Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | RODRIGUES PIRES | ||
Descritores: | CONTRATO DE SEGURO SEGURO DE DANOS PRIVAÇÃO DO BEM PRIVAÇÃO DO USO DE VEÍCULO | ||
Nº do Documento: | RP20240618611/20.8T8SJM.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/18/2024 | ||
Votação: | MAIORIA COM 1 VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Indicações Eventuais: | 2. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - No contrato de seguro de danos, não havendo convenção das partes em contrário, a seguradora não suportará os danos causados com a privação do bem. II – Porém, mesmo não tendo sido contratada a cobertura facultativa da privação do uso do veículo sinistrado ainda assim tal indemnização será eventualmente de atribuir se a atuação da seguradora envolver violação de um dever acessório de conduta – de lealdade, de cooperação, de diligência, por exemplo -, com desrespeito pelos ditames da boa-fé. III – Não se constata na atuação da seguradora desrespeito por deveres acessórios de conduta se esta assume, desde logo, proceder à reparação da viatura sinistrada com aplicação de peças de “marca branca”, novas, certificadas e produzidas segundo as especificações da marca, tendo ainda assumido a responsabilidade por qualquer eventual anomalia decorrente da aplicação de tais peças “brancas”. IV – Neste caso, não estando a privação do uso do veículo abrangida pelas coberturas do seguro contratado, não pode a seguradora ser condenada em indemnização por essa privação de uso. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Proc. nº 611/20.8 T8SJM.P1 Comarca de Aveiro – Juízo de Competência Genérica de São João da Madeira – Juiz 2 Apelação
Recorrente: “A..., S.A.” Recorrida: “B..., Unipessoal, Lda.”
Relator: Eduardo Rodrigues Pires Adjuntos: Desembargadoras Anabela Andrade Miranda e Lina Castro Baptista
Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO A autora “B..., Unipessoal, Lda.”, com sede na R. ..., ..., intentou a presente ação declarativa contra a ré “A..., SA”, com sede na Av. ..., ..., Lisboa, peticionando a condenação desta: a) A proceder, à sua custa, à reparação dos danos causados no veículo da Autora com peças da marca BMW, o que, conforme orçamento de reparação emitido pela oficina, ascende o montante de 9.983,15€, incluindo IVA à taxa legal, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a data da citação da ré até efetivo e integral pagamento; b) No pagamento de uma indemnização à autora, pelo dano consubstanciado na privação do uso do veículo, desde a data do sinistro até à data da sua reparação integral e definitiva, o que até ao momento se liquida em 15.000,00€, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a data da citação da ré até efetivo e integral pagamento; c) No pagamento da despesa suportada pela autora com a guarda do seu veículo sinistrado na supramencionada oficina “C...”, desde a data do sinistro até à data da sua reparação integral e definitiva, o que até ao momento se liquida em 3.290,25€, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a data da citação da ré até efetivo e integral pagamento; d) No pagamento de 1.000,00€ a título de danos morais a pagar ao condutor do NQ, sócio gerente da autora; e) Bem como, juros calculados desde a citação da ré até efetivo e integral pagamento de todo o peticionado. Alegou para tanto e, em síntese, que: O gerente da autora ao conduzir o seu veículo com a matrícula ..-NQ-.. foi interveniente num acidente de viação cuja dinâmica descreveu e a que deu causa. Esse veículo tem seguro válido contra danos próprios acordado com a ré, titulado pela apólice n.º ...49 e a ré assumiu a responsabilidade pela regularização dos danos decorrentes do sinistro. A oficina “C...”, onde o veículo se encontra parqueado, a aguardar reparação, apresentou um orçamento de reparação no valor de 9.983,15€, incluindo IVA à taxa legal, sendo que a ré só aceita pagar a quantia de 5.445,19€ mais IVA à taxa legal, com reparação pela utilização de peças idênticas às da marca, mas produzidas por outros fabricantes-aftermarket. Visto que a viatura foi comprada nova, nunca tinha sofrido qualquer acidente, todas as peças existentes no mesmo são de origem, de marca BMW e, por isso, não aceita a colocação de peças não originais. Não tendo recursos para reparar o veículo o mesmo ficou imobilizado desde o acidente, o que acarretou a privação do seu uso, causando incómodos à autora e ao gerente que habitualmente o conduzia para fins profissionais e pessoais. Mais alegou ter de pagar uma quantia de 25,00€/dia pelo parqueamento da viatura na oficina onde aguarda ordem de reparação, desde a data do acidente, tendo sido interpelada para tal. Regularmente citada, a ré contestou por impugnação. Assumiu a responsabilidade no acidente mas excluiu-se do pagamento da quantia referida no orçamento junto, que foi elaborado por peças originais (da marca BMW), garantindo, apenas a reparação da viatura com peças aftermarket, ainda que novas. Invocou que as características e funcionalidades das referidas peças garantem que o veículo fique convenientemente reparado, tendo essas peças e as de origem qualidade equivalente, não representando a sua aplicação qualquer decréscimo no desempenho do veículo, que já tinha sete anos. Quanto ao mais, sustentou que a apólice não tem tais coberturas, concretamente para a indemnização por danos não patrimoniais e pela privação do uso do veículo. Existe a específica cobertura de “Privação do uso”, a qual visa garantir ao tomador, os prejuízos decorrentes da paralisação do veículo seguro, no âmbito das coberturas facultativas de danos próprios mas a autora, não contratou tal cobertura. Classificou ainda de excessivo, genérico e desprovido de qualquer concretização fáctica e probatória o valor peticionado a título de privação de uso do veículo. Realizou-se audiência prévia. Foi depois proferido despacho saneador, no qual se conheceu oficiosamente da ilegitimidade ativa para o pedido formulado sob a alínea d) relativamente ao pagamento de indemnização ao gerente da autora, absolvendo-se, nesta parte, a ré da instância. Procedeu-se ainda à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos temas de prova. Efetuou-se audiência de julgamento com observância do legal formalismo. Por fim, proferiu-se sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência: a) Condenou a ré a pagar à autora a quantia de 9.983,15€, incluindo IVA à taxa legal, acrescido dos juros de mora à taxa legal, desde a data da citação da ré até efetivo e integral pagamento. b) Condenou a ré no pagamento de uma indemnização à autora, pelo dano consubstanciado na privação do uso do veículo, desde a data do sinistro até à data da sua reparação integral e definitiva, de 15€/dia, o que até ao momento se liquida em 18.300,00€, quantia acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data da citação da ré até efetivo e integral pagamento, bem como no pagamento dos juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde a citação e até efetivo e integral pagamento; c) Absolveu a ré do demais peticionado. Tanto a autora como a ré, inconformadas com o decidido, interpuseram recurso, sucedendo que o interposto pela autora não foi admitido por inexistência de sucumbência. Já a ré finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões: 1.º Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida a fls.___, no âmbito do processo supra identificado, a qual julgou parcialmente procedente a ação judicial proposta pela Autora B..., Unipessoal, Lda., condenando, em consequência, a Ré, ora Recorrente, em parte dos pedidos formulados nos autos, com a qual a Ré, ora Recorrente, salvo o devido respeito, não se poderá conformar. 2.º Com efeito, a ora Recorrente não se conforma com a sentença ora recorrida, nos termos da qual foi condenada a pagar à ora Recorrida, além do valor necessário à reparação do veículo NQ, o valor de €18.300,00 a título de privação do uso do referido veículo. 3.º Salvo o devido respeito (que é muito), é contra o último montante indemnizatório arbitrado na douta sentença recorrida que a ora Recorrente agora se insurge, nomeadamente, por considerar que, nos termos do contrato de seguro celebrado, à ora Recorrida não cabia qualquer indemnização pela privação do uso do veículo NQ. 4.º Com efeito, conforme resulta das condições particulares da apólice, a cobertura de “veículo de substituição/privação de uso” não foi contratada pela tomadora de seguro, ora Recorrida. 5.º Ora, existindo no contrato celebrado entre as partes, uma específica cobertura de “veículo de substituição/privação do uso”, a qual visa precisamente garantir ao tomador, os prejuízos decorrentes da paralisação do veículo seguro, no âmbito das coberturas facultativas de danos próprios, e não tendo a Autora, ora Recorrida, por mero ato da sua vontade, contratado tal cobertura, nunca poderá a agora Recorrente ser condenada a pagar à Recorrida os alegados prejuízos decorrentes daquela privação. 6.º Com efeito, não estando em discussão nos presentes autos, um direito emergente da responsabilidade civil extracontratual, haverá sempre que se atender ao conteúdo do contrato celebrado entre as partes e, bem assim, aos correspondentes direitos e deveres emergentes desse contrato. 7.º Relembrando que, a relação entre o risco a assumir pela Companhia de Seguros e o prémio a suportar pelo tomador, configura precisamente uma das características principais do contrato de seguro: trata-se de um negócio jurídico bilateral, na medida em que dele resultam obrigações recíprocas para ambas as partes contratantes. 8.º Nesta medida, a Recorrida, ao peticionar a condenação da ora Recorrente no pagamento de uma indemnização a título de privação do uso do veículo NQ, e o Tribunal a quo a atribuir a mesma, viola claramente o equilíbrio contratual das partes, na medida em que tal cobertura não foi, voluntariamente, contratada pela Recorrida. 9.º De facto, estando em causa, nos presentes autos, o apuramento da responsabilidade da ora Recorrente pelo ressarcimento dos danos ocorridos no veículo da Recorrida, única e estritamente no âmbito contratual, não poderá ser a mesma obrigada a suportar alegados prejuízos que não se encontram, absolutamente, previstos e garantidos pelo contrato de seguro em apreço. 10.º Pelo exposto, forçoso será concluir que o contrato de seguro em questão não responde pelos danos alegados pela Autora, ora Recorrida, a título de privação de uso do veículo. Tanto mais que, não resultou provada qualquer matéria factual que permita concluir que existiu, por parte da ora Recorrente, qualquer violação dos deveres contratuais a que se encontrava adstrita. 11.º Nestes termos, e pelas razões expostas, não pode a ora Recorrente concordar absolutamente, com a sentença ora recorrida, no que respeita à condenação da Recorrente no pagamento de uma indemnização à Recorrida na sequência da privação do uso do veículo NQ, na medida em que a mesma introduz um manifesto desequilíbrio das posições contratuais. 12.º A ora Recorrida não contratou com a Recorrente a cobertura de indemnização pela privação do uso do veículo, pelo que, os danos alegados não estão abrangidos pelo contrato de seguro facultativo celebrado entre as partes. 13.º Atento tudo o que supra se expôs, entende a ora Recorrente que não deveria o douto Tribunal a quo ter condenado a ora Recorrente no pagamento de qualquer indemnização a título de privação do uso do veículo NQ, motivo pelo qual deverá ser revogada a sentença ora recorrida no que a esta parte concerne, devendo a ora Recorrente ser absolvida do pedido formulado pela Recorrida a título de privação do uso, sob pena de, a manter-se a sentença proferida nos seus exatos termos, manter-se a violação do disposto no artigo 405.º do CC. Sem prejuízo do supra exposto, e caso assim não se entenda, sempre se dirá ainda o seguinte, 14.º A ora Recorrente foi condenada na douta sentença ora recorrida a pagar à Autora o valor de €18.300,00, como indemnização pela privação do uso do veículo NQ desde a data do acidente (04/07/2020) até à integral reparação do veículo NQ, pelo período de 1220 dias, à taxa diária de €15,00. 15.º No entanto, antes de tecer maiores considerações sobre os valores arbitrados, importa desde já referir que, no que concerne à controvérsia sobre o tema “privação do uso do veículo”, sempre se dirá que existe jurisprudência com entendimento diverso do adotado pela douta sentença de que ora se recorre, nomeadamente, que entende ser necessária a prova concreta dos efetivos prejuízos e danos causados por tal privação. 16.º Nestes termos, não só terá o lesado de provar os efetivos danos causados pela privação do uso do veículo, como o direito à indemnização por esta privação depende inteiramente do nexo de causalidade entre o dano e o acidente. 17.º Importa referir que, da matéria considerada como provada nos presentes autos e supra transcrita, não resultou, de forma clara e inequívoca, que a ora Recorrida tenha sofrido danos decorrentes da privação do uso do veículo NQ e em que medida. 18.º Efetivamente, da matéria de facto considerada como provada apenas resultou que o condutor do NQ, sócio-gerente da Autora, circulava, diariamente, com o referido veículo, com o qual se deslocava para o seu trabalho, fazendo cerca de 100 km diários, e que a Autora não possuía qualquer outro veículo com as mesmas características. Contudo, não resultou dos factos provados qualquer dano patrimonial ou não patrimonial decorrente da impossibilidade de utilização do veículo NQ. 19.º Ora, na esteira de grande parte da jurisprudência dos Tribunais Superiores, a ora Recorrente entende que, de facto, a privação do uso de um veículo não basta, só por si, para fundar uma obrigação de indemnizar, incumbindo ao lesado uma obrigação de efetiva prova da existência de prejuízos de ordem patrimonial ou não patrimonial decorrentes da não utilização do bem. 20.º Sucede que, no presente caso, a ora Recorrida não logrou provar ter sofrido ou vir a sofrer qualquer dano resultante da impossibilidade de utilizar o veículo NQ, circunstância que não se deverá, de todo, ignorar! 21.º Motivo pelo qual, face à ausência de suporte fáctico capaz de consubstanciar a indemnização peticionada pela ora Recorrida a título de privação do uso do veículo NQ, a ora Recorrente entende que nem sequer devia ter sido condenada a indemnizar a ora Recorrida por este alegado dano. 22.º Neste sentido, e face a tudo o que antecede, entende a ora Recorrente que nenhuma indemnização deverá ser arbitrada à ora Recorrida a título de privação do uso do veículo DV, porquanto a mesma não logrou provar a existência de prejuízos verificados na sua esfera jurídica em consequência da privação do uso do referido veículo, devendo, assim, a douta sentença ser revogada, e em consequência, a Ré, ora Recorrente, ser absolvida do pagamento da indemnização arbitrada pelo Tribunal a quo a título de privação do uso do veículo, sob pena de violação do disposto nos artigos 483.º, 562.º e 563.º todos do CC. 23.º Contudo, e ainda que assim não se entenda, a ser a ora Recorrente condenada a pagar à Recorrida uma indemnização pela privação do uso do veículo NQ, sem que tenha resultado provado qualquer dano efetivo na esfera jurídica do ora Recorrido, tal indemnização sempre terá de ser arbitrada com recurso a critérios de equidade. 24.º De facto, nenhum sentido faz que a ora Recorrente tenha sido condenada a pagar à Recorrida o valor de €15,00 diários por referência à privação do uso do veículo NQ quando não resultou provado que a Recorrida tenha, efetivamente, sofrido esse prejuízo diário, na sequência da impossibilidade de utilizar o veículo NQ. 25.º Neste sentido, e face a tudo o que antecede, entende a ora Recorrente que, caso V. Exas. considerem não ser necessária a prova dos danos concretos causados pela privação do uso do veículo em causa, a ser atribuída qualquer indemnização à ora Recorrida a este título, sempre deverá a referida indemnização ser fixada com recurso a critérios de equidade e não com base numa quantia diária, a funcionar como “taxímetro”, devendo, assim, a douta sentença ser revogada e alterada nos termos ora requeridos, sob pena de violação do disposto nos artigos 483.º, 562.º, 563.º e 566.º, n.º 3 todos do CC. 26.º Além da questão da inexistência de prova dos danos causados pela privação do uso e da indemnização diária fixada pela douta sentença ora recorrida, a ora Recorrente não poderá, igualmente, concordar com o período de tempo considerado pela douta sentença ora recorrida para efeitos de privação do uso. 27.º Primeiramente, importa referir que, a ora Recorrente colocou à disposição da Autora, ora Recorrida, o valor necessário à reparação dos danos no veículo NQ. Simplesmente, a Recorrida não aceitou o montante disponibilizado pela Recorrente, por entender que a reparação do veículo NQ deveria ser realizada com recurso a peças originais. 28.º Assim, afigura-se manifestamente desproporcional condenar a ora Recorrente a indemnizar a Recorrida pela privação do uso do veículo NQ desde a data do acidente até à data da integral reparação do mesmo, porquanto, apenas com a prolação da sentença ora recorrida a ora Recorrente tomou conhecimento de que teria de pagar à Recorrida o valor orçamentado para a reparação com recurso a peças originais. 29.º De facto, entende a ora Recorrente que apenas deveria ter sido condenada a pagar uma indemnização pela privação do uso pelo período de quatro dias, na medida em que, o veículo NQ necessitaria apenas de quatro dias de paralisação para poder ser reparado. 30.º Ademais, não pode deixar de se ter em conta que a Autora, ora Recorrida, contribuiu, também, em certa medida para o agravamento dos danos que da paralisação advieram, havendo que situar o seu comportamento no âmbito do artigo 570.º, n.º 1 do CC. 31.º Assim, e conforme já supra se referiu, de outra forma não se poderá concluir que não de que houve, da parte da ora Recorrida, um agravamento dos agora alegados danos, ao não aceitar a indemnização proposta pela Recorrente para reparação do veículo NQ, com recurso a peças semelhantes e com garantia relativamente à reparação, e mantendo-se inerte perante a discordância face a uma decisão já tomada pela Seguradora e por si conhecida. Inércia essa, que conduziu, com o devido respeito, sem qualquer margem para dúvida, ao protelamento da sua alegada situação danosa. 32.º Sucede que, o Tribunal a quo não teve em consideração o supra exposto e, assim, condenou a ora Recorrente, a pagar ao ora Recorrido o valor de €18.300,00, a título de privação do uso do veículo NQ pelo período de 1220 dias (desde a data do acidente até à data da integral reparação do veículo NQ). 33.º De facto, perante a matéria de facto considerada como provada e perante a própria contribuição da ora Recorrida para o agravamento do dano, a ora Recorrente entende que o período de 1220 dias não deveria ter sido considerado para efeitos de privação do uso, na medida em que, apenas por culpa da Recorrida a privação do uso do veículo NQ se prolongou no tempo. 34.º Assim, entende a ora Recorrente que, a ter de indemnizar a Recorrida pela privação do uso do referido veículo, tal indemnização apenas poderia ser arbitrada por referência ao período estritamente necessário à reparação do veículo NQ que, no caso, se resume a quatro dias. 35.º Face ao exposto, a ora Recorrente desde já requer a V. Exas. se dignem revogar a douta sentença recorrida na parte em que condena a ora Recorrente a indemnizar o Recorrido pela privação do uso do veículo NQ pelo período de 1220 dias, sob pena de violação do disposto nos artigos 483.º, 562.º, 563.º, 566.º, n.º 3 e 570.º, n.º 1 todos do CC. 36.º Por fim, refira-se que, no entendimento da ora Recorrente, os valores arbitrados pelo douto Tribunal a quo afiguram-se manifestamente excessivos, desproporcionais e, até mesmo, totalmente incongruentes perante os valores normalmente fixados pelos Tribunais em casos semelhantes ao dos presentes autos. 37.º Veja-se que, o Tribunal a quo condenou a ora Recorrente a pagar à Recorrida um valor de indemnização pela privação do uso superior até ao valor de reparação do veículo NQ, o que, só por si, já demonstra a desproporcionalidade do montante arbitrado a este título. O que é manifestamente atentatório do princípio da igualdade e da proporcionalidade e não deve ser mantido, sob pena de se dar força a uma decisão deveras injusta e sem qualquer fundamento, quer fáctico, quer de direito. 38.º Não podemos de forma alguma olvidar, que a atribuição da indemnização pela privação do uso deve ser calculada mediante a ponderação da reconstituição que existiria se não se tivesse verificado o evento, nos termos do artigo 562.º do CC e com recurso à equidade, nos termos do artigo 566.º n.º 3, pelo que, a ser a ora Recorrente condenada a indemnizar a ora Recorrida pelos alegados danos decorrentes da privação do uso do veículo NQ, tal condenação sempre deveria ter sido bastante inferior à fixada pelo Tribunal (€18.300,00). 39.º Sendo que, por comparação com outros casos idênticos ao dos autos os valores arbitrados pelo Tribunal a quo extravasam os valores diários normalmente considerados para efeitos de indemnização pela privação do uso. 40.º Neste sentido, atente-se o teor dos seguintes Acórdãos: Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11/12/2019, no âmbito do processo n.º 3088/19.7YRLSB-2; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 26/10/2017 (Relator desembargador José Cravo). 41.º Como facilmente se constata pelos Acórdãos supra referidos, o valor de €15,00 diários considerado pelo o Tribunal a quo ao condenar a ora Recorrente numa indemnização pela privação do uso é exagerado e incongruente com aquela que tem sido a Jurisprudência dos Tribunais Superiores. Isto porque, considerando a factualidade descrita, e salvo melhor e douta opinião em contrário, não estamos perante danos que justifiquem a atribuição de um valor diário indemnizatório de €15,00. 42.º Nesta conformidade, conclui-se que o valor fixado se encontra fora de parâmetros admissíveis, considerando, quer os contornos factuais do caso apurados, quer os de casos similares. 43.º Nestes termos, e pelas razões expostas, não pode a ora Recorrente concordar com o valor arbitrado, salvo o devido respeito, com a douta sentença proferida, na medida em que a interpreta e aplica de forma incorreta e/ou imprecisa, as normas legais constantes dos artigos 562.º, 563.º e 566.º, n.º 3 do Código Civil, devendo ser substituído por um montante indemnizatório diário a título de privação do uso nunca superior a €7,50. 44.º Sendo que, o valor de uma eventual condenação a título de indemnização pela privação do uso do veículo, sempre deverá ser apurado com a consideração de que, a título de reparação do veículo NQ, a ora Recorrente foi condenada a pagar o montante total de €9.983,15. 45.º E caso se mantenha a condenação da ora Recorrente no valor de €15,00 diários a título de privação, o que não se admite e apenas por mera cautela de patrocínio se acautela, sempre se dirá que tal valor deverá ser contabilizado a partir da data da notificação da sentença e pelo período estritamente necessário à reparação do veículo NQ, e nunca desde a data do acidente, sob pena de violação do disposto nos artigos 483.º, 562.º, 563.º, 566.º, n.º 3 e 570.º, n.º 1 todos do CC. 46.º Nesta medida, e por qualquer dos identificados fundamentos, deverá ser dado provimento ao presente recurso, sendo revogada a douta sentença recorrida, ou, caso assim não se entenda, ser substituída nos moldes supra expostos, sob pena de, a manter-se a decisão proferida, manter-se uma decisão na qual se encontram incorretamente interpretadas e/ou aplicadas as normas legais previstas nos artigos 405.º; 798.º; 483.º, 562.º, 563.º, 566.º, n.º 3 e 570.º, n.º 1 do CC. A autora respondeu ao recurso interposto pela ré, pugnando pela confirmação da sentença recorrida. O recurso apresentado pela ré foi admitido como apelação a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. Cumpre então apreciar e decidir. * FUNDAMENTAÇÃO O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil. * A questão a decidir é a seguinte: Apurar se, apesar da “privação de uso” não estar abrangida nas coberturas contratadas pela autora, pode a ré seguradora ser condenada, nos presentes autos, em indemnização por essa privação. * OS FACTOS É a seguinte a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida: 1ºEm 19 de Dezembro de 2018, a A..., S.A. foi incorporada, por fusão, na A..., S.A., com sede no ..., ..., Espanha, inscrita no registo comercial de Madrid no torno ...9....77, folio ...8, secção 8ª, folha M-...57, com NIF ...42. 2.º Na mesma data, foi promovido o pedido de inscrição no registo comercial, dos factos titulados pela escritura pública. 3.º Por efeito da fusão, a Ré A..., S.A. passou a designar-se por A..., S.A. – Sucursal em Portugal. 4º A Ré acordou com a Autora um contrato do ramo automóvel relativo ao veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-NQ-.., com danos próprios titulados pela apólice de seguro n.º ...49 e pelas Condições Particulares, Especiais e Gerais juntas cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos. 5º Encontrando-se cobertos os riscos inerentes à circulação do supra identificado veículo perante terceiros, bem como encontrando-se contratadas coberturas facultativas, nomeadamente a de “choque, colisão e capotamento", pelo capital de €15.626,52, sem qualquer franquia aplicável a cargo do segurado. 6.º Decorre das Condições Gerais da Apólice juntas – Condição Especial 2 “Choque, colisão ou capotamento”, na cláusula 5.ª n.º 3 que “Em caso de sinistro a A... pagará”, “Em caso de perda parcial, o custo da reparação do veículo seguro, por incorporação de peças novas, até ao limite do capital seguro.” 7º No dia 04.07.2020, cerca das 13:00h, na Rua ..., em ..., no sentido Sul/Norte, o sócio gerente da A., ao chegar à passadeira existente na hemifaixa em que seguia, na viatura BMW ..., com a matricula ..-NQ-.., propriedade da Autora, junto ao ..., embateu na traseira do veículo ..-..-PS, quando este parou, porque, também aí, tinha parado o veículo com a matricula ..-..-QZ, para permitir a manobra de estacionamento de um outro veículo. 8º Com o embate do NQ na traseira do PS, este foi projetado contra a traseira do QZ. 9º A referida via é constituída por duas hemifaixas de rodagem, para cada um dos sentidos, com 5,80m de largura, ambas divididas por um separador central, e uma berma/passeio. 10º Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1º, estava bom tempo e era dia. 11º O condutor do NQ, Sr. AA, de imediato assumiu a sua culpa, porque embateu na traseira do PS. 12º O condutor do NQ, acionado o seguro da viatura, chamou de imediato o reboque, e deu indicações para que a viatura fosse enviada para a oficina C... Lda., com sede na Trav. ..., ... ..., e aí reparada na íntegra. 13º A Ré assumiu a responsabilidade pela regularização dos danos decorrentes do sinistro. 14º A oficina “C...”, onde o veículo se encontra parqueado, a aguardar reparação, apresentou um orçamento de reparação no calor de 9.983,15€, incluindo IVA à taxa legal, conforme fls. 7/verso que se dá por integralmente reproduzida. 15º A Ré só aceita pagar a quantia de 5.445,19€, mais IVA à taxa legal, em reparação com utilização de “peças idênticas” às da marca, mas produzidas por outros fabricantes-aftermarket. 16º Facto este que a Autora de imediato rejeitou, porquanto, o NQ foi comprado novo, nunca tinha sofrido qualquer acidente, todas as peças existentes no mesmo são originais, isto é, marca BMW. 17º A oficina “C...”, não garante a reparação plena e eficaz da viatura NQ com peças aftermarket. 18º A viatura NQ, ao ser reparada com peças do tipo aftermarket terá uma desvalorização. 19º A Ré procedeu à peritagem e avaliação dos danos apresentados pelo veículo seguro, cuja reparação foi orçada no valor de €6.697,59 (com IVA incluído). 20.º Tal relatório foi elaborado com indicação da reparação a ter lugar na oficina “C...”, escolhida pela Autora. 20º Valor esse que a Ré assumiu perante a Autora. 22º A Ré procedeu à avaliação dos danos na viatura da Autora, contemplando a reparação com recurso à utilização de peças originais, tendo apurado uma reparação orçada no valor de €8.245,31 (com IVA incluído). 23ºAs peças mencionadas e melhor descritas nos relatórios de peritagem elaborados pela Ré, vulgarmente de “aftermarket”, são peças novas. 24º Tais peças concorrentes denominadas de marca branca conduzem a que as utilidades e funcionalidades do veículo ficam asseguradas. 25º As referidas peças sobressalentes gozam do mesmo período de garantia das peças originais, sendo devidamente certificadas e homologadas, caso contrário nunca tais peças poderiam ser sequer comercializadas. 26º As peças de aftermarket não comprometem a segurança do mesmo e a reparação colocaria o veículo nas mesmas condições de segurança que o mesmo detinha à data do sinistro. 27º São peças produzidas segundo as especificações da marca e que obedecem a orientações e padrões de qualidade exigidos e usadas por esta na construção de veículos a motor. 28º O veículo da Autora tem matrícula do mês de maio do ano de 2013, tendo já completado 7 (sete) anos à data do sinistro. 29.º E 151 344 Km à data da peritagem. 30.º A Ré assumiu perante a Autora a responsabilidade por qualquer eventual anomalia que fosse detectada em virtude da aplicação das referidas peças. 31º Desde a altura do acidente, 04.07.2020, o NQ encontra-se parqueado na oficina “C... “. 32º O condutor do NQ, sócio gerente da Autora, circulava, diariamente, com este veículo, com o qual se deslocava para o seu trabalho, fazendo cerca de 100 km diários. 33º A Autora não possui qualquer outro veículo com estas características. 34º A viatura trata-se de um carro de alta gama, de alta cilindrada, 35º O sócio gerente da Autora, desde a data do acidente até à presente data, não mais pôde conduzir o NQ. 36º. Tal situação tem causado transtornos. 37º A cobertura de “Privação do uso” não foi contratada pelo tomador de seguro, aqui Autora. 38º A Autora, foi notificada pela oficina em 16.09.20 que aquela será responsável pelo parqueamento do NQ, desde 04.07.2020 até à presente data, à taxa diária de 25€, mais IVA à taxa legal, perfazendo o montante total de 3.290,25€ (montante calculado desde o dia 04.07.2020 até ao dia de entrada da acção, ao montante diário de 30,75€), e a restante quantia a contabilizar deste momento até efetivo e integral pagamento do aqui peticionado. 39º Em 07.05.2021, a D... da oficina da marca BMW, apresentou um orçamento para reparação do veículo no valor de 14.494,39€ e a Ré também não aceitou pagar na pendência da acção. * Factos não provados: Não se provou que: 1º A desvalorização da viatura da Autora com as peças de aftermarket seja de cerca de 25% do seu valor de mercado. 2º As peças propostas pela Ré são de qualidade equivalente às de origem/marca, não acarretando qualquer desvalorização para o veículo. 3º A diferença reside apenas no facto das primeiras não disporem de logotipo da marca. 4º A reparação de acordo com o orçamento elaborado por si, com recurso a peças sobressalentes de qualidade equivalente, colocaria o veículo e qualidade que o mesmo detinha à data do sinistro. 5º As peças novas, mas de qualidade equivalente, são fabricadas a partir do mesmo molde das peças originais (vide, de marca), com o mesmo tipo de material e através do mesmo processo de fabrico, revelando o mesmo desempenho que estas. 6º O custo de aluguer de um veículo com as características semelhantes as do NQ ascenderia a quantia não inferior a 150€ /dia. 7º Os incómodos da privação do uso do veiculo, colocaram em causa o bom desempenho profissional do sócio gerente da Autora. * O DIREITO 1. Na sentença recorrida arbitrou-se a favor da autora indemnização pela privação do uso da viatura ao longo de 1220 dias, fixando-se o respetivo valor diário em 15,00€, isto apesar desta cobertura não constar do contrato de seguro celebrado entre esta e a ré. Entendeu a Mmª Juíza “a quo” que à seguradora compete agir, de forma diligente, para que o dano seja reparado, de tal modo que, não atuando dessa forma, as implicações danosas acrescidas decorrentes do decurso do tempo correrão por conta do obrigado à reparação do dano e não por conta do lesado. Considerou, assim, que a posição assumida pela ré seguradora, ao pretender impor que a reparação se efetuasse com peças que, apesar de novas, apresentavam menos fiabilidade e depreciavam o valor do veículo, viola o princípio da boa-fé. Por isso, muito embora tal não resultasse das coberturas contratadas, condenou-se a ré seguradora numa verba indemnizatória pela privação do uso da viatura – 18.300,00€ -condenação contra a qual esta agora se insurge em via recursiva. O argumento essencial apresentado pela seguradora para a não atribuição deste segmento indemnizatório reside precisamente na circunstância desta cobertura não se encontrar prevista no contrato de seguro a que as partes se vincularam. Vejamos então. * 2. O art. 130º da Lei do Contrato de Seguro [LCS] estatui o seguinte: «1. No seguro de coisas, o dano a atender para determinar a prestação devida pelo segurador é o do valor do interesse seguro ao tempo do sinistro. 2. No seguro de coisas, o segurador apenas responde pelos lucros cessantes resultantes do sinistro se assim for convencionado. 3. O disposto no número anterior aplica-se igualmente quanto ao valor de privação de uso do bem. Por conseguinte, o nº 2 estabelece que o segurador apenas responde pelos lucros cessantes resultantes do sinistro se assim for convencionado e o nº 3 estende este regime à privação do uso do bem. Constata-se, pois, a existência de um regime específico para os contratos de seguro de danos, que se afasta do regime comum e do qual resulta que, não havendo convenção das partes em contrário, a seguradora não suportará os danos causados com a privação do bem ou com os lucros cessantes decorrentes do sinistro (cfr. Ac. Rel. Porto de 13.6.2013, proc. 4438/11.0 TBVNG.P1, relator LEONEL SERÔDIO, disponível in www.dgsi.pt.). Como tal, há a sublinhar que no tocante à cobertura dos lucros cessantes e do valor de privação do uso do bem o legislador consagrou como regime supletivo o da não cobertura.[1] Portanto, movendo-nos no domínio da responsabilidade contratual e não estando no contrato de seguro por danos próprios em causa nos autos convencionado o ressarcimento dos danos resultantes da privação do uso da viatura, a seguradora, numa primeira abordagem, não teria que os suportar, isto porque esta apenas responde nos termos da cobertura contratada. De qualquer modo, mesmo não tendo sido contratada a cobertura facultativa da privação do uso do veículo sinistrado ainda assim tal indemnização seria eventualmente de atribuir se ocorresse violação de um dever acessório de conduta (lealdade e cooperação, por ex.), designadamente se a seguradora demorasse mais do que o razoável para o apuramento da indemnização devida e seu pagamento (cfr., por ex., Ac. STJ de 23.11.2017, p. 4076/15.8 T8BRG.G1.S2, relator SALAZAR CASAOVA, Ac. STJ de 8.11.2018, p. 1069/16.1 T8PVZ.P1.S1, relator OLIVEIRA ABREU, Ac. Rel. Guimarães de 5.12.2013, relator MANUEL BARGADO, proc. 607/10.8 TBFLG.P1, Ac. Rel. Porto de 25.1.2011, proc. 3322/07.6 TJVNF.P1, relator VIEIRA E CUNHA, Ac. Rel. Porto de 13.9.2022, p. 216/22.9 YIPRT, relator RUI MOREIRA, Ac. Rel. Lisboa de 25.2.2021, p. 12543/16.0 T8LSB.L1-2, relator ARLINDO CRUA, Ac. Rel. Lisboa de 21.12.2023, p. 3701/22.9 T8OER.L1-6, relatora GABRIELA DE FÁTIMA MARQUES, todos disponíveis in www.dgsi.pt). Entendimento ao qual se poderá objetar, conforme se fez no Acórdão da Relação de Guimarães de 10.10.2013 (proc. 598/12.0 TBVCT.G1, relatora HELENA MELO, disponível in www.dgsi.pt[2]), que ao atribuir uma indemnização para além do valor contratado confere um tratamento igual a duas situações desiguais: a dos segurados que convencionaram a cobertura adicional da privação do uso e os que não a contrataram, sendo que os primeiros até estão adstritos a limites contratuais diários.[3] * 3. Posto isto, há que regressar ao caso concreto, a fim de apurar se, tal como entendeu a 1ª Instância, apesar de não se encontrar contratada a cobertura relativa à privação de uso, ocorreu da parte da entidade seguradora violação de deveres acessórios de conduta, com ofensa do princípio da boa-fé, justificativa de atribuição de indemnização por tal privação. É a seguinte a factualidade relevante para decidir desta questão: - A ré assumiu a responsabilidade pela regularização dos danos decorrentes do sinistro [13º]; - A oficina “C...”, onde o veículo se encontra parqueado, a aguardar reparação, apresentou um orçamento de reparação no calor de 9.983,15€, incluindo IVA à taxa legal [14º]; - A ré só aceitou pagar a quantia de 5.445,19€, mais IVA à taxa legal, em reparação com utilização de “peças idênticas” às da marca, mas produzidas por outros fabricantes-aftermarket [15º]; - Facto este que a autora de imediato rejeitou, porquanto, o NQ foi comprado novo, nunca tinha sofrido qualquer acidente, todas as peças existentes no mesmo são originais, isto é, marca BMW [16º]; - A oficina “C...”, não garante a reparação plena e eficaz da viatura NQ com peças aftermarket [17º]; - A viatura NQ, ao ser reparada com peças do tipo aftermarket terá uma desvalorização [18º];
- 19º A ré procedeu à peritagem e avaliação dos danos apresentados pelo veículo seguro, cuja reparação foi orçada no valor de €6.697,59 (com IVA incluído) [19º]; - Tal relatório foi elaborado com indicação da reparação a ter lugar na oficina “C...”, escolhida pela autora [20º]; - Valor esse que a ré assumiu perante a autora [21º]; - A ré procedeu à avaliação dos danos na viatura da autora, contemplando a reparação com recurso à utilização de peças originais, tendo apurado uma reparação orçada no valor de €8.245,31 (com IVA incluído) [22º]; - Em 7.5.2021, a D... da oficina da marca BMW, apresentou um orçamento para reparação do veículo no valor de 14.494,39€ e a ré também não aceitou pagar na pendência da acção [39º]; - As peças mencionadas e melhor descritas nos relatórios de peritagem elaborados pela ré, vulgarmente de “aftermarket”, são peças novas [23º]; - Tais peças concorrentes denominadas de marca branca conduzem a que as utilidades e funcionalidades do veículo ficam asseguradas [24º]; - As referidas peças sobressalentes gozam do mesmo período de garantia das peças originais, sendo devidamente certificadas e homologadas, caso contrário nunca tais peças poderiam ser sequer comercializadas [25º]; - As peças de aftermarket não comprometem a segurança do mesmo e a reparação colocaria o veículo nas mesmas condições de segurança que o mesmo detinha à data do sinistro [26º]; - São peças produzidas segundo as especificações da marca e que obedecem a orientações e padrões de qualidade exigidos e usadas por esta na construção de veículos a motor [27º]; - O veículo da autora tem matrícula do mês de maio do ano de 2013, tendo já completado 7 anos à data do sinistro e 151 344 Km à data da peritagem [28º e 29º]; - ré assumiu perante a autora a responsabilidade por qualquer eventual anomalia que fosse detetada em virtude da aplicação das referidas peças [30º]. - A cobertura de “Privação do uso” não foi contratada pelo tomador de seguro, aqui autora [37º]. * 4. Diversamente da 1ª Instância, entendemos que esta factualidade não permite concluir que tenha havido da parte da ré seguradora violação de deveres acessórios de conduta, com afronta do princípio da boa-fé. Em primeiro lugar, importa referir que a ré rapidamente assumiu a responsabilidade pela regularização dos danos decorrentes do sinistro, ocorrido em 4.7.2020, e, consequentemente, pelo pagamento da quantia relativa à reparação da viatura. Porém, só aceitou pagar essa reparação, desde que efetuada com utilização de “peças idênticas” às da marca, produzidas por outros fabricantes-aftermarket, o que, naturalmente, envolveria um menor dispêndio pecuniário. Sucede que a autora rejeitou esta hipótese, até porque a oficina onde o veículo está parqueado, com a utilização de peças de “marca branca”, não garantiu a sua reparação plena e eficaz, para além de que tal implicaria desvalorização. Em todo o caso, é de realçar que, muito embora entendesse que esta devesse ser realizada com peças “aftermarket”, a seguradora de imediato assumiu pagar, com recurso a esse tipo de peças, a reparação da viatura. O dissídio surgido entre a autora e a ré seguradora, quanto à natureza das peças a utilizar na reparação, levou a que a primeira intentasse pouco tempo após o sinistro a presente ação, mais concretamente em 24.10.2020. Em segundo lugar, resultou provado que as peças “aftermarket” são peças novas, que asseguram as utilidades e funcionalidades do veículo, gozando do mesmo período de garantia das peças originais, sendo devidamente certificadas e homologadas. Não comprometem a segurança do veículo e a reparação, com esse tipo de peças, colocá-lo-ia nas mesmas condições de segurança que tinha à data do sinistro. Acresce que se tratam de peças produzidas segundo as especificações da marca e que obedecem a orientações e padrões de qualidade exigidos e usadas por esta na construção de veículos a motor. A ré assumiu, inclusive, perante a autora a responsabilidade por qualquer eventual anomalia que fosse detetada em virtude da aplicação de tais peças de “marca branca.” Em terceiro lugar, também não se poderá ignorar que o veículo sinistrado, com matrícula do mês de maio do ano de 2013, tinha completado 7 anos à data do sinistro e 151.344 Km à data da peritagem. * 5. É certo que a autora viria a ter sucesso nos presentes autos, ao ver reconhecida a sua posição no sentido da reparação ser realizada com recurso a peças originais da marca BMW, o que conduziu à condenação da ré na quantia de 9.983,15€, incluindo IVA à taxa legal, entendimento que, em via recursiva, não teve discordância por parte da ré seguradora e com o qual, embora não esteja aqui em discussão, se concorda inteiramente. De qualquer modo, a pretensão da ré seguradora de efetuar a reparação com peças “brancas”, que não foi acolhida – e bem – pela 1ª Instância, não assume gravidade bastante para que se tenham como violados os deveres acessórios de conduta que se impõem à seguradora. Com efeito, da circunstância da seguradora ter pugnado, sem sucesso, pela realização da reparação com a utilização de peças “brancas”, daí não decorre que tenha violado obrigações de diligência e probidade e que os ditames da boa-fé lhe teriam imposto, desde logo, que aceitasse que a reparação se efetuasse com peças originais da marca, como se entendeu na decisão recorrida. Tanto mais, tendo em conta que as peças “brancas” são novas, certificadas e produzidas segundo as especificações da marca, a que acresce ainda ter a seguradora assumido a responsabilidade por qualquer eventual anomalia decorrente da aplicação de tais peças “brancas”. Aliás, este último ponto factual é, a nosso ver, sintomático da correção com que a ré seguradora agiu em todo este processo, não se recortando na sua atuação qualquer infração dos ditames da boa-fé. Por outro lado, importa igualmente salientar que estamos perante um veículo automóvel que, embora de marca de gama alta, tinha à data do sinistro sete anos e à data da peritagem registava uma quilometragem de 151.344 Km. Mesmo que a aplicação de peças “aftermarket” o desvalorize, a sua desvalorização já era, em qualquer caso, bastante significativa, em resultado da sua idade e da sua quilometragem. Ora, não constando a privação do uso do veículo das coberturas previstas no contrato de seguro celebrado entre a autora e a ré seguradora, o ressarcimento deste dano, para se verificar, implicaria sempre que tivesse havido da parte desta última a violação de deveres acessórios de conduta – de lealdade, de cooperação, de diligência, por exemplo -, daí resultando uma atuação contrária ao princípio da boa-fé. Acontece que, face ao que se tem vindo a expor, essa violação não flui da factualidade dada como provada e assim deixa de ter fundamento a expressiva indemnização pela privação de uso do veículo entre a data do sinistro e a data da sua reparação, atribuída à autora e liquidada aquando da prolação da sentença em 18.300,00€. E, em sintonia com o que já atrás referimos, também não podemos deixar de assinalar que, não se encontrando contratada a cobertura adicional da privação de uso, a atribuição de uma indemnização por este motivo sempre dará lugar a uma situação de desigualdade entre os segurados que contrataram essa cobertura e que pagaram o respetivo prémio também com referência a essa cobertura e os que não a contrataram e que, apesar dessa circunstância, vieram a beneficiar de uma indemnização pela referida privação de uso. Daí que, só ocorrendo da parte da seguradora uma patente violação de deveres acessórios de conduta, se justificará arbitrar ao segurado uma indemnização pela privação do uso da viatura, não estando esta cobertura contratada. Como, na sequência do já exposto, essa violação não se verifica no presente caso, impõe-se revogar a sentença recorrida neste segmento, o que implica a procedência do recurso interposto pela ré seguradora. * As demais questões que se mostram suscitadas, referentes ao valor arbitrado a título da privação de uso, ao período considerado para efeitos dessa privação e à contribuição da autora para o agravamento dos danos, encontram-se prejudicadas – cfr. art. 608º, nº 1, 1ª parte, do Cód. de Proc. Civil. * Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. de Proc. Civil): ………………………………………… ………………………………………… …………………………………………
* DECISÃO Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar procedente o recurso de apelação interposto pela ré “A..., SA” e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida na parte em que esta foi condenada no pagamento de uma indemnização pelo dano de privação do uso do veículo, absolvendo-se a ré do respetivo pedido. No mais mantém-se o decidido. Custas do recurso, pelo seu decaimento, a cargo da autora/recorrida.
Porto, 18.6.2024 Eduardo Rodrigues Pires Anabela Andrade Miranda Lina Castro Baptista – [VOTO DE VENCIDO: Votei no sentido da total improcedência do recurso por, em meu entender, a solução jurídica da sentença recorrida ser a juridicamente correta, além de justa e sensata. Tendo a Recorrente “A..., S.A.” restringido o objeto do presente recurso à indemnização no valor de EUR 18.300,00 arbitrada a título de privação de uso do veículo sinistrado, transitou em julgado, ficando pacífico juridicamente, que a reparação do mesmo veículo deveria ter sido efectuada com peças originais da respetiva marca. Tornou-se, assim, incontestável que a Recorrente, ao recusar-se a suportar a reparação do veículo com peças originais, agiu de forma ilegal, em contrário ao princípio geral da reconstituição natural (cf. Art.º 562.º do Código Civil). A questão a apreciar em sede de recurso é, portanto, apenas a de decidir se, estando esta questão assente e apesar de a “privação de uso” não estar abrangida nas coberturas contratadas pela Autora, a Ré/Recorrente deve ser condenada nos presentes autos em indemnização por essa privação. Subscrevemos, neste ponto, a posição defendida na sentença recorrida. Em meu entendimento, deverá ponderar-se especificamente que a culpa das seguradoras, atenta a sua qualidade de sociedades comerciais especializadas, com elevado grau de experiência e conhecimentos no ramo dos seguros, deve ser apreciada, não por recurso ao conceito civilista do bonus pater familiar, mas por parâmetros mais exigentes, por elevados padrões de diligência. Atendendo às características destas sociedades comerciais, e até à sua função social unanimemente reconhecida, o critério a atender terá de ser o daquele profissional que age de acordo com os seus deveres profissionais e de forma diligente, legal e tendo sempre em vista igualmente o concreto interesse do cliente. Este elemento diferenciador estabelece não só a linha limite dos comportamentos juridicamente reprovados (e, portanto, ilícitos) mas também modela o dever de cuidado (de diligência) exigível, com repercussões ao nível da ilicitude e, principalmente, da culpa. Neste quadro integrador de conduta, é para mim evidente que a Ré deveria ter conhecimento de que a reparação do veículo teria que ser feita com peças originais da marca, em obediência ao princípio da reparação natural, e que esta tem sido a posição unânime da jurisprudência. Consequentemente, a meu ver, a situação dos autos enquadra-se nos casos típicos que a jurisprudência vem acolhendo de violação grave dos deveres acessórios de diligência que ocasionam atraso injustificado na reparação do veículo sinistrado e, por esta via, justificam a atribuição de uma indemnização a título de privação de uso. Assim, concordamos com a sentença recorrida, no sentido de que a conduta da Ré viola as obrigações de diligência e probidade e boa fé que, acompanhando a obrigação principal do contrato de seguro, impunham uma conduta desta com a pronta ordem de reparação do veículo com peças originais, no sentido de restituir à situação em que estava antes do sinistro, por sua conta. Mais subscrevemos o entendimento que a qualificação adequada para a atuação da Ré não deverá ser a de simples mora no cumprimento da obrigação principal. A violação de um dever acessório de diligência na assunção dos seus deveres no âmbito do contrato firmado que deve gerar indemnização. Esse incumprimento não só é apto a prejudicar a consecução do objetivo que motivara o credor a contratar, como ainda lhe pode determinar outros prejuízos que ele não sofreria se a prestação fosse cumprida de boa fé e diligentemente, visto que ficou provada a violação do dever acessório, a culpa, o dano e o nexo (adequado) entre a violação e o dano. Acompanhamos, por inerência, a conclusão que a Ré/Recorrente deve responder pelos prejuízos causados ao devedor, segundo um juízo de equidade, designadamente pelos danos de privação de uso do veículo. Finalmente, refere-se que, estando assente que a reparação do veículo deve ser feita com peças originais, nenhuma relevância jurídica assume a factualidade apurada no sentido de que a Ré/Recorrente assumiu perante a Autora a responsabilidade por qualquer eventual anomalia que fosse detetada em virtude da aplicação das peças de “aftermarket”. Aliás, reforça a irrelevância desta factualidade o facto de igualmente se ter dado como provado que a viatura NQ ao ser reparada com peças do tipo “aftermarket” terá uma desvalorização.] __________________ |