI. Quanto ao conhecimento técnico ou não dos Apelados para interpretação da planta apresentada no âmbito da compra e venda do imóvel, e por aplicação do artigo 5.º, n.º 2, alínea c), do CPC, o facto dado por provado deveria ter sido o seguinte: “A Autora poderá não ter conhecimentos técnicos suficientes para perceber que os pilares vão interferir com o estacionamento e confiou que 23m2 era mais do que suficiente para estacionar os dois veículos dos Autores” “O Autor tem conhecimentos técnicos para perceber que os pilares existentes no lugar de estacionamento e a configuração do mesmo vão interferir com o estacionamento, mas decidiu de igual forma assinar o auto de vistoria como não havendo qualquer tipo de problema ou defeito no imóvel.” LII. Mesmo que não se entenda pela obrigação de conhecimento oficioso por se tratar de facto público e notório, sem prescindir, sempre se dirá quanto ao Apelado não foi transmitido aos autos por nenhum meio a sua profissão/formação, apenas se provou que a Apelada é médica, sendo omissa a fundamentação do Douto Tribunal para concluir quanto aos conhecimentos técnicos do Apelado, nunca podendo ter entendido e decido dar como provado que o Apelado não tinha os conhecimentos técnicos necessários à interpretação da planta relativa ao imóvel, em particular quanto ao lugar de estacionamento. LIII. Pelo que, quanto ao Facto Provado G), mal esteve o Tribunal a quo ao decidir da forma por que o fez, devendo, quanto a esta matéria, ter apenas considerado provado que: “A Autora não tem conhecimentos técnicos suficientes para perceber os pilares vão interferir com o estacionamento e confiou que 23m2 era mais do que suficiente para estacionar os dois veículos dos Autores.” E como não provado: “A verificação de conhecimentos técnicos por parte do Autor.” LIV. Dos Factos Provados O), P) e Q), resulta o seguinte: “O) No referido lugar um veículo de 4,60 metros de cumprimento e 2,16 metros de largura à altura dos espelhos retrovisor – não é possível estacionar de frente quando os outros lugares de estacionamento situados à frente daquele estão ocupados. P) Com o mesmo tipo de veículo, mas de marcha a trás, é possível fazer o estacionamento no espaço designado por “B”, da designação atrás referida, por referência à planta referida em H), após várias manobras de recuo e avanço (sendo, no entanto, necessário ao condutor sair do veículo para verificar se tinha espaço para efetuar a manobra) e também é possível fazer sair a viatura desse lugar, efetuando manobras para trás e para a frente, mas em menor número das que são utilizadas para ali estacionar. Q) No mesmo lugar é possível estacionar no espaço “A” - referido em H- mas após várias manobras de avanço e recuo e ficando o carro sem acesso do lado do condutor, sendo possível fazer a viatura sair, efetuando manobras de avanços e recuos, mas em menor número do que para ali estacionar.” LV. O Tribunal a quo não decidiu em conformidade, ignorando grande parte da prova relevante para esta matéria, produzida em sede de audiência de discussão e julgamento e com o alegado pelas partes nas respetivas peças processuais, nomeadamente, aquela onde se demonstra que é possível estacionar dois veículos ao mesmo tempo no lugar de estacionamento atribuído aos Apelados e onde, aliás, se confessa que é possível estacionar em simultâneo os veículos dos Apelados (artigo 31.º da Petição Inicial, no, indicam que “Um lugar de estacionamento que não dá para estacionar mais do que um motociclo ou um “Smart”, manifestamente não realiza o fim a que é destinado.”; Declarações de parte da Apelada na audiência de discussão e julgamento de 02.02.2024, das 15h09 às 16h04 - minutos: 00h29m13s-00h29m41s; 00h30m02s – 00h30m06s; 00h35m05s - 00h35m10s) LVI. Daqui resulta claro que, o lugar de estacionamento serve o seu propósito, sendo possível estacionar diversos tipos de veículos, dependendo do tipo de veículo e da capacidade de condução de quem está a tentar estacionar, não sendo exigível à Apelante que proporcione lugares de estacionamento onde possam estacionar todo e qualquer tipo de veículo, nomeadamente, de dimensões superiores aos veículos tradicionais e a condutores com pouca experiência ou capacidade de condução. LVII. Complementarmente aos factos provados O), P) e Q), devia adicionar-se o seguinte facto provado: “É possível estacionar sem dificuldades nos espaços designados como “A” e “B”, os veículos dos Autores quando não se encontrem veículos de dimensões superiores aos veículos tradicionais estacionados em frente ao lugar dos Autores, e é ainda possível estacionar outros tipos de veículos nesses mesmos locais, com ou sem veículos estacionados em frente, tais como veículos da marca Smart, e similares.” LVIII. No facto provado U) resulta o seguinte “A situação descrita provocou na A. mulher um profundo mau estar e desgosto, sentindo-se enganada e sentiu vergonha ao serem abordados por outros condóminos.” LIX. Não se produziu qualquer prova plena quanto a esta questão, sendo que nem a própria Apelada, aquando da prestação do seu depoimento falou sequer em nenhum dos sentimentos indicados no facto provado U), tendo esta indicado apenas que se sentiu “ridícula” e “chateada”, não se tendo demonstrado angustiada, nem manifestou qualquer tipo de sentimento de humilhação ou de vergonha (aliás, explicitamente disse que continuou a estacionar mesmo com os condóminos a alegadamente deixar recados no seu veículo), não tendo afirmado ter tido um profundo (nem sequer um leve) mau estar e/ou desgosto ou que tenha sido alvo de humilhações (declarações de parte da Apelada na audiência de discussão e julgamento de 02.02.2024, das 15h09 às 16h04 – minutos: 00h31m47s-00h31m55s; 00h40m52s-00h41m17s). LX. A irmã da Apelada, a testemunha DD, para além de ter sido uma testemunha muito pouco credível, foi manifestamente exagerada ao se referir aos eventuais danos morais sofridos pela Apelada derivados desta situação, tendo descrito a situação em causa como tendo sido um “calvário”, tanto para os Apelados como para ela, sendo que, para além de coincidir com o declarado pela Apelada, não se compreende em relação à testemunha, pois que o único envolvimento da mesma com o imóvel foi o tê-lo encontrado e a primeira conversa com o Sr. CC (Inquirição de testemunha DD, audiência de discussão e julgamento de 02.02.2024, das 11h57 às 12h42 – minutos: 00h01m58s-00h05m15s; 00h21m52s – 00h22m08s). LXI. A testemunha DD apenas veio acrescentar exagero e confusão aos autos, e como bem notou logo inicialmente o Meritíssimo Juiz, a testemunha foi chamada aos autos para ajudar os Apelados e não para apresentar um depoimento objetivo e verdadeiro, tendo o seu depoimento o resultado oposto, considerando a postura nervosa e embaraçada com a que a mesma apresentou os factos (tal como o Meritíssimo Juiz previra), o próprio Ilustre Mandatário dos Apelados, perante uma descrição da situação por parte da testemunha como tendo sido um calvário afirma “todos nós percebamos que a situação fosse muito desagradável”, numa clara tentativa de retirar a exorbitância do relato feito pela testemunha. LXII. A testemunha EE, tece algumas considerações quanto ao estado da Apelada relativamente aos danos morais supostamente sofridos pela Apelada, sendo esta colega de trabalho da Apelada, mas esta testemunha apenas tem um depoimento espontâneo nos primeiros minutos quando indica que a Apelada passou de ser uma pessoa de sorriso fácil, esteve um período um “bocadinho mais triste” (Inquirição Testemunha EE na audiência de discussão e julgamento de 02.02.2024, das 15h01 às 15h07 – minutos: 00h01m46s-00h02m10s). LXIII. O resto do seu testemunho foi guiado pelo Ilustre Mandatário dos Apelados, onde já cai no mesmo erro da testemunha DD e exagera quanto ao estado de ânimo da Apelada em relação à situação do lugar de estacionamento, dizendo que era uma coisa que a atormentava, que estava em desespero, que condicionava o seu dia-a-dia (Inquirição Testemunha EE na audiência de discussão e julgamento de 02.02.2024, das 15h01 às 15h07 – minutos: 00h02m37s – 00h03m05s; 00h03m49s - 00h04m46s). LXIV. Considerando o que está em causa na situação em apreço, e atendendo à experiência e senso comum, é manifestamente exagerado assumir como consequência que isto tudo fosse um tormento e causa de desespero junto da Apelada, para além do assumido pela própria Apelada, a situação era de fácil resolução (não tendo que ser tão pungente como foi), bastando proceder à troca dos veículos que os Apelados detinham na altura por outros com dimensões adequadas ao lugar de estacionamento (bastando adquirir um veículo de dimensões tradicionais para tal). LXV. É que é no mínimo estranho não o terem feito, considerando que o projeto de vida era a aquisição do imóvel em apreço, e não a utilização dos dois veículos e a possibilidade de os colocar em simultâneo na garagem que viessem adquirir com a compra do imóvel. LXVI. Em nenhum dos testemunhos se retira de forma credível qualquer gravidade relativamente às consequências não patrimoniais na esfera da Apelada, apenas se referindo situações de algum stress e aborrecimento por parte desta, apenas se chega à conclusão de que a situação para a esta foi um mero aborrecimento temporário e que se sentiu ridícula porque teve que mudar de lugar devido à dificuldade que a mesma sentia ao estacionar. LXVII. E mesmo que se admitissem como verdadeiros os factos dados por provados pelo Tribunal a este respeito, o que por mero dever de patrocínio se admite, atendendo a que dos mesmos não se retira nenhuma consequência gravosa para a Apelada, a conclusão a que a Apelante alcança é a mesma: os danos aqui em causa não merecem minimamente a tutela do direito. LXVIII. Assim, quanto ao Facto Provado U) apenas se poderia considerar como provado o seguinte: “A situação descrita provocou na Autora mulher algum aborrecimento, sentindo-se triste, chateada e enganada.” LXIX. Já no que se refere à matéria de direito, mal esteve o tribunal ao decidir pela existência de cumprimento defeituoso e/ou venda de bem defeituoso (confundindo até os conceitos), pois que a interpretação correta das normas a estes conceitos inerentes deriva em conclusão completamente oposta. A Apelante não terá como poder concordar com tal entendimento, pois que o contrato promessa de compra e venda e o contrato de compra e venda definitivo celebrados com os Recorridos foram cumpridos na integralidade e pontualmente por aquela e porque inexiste qualquer defeito quanto ao bem. LXX. Relativamente ao cumprimento do contrato, conforme se verifica do contrato promessa de compra e venda, junto aos autos pelos Apelados com a Petição Inicial, neste, a Apelante, na qualidade de Promitente Vendedora, promete vender a futura fração autónoma de tipologia T2+1, que iria corresponder à letra A1, sita no rés-do-chão, o qual inclui 1 lugar de estacionamento com a referência A1, sito no piso -2 e 1 arrecadação com a referência A1, sita no piso -2 que formará parte integrante do empreendimento (tendo-se junto a planta como Anexo I) a situar-se na ..., Quinta ..., ..., comercialmente designado por ... – Edifício ..., na freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, o qual se encontra registado na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ..., da freguesia ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., da mesma freguesia, em contrapartida do pagamento do preço total de € 236.250,00 (duzentos e trinta e seis mil, duzentos e cinquenta euros). LXXI. Acrescenta-se no contrato promessa que a futura fração autónoma teria aproximadamente o design, área e acabamentos estabelecidos no Anexo I. LXXII. Do contrato promessa não resulta qualquer condição resolutiva ou suspensiva para a celebração do contrato final, salvo as condições de outorga da Escritura, contidas na cláusula 4.ª, da qual resulta apenas indicações quanto às comunicações da finalização da obra, a data prevista para tal, quanto à entrega de telas finais e propriedade horizontal, pedido de Licença de Utilização do edifício e o prazo para a outorga da escritura. LXXIII. Já na DPA de compra e venda definitiva, pode ler-se o seguinte: “PRIMEIRA (Objeto) A Primeira Contratante, aqui devidamente representada, vende aos Segundos Contratantes, que a aceitam, a Fração Autónoma, designada pela letra “A”, correspondente a habitação no piso zero, rés-do-chão A1, com 2 terraços, estacionamento ... e o arrumo A08, ambos ao nível do piso menos 2, com entrada pelo ... da Travessa ..., com o que a compõe, a qual faz parte do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, registada pela inscrição corresponde AP. ... de 2019/06/06, sito na ... – ..., Travessa ..., ..., da freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o número ..., com o registo de aquisição a favor da Primeira Contratante pela inscrição correspondente AP. ... de 2017/07/11, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ..., com o valor patrimonial de 125.920,00 e adiante designada por IMÓVEL. […] QUARTA (Licenciamento Camarário) O Imóvel tem o Alvará de Autorização de Utilização n.º ..., emitido em 2019/11/26, pela competente Câmara Municipal ..., para o prédio de que faz parte a fração objeto do presente negócio.” LXXIV. Em nenhum dos documentos acima indicados ou noutro complementar a Apelante se compromete ou se estabelece como fazendo parte das suas obrigações que terá de entregar um lugar de estacionamento que permita o estacionamento de dois lugares, dos contratos resultando que o imóvel disporá de um lugar de estacionamento (de ressaltar que no próprio contrato promessa, está a negrito o número um quando diz “1 lugar de estacionamento”), estando as áreas consagradas nas plantas relativamente às quais os Apelados tiveram acesso desde um momento pré-negocial, e tendo o lugar de estacionamento efetivamente os 23m2 referidos na planta e ficha técnica do imóvel; o prédio, inclusive o lugar de estacionamento em causa cumpre com todos os requisitos legais, e está em plena conformidade com os projetos apresentados e com o Alvará de construção aprovado pela Câmara Municipal. LXXV. A Apelante entregou o bem que prometeu vender, nos termos e com as condições em que se obrigou, i.e., entregou a fração autónoma com um lugar de estacionamento, um lugar de arrumos, devidamente licenciada junto da Câmara Municipal competente e já constituída em propriedade horizontal. LXXVI. Os próprios Apelados ao longo da sua exposição indicam que, como o lugar tinha 23 m2, assumiram que no mesmo conseguiriam colocar os seus dois veículos e a Apelante no seu depoimento o corrobora, não se tendo apresentado qualquer tipo de prova credível em como tivesse havido algum tipo de negociação pré-negocial em que a Apelante se comprometesse a entregar o imóvel com um lugar de estacionamento que permitisse o estacionamento dos dois veículos dos Apelados. LXXVII. Ficou comprovado pelos ensaios realizados no lugar de estacionamento em causa e pelas declarações prestadas pela Apelada, que é possível estacionar nesse mesmo lugar, havendo apenas mais dificuldade a estacionar veículos de maiores dimensões quanto existem outros também de maiores dimensões estacionados em frente (00h29m13s-00h29m30s; 00h30m02s; 00h35m05s, das declarações da Apelante na audiência de discussão e julgamento de 02.02.2024, das 15h09 às 16h04). 78.º Ora, o lugar de estacionamento, é um espaço cujo objetivo e finalidade é colocar os veículos devidamente estacionados, cujo dimensionamento depende do tipo de utilização a dar e das regras urbanísticas. 79.º Assim sendo, forçosamente se deverá concluir pelo cumprimento integral e pleno do contrato, tanto do contrato promessa de compra e venda como o de compra e venda definitiva, nos termos e para efeitos dos artigos 762.º e seguintes do Código Civil, devendo a Ré ser absolvida do pedido. LXXVIII. Verificando a existência ou não de venda de bem defeituoso, temos que resulta do artigo 913.º do Código Civil, que há venda de coisa defeituosa “1. Se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes. “2. Quando do contrato não resulte o fim a que a coisa vendida se destina, atender-se-á à função normal das coisas da mesma categoria.” LXXIX. Ficou provado que os Apelados compraram o imóvel por € 236.250,00 (duzentos e trinta e seis mil, duzentos e cinquenta euros) em 19 de Fevereiro de 2020 e venderam o venderam por € 275.000,00 (duzentos e setenta e cinco mil euros), em 21 de Março de 2022. Obtiveram, assim, um lucro de € 38.750,00 (trinta e oito mil, setecentos e cinquenta euros) – lucro de 16,40%, em dois anos. Os preços médios dos imóveis entre 2020 (€ 2.036,00 m2) e 2022 (€ 2.333,00 m2), evoluíram positivamente em 14,59% (informação disponível em Evolução do preço das casas à venda, Portugal - idealista). LXXX. Pelo que, o imóvel dos Apelados não só não sofreu qualquer desvalorização, como, ainda, com a venda daquele, os Apelados conseguiram um lucro acima da média nacional no ano de venda, não havendo vício de desvalorização da coisa. LXXXI. Ficou provado que no lugar de estacionamento em apreço foi possível estacionar diversos tipos de veículos, inclusive os veículos dos Apelados, e ainda, um Smart, e um Skoda ..., respeitando todas as regras urbanísticas aplicáveis e correspondendo o resultado final da obra, ao projetado e aprovado no respetivo Alvará de Construção, pelo que o lugar de estacionamento cumpre com o fim a que se destina: estacionamento de veículos, tampouco havendo vício a este respeito. LXXXII. A Apelante comprometeu-se a entregar um imóvel com lugar de estacionamento 23m2, foi entregue aos Apelados um imóvel em que faz parte integrante um lugar de estacionamento com área de 23m2, tendo ficado como facto provado, não tendo sido prometido aos Apelados que o lugar dava para os dois veículos que os mesmos possuíam, pois que a Apelante desconhecia quais os veículos em causa, inexistindo qualquer documento que tenha feito parte da pré-negociação, da negociação e da concretização do negócio indicação de um fim específico a que o lugar de estacionamento se destinasse. LXXXIII. Assim, temos que as qualidades asseguradas pela Apelante aquando da negociação correspondem às qualidades do bem quando entregue aos Apelados e as qualidades necessárias à realização ao fim a que se destina também se verificam existentes, não se verificando qualquer vício no que se refere às qualidades ou condições garantidas pela Apelante, correspondendo o bem, na perfeição, aquilo que foi garantido. 86.º Mal esteve o Douto Tribunal ao decidir pela condenação da Apelante por cumprimento defeituoso, considerando que a prestação realizada corresponde na íntegra à prestação acordada, inexistindo qualquer falta de qualidades ou requisitos da prestação em si. LXXXIV. Mal estaria o Tribunal a quo ao entender que se encontravam preenchidos os requisitos para a verificação de uma venda de coisa defeituosa, pois, tal como se provou, não houve desvalorização da coisa, a coisa realizou o fim a que se destina tendo as qualidades necessárias para tal, sendo as mesmas qualidades que foram asseguradas pela Apelante. LXXXV. O Tribunal a quo, perante a boa interpretação das normas aqui em apreço, por forma a apresentar uma correta interpretação e aplicação dos artigos 762.º e 913.º do Código Civil, deveria ter decidido pelo cumprimento integral e pleno da prestação por parte da Apelante, e à inexistência de qualquer defeito do bem vendido, devendo ter decido pela absolvição da Apelante do pedido quanto à redução do preço. LXXXVI. No que se refere aos danos não patrimoniais, mal esteve o Tribunal a quo ao decidir pela existência dos mesmos e pela consequente condenação da Apelante no pagamento de € 1.000,00 (mil euros) a título de indemnização por esses mesmos danos, tendo chegado à seguinte conclusão e aplicação das normas legais “[…] ficou provado que a situação descrita quanto à impossibilidade de utilização do lugar de estacionamento provocou na A mulher um profundo mau estar e desgosto, sentindo-se enganada e sentiu vergonha ao serem abordados por outros condóminos.” LXXXVII. Como fundamento legal para tal conclusão o Douto Tribunal apenas transcreve o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 13 de julho de 2022, onde pode ler-se “[…] a jurisprudência praticamente unânime do STJ, no sentido de que nada justifica excluir do âmbito da responsabilidade contratual a possibilidade de nele se fazer vingar a responsabilidade por danos não patrimoniais, apenas se exigindo, tal como no âmbito da responsabilidade extracontratual, que se esteja perante um dano que seja de tal modo grave que mereça a tutela do direito e que se verifiquem os requisitos da obrigação de indemnizar vertidos nos arts. 483.º e 496.º, ambos do C. Civil […]” 91.º Não se poderá concordar sequer com esta conclusão não se tendo produzido qualquer prova cabal quanto a esta questão, sendo que nem a própria Apelada, aquando da prestação das suas declarações falou sequer em nenhuma destas consequências e/ou sentimentos associados ao assunto em debate. LXXXVIII. De facto a Apelada, apenas indica que se sentiu “ridícula” e que “chateada”, não se tendo demonstrado angustiada, nem manifestou qualquer tipo de sentimento de humilhação ou de vergonha, não tendo afirmado ter tido um profundo mau estar e desgosto (declarações de parte da Apelada na audiência de discussão e julgamento de 02.02.2024, das 15h09 às 16h04 – minutos: 00h31m47s-00h31m55s; 00h40m52s-00h41m17s). LXXXIX. Mesmo que se admitissem como verdadeiros os factos dados por provados pelo Tribunal a este respeito, o que por mero dever de patrocínio se admite, a conclusão a que a Apelante alcança é a mesma: os danos aqui em causa não merecem minimamente a tutela do direito, não se tendo sequer alegado, muito menos provado qualquer tipo de consequência com gravidade (por exemplo, de ansiedade ou depressão), apenas se indicando que foi uma chatice e que se sentiu ridícula e que a Apelante estava a sacudir a água da capota LXC. Quanto ao ressarcimento por danos morais, e os requisitos mínimos para serem passíveis de tutela do direito, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 20.10.2005, e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 07.11.2018 (disponíveis em IGFEJ - Bases Jurídico-Documentais (dgsi.pt)) LXCI. O Tribunal a quo, pela correta interpretação e aplicação do artigo 496.º do Código Civil, atendendo ao entendimento da jurisprudência maioritária e bem assim como aos danos morais alegadamente sofridos pela Apelada, apenas poderia ter decido pela ausência de gravidade merecedora de tutela jurídica, sendo apenas meros aborrecimentos e desgostos comuns e sem consequências para a Apelada, devendo ter concluído pela absolvição total, e não apenas parcial, da Apelante do pedido quanto aos danos não patrimoniais. 96.º Nestes termos, sempre deverá revogar-se a douta sentença recorrida, substituindo-se a mesma por douta decisão que declare a absolvição da Apelante por inexistência de qualquer tipo de responsabilidade, seja ela pré-contratual, contratual ou por venda defeituosa, não havendo qualquer tipo de fundamento para a redução de preço pedida pelos Autores nem para pagamento de indemnização por danos morais. * Foram apresentadas contra-alegações, onde os AA./recorridos concluíram pedindo a manutenção da sentença recorrida com atualização da valorização do dano não patrimonial para o valor de € 2.500,00.* Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.* 2. Factos2.1 Factos provados O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos: 1.A R. é uma sociedade comercial por quotas, que tem como objecto social a indústria de construção civil e empreitadas de obras públicas, nomeadamente construção de edifícios e obras de urbanização; compra, venda de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim; gestão, administração e arrendamento de imóveis; mediação imobiliária. 2. Pelo preço de €236.250,00 AA. e Ré celebraram um contrato de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca em 19 de Fevereiro de 2020, de uma fracção autónoma designada pela letra A, correspondente a habitação no piso 0, rés-do-chão A1, com 2 terraços, estacionamento nº 32 e o arrumo, A08, ambos ao nível do piso menos 2, com entrada pelo número ... da Travessa ..., com o que a compõe, a qual faz parte do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, registada pela inscrição AP. ... de 2019/06/06, sito na ... - ..., Travessa ..., ..., da freguesia ..., Concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº ..., inscrito na matriz predial urbana ...-A. 3. O contrato referido em B) foi precedido do contrato promessa de compra e venda junto como doc. 2 - de bem futuro sujeito a condição - outorgado em 18 de Janeiro de 2018, quando o edifício ainda estava em planta. 4. Quando a fração lhes foi vendida foi-lhes explicado, explicitado e destacado que embora tivesse um único lugar de garagem o mesmo tinha 23 m2, o que dava para estacionar dois veículos automóveis, condição que foi explicada ao vendedor e assegurada por este 5. Os AA. quando celebraram o contrato de compra e venda e receberam a chave nunca os AA se aperceberam do defeito existente no seu lugar de garagem, que nunca sequer tinham visto “in loco” 6. Só com a utilização do lugar é que começaram a perceber que quando os lugares da frente estivessem ocupados se veriam impedidos de utilizar os mesmos 7. Os AA. não têm conhecimentos técnicos para perceberem se aquele pilar vai interferir com o estacionamento e confiaram que 23m2 era mais do que suficiente para estacionar dois veículos médios. 8. Os AA. fizeram em alterações de carpintaria no apartamento. 9. O prédio urbano em apreço está devidamente licenciado junto da Câmara Municipal ..., tendo sido, posteriormente, submetido ao regime da propriedade horizontal 10. No dia 15 de Fevereiro de 2020, os AA. procederam à vistoria do imóvel, no qual se inclui o lugar de estacionamento em causa a segunda página do doc. n.º 2, no quadro referente a “Situações não conformes”, não foi indicada pelo aqui A. qualquer anomalia ou desconformidade do apartamento que adquiriu à R. 11. O referido lugar de estacionamento tem a área de 23 m2. 12. No referido estacionamento existem três pilares assinalados como “P1”, “P2” e “P3” na planta junta aos autos na diligência realizada a e que aqui se dá por integralmente reproduzida. 13. Nesta planta foram ainda assinalados espaços, classificados como “A”, contiguo à parede, e “B”, a 1 metro de altura 14. Por referência a essa identificação no espaço “A” há um desvio para menos 4 cm, entre a parede e o pilar “P1” e no espaço “B”, verifica-se entre os pilares “P1” e “P2” um desvio de mais 2 cm. 15. No referido lugar um veículo de 4,60 metros de cumprimento e 2,16 metros de largura à altura dos espelhos retrovisor – não é possível estacionar de frente quando os outros lugares de estacionamento situados à frente daquele estão ocupados. 16. Com o mesmo tipo de veículo, mas de marcha a trás, é possível fazer o estacionamento no espaço designado por “B”, da designação atrás referida, por referência à planta referida em H), após várias manobras de recuo e avanço (sendo, no entanto, necessário ao condutor sair do veículo para verificar se tinha espaço para efetuar a manobra) e também é possível fazer sair a viatura desse lugar, efetuando manobras para trás e para a frente, mas em menor número das que são utilizadas para ali estacionar. 17. No mesmo lugar é possível estacionar no espaço “A” - referido em H- mas após várias manobras de avanço e recuo e ficando o carro sem acesso do lado do condutor, sendo possível fazer a viatura sair, efetuando manobras de avanços e recuos, mas em menor número do que para ali estacionar. 18. Os AA. enviaram à Ré em 12-03-2020, que recebeu, o mail junto como doc. 3 da PI. 19. No seguimento desse e-mail e das conversas havidas entre AA. e um representante da Ré esta enviou o e-mail, datado de 02-04-2020, junto como doc. 4 da PI. 20. A R acabou por propor aos AA. que utilizasse para estacionar um local piso -1 em parte comum do prédio o que a Administração do Condomínio acabou por proibiu. 21. A situação descrita provocou na A. mulher um profundo mau estar e desgosto, sentindo-se enganada e sentiu vergonha ao serem abordados por outros condóminos. 22. Por contrato outorgado em 21 de Março de 2022 os AA. venderam a FF a fração a que se refere a alínea A) pelo preço de € 275.000,00 (duzentos e setenta e cinco mil euros), não fazendo menção neste contrato a qualquer vício ou limitação do lugar de estacionamento em causa. * 2.2. Factos não provadosO Tribunal a quo considerou não provados os seguintes factos: - que para os AA. fosse condição essencial da compra a possibilidade de estacionarem no lugar em causa dois veículos. - que nos referidos trabalhos de carpintaria os AA. tivessem gasto a quantia de €30.000,00. - que a R. tenha reconhecido a sua responsabilidade e que tenha comunicado que iria resolver o problema do estacionamento de um veículo, mas o lugar apresentado como solução apenas dispunha de cerca de 10 m2, tendo a Ré ficado de encontrar uma solução para o espaço em falta. - que os AA. tivessem vendido a fração fazendo ao comprador um desconto de €20.000,00 em resultado do modo de configuração do lugar de estacionamento em causa. * 3. Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar:Das conclusões formuladas pela recorrente as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que as questões a resolver prendem-se com saber: - da nulidade da decisão; - da impugnação da matéria de facto; - do cumprimento defeituoso do contrato; - da existência e valorização dos danos não patrimoniais. * 4. Conhecendo do mérito do recurso4.1 Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia Defende, desde logo, a Ré/Apelante que não se tendo pronunciado o Tribunal a quo relativamente à culpa dos lesados (Apelados), omitiu o seu dever de pronúncia, previsto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, incorrendo, por isso, a decisão no vício da nulidade por omissão de pronúncia. Segundo o disposto no artigo 615º, n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil é nula a sentença quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. Esta previsão legal está em consonância com o comando do artigo 608º, n.º 2 do Código de Processo Civil, em que se prescreve que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.” Importa, no entanto, não confundir questões colocadas pelas partes, com os argumentos ou razões, que estas esgrimem em ordem à decisão dessas questões neste ou naquele sentido. De facto, as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções deduzidas, desde que se apresentem, à luz das várias e plausíveis soluções de direito, como relevantes para a decisão do objecto do litígio e não se encontrem prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. Coisa diferente das questões a decidir são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem “questões” no sentido pressuposto pelo citado artigo 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil. Assim, se na apreciação de qualquer questão submetida ao conhecimento do julgador, este não se pronuncia sobre algum ou alguns dos argumentos invocados pelas partes, tal omissão não constitui uma nulidade da decisão por falta de pronúncia. Neste sentido, colhendo a lição de J. Alberto dos Reis, in ob. cit., pág. 151, refere este Ilustre Professor, que “uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção.” (…) São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”. Este entendimento tem, como é consabido, sido corroborado, há muito, pela jurisprudência que sempre o acolheu defendendo que a não apreciação de um ou mais argumentos aduzidos pelas partes não constitui omissão de pronúncia, porquanto o Juiz não está obrigado a ponderar todas as razões ou argumentos invocados nos articulados para decidir certa questão de fundo, estando apenas obrigado a pronunciar-se “sobre as questões que devesse apreciar” ou sobre as “questões de que não podia deixar de tomar conhecimento” - Abrantes Geraldes In Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª edição, pág. 283. Quer isto dizer que ao Tribunal cabe o dever de conhecer do objecto do processo, definido pelo pedido deduzido (à luz da respetiva causa de pedir - cfr. artigo 581º, n.º 4, do Código de Processo Civil, que consagra o denominado princípio da substanciação) e das excepções deduzidas. Terá, pois, de apreciar e decidir todas as questões trazidas aos autos pelas partes - pedidos formulados, excepções deduzidas, (…) - e todos os factos em que assentam, mas já não está obrigado a pronunciar-se sobre todos os argumentos esgrimidos nos autos. A não apreciação de algum argumento ou razão jurídica invocada pela parte pode, eventualmente, prejudicar a boa decisão sobre o mérito das questões suscitadas. Porém, daí apenas pode decorrer um, eventual, erro de julgamento ou “error in iudicando”, mas já não um vício (formal) de omissão de pronúncia. Feitas estas considerações, cremos que, in casu, não existe qualquer “omissão de pronúncia” na decisão recorrida. De resto, ao invés do que agora preconiza a Ré/Apelante, à luz do princípio de boa-fé e dos usos e bons costumes, competia sim à Ré avisar/alertar o comprador de que o lugar de garagem de 23 m2 que correspondia ao apartamento em questão, atenta a sua especial configuração, apesar da referida área, não permitiria o estacionamento de um veículo de dimensão normal sem um número assinalável de manobras. Nunca, em tempo algum, se impunha ao comprador “descobrir” que um lugar com aquelas medidas poderia ter aquelas limitações, uma vez que o problema reside na posição concreta da coluna que corta o ângulo da manobra de estacionamento. Ou seja, o que a Apelante deveria ter feito era advertir os potenciais compradores do referido problema, não carecendo a referida temática de mais considerações adicionais, além das vertidas na sentença. Termos em que se considera que também não houve qualquer “omissão de pronúncia” na decisão recorrida, improcedendo assim, neste âmbito, a apelação apresentada. 4.2 Da impugnação da matéria de facto A apelante em sede recursiva manifesta-se, ainda, discordante da decisão que apreciou a matéria de facto quanto às alíneas D), E), F), G), J), O), P), Q) e U). Consta das referidas alíneas dadas como provadas que: “D. 4. Quando a fração lhes foi vendida foi-lhes explicado, explicitado e destacado que embora tivesse um único lugar de garagem o mesmo tinha 23 m2, o que dava para estacionar dois veículos automóveis, condição que foi explicada ao vendedor e assegurada por este E. 5. Os AA. quando celebraram o contrato de compra e venda e receberam a chave nunca os AA se aperceberam do defeito existente no seu lugar de garagem, que nunca sequer tinham visto “in loco” F. 6. Só com a utilização do lugar é que começaram a perceber que quando os lugares da frente estivessem ocupados se veriam impedidos de utilizar os mesmos G. 7. Os AA. não têm conhecimentos técnicos para perceberem se aquele pilar vai interferir com o estacionamento e confiaram que 23m2 era mais do que suficiente para estacionar dois veículos médios. I. 9. O prédio urbano em apreço está devidamente licenciado junto da Câmara Municipal ..., tendo sido, posteriormente, submetido ao regime da propriedade horizontal J. 10. No dia 15 de Fevereiro de 2020, os AA. procederam à vistoria do imóvel, no qual se inclui o lugar de estacionamento em causa a segunda página do doc. n.º 2, no quadro referente a “Situações não conformes”, não foi indicada pelo aqui A. qualquer anomalia ou desconformidade do apartamento que adquiriu à R. O. 15. No referido lugar um veículo de 4,60 metros de cumprimento e 2,16 metros de largura à altura dos espelhos retrovisor – não é possível estacionar de frente quando os outros lugares de estacionamento situados à frente daquele estão ocupados. P. 16. Com o mesmo tipo de veículo, mas de marcha a trás, é possível fazer o estacionamento no espaço designado por “B”, da designação atrás referida, por referência à planta referida em H), após várias manobras de recuo e avanço (sendo, no entanto, necessário ao condutor sair do veículo para verificar se tinha espaço para efetuar a manobra) e também é possível fazer sair a viatura desse lugar, efetuando manobras para trás e para a frente, mas em menor número das que são utilizadas para ali estacionar. Q. 17. No mesmo lugar é possível estacionar no espaço “A” - referido em H- mas após várias manobras de avanço e recuo e ficando o carro sem acesso do lado do condutor, sendo possível fazer a viatura sair, efetuando manobras de avanços e recuos, mas em menor número do que para ali estacionar. U. 21. A situação descrita provocou na A. mulher um profundo mau estar e desgosto, sentindo-se enganada e sentiu vergonha ao serem abordados por outros condóminos.”. Defende a Apelante que o facto dado como provado sob a alínea D), apenas deveria ter sido considerado provado nos seguintes termos: “Quando a fração lhe foi vendida os Autores foram informados de que a mesma teria um único lugar de garagem, com 23m2.” Relativamente aos factos provados sob as alíneas E), J) e F), invoca a existência de contradição entre os factos dados como provados sob as alíneas E) e J). Assim, enquanto o facto provado sob a alínea E) indica: “E) Os AA. quando celebraram o contrato de compra e venda e receberam a chave nunca os AA. se aperceberam do defeito existente no seu lugar de garagem, que nunca sequer tinham visto “in loco”.” Já no facto provado sob a alínea J) diz-se o seguinte: “J) No dia 15 de Fevereiro de 2020, os AA. procederam à vistoria do imóvel, no qual se inclui o lugar de estacionamento em causa e a segunda página do doc. n.º 2, no quadro referente a “Situações não conformes”, não foi indicada pelo aqui A. qualquer anomalia ou desconformidade do apartamento que adquiriu.”. Relativamente ao facto dado como provado sob a alínea F), defende que o mesmo deveria ter sido considerado provado nos seguintes termos: “Quando o Apelado entrou com o seu veículo na garagem no dia 06.03.2020, apercebeu-se da configuração do lugar de estacionamento e da dificuldade (mas não impossibilidade) de estacionar os veículos dos Apelados, tendo assinado nessa mesma data, sem reservas nem indicações de qualquer tipo de defeitos, o auto de vistoria realizada a 15.02.2020, aceitando o imóvel conforme entregue.” Quanto ao facto provado sob a alínea G), pugna que o Tribunal a quo apenas deveria ter considerado provado que: “A Autora não tem conhecimentos técnicos suficientes para perceber os pilares vão interferir com o estacionamento e confiou que 23 m2 era mais do que suficiente para estacionar os dois veículos dos Autores”. E como não provado: “A verificação de conhecimentos técnicos por parte do Autor.”. Quanto aos factos provados sob as alíneas O), P) e Q) mencionou que o Tribunal a quo não decidiu bem, devendo adicionar-se o seguinte facto como provado: “É possível estacionar sem dificuldades nos espaços designados como “A” e “B”, os veículos dos Autores quando não se encontrem veículos de dimensões superiores aos veículos tradicionais estacionados em frente ao lugar dos Autores, e é ainda possível estacionar outros tipos de veículos nesses mesmos locais, com ou sem veículos estacionados em frente, tais como veículos da marca Smart, e similares.” Defende, por fim, quanto ao facto dado como provado sob a alínea U) que apenas se deveria ter considerado como provado que: “A situação descrita provocou na Autora mulher algum aborrecimento, sentindo-se triste, chateada e enganada.” Vejamos, então. No caso vertente, mostram-se minimamente cumpridos os requisitos da impugnação da decisão sobre a matéria de facto previstos no artigo 640.º, do Código de Processo Civil, nada obstando a que se conheça da mesma. Entende-se actualmente, de uma forma que se vinha já generalizando nos tribunais superiores, hoje largamente acolhida no artigo 662.º do Código de Processo Civil, que no seu julgamento, a Relação, enquanto tribunal de instância, usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância (artigo 655.º do anterior Código de Processo Civil e artigo 607.º, n.º 5, do actual Código de Processo Civil), em ordem ao controlo efectivo da decisão recorrida, devendo sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras de experiência e da lógica jurídica na análise das provas, como garantia efectiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto; porém, sem prejuízo do reconhecimento da vantagem em que se encontra o julgador na 1ª instância em razão da imediação da prova e da observação de sinais diversos e comportamentos que só a imagem fornece. Como refere A. Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, págs. 224 e 225, “a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”. Importa, pois, por regra, reexaminar as provas indicadas pela recorrente e, se necessário, outras provas, máxime as referenciadas na fundamentação da decisão em matéria de facto e que, deste modo, serviram para formar a convicção do Julgador, em ordem a manter ou a alterar a referida materialidade, exercendo-se um controlo efectivo dessa decisão e evitando, na medida do possível, a anulação do julgamento, antes corrigindo, por substituição, a decisão em matéria de facto. Reportando-nos ao caso vertente, constata-se que o Senhor Juiz a quo, após a audiência e em sede de sentença, motivou a sua decisão sobre os factos nos seguintes meios de prova: “O tribunal decidiu a matéria de facto ponderando: - quanto à natureza jurídica da R - Certidão comercial permanente; - quanto aos referidos contratos de compra e venda e de promessa e auto de vistoria e respetivo conteúdo: documentos juntos aos autos pelas partes e não impugnados; - quanto ao cumprimento dos regulamentos de edificação em vigor: informação da CM ...; - quanto às dimensões e configuração do lugar de estacionamento, bem como quanto ao modo de realização do estacionamento de viaturas no local: relatório pericial e auto de inspeção ao local; - quanto à relevância para os AA da possibilidade de estacionamento de um e de dois veículos no lugar de estacionamento em causa: declarações de parte da A e depoimentos das testemunhas GG e HH, ambas assinalando que dados os frequentes assaltos na zona e a erosão decorrente da proximidade do mar era importante para os AA que as suas viaturas ficassem recolhidas. - quanto ao conhecimento por parte da R da relevância para os AA da possibilidade de estacionar dois veículos no lugar de estacionamento em causa: Que o assunto foi falado aquando das negociações preparatórias ao contrato promessa resulta das declarações da A. É certo que as negociações ocorreram com um «encarregado da venda» cujo vínculo à R não ficou esclarecido – se seu representante, empregado, empregado de empresa associada ou simplesmente agente imobiliário de um empresa terceira sem vínculo à R - mas, por um lado a negociação dos AA com a R que conduziu à contratação ocorreu no local da construção mediante contato com pessoa que nesse local procedia à comercialização do imóvel e, por outro lado, também das declarações de parte da A resulta que na própria assinatura do contrato promessa essa pessoa se encontrava juntamente com o representante legal da R no local tendo intervindo assinalando precisamente que não obstante se referir apenas um lugar de estacionamento nele caberiam dois veículos, sem oposição ou intervenção daquele. - Não obstante a testemunha GG tenha afirmado a essencialidade do estacionamento de dois veículos no local para a decisão de comprada fração em causa pelos AA o seu depoimento pareceu dirigido a essa afirmação - começou o seu depoimento precisamente por aludir ao (suposto) carater essencial do lugar de estacionamento que fazia mesmo quase indiferente a tipologia do apartamento (o que não é credível) – sendo certo que acabou por referir (como aliás também a própria A nas suas declarações de parte) que importava para a A zona, a proximidade ao local de trabalho, sendo que, na altura, não havia (segundo elas) outros empreendimentos disponíveis nessa zona. Por outro lado, não é razoável admitir que, caso se tratasse efetivamente de um aspeto essencial para a aquisição da fração em causa, os AA quando confrontados com a identificação do único lugar atribuído não reclamasse ou protestassem ou até se recusassem a celebrar os contratos que outorgaram. Sem embrago, não sendo de concluir ter sido essencial pelas razões expostas, resultou das declarações de parte da A que a possibilidade de estacionar dois veículos no local foi um elemento ponderado e favorável na sua decisão de compra da fração em causa. - O valor dos trabalhos de carpintaria não se deu como provado pois apesar de genericamente referido pela A. e pela testemunha GG, sua irmã, não foi junta prova nem documental nem testemunhal que minimamente o confirme. - Também não se deu como provada que os AA. tivessem vendido a fração por menor 20.000,00 em resultado do modo de configuração do lugar de estacionamento: Por um lado porque a esse valor chegaram os AA. por cálculo partindo de valor do m2 da habitação para daí partir, mediante uma proporção sem qualquer apoio probatório, para o valor do m2 do lugar de estacionamento e, depois, porque esse facto embora referido genericamente pela A. e pelas testemunhas GG e II não foi cabalmente comprovado mediante confirmação com meio de prova idóneo nomeadamente prova das negociações havidas com o comprador da fração (que não foi indicado como testemunha) ou prova documental. É que nenhuma das testemunhas disse ter assistido às negociações para a venda limitando-se a reproduzir (nessa pare) o que a A lhes disse e as declarações da parte (a testemunhas e em audiência) não é suficiente para ser afirmado o facto em causa (favorável aos AA.) quando havia meios probatórios de fácil realização que não foram acionados. As consequências emocionais e incómodos sentidos pela A assentou para além das suas próprias declarações, no depoimento das testemunhas HH e EE que explicitaram como na altura a situação afetava a A. Para melhor apreensão da explicitada análise crítica da prova produzida segue como anexo I uma síntese dos segmentos mais relevantes das declarações prestadas em audiência.”. Tendo presentes estes elementos probatórios e demais motivação, vejamos então se, na parte colocada em crise, a referida análise crítica corresponde à realidade dos factos ou se a matéria em questão merece, e em que medida, a alteração pretendida pela apelante. Insurge-se a Recorrente contra tal decisão por entender que o Tribunal a quo valorou erradamente a prova oferecida nos segmentos fácticos em causa, sem que, todavia, relativamente a alguns segmentos da impugnação tivesse devidamente explicitado em que termos pretendia a resposta aos mesmos. Entendemos, porém, que o Senhor Juiz a quo fundamentou a sua decisão de forma rigorosa, bem sistematizada, não contornando as questões que se colocavam, invocando sempre com ponderação as regras da experiência comum e o juízo lógico-dedutivo. Com efeito, a convicção expressa pelo tribunal a quo tem razoável suporte naquilo que a gravação das provas e os demais elementos dos autos lhe revela. Isto porque salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente. Contudo, a livre apreciação da prova, não se confunde, de modo algum com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios de experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Dentro destes pressupostos se deve portanto colocar o julgador ao apreciar livremente a prova. A livre apreciação da prova tem de se traduzir numa valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma real motivação da decisão: com a exigência de objectivação da livre convicção poderia pensar-se nada restar já à liberdade do julgador, mas não é assim: a convicção do julgador há-de ser sempre uma convicção pessoal, mas há-de ser sempre uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros em termos de racionalidade e perceptibilidade. Não esqueçamos, ainda, que a formação da convicção do juiz não pode resultar de partículas probatórias, mas tem necessariamente de provir da análise global do conjunto de toda a prova produzida. A actividade dos Juízes, como julgadores, não pode ser a de meros espectadores, receptores de depoimentos. A sua actividade judicatória há-de ter, necessariamente, um sentido crítico. Para se considerarem provados factos não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre as questões num determinado sentido, para que o Juiz necessariamente aceite esse sentido ou essa versão. Os Juízes têm necessariamente de fazer uma análise crítica e integrada dos depoimentos com os documentos e outros meios de prova que lhes sejam oferecidos. No caso vertente, questiona a Apelante ter sido dado por provada a matéria de facto elencada nos factos provados sob as alíneas D), E), F), G), J), O), P), Q) e U). Desde logo, importa, aqui, salientar quanto aos factos provados em E) e J), ao contrário do que a Apelante quer fazer crer, não vislumbramos a existência da contradição imputada. No ponto E) é referido que os AA. nunca visitaram “in loco” o lugar e no ponto J) que subscreveram um auto de vistoria que refere a visita ao apartamento, incluindo o lugar de estacionamento. Ou seja, uma coisa foi o que realmente aconteceu e outra o que ficou exarado num auto que representa uma mera formalidade, sendo certo, ainda, que a visita foi efectuada a 15 de Fevereiro e o documento assinado a 06 de Março. Certo que, resulta da prova produzida que só aquando do estacionamento efectivo é que os AA. se aperceberam que para poderem estacionar normalmente tinham que invadir os lugares imediatamente à sua frente. Diga-se, ainda, que ao contrário que a Apelante quer fazer crer o defeito não é meramente aparente. Obviamente que quando o senhor taxista viu o lugar com todos os veículos que estavam lá estacionados se apercebeu das eventuais dificuldades, Completamente diferente era ver a garagem vazia e perceber imediatamente das dificuldades, muito menos da impossibilidade de estacionar normalmente um veículo de dimensões médias. De resto, em sede de relatório pericial, o Perito do Tribunal, acompanhado pelo Perito dos AA. concluiu que “(…) constata-se que nesses lugares não é possível uma viatura de dimensões normais estacionar (…)”. Além disso, a Apelante apresentou reclamação do relatório pericial, tendo os Senhores Peritos Engenheiro JJ e Engenheiro KK, prestado os seguintes esclarecimentos: “Os peritos solicitaram à Autora que estacionasse a sua viatura no lugar de garagem, para aferirem sobre a normal utilização do referido lugar, tendo constatado que o carro da Autora, nas condições existentes não consegue ali estacionar. Relevam para extrair conclusões as dimensões das viaturas ligeiras normais. Pela análise efetuada às fichas técnicas de diversas viaturas disponíveis no mercado, constata-se que o comprimento varia entre 4,400 metros e 4,700 metros e a largura entre espelhos varia entre 1,800 metros e 2,100. O carro da Autora é um “Mercedes” modelo “...” que tem de acordo com a ficha técnica disponível no respetivo site, as seguintes dimensões: - comprimento = 4,658 metros; - largura entre espelhos retrovisores = 2,096 metros. Os peritos signatários, entendem que a viatura da Autora enquadra-se no conceito viatura ligeira normal. Contudo, comporta referir que um automóvel de gama inferior (utilitário), designadamente um “Mercedes” modelo “...” tem de acordo com a ficha técnica disponível no respetivo site as seguintes dimensões em planta: - comprimento = 4,410; - largura entre espelhos retrovisores = 1,834 metros Resultam as seguintes diferenças entre as duas viaturas: - Diferença de comprimento = 0,248 metros (24,8 cm); - Diferença de largura = 0,262 metros (26,2 cm). Em conformidade com as condições concretas do lugar e garagem, mormente a exígua largura entre os pilares e o muro de suporte, conjugado com a largura do corredor de circulação, que no presente caso é o fim desse corredor, constata-se que uma viatura normal (da gama inferior da Autora), também não consegue estacionar naquele lugar, uma vez que conflitua com os pilares estruturais do edifício e com o muro de suporte de terras. Por último, sempre se dirá que o espaço existente para estacionamento não serve a função para a qual foi criado.” Como é sabido, no nosso direito predomina o princípio da livre apreciação das provas, consagrado no artº 655º, nº 1, do Código de Processo Civil: o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. O que está na base do princípio é a libertação do juiz das regras severas e inexoráveis da prova legal sem que entretanto se queira atribuir-lhe o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra a prova; o sistema da prova livre não exclui, antes pressupõe a observância das regras de experiência e critérios da lógica. A perícia é um meio de prova e a sua finalidade é a percepção de factos ou a sua valoração de modo a constituir prova atendível. O perito é um auxiliar do juiz, chamado a dilucidar uma determinada questão com base na sua especial aptidão técnica e científica para essa apreciação. O juízo técnico e científico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador; o julgador está amarrado ao juízo pericial, sendo que sempre que dele divergir deve fundamentar esse afastamento, exigindo-se um acrescido dever de fundamentação. Ora, no caso vertente as conclusões vertidas na sentença encontram-se em sintonia com as conclusões do relatório pericial. Ademais, por persistirem dúvidas quanto às condições do lugar de estacionamento, em 27.11.2023, efectuou-se uma audiência de julgamento no local (inspecção judicial), presidida pelo Sr. Juiz do Tribunal a quo, a qual se revelou extremamente útil, encontrando-se estabelecido na acta redigida quanto a essa diligência, em suma, o seguinte: “[…] De seguida, pelos Srs. peritos foram efetuadas várias medições aos espaços, que classificaram como “A”, contiguo à parede, e “B”, a 1 metro de altura, designações e medições que foram depois escritas pelos Srs. peritos na planta cuja junção foi agora admitida. Foram também designados nessa mesma planta os pilares existentes no local como “P1”, “P2” e “P3”. Por referência à planta agora junta, no espaço “A” há um desvio para menos 4 cm, entre a parede e o pilar “P1”. No espaço “B”, verifica-se entre os pilares “P1” e “P2” um desvio de mais 2 cm. Foram também efetuadas medições ao nível do chão, que foram também escritas na planta. Por fim, foi a planta assinada pelos Srs. peritos e rubricada pelo Mm. Juiz. Seguidamente, a fim de se averiguar do grau de dificuldade de estacionamento nos 2 espaços em questão, o Mm. Juiz sugeriu, sendo aceite pelos ilustres mandatários das partes, que, mediante aceitação e a coloração do Sr. taxista, este procedesse a tentativa de estacionamento da sua viatura nos espaços em questão, pelo que foi então determinada nesses termos diligência de inspeção ao local nos termos dos artigos 490º, 491º, 492º e 493º do CPCivil. Neste momento, foi chamado o Sr. taxista e identificada a sua viatura como sendo uma carrinha “Skoda ...”, que, segundo medições que posteriormente foram efetuadas pelos Srs. Peritos, tem 4,60 metros de cumprimento e 2,16 metros de largura à altura dos espelhos retrovisor. De seguida, aceitando o que lhe foi proposto, o Sr. motorista fez várias manobras, transmitindo que, tentando estacionar de frente, no estado em que atualmente se encontra a garagem, isto é, com os lugares da frente ocupados por 3 carros, não conseguia efetuar a manobra de estacionamento. Repetida a manobra de marcha atrás, verificou-se que foi possível fazer o estacionamento no espaço designado por “B”, da designação atrás referida, por referência à planta agora apresentada, após várias manobras de recuo e avanço, sendo concluído o estacionamento. Consigna-se que a determinado ponto das manobras para efetuar o estacionamento foi necessário ao condutor sair do veículo para verificar se tinha espaço. Após estacionar no referido espaço «B» conseguiu fazer sair a viatura desse lugar, efetuando manobras para trás e para a frente, mas em menor número das que utilizou para ali estacionar. De seguida, tentou estacionar no espaço “A”, o que conseguiu após várias manobras de avanço e recuo, mas ficando o carro sem acesso do lado do condutor. Após estacionar conseguiu fazer a viatura sair, efetuando manobras de avanços e recuos, mas em menor número do que para ali estacionar.” Ora, segundo o artigo 390.º do Código Civil “A prova por inspeção tem por fim a perceção direta dos fatos pelo Tribunal”. A inspecção é uma espécie de prova que confere ao decisor o contacto directo com o lugar, a coisa ou a pessoa. É o próprio juiz, quem realiza o exame, objectivando verificar as características e situações das pessoas ou coisas. O juiz colhe, por si próprio, a prova, toca, por assim dizer, o facto a provar, nada se interpõe entre a sua percepção e o facto que se pretende averiguar, na expressiva e clara definição deste meio de prova que nos fornece o Prof. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil (nota 14), pág. 306. Ou seja, não há qualquer intermediário (seja pessoa, documento, laudo dos peritos) entre o juiz e o facto a provar. Ou dito de outro modo, “Através dela o tribunal confronta-se sem intermediário, com fontes de prova indiciária, pessoal ou real, assim se esclarecendo sobre a realidade de fatos duradoiros que interessam à decisão da causa”. – cfr. Freitas Lebre de, Montalvão Machado e Rui Pinto in “Código de Processo Civil Anotado” Vol. II, 2001, pág. 525. Ora, as conclusões do laudo pericial maioritário, bem como do auto de inspecção levam-nos a concluir pela bondade das respostas oferecidas pelo Tribunal a quo à matéria de facto impugnada no recurso interposto pela Apelante. Defende, ainda, a Apelante que o A. marido por ser Coronel do exército “tem na sua formação profissional a disciplina de Topografia, onde é obrigatória a interpretação de plantas.” Conforme de forma pertinente se refere nas contra-alegações, segundo o dicionário da Porto Editora, 5ª edição, Topografia é “um substantivo feminino que significa a técnica e arte de representar num desenho a configuração de um terreno com todos os seus acidentes, dividida em planimetria e altimetria ou nivelamento; aspecto morfológico e altimétrico de uma região; descrição minuciosa de uma pequena região; descrição anatómica circunstanciada de um parte do organismo.”. Ou seja, as plantas topográficas nada têm a ver com o “traçado ou desenho de um edifício, cidade, etc em projeção horizontal” ou “individuo do reino vegetal”, vide definição de Planta no mesmo dicionário. Assim, a esta luz carece de bondade a argumentação da Ré ao impugnar o referido segmento da matéria de facto. Além disso, ao contrário do que pretende defender a Apelante, as pessoas presentes na assinatura do contrato promessa de compra e venda, no stand de vendas, para além dos AA. estavam lá porque a Ré assim o quis, e representavam a Ré/Apelante, dado que não representavam os AA.. E, se inclusivamente fizeram comentários ou alertas aos AA. era porque estavam de alguma forma mandatados ou legitimados para o fazerem. De resto, a relação efectiva dos mesmos com a Apelante é um problema da Ré que, eventualmente, terá que resolver com os mesmos, mas que nada tem a ver com os AA. Afigura-se-nos, por isso, à luz da globalidade da prova produzida que não merece crítica as respostas à matéria de facto provada, improcedendo, por isso, a impugnação apresentada. * A matéria de facto que fica em definitivo julgada provada é assim fixada em 1ª instância.* 4.3. Do cumprimento defeituoso do contratoComo é por todos sabido, a compra e venda, tipo contratual previsto no artigo 874º do Código Civil, tem como efeitos essenciais (artigo 879º) a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito; a obrigação de entregar a coisa; e a obrigação de pagar o preço. Ora, o devedor apenas cumpre a sua obrigação quando realiza, pontualmente, a prestação a que está vinculado (artigo 406º/1), o que significa, na expressão de Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, II, 5.ª edição, Coimbra, 1992, págs. 14 - 15), que “o cumprimento deve coincidir, ponto por ponto, em toda a linha, com a prestação a que o devedor se encontra adstrito”. Assim, não basta que o vendedor entregue a coisa ao comprador; ele deve entregar a coisa em conformidade com o previsto no contrato, só assim cumprindo o programa de aproveitamento das utilidades que o comprador fez antes de adquirir o bem. É nesta apresentação do instituto da compra e venda que surge o regime jurídico da venda de bens defeituosos, aplicável aos casos em que a coisa entregue não satisfaz, pelas suas qualidades, o interesse que moveu o comprador a contratar. Preceitua o artigo 913º, nº 1 do Código Civil que “se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedentes, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes”. A remissão operada para a venda de bens onerados, em que se estabelece a possibilidade de o comprador anular o contrato por erro ou dolo, desde que no caso se verifiquem os requisitos legais da anulabilidade (artigo 905º), leva a que a doutrina tradicional integre a matéria dos defeitos da coisa no instituto geral do erro. Neste sentido, escreveu Inocêncio Galvão Telles, em estudo preparatório do Código Civil vigente (Contratos Civis – Exposição de Motivos, na RFDUL, ano IX (1953), pág. 161), que “não haveria motivo para excluir aqui o regime jurídico geral sobre esses vícios da vontade”, acrescentando que “os vícios da coisa, como os do direito, e à semelhança do legislado no actual Código (artigo 1582º) - Código Civil de 1867-, não constituem, segundo o projecto, fundamento autónomo de anulação: integram-se no regime jurídico do erro e do dolo”. No entanto, como a mais recente doutrina tem demonstrado, o regime do erro mostra-se impotente para explicar alguns dos direitos que, em caso de entrega de coisa defeituosa, assistem ao comprador, designadamente os de obter a redução do preço, a reparação ou a substituição da coisa, nos termos previstos no artigo 914º, em que, ao invés de se destruir o contrato, com eficácia “ex tunc”, se está a fazer actuar o mesmo, em termos que permitem o equilíbrio das prestações (no caso da redução do preço) ou a satisfação integral do interesse do comprador (no caso da reparação ou da substituição da coisa). É que, como nota Baptista Machado (Acordo Negocial e Erro na Venda de Coisas Defeituosas, em Obra Dispersa, Braga, 1991, pág. 35: BMJ 215), “tais direitos do comprador pressupõem uma base negocial - pressupõem, isto é, têm o seu fundamento no próprio contrato (no conteúdo deste) e, portanto, hão-de ser concebidos como efeitos jurídico-negociais”. Atentemos no que escreve Pedro Romano Martinez (Cumprimento Defeituoso – Em especial na compra e venda e na empreitada, Coimbra, 1994, págs. 293 - 294): “(…) Os deveres de eliminar os defeitos e de substituir a coisa são estranhos ao regime do erro e não podem estar na dependência dos requisitos deste. “A actio quanti minoris não encontra a sua fundamentação no erro (…) Trata-se (…) de uma adaptação do preço à coisa prestada e não de uma redução do negócio. Nas situações referidas, os direitos conferidos ao comprador são uma consequência directa do não cumprimento dos deveres da contraparte, sendo a referência ao erro desnecessária. De facto, o comprador que exige qualquer dos direitos referidos (…) não tem de provar o seu erro, nem a essencialidade do mesmo, nem que o vendedor conhecia ou não devia ignorar a situação. Basta provar a existência do defeito para lhe ser conferida a pretensão mais apropriada, perante a vicissitude”. Perante isto, concordamos com Manuel Carneiro da Frada (Erro e incumprimento na não-conformidade da coisa com o interesse do comprador, em O Direito, ano 121 (1989), tomo 3, pág. 463), quando afirma que “o critério que permite distinguir as situações de erro das situações de incumprimento é o da adequação do negócio efectivamente celebrado entre comprador e vendedor à vontade que aquele quis manifestar em ordem à prossecução do seu interesse. Se o negócio tem um conteúdo correspondente à vontade que o comprador quis emitir, então a sua correcta execução permitirá a satisfação do interesse que o comprador teve em vista ao contratar (compra de uma coisa com determinados préstimos); quando a coisa efectivamente entregue é inidónea à satisfação dos interesses do comprador, o problema é de incorrecta execução do acordado, isto é, incumprimento. Ao invés, quando o negócio, no seu conteúdo objectivamente válido, não corresponde ao interesse que o comprador quis prosseguir (compra de uma coisa com certas qualidades), está claro que a sua execução nunca permitirá a satisfação desse interesse; neste caso, o negócio celebrado pelo comprador é, sem dúvida, inidóneo à prossecução do seu interesse e o problema é de erro. Erro e negócio são, assim, “distintos e irredutíveis entre si”, para usarmos a expressão de Manuel Carneiro da Frada (ibidem, pág. 464): “se o contrato vale com o sentido que foi efectivamente querido pelo comprador (…) seria um contra-senso conceder ao comprador um direito de anulação por erro, isto é, por o contrato não corresponder à sua vontade real, pois que ele corresponde de facto a essa vontade”. Daqui retiramos que, na definição dos direitos do comprador perante a falta de conformidade da coisa entregue, há que fazer uma distinção prévia entre os casos em que o negócio, objectivamente considerado, se mostra idóneo à satisfação dos interesses do comprador e os casos em que o comprador, ao emitir a sua declaração negocial, agiu com base numa errada representação da realidade, designadamente no que tange às qualidades da coisa. Nos primeiros está-se perante uma hipótese de deficiente cumprimento da obrigação de entrega, à qual devem ser aplicadas as normas gerais e especiais da responsabilidade contratual; na 2.ª, perante uma situação de erro, que deve ser regulada pelas normas próprias deste instituto, com as especialidades previstas a propósito do tipo contratual em causa. Essa distinção, como facilmente se intui, é consequência da resposta que entendemos dever ser dada à questão de saber se o objecto do acordo negocial inclui as qualidades da coisa. No caso de venda de coisa genérica, como decorre do disposto no artigo 918º, a vontade negocial vai dirigida à obtenção de uma coisa com as qualidades médias que caracterizam as coisas do género a que ela pertence (a propósito, cf. Manuel Carneiro da Frada, ob. cit., pág. 472, Calvão da Silva, Compra e Venda de Coisas Defeituosas - Conformidade e Segurança, Coimbra, 2001, pág. 51, e Menezes Cordeiro, Violação Positiva do Contrato, em Estudos de Direito Civil, I, Coimbra, 1991, pág. 128). Fazendo as qualidades do género parte do conteúdo negocial, quando a coisa prestada for de qualidade inferior ou apresentar vícios que impeçam o fim para que foi adquirida, estar-se-á perante uma situação de imperfeita execução do conteúdo negocial; a coisa prestada não está conforme à coisa devida. Neste sentido, escreve Antunes Varela (Cumprimento imperfeito do contrato de compra e venda, parecer publicado na CJ, XII (1987), tomo 4, pág. 30) que “é precisamente no âmbito da venda de coisa genérica (…) que abundam os casos em que a venda de coisa defeituosa pode constituir simultaneamente um caso de cumprimento defeituoso da obrigação (ou de falta qualitativa de cumprimento da obrigação)”. Conforme decorre do disposto no artigo 916º, nº 1 do Código Civil, são considerados defeitos os vícios que excluam ou reduzam o valor da coisa, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato, e as desconformidades com o que foi convencionado. Assim, considerado o regime geral, os vícios são anomalias objectivas da coisa, traduzindo-se em estados patológicos desta, independentemente das características convencionadas. Para relevarem, têm de provocar uma exclusão ou redução do valor da coisa, aferido não pelas expectativas do comprador, mas sim pelo seu valor normal de mercado, ou da sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato. A exclusão ou redução da aptidão da coisa, relativamente ao fim ou uso a que se destina, reporta-se a uma utilização satisfatória, num padrão de normalidade, ou a uma especial finalidade visada pelo comprador, caso esta esteja explícita ou implicitamente contida nos termos contratuais. Neste último caso, estamos perante a introdução excepcional de um elemento subjectivo na definição de vício, sendo este encarado de um ponto de vista funcional. Se do contrato não resultar qualquer finalidade específica, valerá a função habitual da coisa; se dele resultar que aquela se destina a uma especial finalidade, é esta em relação à qual terá de ser aferida a adequação da obra, não relevando a sua função típica se esta foi expressa ou implicitamente excluída da previsão contratual. Irrelevante será a inadequação da coisa a uma finalidade subjectiva do comprador que não foi incluída, expressa ou tacitamente, na previsão contratual. Quer o valor normal, quer o uso ordinário da coisa, devem ser encontrados através do funcionamento de juízos de experiência. O valor normal é o valor comum das coisas indicado pelas regras do mercado, e o uso ordinário é o seu fim típico, definido pela função que, no ambiente económico-social, é reconhecida ao bem. As desconformidades traduzem-se em desvios relativamente às características da coisa que foram, expressa ou tacitamente, convencionadas entre o vendedor e o comprador, independentemente de qualquer exclusão ou redução do seu valor, ou da adequação do fim a que se destina, sendo certo que podem coincidir as situações de vício com as de desconformidade. Como bem anota Calvão da Silva (Compra e Venda de Coisas Defeituosas, Conformidade e Segurança, Almedina, Coimbra, Setembro de 2002, p. 41), a lei privilegia a idoneidade do bem para a função a que se destina, ciente de que o importante é a aptidão da coisa, a utilidade que o adquirente dela espera. Donde a noção funcional: vício que desvaloriza a coisa ou impede a realização do fim a que se destina; falta das qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização do fim a que se destina. Nesta medida, diz-se defeituosa a coisa imprópria para o uso concreto a que é destinada contratualmente - função negocial concreta programada pelas partes - ou para a função normal das coisas da mesma categoria ou tipo, se do contrato não resultar o fim a que se destina. Nas características convencionadas, incluem-se todas aquelas qualidades da coisa que o vendedor assegurou, quer no momento da realização do contrato, perante a contraparte, quer aquelas que anteriormente publicitou por qualquer meio e que foram do conhecimento do comprador, desde que estas últimas reúnam os requisitos necessários à sua eficácia como declarações negociais tácitas e não tenham sido afastadas no texto contratual. De referir que, como a existência do defeito é um facto constitutivo dos direitos atribuídos ao comprador, nos termos do artigo 342º, n.º 1 do Código Civil, cabe a este a respectiva prova. Assim, se o defeito é da coisa prestada, aquele que a recebeu terá de provar a desconformidade, sendo que não basta provar a existência do defeito. Aquele que o invoca tem igualmente de demonstrar a sua gravidade, de molde a afectar o uso ou a acarretar uma desvalorização da coisa. De todo o modo, a prova da inaptidão, bem como da perda de valor, está na dependência da pretensão do credor. Contudo, sobre o credor não impende o ónus de provar as causas do defeito (V.g., Acórdão do STJ de 12/12/1978, BMJ n.º 282 (1979), págs. 172 e ss). As pretensões são válidas ainda que os motivos do aparecimento do defeito sejam desconhecidos. Por outro lado, por parte do vendedor cabe a prova dos factos impeditivos da sua responsabilidade, cabendo-lhe demonstrar, nomeadamente, que o aparecimento do defeito se ficou a dever a culpa do lesado, designadamente a má utilização que este tenha feito do bem. A prova de que o defeito é insignificante pode afastar também qualquer das pretensões da contraparte ou, ao menos, as mais dramáticas, como sejam a substituição e a resolução. Também impende sobre o vendedor a demonstração de que o defeito era aparente, conhecido da contraparte ou posterior à data da entrega, o que não logrou provar no caso vertente. O vendedor pode, finalmente, afastar a responsabilidade derivada do cumprimento defeituoso se fizer a prova da existência de uma causa estranha que tenha estado na origem do defeito e, bem assim, por força do disposto nos artigos 914º e 915º, afastar a sua responsabilidade, com respeito aos direitos de lhe ser exigido a reparação ou substituição da coisa, bem como o pagamento de uma indemnização, se conseguir provar que desconhecia sem culpa o vício ou a falta de qualidade de que a coisa padece (cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 06/12/1988, CJ, XIII (1988), tomo V, págs. 114 e ss.). Os factos constitutivos dos direitos atribuídos ao comprador em caso de cumprimento defeituoso, para além dos pressupostos gerais da responsabilidade contratual, designadamente o nexo causal entre o defeito e o dano, são, assim, a existência de um defeito e a respectiva denúncia. Reportando-nos agora ao caso dos autos, vemos que os AA. configuram a relação material controvertida como um caso de cumprimento defeituoso do contrato, excluindo daquela relação qualquer situação de erro na formação da sua vontade. De facto, os AA. intentaram a presente acção contra a ré, invocando que compraram àquela uma fracção de um prédio urbano, dela fazendo parte uma garagem individual, a qual não tem as características adequadas a cumprir a função que lhe é destinada, cuja ausência determina a redução do respectivo valor. Se atentarmos no teor do contrato de compra e venda celebrado pelas partes, concluímos que os Autores quiseram comprar e a Ré quis vender a identificada fracção, incluindo no objecto negocial uma garagem individual. Com a presente acção pretendiam os Apelados a redução do preço e indemnização dos danos sofridos, alegando vício da coisa vendida, ao nível do lugar de aparcamento, que por falta de espaço destinado às respectivas manobras, desvaloriza a fracção e impede a realização do fim a que a mesma é destinada. Nos termos do artigo 913º do Código Civil, “1. Se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes.” Nos termos do artigo 911º, nº 1, do Código Civil (ex vi do artigo 913º) “se as circunstâncias mostrarem que (…) o comprador teria igualmente adquirido os bens, mas por preço inferior, apenas lhe caberá o direito à redução do preço, de harmonia com a desvalorização (…)” Por sua vez, nos termos do artigo 913º será defeito qualquer elemento que, não sendo uma característica prevista e/ou natural da coisa vendida, a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou represente a ausência das qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim. Será ainda defeito a falta de uma qualidade que seja essencial ao fim a que o bem vendido se destina, ainda que essa qualidade não tivesse sido assegurada pelo vendedor. Importará, então, verificar a existência dos defeitos da fracção/lugar de garagem, alegados pelos AA., e, sendo caso disso, os direitos que lhes assistem, por essa razão. Relevante a este propósito é o facto de o bem vendido ser uma fracção autónoma de um prédio urbano, bem como uma garagem individual. Constata-se, em primeiro lugar, que este espaço na cave não é de per si fracção autónoma passível de negócio independente, mas antes elemento integrante de uma fracção autónoma que a compreende, tendo o preço da fracção sido fixado de forma a englobar aqueles dois espaços. Depois, interessa ter presente o que se apurou a respeito dessa garagem individual: “- O referido lugar de estacionamento tem a área de 23 m2. - No referido estacionamento existem três pilares assinalados como “P1”, “P2” e “P3” na planta junta aos autos na diligência realizada a e que aqui se dá por integralmente reproduzida. - Nesta planta foram ainda assinalados espaços, classificados como “A”, contíguo à parede, e “B”, a 1 metro de altura - Por referência a essa identificação no espaço “A” há um desvio para menos 4 cm, entre a parede e o pilar “P1” e no espaço “B”, verifica-se entre os pilares “P1” e “P2” um desvio de mais 2 cm. - No referido lugar um veículo de 4,60 metros de cumprimento e 2,16 metros de largura à altura dos espelhos retrovisor - não é possível estacionar de frente quando os outros lugares de estacionamento situados à frente daquele estão ocupados. - Com o mesmo tipo de veículo, mas de marcha a trás, é possível fazer o estacionamento no espaço designado por “B”, da designação atrás referida, por referência à planta referida em H), após várias manobras de recuo e avanço (sendo, no entanto, necessário ao condutor sair do veículo para verificar se tinha espaço para efetuar a manobra) e também é possível fazer sair a viatura desse lugar, efetuando manobras para trás e para a frente, mas em menor número das que são utilizadas para ali estacionar. - No mesmo lugar é possível estacionar no espaço “A” - referido em H- mas após várias manobras de avanço e recuo e ficando o carro sem acesso do lado do condutor, sendo possível fazer a viatura sair, efetuando manobras de avanços e recuos, mas em menor número do que para ali estacionar.” Assim, no caso dos autos ainda e só considerando o estacionamento de um único veículo, o lugar de estacionamento em causa embora com as dimensões e localização coincidentes com o que foi objecto a venda não tem uma adequação normal à realização do fim que visa. Efectivamente, o que resulta dos factos provados é que é possível estacionar um veículo automóvel se este tiver reduzidas dimensões e é ainda possível estacionar um veículo de dimensões médias mas, neste caso, sempre e só de marcha atrás e mediante realização de várias manobras, para a frente e para trás e com necessidade de saída para verificar o espaço disponível à realização da manobra ou ainda de outro modo sempre mediante várias manobras e ficando a viatura sem acesso pelo lado do condutor. Nestas condições é manifesto que o lugar não cumpre a função a que normalmente estaria destinado pois que no comércio em geral não é suposto a comercialização de um lugar de estacionamento em prédio de habitação em que seja necessário tal esforço para estacionar e sair do lugar de aparcamento. Uma coisa é defeituosa mesmo que tendo as qualidades asseguradas pelo vendedor - no caso a área e dimensões do lugar - não cumpre por outras causas conhecidas do vendedor a sua normal função para que foi adquirida - no caso, dados os lugares de estacionamento previstos e vendidos na frente daquele não pode realizar-se ali um estacionamento em condições de normalidade, implicando esforço muito além do exigível, salvo quando utilizada uma viatura de reduzidas dimensões, o que não é exigível ao comprador. Há, assim, cumprimento defeituoso do contrato; só assim não seria caso a Ré alegasse e se provasse que atempadamente informou os AA. da referida circunstância fazendo-a reflectir no preço, o que no caso dos autos não se verificou. Ou seja, a responsabilidade da Ré/Apelante não advém da omissão de qualquer dever de informação e da impossibilidade de estacionamento em simultâneo de dois veículos, mas, de outro modo, de ter vendido aos AA. coisa - um lugar de estacionamento - que não pode ser por eles utilizada para o seu fim em condições de normalidade – ali estacionando um único veículo sem ter de recorrer a elaboradas e demoradas manobras. Conclui-se, assim, que houve um cumprimento defeituoso do contrato por parte da Ré quando vendeu aos AA. fracção a que estava atribuído um lugar de estacionamento em que não era viável estacionar viatura de médias dimensões em condições de normal fruição. Ou seja, existe falta de espaço de circulação na cave do prédio para os AA. poderem aceder com a sua viatura ao lugar que lhe foi destinado. Destarte, perante a matéria de facto provada, não temos dúvidas em afirmar que a fracção adquirida pelos AA., na parte relacionada com a garagem, sofre de vício que a desvaloriza e impede a realização do fim a que é destinada, sendo, por isso, defeituosa. Trata-se de defeito da coisa, objectivamente considerada: era esperado para qualquer comprador e respectiva família poder aceder, sem dificuldade, com a sua viatura ao lugar de aparcamento que adquiriu especialmente para aquele fim, ou seja, à garagem individual. Com efeito, as garagens, enquanto bens de natureza genérica, servem para aparcar viaturas com as dimensões normais, sendo irrelevante que os compradores escolham antecipadamente os lugares de aparcamento ou que os vão medir previamente. Aliás, não está em causa, nos autos, nem as dimensões dos lugares de garagem adquiridos pelos AA., nem a sua localização (que eles terão tido a oportunidade de escolher); o que está em causa é o reduzido espaço de circulação na cave para aceder à garagem individual. Também não se trata aqui, nem ninguém o reivindica, lugares amplos onde se possa fazer as manobras com total à vontade. Isso, aliás, seria utópico num espaço que vale muito dinheiro, onde seria um desperdício converter lugares de aparcamento, muito caros, em espaço livre, do condomínio, apenas para fazer manobras. Do que se trata é de um espaço razoável, necessário para entrar e sair com facilidade; de um espaço onde um condutor normal, mediano (sem ser um perito na condução), o vulgar homem médio, possa manobrar o seu carro com relativa facilidade. Concluímos, assim, do exposto que a venda da fracção, na qual se inclui o lugar de garagem é uma venda de um bem defeituoso, por padecer de um vício que a desvaloriza e por não ter as qualidades necessárias a que o bem se destina (a garagem não permite estacionar nela veículos dos AA.). Lograram, assim, os AA. provar, na qualidade de compradores, os defeitos da coisa comprada e não logrou a Ré provar, nem a causa desses defeitos, nem que é alheia a tais causas. Como acima se deixou exposto, nos termos do artigo 911º, nº 1, do Código Civil (ex vi do artigo 913º) “se as circunstâncias mostrarem que (…) o comprador teria igualmente adquirido os bens, mas por preço inferior, apenas lhe caberá o direito à redução do preço, de harmonia com a desvalorização (…)” Resulta do preceito legal transcrito que assiste aos AA., adquirentes de um bem defeituoso, o direito de verem reduzido o preço do negócio. A questão está apenas em saber qual a dimensão da redução do preço, a qual deverá ser correspondente à desvalorização da coisa defeituosa, que apesar de o ser, ficará, ainda assim, na posse do comprador. Reportando-nos ao caso dos autos, temos como certo que no valor da fracção foi contemplada a garagem individual, a qual, embora fazendo parte da fracção, tem necessariamente um valor autónomo, que acresce ao valor daquela. Assim, considerando que tal lugar não tem as utilidades que lhes são próprias, considerando o fim a que são destinadas, temos de concluir que a fracção que as integra sofreu uma diminuição de valor. Além disso, não tendo sido apurado o valor exacto da fracção pelo qual os AA. a teriam adquirido, caso antevissem a situação presente, e na falta de elementos para a determinar, relega-se o seu apuramento para liquidação posterior. Conclui-se, assim, do exposto que assiste aos AA. o direito de redução do preço do negócio, atentos os defeitos de que padece a fracção adquirida à ré, redução essa cujo valor, por falta de elementos, será apurada em sede de liquidação posterior, conforme bem decidiu o Tribunal a quo. Improcede, por isso, também neste segmento o recurso da Apelante. 4.4 Dos danos não patrimoniais Resta, agora, analisar o pedido relativo aos danos não patrimoniais que o tribunal recorrido considerou pertinente, fixando tais danos no montante de € 1.000,00, mas com o qual não concorda a Apelante. Vejamos então. Deu-se guarida, na sentença recorrida, à orientação segundo a qual o princípio da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais do artigo 496º do Código Civil, se não limita à responsabilidade extracontratual, antes se estende, também, ao domínio da responsabilidade contratual. Nada temos a opor a tal entendimento, uma vez que, salvo o devido respeito, são de natureza meramente formal os argumentos que sustentam o contrário, filiados, ora, em razões de ordem sistemática pela colocação daquele normativo no Código, ora em factores de insegurança que se introduziriam no comércio jurídico (cf. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, 2ª edição, 102, Código Civil Anotado, II, 4ª edição, pág. 53 e Acórdão do STJ de 30.09.1997, CJ (STJ), ano V, tomo 3, págs. 37 e ss.). Na verdade, como já antes do actual Código Civil, maioritariamente, se entendia, a aplicação analógica à responsabilidade contratual daquele princípio expresso no capítulo da responsabilidade extracontratual há-de justificar-se pela necessidade de proteger de forma igual os contraentes que forem vítimas da inexecução contratual, igualmente, carecidos de tutela quando as consequências resultantes dessa inexecução assumirem gravidade bastante. Como escreveu Vaz Serra “se o direito não deve tutelar somente os interesses económicos, mas, também, os espirituais, dos homens, é razoável que o dano não patrimonial, derivado da inexecução de uma obrigação, seja susceptível de satisfação, tal como o dano patrimonial que dela, eventualmente, resulte” (BMJ, 83º, 102 e ss). Esta conclusão resulta, aliás, na opinião da maioria, da leitura dos artigos 798º e 804º, n.º 1 do Código Civil que, ao aludirem à reparação do prejuízo e à ressarcibilidade dos danos causados ao credor, não fazem qualquer distinção entre uma e outra categoria de danos ou a restringem aos danos patrimoniais (cfr., além da Vaz Serra, Galvão Telles, Direito das Obrigações, 3ª edição, 339 e ss. e A. Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, nota 77 da pág. 31 e na jurisprudência do STJ, entre outros os Acórdãos de 30.01.1981, BMJ, 303º, págs. 216 e 217, 9.12.1993, CJ (STJ)1993, t 3, pág. 174, 25.11.1997, CJ (STJ) 1997, t 3, pág. 140 de 20.01.2008, pº 07A4154, desta secção e de 21.05.2009, pº 08B1356, in base de dados do ITIJ). Relevante e decisivo, portanto, segundo esta última orientação, seria adoptar critério “assente na apreciação da gravidade dos danos não patrimoniais (…) o travão mais indicado para se combater o perigo da extensão da obrigação de indemnização e para atenuar o inconveniente da perturbação do comércio jurídico” (cfr A. Pinto Monteiro, na supra citada nota, pág 34). A responsabilidade contratual que fundamentará a indemnização por danos deste tipo supõe o incumprimento da obrigação, a culpa, o prejuízo e o nexo causal. Qualificou o Tribunal a quo com acerto o contrato, celebrado entre os AA. e a Ré, mediante o qual aqueles adquiriram a esta as fracções identificadas nos autos, como um contrato de compra e venda respeitante a um imóvel de longa duração, sendo o vendedor o construtor do mesmo, bem como considerou verificado, por outro lado, vícios da responsabilidade do construtor. Este cumprimento defeituoso da obrigação implica responsabilidade contratual com consequências variadas que não importam o dever de indemnizar todos os danos que aquela prestação defeituosa tenha causado (artigo 798º do Código Civil). Sendo de presumir, também, e face ao disposto no artigo 799º, nº 1 do Código Civil que a Ré agiu com culpa, constata-se que, entre incumprimento e o dano apurado, subsiste ainda o necessário nexo de causalidade. Acresce que, sem dano/prejuízo, no entanto, não se pode falar em responsabilidade civil. É corrente afirmar-se que os prejuízos não patrimoniais são aqueles que se verificam em relação a interesses insusceptíveis de avaliação pecuniária, interesses de ordem espiritual (Pessoa Jorge, Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, págs. 373 e ss). Por outro lado, o dano que releva, segundo o já referenciado artigo 496º, é aquele que, pela sua gravidade, merece a tutela do direito e o montante ressarcitório que lhe há-de corresponder deve ser encontrado por recurso a critérios de equidade, nos termos do nº 3 deste último dispositivo, entrando-se em linha de conta com a gravidade do dano, o grau de culpa do agente, a situação económica de lesante e lesado, bem como outras circunstâncias que forem pertinentes – cf. o artº 494º do mesmo Código - o que segundo alguns atesta o cariz punitivo de tais danos, estabelecido no interesse da vítima - cf. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, I, 299. A apreciação da gravidade dos danos desta natureza reclama o recurso a “um critério o mais objectivo possível e em que o juiz se possa desprender da atribuição de reparações a casos em que o sofrimento ou a dor dependam, exclusivamente, de sensibilidades particularmente requintadas, portanto, anormais” (cfr Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, I, 491). Como se escreveu no Acórdão do STJ, de 25.05.2007, pº nº 07A1187 (base de dados do ITIJ), “dano grave não terá que ser considerado apenas aquele que é “exorbitante ou excepcional”, mas também aquele que “sai da mediania que ultrapassa as fronteiras da banalidade. Um dano considerável que, no seu mínimo, espelha a intensidade de uma dor, duma angústia, dum desgosto, dum sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se torna inexigível em termos de resignação” - acórdão de 5/6/79, CJ IV, 3, pág. 892. De relevante, nesta matéria, provou-se no caso vertente que: “- A Ré acabou por propor aos AA. que utilizasse para estacionar um local piso -1 em parte comum do prédio o que a Administração do Condomínio acabou por proibir. - A situação descrita provocou na A. mulher um profundo mau estar e desgosto, sentindo-se enganada e sentiu vergonha ao serem abordados por outros condóminos.” Ou seja, ficou provado que a situação descrita quanto à impossibilidade de utilização do lugar de estacionamento provocou na A. mulher um profundo mau estar e desgosto, sentindo-se enganada e sentiu vergonha ao serem abordados por outros condóminos. Donde, ao contrário do que a Apelante quer fazer crer não se trata “apenas” de desgosto e meros aborrecimentos. Ou seja, conforme bem referem os Apelados, estamos a falar de frustração de expectativas e vexames, de andar a estacionar em partes comuns do prédio e ser “escorraçada”, sendo abordada por outros condóminos por estar a estacionar em lugares que não eram lugares de estacionamento. O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/01/2002, publicado na base de dados da dgsi, define que “a gravidade do dano afere-se por um critério objectivo, embora tendo em consideração as circunstâncias do caso concreto, afastando factores de sensibilidade exacerbada”, recorrendo-se deste modo ao critério do homem normal, o bonus pater familias temperado pelas especiais circunstâncias do caso concreto.”. Ora, seguindo esse raciocínio percebe-se que a situação dos autos não se prende com factores de exacerbada sensibilidade, mas antes por constrangimentos, que à luz de um bonnus pater famílias, o homem normal, sofreu danos cuja gravidade merece tutela jurídica. Assim, a situação descrita tem contornos de melindre e incomodidade que qualificam a gravidade do dano sofrido e obrigam à sua ressarcibilidade. Tais danos revestem já gravidade merecedora de tutela jurídica, não nos merecendo reparo o montante da indemnização fixada para a sua compensação, improcedendo, em consequência, a crítica de que foi alvo, na apelação. De resto, não tendo os Apelados interposto recurso do referido segmento da sentença, não podem ver o mesmo dano ainda mais valorizado e compensado como pretendem em sede de contra-alegações. Impõe-se, por isso, o não provimento do recurso de apelação interposto pela Ré. * Sumariando, em jeito de síntese conclusiva:……………………………… ……………………………… ……………………………… * 5. DecisãoNos termos supra expostos, acordamos neste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente o recurso interposto pela ré, confirmando-se a decisão recorrida. * Custas do recurso a cargo da apelante.* Notifique.Porto, 12 de Setembro de 2024 Os Juízes Desembargadores Paulo Dias da Silva João Venade António Paulo Vasconcelos (a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinatura electrónica e por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem) |