Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
211/09.3IDPRT.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: WILLIAM THEMUDO GILMAN
Descritores: PRESCRIÇÃO DAS PENAS
PENA DE SUBSTITUIÇÃO
PENA DE PRISÃO SUSPENSA
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RP20240626211/09.3IDPRT.P2
Data do Acordão: 06/26/2024
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: PROVIDOS OS RECURSOS INTERPOSTOS PELOS ARGUIDOS
Indicações Eventuais: 4.ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I - A pena de substituição (suspensão da execução, trabalho a favor da comunidade ou multa de substituição) é uma pena diferente da pena de prisão que substituiu, com o seu sentido e teleologia próprios.
II - Não sendo uma pena de prisão, não se enquadra nas alíneas a), b) e c) do artigo 122º, n.º 1 do Código Penal que dizem respeito às penas de prisão, mas antes na alínea d), relativa às restantes penas.
III - Para integrar a pena de substituição nas primeiras três alíneas do artigo 122º, n.º 1 do Código Penal, tal só seria possível através da analogia, não admissível porque in malam partam.
IV- Assim, a pena de substituição (suspensão da execução, trabalho a favor da comunidade ou multa de substituição) é uma pena autónoma, também suscetível de prescrição, sendo o respetivo prazo prescricional de quatro anos, nos termos da alínea d) do artigo 122º do Código Penal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 211/09.3IDPRT.P2

Sumário (da responsabilidade do relator):

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Relator por vencimento: William Themudo Gilman

1ª Adjunta: Liliana de Páris Dias

2ª Adjunto: Maria Deolinda Dionísio


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Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:

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1 - RELATÓRIO

No Processo Comum (Tribunal Singular) n.º 211/09.3IDPRT do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo Local Criminal de Paredes - Juiz 2, o Juiz do processo proferiu despacho em que declarou improcedente a exceção arguida pelos arguidos, e declarou que as penas em que foram condenados não se encontram prescritas.


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Não se conformando com esta decisão, ambos os arguidos AA e BB recorreram para este Tribunal da Relação, concluindo na respetiva motivação o seguinte:

I-Arguido AA:

« B – CONCLUSÕES

 a) Na decisão sob escrutínio o Tribunal “a quo” expende que “as penas de substituição não são autónomas, nem independentes das penas principiais” e que “o prazo de prescrição da pena principal só começa a correr com o trânsito em julgado da decisão de revogação da suspensão da execução da pena … e não com o trânsito em julgado da sentença que aplicou a suspensão da pena de prisão”.

b) Nela afirma-se, ainda, que “quando a decisão de revogação da pena de substituição aplicada ao requerente (suspensão da execução da pena de prisão) transitar em julgado, estaremos perante penas de prisão que …se incluirão na al.c), do artº. 122º, nº.1, do CP, cujo prazo de prescrição é o de 10 anos”, concluindo, assim, pela inverificação da prescrição de pena.

c) O decidido pelo Tribunal “a quo”, bem como a sua fundamentação, corre contra a quase unanimidade da Doutrina e da Jurisprudência no que toca à consideração de que a pena de prisão e a pena de suspensão de execução de prisão são penas autónomas entre si.

d) A mais recente Jurisprudência é inequívoca relativamente à afirmação taxativa da autonomia entre as duas penas e correspectivo prazo de prescrição (prazos de prescrição autónomos, formas de contagem autónomas e causas de suspensão / interrupção autónomas).

e) A suspensão de execução da prisão não é, em si mesma, uma pena de prisão; e, por isso mesmo, em função da falada autonomia, não se lhe pode aplicar o vertido nas alíneas a), b) e c) do nº.1, do artº. 122º do CP (de aplicação exclusiva a penas de prisão), aplicando-se, outrossim, o vertido na al.d), “nos restantes casos”.

f) O prazo de prescrição da pena suspensa na sua execução (pena de substituição) é de 4 anos, conforme ao disposto no artº. 122º, nº.1, al.d), do CP, e, como decorre do preceituado no artº. 122º, nº.2, do CP, tal prazo começa a correr na data do trânsito em julgado da condenação.

g) Como defende unanimemente a mais recente Jurisprudência, a determinação de cumprimento efectivo da pena de prisão (pena substituída) depende inexoravelmente da revogação da pena suspensa (pena de substituição) operar (leia-se, ser proferida) antes do decurso do prazo de prescrição desta.

h) Por força do disposto no artº. 126º, nº.1, al.a) do CP, a execução desta pena (autónoma, de substituição) – isto é, o decurso do tempo – interrompe o prazo prescricional.

i) Existe uma absoluta coincidência entre o início de cumprimento da pena (a sua execução) e a interrupção do prazo prescricional enunciado no artº. 122º, nº.1, al.d), do CP.

j) Interrupção que se mantém durante o período ou lapso temporal da pena autónoma / substituição.

k) Caso inexistam causas de suspensão, a prescrição opera sempre ao fim de 6 anos.

l) Vista a redacção do artº. 125º do CP, constata-se que inexiste qualquer referência concreta às penas suspensas na sua execução.

m) A questão que se poderia colocar seria a de saber se, por via interpretativa, tais penas se poderiam considerar abrangidas pelo âmbito de aplicação do artº. 125º e, assim, sujeitas a causas de suspensão do prazo prescricional.

n) Nem o direito penal, nem o direito processual penal encontram-se subtraídos aos cânones da hermenêutica jurídica, à luz dos quais há que proceder ao apuramento do sentido vertido nas suas normas.

o) Se de um determinado processo hermenêutico empreendido por um Tribunal resultar uma norma que não é reconduzível “à moldura semântica do texto”, isto é, um sentido que, porque não tendo na letra da lei “um mínimo de correspondência verbal”, então estar-se-á a extravasar o domínio da mera interpretação jurídica, reconduzindo-se ao domínio da analogia, analogia (constitucionalmente) proibida nos domínios penal e processual penal.

p) O artº. 1º, nº.2, do CP, não admite interpretação analógica relativamente a normas materiais de direito penal ou de direito processual penal.

q) As penas autónomas não se podem considerar como abrangidas pelo âmbito de aplicação do artº. 125º e, portanto, sujeitas a causas de suspensão do prazo prescricional.

r) Defender o contrário seria acolher uma interpretação não reconduzível “à moldura semântica do texto”, isto é, adoptar um sentido da letra da lei sem “um mínimo de correspondência verbal”, e, assim, entrar no domínio da analogia, analogia (constitucionalmente) proibida nos domínios penal e processual penal.

s) Uma interpretação da al.a) do artº. 125º do CP, no sentido de fazer corresponder a execução da pena suspensa como um acaso em que por força de lei a própria pena suspensa não possa “começar ou continuar a ter lugar”, seria claramente violadora do artº. 1º, nº.2, do CP e, ainda, do artº. 29º, nºs. 1 e 3, da Constituição da Republica Portuguesa.

t) Manifestamente, a pena autónoma ou de substituição aplicada nos autos ao arguido (execução de prisão suspensa pelo período de 5 anos), se extinguiu, por efeito de prescrição, em 11/04/2022 (cfr. artºs. 122º, nº.1, al.d), 122º, nº.2, 126º, nºs.1, a) e 3, todos do CP).

u) O despacho proferido em 06/05/2022, que determinou a revogação da pena de substituição e determinou o cumprimento efectivo da pena substituída, foi-o já depois da extinção da pena por efeito de prescrição.

v) É, então, mister reconhecer e declarar a prescrição da pena aplicada nos autos.

C - PEDIDO

Destarte, impõe-se a procedência do presente recurso e, consequentemente, a revogação do despacho proferido pelo Tribunal “a quo” e a sua substituição, por banda deste Tribunal “ad quam”, por decisão que declare a prescrição da pena autónoma / substituição de suspensão de execução de prisão pelo período de 5 anos, prescrição que ocorreu em 11/04/2022, bem como, a ineficácia de todo o processado em relação ao arguido e ora recorrente e subsequente a tal data.»

II- BB:

«  II.

DAS CONCLUSÕES

1. Suscita o arguido recurso ordinário do despacho com a ref: 94149295 que declara não prescrita a pena de prisão suspensa na sua execução na qual foi condenado.

2. O arguido foi condenado pela prática, em coautoria, de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 103.º e 104.º, n.ºs 1 e 2, do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos, subordinada à condição de o recorrente, no prazo máximo de suspensão, proceder ao pagamento, à Administração Fiscal, da quantia de €46.000, «correspondente[s] a parte do benefício ilegítimo obtido devendo comprová-lo documentalmente nos autos”. O trânsito em julgado da decisão ocorreu 11.04.2016”.

3. Foi revogada a suspensão de execução da pena, “…Nestes termos e face ao exposto, declaro revogada a suspensão da execução da pena de prisão imposta aos arguidos, devendo estes cumprir a pena a que foram condenados nos presentes autos, fixada na sentença: o arguido AA a pena de 3 (três) anos de prisão, e o arguido BB, a pena de 4 (quatro) anos de prisão.”, sendo esta decisão proferida em 6/5/2022, ainda não transitada em julgado.

4. O arguido havia requerido, “apelando ao disposto no artg. 122º nº 1 al. d) e nº 2, 125º a contrario sensu e 126º nº 3 do CP”, a extinção da pena suspensa, por PRESCRIÇÃO, com as legais consequências.

5. O tribunal a quo proferiu o despacho recorrido, concluindo pela improcedência da causa extintiva do procedimento suscitada pelo arguido, num primeiro momento por entender “…que se deverá aplicar no caso, segundo a qual as penas de prisão suspensas, de 4 e 5 anos de prisão, aplicadas aos requerentes, prescrevem no prazo de 10 anos, e não de 4 anos.”, e, num segundo momento, “…As penas de substituição não são autónomas, nem independentes das penas principais… para efeito de prazo de prescrição, sendo a estas que se refere o art.º 122.º, do C. Penal e sendo a estas que, por isso, deveremos atender para a contagem do prazo prescricional”.

6. Sustenta o arguido que o despacho recorrido é ilegal, pois, assenta em premissas erradas e enviesada interpretação dos normativos que concorrem à aplicação no caso concreto.

7. Em primeiro lugar, em regime de quase unanimidade, a Doutrina (Figueiredo Dias e Jeschek) e a Jurisprudência (acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 13/2016, de 07/10; recentemente, acordãos do TRL de 11/01/2022 e do TRP de 30/03/2022, 04/10/2022, 23/06/2021, 23/03/2022 e 19/04/2023), considera que a pena de prisão e a pena de suspensão de execução da pena de prisão são penas autónomas entre si, e, causalmente, têm prazos de prescrição autónomos, formas de contagem autónomas e sujeitas a causas de suspensão e/ou interrupção autónomas.

8. Sobre esta decisiva matéria, é essencial atentar no acordão do STJ de 5/7/2017, proferido no Proc. nº 150/05.7 IDPRT-D.S1 – 3ª Secção (Habeas Corpus), sendo Relatora a Srª Juíza Conselheira Rosa Tching: “…é indubitável, quer a nível doutrinal, quer jurisprudencial, ter mesma suspensão emergido como uma espécie de pena de substituição… Como quer que seja e, quer se entenda que por força duma leitura menos restritiva da lei, quer por interpretação in bonam partem, importa equacionar a suspensão da pena de prisão como uma pena autónoma”.

9. Não parecem existir, pois, e ao contrário do que decorre do despacho recorrido, quaisquer dúvidas sobre a autonomia da pena de prisão suspensa na sua execução e a pena de prisão aplicada e, neste conspecto, importa reivindicar o prazo prescricional aplicável, seu início, seu terminus e aproximação ao caso concreto.

10. O despacho recorrido padece de grave e evidente ilegalidade, por incorrecta interpetação dos artigos 122º nº 1 al. d) e nº 2, 125º a contrario sensu e 126º nº 3 do CP enquanto aplicáveis à pena de prisão suspensa na sua execução em regime de pena autónoma, impondo-se a sua revogação pela via recursiva. O que expressamente se reclama.

11. Como consequência da revogação do despacho recorrido, importa extrair as consequências jurídicas in casu cabíveis e que se balizam pela sentença a quo que aplicou pena de prisão suspensa na sua execução pelo período de 4 anos (sujeita a condição) tendo transitado em julgado em 11/4/2016, sendo este o momento determinante para a contagem do prazo prescricional como causa interruptiva.

12. O prazo de prescrição aplicável encontra-se previsto no art. 122º nº 1 al. d) do CP que estatui “As penas prescrevem nos prazos seguintes: …d) Quatro anos, nos casos restantes”, constando do nº 2 do mesmo preceito que “O prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena”, importando, decisivamente, o disposto no artg. 126º nº 3 do CP que, a este propósito alvitra, “A prescrição da pena e da medida de segurança tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade”, o que vale por dizer, in casu, seis anos (quatro anos de prescrição e dois anos correspondentes a metade desse prazo).

13. A prescrição, como causa extintiva da pena, é de conhecimento oficioso.

14. Inexiste qualquer causa suspensiva do prazo prescricional da pena que seja adicionado aos seis anos constantes da conjugação do artg. 122º nº 1 al. d) e nº 2 e artg. 125º e 126º nº 3 do CP, concluindo-se, por óbvio, que a prescrição da pena de prisão suspensa na sua execução ocorreu em 11/4/2022, ou, no limite interpretativo, adicionando um ano correspondente à prorrogação do prazo concedido, em 11/4/2023.

15. A (não) aplicabilidade do regime suspensivo constante do artigo 125º e 126º nº 3 do CP, resulta cristalina do já citado acordão do STJ de 5/7/2017, proc. nº 150/05.7 IDPRT-D.S1 – 3ª Secção (Habeas Corpus), sendo Relatora a Srª Juíza Conselheira Rosa Tching, proferido no domínio da mesma legislação e assente nos mesmíssimos pressupostos, nos seguintes termos:

“…Consequentemente, e nos termos do disposto no artigo 122º, nº 1, al. d), e nº 2, do Código Penal, a prescrição dessa pena de substituição ocorre com o decurso do prazo de quatro anos, contados a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória… Assim, relativamente à pena de substituição (no caso, a pena de prisão suspensa na sua execução), o prazo da prescrição inicia-se com o trânsito em julgado da sentença condenatória, aplicando-se depois o regime da suspensão e da interrupção da prescrição previsto nos artigos 125º e 126º do Código Penal, ou seja, o prazo de prescrição da pena de substituição em causa (a pena de prisão com execução suspensa) interrompe-se com a sua própria execução.

Consequentemente, no caso vertente pode-se afirmar que, não se tendo verificado nenhuma causa de suspensão, uma vez que não se verifica qualquer um dos itens apontados no artigo 125º do Código Penal, já o mesmo não se pode dizer em relação à sua interrupção face ao disposto no artigo 126 nº 1 alínea a) do mesmo diploma legal. Aqui chegados, e aparentemente, toda a lógica argumentativa parecia conduzir no sentido que se perscruta no requerimento deduzido. Porém, a leitura integral, e não parcial do ultimo normativo citado, encontra o seu número 3 que proclama «A prescrição da pena e da medida de segurança tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade». A prescrição temporal em termos absolutos cominada neste normativo tem como pressuposto a relevância do tempo de suspensão do prazo de contagem e já não do tempo de interrupção do prazo de contagem da pena. No caso vertente existe uma causa de interrupção mas já não de suspensão da contagem do prazo. Consequentemente, sendo de quatro anos aquele prazo de prescrição (a contar da data do trânsito em julgado da decisão condenatória, ou seja, 27.01.2011), acrescido de metade (no total de seis anos), nos termos do disposto no nº3 do citado art. 126º, é evidente que, aquando da revogação da suspensão da pena (09.02.2017), já se tinha verificado a prescrição da pena de substituição.”, sublinhado e carregado nosso.

16. Na confluência do vertido no acórdão citado, conclui-se que a sentença condenatória proferida em primeira instância e que aplicou pena de prisão suspensa na sua execução aplicada ao arguido transitou em julgado em 11/4/2016; a decisão a quo de 6/5/2022 que determinou a revogação da pena de prisão suspensa na sua execução aplicada ao arguido ainda não transitou em julgado nos dias de hoje; a prescrição da pena de prisão suspensa na sua execução ocorre quatro anos depois do trânsito em julgado da decisão condenatória (artg. 122. nº 1 al. d) e nº 2 do CP); in casu inexistem quaisquer causas de suspensão oponíveis ao decurso do respectivo prazo, existindo como causa interruptiva aplicável a prevista no artg. 126º nº 1 al. a) do CP; o artg. 126º nº 3 do CP impõe como prazo máximo admissível para que a prescrição ocorra o prazo “geral” de quatro anos (artg. 122º nº 1 al. d) do CP) acrescido de metade, descontado que seja o prazo de suspensão que exista (artg. 126º nº 3 do CP); não sendo o decurso do prazo de cumprimento da suspensão da pena causa cabível em qualquer alínea do artg. 125º do CP - suspensão do prazo de prescrição – é objectivo e evidente que o prazo máximo consentido para que haja prescrição da pena é de seis anos (artg. 126º nº 3 do CP e Ac. do STJ de de 5/7/2017, proferido no Proc. nº 150/05.7 IDPRT-D.S1 – 3ª Secção), pois, o carácter impositivo estatuído no nº 3 do artg. 126º do CP não contempla o regime interruptivo mas, outrossim, o regime suspensivo (se o houver).

17. Transitando a sentença que condenou o arguido em pena de prisão de execução suspensa em 11/4/2016 (cfr. sentença de primeira instância e acórdão do TRP de 19/4/2023), inexistindo trânsito em julgado da decisão revogatória de 6/5/2022 até aos dias de hoje (cfr. pendência de recurso junto do Colendo Tribunal Constitucional de decisão revogatória da pena de prisão suspensa fixada ab initio), concluir-se-á pelo decurso do prazo de seis anos como limite máximo legalmente consentido para o cumprimento da pena de prisão suspensa cominado, 11/4/2016 a 11/4/2022, sendo que, in casu, decorreram sete anos e 10 meses (ainda que se cogitasse a prorrogação concedida de um ano, 11/4/2016 a 11/4/2022 e 11/4/2022 a 11/4/2023).

18. Deverá o despacho recorrido com a ref: 94149295 ser revogado por incorrecta interpretação dos artigos 122º nº 1 al. d) e nº 2, 125º a contrario sensu e 126º nº 3 do CP, enquanto aplicáveis à pena de prisão suspensa na sua execução em regime de pena autónoma, o que expressamente se reclama, e, em causalidade, 

19. Apelando ao disposto no artg. 122º nº 1 al. d) e nº 2, 125º a contrario sensu e 126º nº 3 do CP, deverá ser reconhecido ad quem o decurso do prazo máximo de prescrição da pena de prisão suspensa na sua execução legalmente consentido e, nessa conformidade, declarada extinta a referida pena, por PRESCRIÇÃO, com as legais consequências.

20. Cautelarmente, a aceitar-se a aplicação do regime de interrupção previsto na al. a) do nº 1 do artg. 126º do CP ao segmento previsto no artg. 126º nº 3 do CP “ressalvado o tempo de suspensão”, suscita o arguido a inconstitucionalidade normativa das disposições conjugadas dos artgs. 125º nº 1 al. a), 126º nº 1 al. a) e nº 3 do CP, por violação do princípio da legalidade da lei criminal na sua vertente proibitiva de aplicabilidade analógica prevista no artg. 29º nº 3 da CRP, quando interpretadas no sentido de ser admitida como causa suspensiva do prazo máximo de prescrição prevista no nº 3 do artg. 126º do CP, em regime de aplicação analógica, o regime interruptivo constante do nº 1 al. a) do artg. 126º do CP ex vi artg. 125º nº 1 do CP.


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Nestes termos,

Deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser proferido pelo tribunal ad quem douto acórdão que decida:

- revogar o despacho recorrido com a ref: 94149295 por incorreta interpretação dos artigos 122º nº 1 al. d) e nº 2, 125º a contrario sensu e 126º nº 3 do CP, enquanto aplicáveis à pena de prisão suspensa na sua execução em regime de pena autónoma; e, em causalidade,

- atento o disposto no artg. 122º nº 1 al. d) e nº 2, 125º a contrario sensu e 126º nº 3 do CP, deverá ser reconhecido ad quem o decurso do prazo máximo de prescrição da pena de prisão suspensa na sua execução legalmente consentido e, nessa conformidade, declarada extinta a referida pena, por PRESCRIÇÃO, com as legais consequências.


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Decidindo, desta forma, farão V.ªs Ex.ªs, como sempre, JUSTIÇA!»

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O Ministério Público, nas suas alegações de resposta, apresentou as seguintes conclusões:

«1. Por sentença proferida e transitada em julgado em 11.04.2016, AA foi condenado pela prática, em coautoria, de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 103.º e 104.º, n.º(s) 1 e 2, do RGIT, na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 (cinco) anos, subordinada à condição de o arguido, no prazo máximo de 5 (cinco) anos, proceder ao pagamento à Administração Fiscal da quantia de €300.985,76 (trezentos mil novecentos e oitenta e cinquenta euros e setenta e seis cêntimos), correspondente a parte do benefício ilegítimo obtido, devendo comprová-lo documentalmente nos autos.

2. Por sua vez, por sentença proferida e transitada em julgado em 11.04.2016, BB foi condenado pela prática, em coautoria, de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 103.º e 104.º, n.º(s) 1 e 2, do RGIT, na pena de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 (quatro) anos, subordinada à condição de o arguido, no prazo máximo de suspensão, proceder ao pagamento à Administração Fiscal da quantia de €46.000,00 (quarenta e seis mil euros), correspondente a parte do benefício ilegítimo obtido, devendo comprová-lo documentalmente nos autos.

3. Por despacho datado de 06.05.2022, foi declarada revogada a suspensão da execução da pena de prisão imposta aos condenados, devendo estes cumprir a pena em que foram condenados nos presentes autos, fixada na sentença ao condenado AA a pena de 3 (três) anos de prisão, e ao condenado BB a pena de 4 (quatro) anos de prisão.

4. Deste despacho foi interposto recurso, que ainda não baixou, não estando decidida definitivamente a decisão de revogação da suspensão da pena de prisão.

5. Com efeito, por requerimento datado de 12.01.2024, os condenados AA e BB vieram alegar que as penas de prisão de 3 (três) e 4 (quatro) anos, suspensas na sua execução pelo período de 5 (cinco) e 4 (quatro) anos, em que foram, respetivamente, condenados, se encontram prescritas, requererem que seja declarada a sua prescrição.

6. Por despacho proferido em 22.01.2024, a exceção arguida pelos condenados foi declarada improcedente, e, consequentemente, as penas em que foram condenados não foram declaradas prescritas.

7. Salvo o devido respeito por opinião diversa, seguimos o entendimento que no artigo 122.º, al. d), do Código Penal não cabem todas as penas de prisão suspensas na sua execução, mas apenas as penas de prisão inferiores a dois anos de prisão.

8. Com efeito, só a partir do momento em que a pena de substituição (suspensão da execução da pena de prisão) é revogada, por decisão transitada em julgado, estamos perante uma pena de prisão a enquadrar, consoante a sua moldura, numa das alíneas do artigo 122.º, n.º 1, do Código Penal, porquanto a revogação implica o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença (cf. artigo 56.º, n.º 2, do Código Penal) sem qualquer desconto.

9. Volvendo ao caso concreto, o prazo de prescrição da pena principal só começa a correr com o trânsito em julgado da decisão de revogação da suspensão da execução da pena, de acordo com o disposto no artigo 122.º, n.º 2, do Código Penal, e não com o trânsito em julgado da sentença que aplicou a suspensão da pena de prisão, porquanto não tendo transitado em julgado o despacho de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, ainda não começou a correr o prazo de prescrição.

10. Caso assim não se entenda e se siga o entendimento da corrente doutrinária que enquadra a pena de prisão suspensa na sua execução “nos casos restantes”, a que se refere o artigo 122.º, al. d), do Código Penal, sendo o prazo de prescrição de 4 (quatro) anos, consideramos que não assiste razão aos recorrentes, porquanto o prazo de prescrição iniciou-se no dia em que transitou em julgado a decisão que aplicou a pena (cf. artigo 122.º, n.º 2, do Código Penal), e interrompeu-se durante a sua execução (cf. artigo 126.º, n.º 1, al. a), do Código Penal).

11. Posto isto, entendemos que devem improceder os recursos, sob pena de violação da lei criminal.

Nestes termos, deverá negar-se provimento aos recursos interpostos por AA e BB, mantendo-se, nos seus precisos termos o Despacho recorrido, com o que se fará inteira e sã Justiça!»


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Nesta instância, o Ministério Público emitiu parecer no sentido de que se deve negar provimento aos recursos e manter o despacho recorrido, que julgou, e bem, improcedente a exceção de prescrição das penas invocada pelos condenados/recorrentes.

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Foi cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 2 do CPP.

Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.


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2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1 - QUESTÕES A DECIDIR

Conforme jurisprudência constante e assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.

Face às conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, a questão a apreciar e decidir é tão só a da prescrição das penas aplicadas.


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2.2 - A DECISÃO RECORRIDA.

O teor do despacho recorrido é o seguinte:

« O arguido AA foi condenado pela prática, em co-autoria, de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 103º e 104º, nºs 1 e 2, do RGIT, na pena de três anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de cinco anos, subordinada à condição de o arguido, no prazo máximo de cinco anos, proceder ao pagamento à Administração Fiscal da quantia de € 300.985,76, correspondente a parte do benefício ilegítimo obtido, devendo comprová-lo documentalmente nos autos.

O arguido BB foi condenado pela prática, em co-autoria, de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 103º e 104º, nºs 1 e 2, do RGIT, na pena de quatro anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de quatro anos, subordinada à condição de o arguido, no prazo máximo de suspensão, proceder ao pagamento à Administração Fiscal da quantia de €46.000,00, correspondente a parte do benefício ilegítimo obtido, devendo comprová-lo documentalmente nos autos.

O trânsito em julgado da decisão ocorreu 11.04.2016.

Por despacho datado de 06/05/2022, decidiu-se declarar revogada a suspensão da execução da pena de prisão imposta aos arguidos, devendo estes cumprir a pena a que foram condenados nos presentes autos, fixada na sentença: o arguido AA a pena de 3 (três) anos de prisão, e o arguido BB, a pena de 4 (quatro) anos de prisão.

Desse despacho foi interposto recurso, que ainda não baixou, não estando decidida definitivamente a decisão de revogação da suspensão da pena de prisão.

Vieram, agora, os arguidos AA e BB alegando que as penas de prisão de 3 e 4 anos, suspensas na sua execução pelo período de 5 e 4 anos, em que foram, respetivamente, condenados, se encontram prescritas, requerer seja declarada a sua prescrição.

Dada vista ao MP, a Digna Magistrada promoveu se indeferisse ao requerido com os fundamentos presentes na promoção que antecede.

Cumpre decidir.

No Acórdão do STJ de 28/02/2018, no processo 125/97.8IDSTB-A.S1, no sítio www.dgsi.pt, sumariou-se que:

“I - O prazo de prescrição da pena principal só começa a correr com o trânsito em julgado da decisão de revogação da suspensão da execução da pena (n.º 2 do art. 122.º do CP).

II - Não é defensável a posição que, em abstracto, defende a aplicação do disposto na la. d) do art. 122.º do CP (prazo de 4 anos) à pena de substituição (pena de suspensão da execução da pena de prisão). Meter no mesmo caldeirão, da citada al. d), todas as penas de suspensão da execução da pena de prisão, que podem oscilar entre o prazo de 1 e 5 anos (art. 50.º, n.º 5, do CP – prazos de suspensão) e que, também, podem substituir penas de prisão até 5 anos (n.º 1 do art. 50.º), é algo que pode contender, além do mais, com o próprio princípio da culpa. Na al. d) cabem todas as penas de prisão (inferiores a 2 anos, suspensas ou não na sua execução, e penas de multa) não abrangidas nas als. anteriores.

III - A partir do momento em que a pena de substituição (suspensão da execução da pena de prisão) é revogada, através de decisão transitada, estamos perante uma pena de prisão a enquadrar, consoante a sua moldura, numa das als. do art. 122.º, n.º 1, do CP.

IV - Durante o prazo da pena de suspensão (pode ir de 1 a 5 anos), o decurso da prescrição fica suspenso. Só começa a correr com o trânsito da decisão que aplicar a pena (n.º 2 do art. 122.º do CP). O ponto fulcral a atender é o do momento do trânsito em julgado do despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão.”

Os arguidos alegaram que as penas em que foram condenados se encontram prescritas pelo decurso do prazo previsto no art.º 122.º, n.º 1, al. d), do C. Penal, devido ao disposto no n.º 3, do art.º 126.º, do C. Penal, segundo o qual “A prescrição da pena e da medida de segurança tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade.”

Ora, entendemos não lhes assiste razão.

A jurisprudência dos tribunais superiores tem-se dividido sobre o prazo de prescrição aplicável às penas de prisão suspensas na sua execução, no que respeita à interpretação do artigo 122.º do Código Penal.

Uma corrente sustenta que o prazo de prescrição de uma pena de prisão suspensa é o de quatro anos previsto no artigo 122.º, n.º 1, al. d), do Código Penal, enquanto outra sustenta que o prazo de prescrição é o de dez anos, tendo em conta que é à pena principal de prisão que se deve atender para a contagem do prazo prescricional.

Ora, entendemos que será esta última corrente que se deverá aplicar no caso, segundo a qual as penas de prisão suspensas, de 4 e 5 anos de prisão, aplicadas aos requerentes, prescrevem no prazo de 10 anos, e não de 4 anos.

Tal como é defendido no Ac. do STJ 7/2016, DR I S. de 21/3/2016 “As penas de substituição caracterizam-se como sendo aplicadas em vez da pena principal, constituindo pena principal a pena que está expressamente prevista no tipo legal de crime, o que no nosso ordenamento jurídico se reduz à pena de prisão e à pena de multa, no que respeita às penas aplicáveis às pessoas singulares”.

As penas de substituição não são autónomas, nem independentes das penas principais (que, no nosso ordenamento, se limitam às penas de prisão e de multa), para efeito de prazo de prescrição, sendo a estas que se refere o art.º 122.º, do C. Penal e sendo a estas que, por isso, deveremos atender para a contagem do prazo prescricional.

Ora, o prazo de prescrição da pena principal só começa a correr com o trânsito em julgado da decisão de revogação da suspensão da execução da pena, de acordo com o disposto no n.º 2 do art. 122.º, do CP, e não com o trânsito em julgado da sentença que aplicou a suspensão da pena de prisão.

No caso em apreço, o trânsito em julgado da decisão de revogação da suspensão da execução da pena ainda não se verificou.

Na al. d) do art.º 122.º estão contempladas todas as penas de prisão (inferiores a 2 anos, suspensas ou não na sua execução, e as penas de multa) não abrangidas nas alíneas. anteriores.

Quando a decisão de revogação das penas de substituição aplicadas aos requerentes (suspensão da execução da pena de prisão), transitar em julgado, estaremos perante penas de prisão que, tendo em conta a sua moldura (3 e 4 anos de prisão), se incluirão na al. c) do art. 122.º, n.º 1, do CP, cujo prazo de prescrição é o de 10 anos.

Durante o prazo da pena de suspensão (4 e 5 anos), o decurso da prescrição ficou suspenso, só começando a correr com o trânsito da decisão que aplicou as penas de prisão, de acordo com o n.º 2, do art. 122.º, do C. Penal.

Temos assim, que, no caso em apreço, o prazo de prescrição ainda nem sequer começou a correr.

Pelo exposto, declaro improcedente a excepção arguida pelos arguidos, e declaro que as penas em que foram condenados não se encontram prescritas.

Notifique.»


*

2.3- APRECIAÇÃO DO RECURSO.

A questão essencial com que nos debatemos neste recurso é a de saber qual o prazo de prescrição aplicável à pena substitutiva (suspensão da execução da pena de prisão, prestação de trabalho a favor da comunidade e pena de multa de substituição): o prazo da pena substituída ou o da pena de substituição.

A jurisprudência tem-se dividido entre ambas as opções.

No sentido da primeira posição, de que o prazo de prescrição é o da pena substituída, foram entre outros os acórdãos: STJ-28.02.2018[1], TRC-26.05.2021[2], TRE-24.10.2023[3], TRE-18.12.2023[4], TRP-04.10.2022[5].

Pela segunda posição, de que o prazo de prescrição é o da pena substitutiva,  foram entre outros, os acórdãos: STJ-05.07.2017[6], TRC-18.03.2020[7], TRC-15.06.2022[8], TRE-08.06.2021[9], TRL-11.01.2022[10], TRP-22.02.2017[11], TRP-23.06.2021[12], TRP-23.03.2022[13], TRP-04.10.2022[14].

A posição que nos parece correta é a segunda, por razões fáceis de entender.

Em primeiro lugar surge-nos como fora de dúvida que a pena de substituição (suspensão da execução, trabalho a favor da comunidade ou multa de substituição) é uma pena diferente da pena de prisão que substituiu. É essa a lição da escola penal portuguesa: «substituir a execução duma pena de prisão traduz-se sempre em aplicar, na vez desta, uma outra pena.[15]» As penas de substituição constituem uma categoria diferente de penas, com o seu sentido e teleologia próprias. São autónomas das penas que substituíram. [16]

É este então o ponto de partida para a solução da questão: A pena de substituição (suspensão da execução, trabalho a favor da comunidade ou multa de substituição) é uma pena diferente da pena de prisão que substituiu, com o seu sentido e teleologia próprios.

Partindo então desta noção básica, da autonomia e teleologia próprias da pena de substituição, vejamos as normas legais pertinentes.

Nos termos do artigo 122.º, n.º1 do Código Penal as penas prescrevem nos prazos seguintes:

a) Vinte anos, se forem superiores a dez anos de prisão;

b) Quinze anos, se forem iguais ou superiores a cinco anos de prisão;

c) Dez anos, se forem iguais ou superiores a dois anos de prisão;

d) Quatro anos, nos casos restantes.

Sendo que de acordo com o n.º 2 do citado artigo o prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena.

Por outro lado, nos termos artigo 126.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, a prescrição da pena e da medida de segurança interrompe-se com a sua execução ou com a declaração de contumácia, sendo que depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição.

Não obstante, nos termos do n.º 3 do citado artigo, a prescrição da pena e da medida de segurança tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade.

A pena de substituição (suspensão da execução, trabalho a favor da comunidade ou multa de substituição) é uma pena diferente da pena de prisão que substituiu, com o seu sentido e teleologia próprios.

Não sendo uma pena de prisão, não se enquadra nas alíneas a), b) e c) do artigo 122º, n.º 1 do Código Penal que dizem respeito às penas de prisão, mas antes na alínea d), relativa às restantes penas.

Para integrar a pena de substituição nas primeiras três alíneas do artigo 122º, n.º 1 do Código Penal, tal só seria possível através da analogia, não admissível nesta situação porque in malam partam.

 Assim, a pena de substituição (suspensão da execução, trabalho a favor da comunidade ou multa de substituição) é uma pena autónoma, também suscetível de prescrição, sendo o respetivo prazo prescricional de quatro anos, nos termos da alínea d) do artigo 122º do Código Penal.

O prazo de prescrição de quatro anos das penas aplicadas aos arguidos começou a correr no dia 11.04.2016, com o trânsito em julgado da sentença. Interrompeu-se com o início da execução da pena de substituição e, face ao disposto no artigo 126º n.º 3 do Código Penal, completou-se em 11.04.2022.

Mostrando-se prescrita a pena de substituição aplicada, extingue-se a responsabilidade criminal dos arguidos.

Assim, haverá de se declarar extintas por prescrição as penas (de substituição) em que os arguidos AA e BB foram condenados nestes autos e extinta também a responsabilidade criminal dos arguidos.    


*

3- DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento aos recursos e, em consequência, declarar extintas por prescrição as penas em que os arguidos AA e BB foram condenados nestes autos e declarar extinta também a responsabilidade criminal dos arguidos.

Sem custas.


*

Notifique.

Porto, 26 de junho de 2024

William Themudo Gilman

Liliana de Páris Dias (vencida com declaração de voto) - [«Declaração de voto: É ainda maioritária a jurisprudência no sentido de que as alíneas a) a c) do n.º 1 art.º 122.º do Código Penal não são aplicáveis a penas suspensas na respetiva execução, mas tão só a penas de prisão efetiva. A referida jurisprudência entende que a suspensão da execução da pena, enquanto pena autónoma, de substituição, distinta da pena principal de prisão, encontra-se sujeita ao prazo prescricional de 4 anos previsto na al. d) do n.º 1 do art.º 122.º do Código Penal. Prescreverá, pois, se o processo estiver pendente 4 anos desde a data em que se completou o período de suspensão inicialmente fixado, sem que aquele prazo fosse prorrogado e sem que a suspensão tivesse sido revogada ou extinta nos termos do artigo 57.º nºs 1 e 2 do C. Penal.

Não acompanhamos o referido entendimento, que fez vencimento no presente recurso, mas antes aquele, expresso, entre outros, nos acórdãos do STJ de 28/2/2018, do TRL de 21/2/2019, do TRP de 7/7/2021 e de 4/10/2022, do TRC de 20/5/2021 e do TRE de 8/9/2020 (todos consultáveis em www.dgsi.pt), no sentido, sintetizado no acórdão deste TRP de 7/7/2021, de que, na alínea d) do número 1 do artigo 122.º do Código Penal, não cabem todas as penas de suspensão da execução da pena de prisão, mas as penas de prisão inferiores a dois anos de prisão, sejam ou não suspensas na sua execução, e ainda as penas de multa.

Assim, se as penas de prisão suspensas na sua execução forem iguais ou superiores a dois anos e inferiores a cinco anos, caberão, como caberiam se não fossem suspensas na sua execução, na alínea c) desse número, a qual estabelece um prazo de prescrição de dez anos.

Se as penas de prisão suspensas na sua execução forem de cinco anos, caberão, como caberiam se não fossem suspensas na sua execução, na alínea b) desse número, a qual estabelece um prazo de prescrição de quinze anos.

Em suma, as penas de prisão suspensas não têm um prazo de prescrição autónomo do da pena originária, não lhes sendo aplicável o disposto no art.º 122º, n.º 1, d), do Código Penal.

Como é observado nos arestos atrás mencionados, o entendimento segundo o qual a todas as penas de prisão suspensas na sua execução, independentemente da sua duração,  é aplicável o disposto no art.º 122.º, n.º 1, al. d), do C. Penal - prazo de prescrição de 4 anos -, levaria a soluções inaceitáveis, do ponto de vista da unidade do sistema jurídico e tendo em conta que se presume que o legislador consagrou as soluções mais adequadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art.º 9º do Código Civil)  .

Assim sendo, e atendendo às penas de prisão aplicadas aos arguidos, o prazo de prescrição é o prazo de 10 anos, previsto no art.º 122.º, n.º 1, al. c) do Código Penal, que deve ser contado desde a data do trânsito em julgado da decisão condenatória, nos termos do n.º 2 deste dispositivo legal.

A sentença condenatória transitou em julgado em 11/4/2016, pelo que, sem prejuízo de eventuais causas de interrupção, a prescrição ocorreria somente no dia 11/4/2026. Deste modo, quando foi proferido o despacho recorrido (ou seja, em 6/5/2022), as penas de prisão suspensas na execução aplicadas aos arguidos não se encontravam prescritas.

Entretanto, com a prolação da última decisão proferida pelo Tribunal Constitucional (TC), datada de 27/2/2024, transitou em julgado a decisão de revogação da suspensão da execução das penas de prisão, proferida pelo tribunal de primeira instância e confirmada pela 1ª secção criminal deste TRP.

Conforme se escreve no acórdão do STJ, de 6/4/2016, que teve por relator o Conselheiro Santos Cabral, «I - A partir do momento em que a suspensão da execução da pena de prisão foi revogada, e atempadamente, a pena que o arguido passou a ter que cumprir é a pena de prisão em que foi condenado. II - A partir do trânsito em julgado do despacho que operou essa revogação, a prescrição da pena a atender é a prescrição da pena de prisão pois que é a única em relação à qual se pode colocar, nessa altura, a questão da respetiva execução e não perante a pena cominada na primitiva sentença condenatória, de suspensão de execução da pena de prisão, a qual se encontra revogada».

A pena de prisão aplicada na decisão condenatória tem um prazo de prescrição que se encontra necessariamente suspenso, pelo facto de o arguido estar a cumprir outra pena, ou seja, a cumprir uma pena de substituição, nomeadamente de suspensão de execução da pena de prisão, pelo que, só quando a pena de substituição deixou de estar a ser cumprida, devido à sua revogação, cessa a suspensão do prazo da prescrição da pena de prisão (cf. o art.º 125.º, n.º 1, a), do CP).

O que significa que as penas de prisão “reavivadas” com a decisão de revogação da suspensão estão, também elas, muito longe de estarem prescritas, na medida em que ao prazo normal de prescrição de 10 anos sempre seria necessário acrescentar o período temporal durante o qual, por força da lei, a execução da pena de prisão não pôde começar (coincidente com o tempo que decorreu entre o trânsito em julgado da condenação e o trânsito em julgado da revogação da suspensão, num total de cerca de 7 anos e 10 meses), o que configura uma causa de suspensão da prescrição, nos termos previstos nos artigos 125.º, n.º 1, a) e n.º 2 e 126.º, n.º 3, do Código Penal.

Em conclusão:

A autonomia da pena substitutiva não implica, por si só, a inclusão do prazo prescricional das penas de prisão suspensas na alínea d) do art.º 122.º, n.º 2, do Código Penal.

A lei não o diz e nada o obriga - a diversa natureza das penas apenas influirá no regime de contagem do prazo de prescrição, sendo distintamente aplicáveis as causas de interrupção e de suspensão.

Só a posição que aqui defendemos assegura soluções adequadas à unidade do sistema jurídico, já que, de outra forma, as penas suspensas prescreveriam, independentemente  da sua duração, no prazo de 6 anos a contar da sua aplicação (art.º 126.º, n.º 3), na medida em que vem sendo entendido pela jurisprudência maioritária sobre a matéria (cf. o acórdão deste TRP, de 23/6/2021, disponível em www.dgsi.pt) que a causa de suspensão prevista no art.º 126.º, n.º 3 não é aplicável à pena suspensa (apenas à pena principal de prisão - art.º 125.º, n.º 1, a), do CP).

A aplicação da corrente jurisprudencial que obteve vencimento leva, na prática, a amplos resultados de impunidade, pois é frequente existirem incidentes relacionados com o incumprimento das condições da pena suspensa ou, até, com a prática de crimes no decurso do prazo de suspensão, tendentes à revogação da suspensão, que não fiquem definitivamente decididos no prazo máximo de 6 anos após a condenação (como sucedeu no caso em apreço).

Esta solução, para além de conflituar com o disposto no art.º 57.º, n.º 3 do Código Penal (preceito que impõe que a pena suspensa só é declarada extinta quando findar o processo ou o incidente que possa determinar a sua revogação), não foi seguramente prevista e desejada pelo legislador.

Teria, assim, julgado não providos os recursos, confirmando a decisão recorrida (com a ressalva, apenas, de que o prazo de prescrição de 10 anos, previsto no art.º 122.º, n.º 1, al. c) do Código Penal, deve ser contado desde a data do trânsito em julgado da decisão condenatória, nos termos do n.º 2 deste dispositivo legal).]

Maria Deolinda Dionísio

_____________________________
[1] https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/92e9c8cfba1502308025824300573a36?OpenDocument
[2]  https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/7bb6b186c18b8f82802586e400356882?OpenDocument
[3] https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/c0391e497f7cc19680258a5f00318c0d?OpenDocument
[4] https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/d3e560a250c4d8b180258a9f0034b39e?OpenDocument
[5] https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/cf82cc08dfd8cd4a802588fd00597c50?OpenDocument
[6] https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/7E445D250517923A802581750036CBCC
[7] https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/ebd938cf83611bf28025857b00329d70?OpenDocument
[8] https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/d08e7d7544daa5798025886a004f0896?OpenDocument
[9] https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/33208990b7d4c6de802586f800706df7?OpenDocument
[10] https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/e6e1f17fa82712ff80257583004e3ddc/52ec541652fef4c5802587d800585e22
[11] http://www.gde.mj.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/3ff4c151a10a9194802580df003d4b11?OpenDocument
[12] https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/f3acdeade0f1e48580258709003b59fe?OpenDocument
[13] https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/1e4b08e3cbbbb67080258836004e7f98?OpenDocument
[14] https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/35d5618457b1550d802589190041a837?OpenDocument
[15] Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993 p. 90.
[16] Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993 p. 339.