Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1064/24.7YLPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ MANUEL CORREIA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
RENOVAÇÃO DO CONTRATO
PRAZO
NORMA SUPLETIVA
Nº do Documento: RP202411211064/24.7YLPRT.P1
Data do Acordão: 11/21/2024
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: O art.º 1096.º, n.º 1 do CC, com a redação introduzida pela Lei n.º 13/2019, de 12/02, relativo à renovação automática dos contratos de arrendamento para fins habitacionais com prazo certo, é de natureza supletiva, não tendo aplicação, por isso, quando, no contrato celebrado, e como expressamente ressalvado no preceito, haja estipulação em contrário.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1064/24.7YLPRT.P1 - Recurso de apelação

Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia, Juiz 3

Recorrente: AA

Recorrida: BB


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Sumário

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Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto,

I.- Relatório

.- BB apresentou junto do Balcão de Arrendamento requerimento de despejo contra AA, pedindo a desocupação do locado sito na Rua ..., ... ..., ..., sustentada na cessação do contrato de arrendamento celebrado entre ambas a 01-01-2018, na sequência da sua oposição à renovação do contrato devidamente comunicada à Requerida.


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Pessoalmente notificada, deduziu a Requerida oposição, alegando, em suma, e valendo-nos do que, a esse respeito, consta da sentença recorrida, “que o contrato foi celebrado em 01 de janeiro de 2018, renovável por um ano. Em 05 de maio de 2023 a requerente enviou à requerida carta de oposição à renovação com efeitos a partir do dia 31.12.2023. Sucede que em 01.01.2020, com a entrada em vigor da lei 13/2019, o contrato foi renovado pelo período de 3 anos, conforme decorre do disposto no artigo 1096, nº 1 do CC. Assim, se até 01.01.2023 não existiu oposição de ambas as partes o contrato renovou-se até 01.01.2026.”

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Respondeu a Requerente, não aceitando o entendimento propugnado pela Requerida e retorquindo que o prazo de renovação do contrato atendível era o neste estipulado e não o decorrente do art.º 1096.º, n.º 1 do CC, que é meramente supletivo.

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Entendendo-se que o processo reunia já condições para a prolação de decisão de mérito, foi, então, proferida sentença, na qual, além de fixado em € 9.300,00 o valor da causa, foi julgado procedente o procedimento especial de despejo e, consequentemente, ordenado o despejo imediato do locado e condenada a Requerida a entrega-lo à Requerente livre de pessoas e bens.

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Inconformada com esta decisão, dela interpôs a Requerida o presente recurso, batendo-se pela sua revogação, formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:

A) O tribunal entendeu julgar procedente o procedimento especial de despejo e em consequência decretar o despejo imediato da fração autónoma e condenar a recorrente a entregá-la à recorrida livre de pessoas e bens.

B) Não existiu da parte do Tribunal a quo uma correta aplicação e interpretação do Direito ao caso concreto, pelo que deverá aquela decisão ser substituída por outra que julgue procedente o requerido pela recorrente, mantendo-se o contrato de arrendamento em vigor até 01.01.2026 e por isso impedir o despejo imediato da fração autónoma e entrega desta.

C) Foi intenção do legislador ao definir um período mínimo de renovação, conferir uma maior proteção ao arrendatário, dotando o seu contrato de arrendamento de uma maior estabilidade e limitando a liberdade de estipulação das partes quanto a esta matéria.

D) Neste sentido veja-se a anotação de CC ao referido preceito legal, referindo o seguinte: “Com a introdução pela Lei nrº 13/2019, de 12 de Fevereiro, dos nrs 3 e 4 do artigo 1097º, a liberdade de estipulação quanto a renovação automática parece ter ficado comprometida”.

E) “A ratio daquela interpretação é a de garantir ao arrendatário a duração efetiva do contrato pelo prazo mínimo de três anos, ao não permitir ao senhorio provocar a caducidade do contrato nesse período de renovação”

F) Perfilhado o mesmo entendimento, pronunciou-se também o Tribunal da Relação de Guimarães, em acórdão de 08.04.2021, proferido no âmbito do processo nrº 795/20.5T8VNF.G1, disponível em www.dgsi.pt.

G) Daqui resulta que o período mínimo de três anos para a renovação do contrato de arrendamento assume caracter imperativo, não sendo admitida qualquer estipulação em contrário.

H) Volvendo ao caso dos autos, resulta da matéria de facto provada que o contrato de arrendamento foi celebrado em 01 de janeiro de 2018, renovável por um ano.

I) Em 5 de Maio de 2023 a autora enviou à recorrente carta de oposição à renovação com efeitos a partir do dia 31.12.2023. Sucede que em 01.01.2020 com a entrada em vigor da lei 13/2019 o contrato foi renovado pelo período de 3 anos, conforme defendemos pela interpretação do artigo 1096, nrº 1 do cc. Assim, se até 01.01.2023 não existiu oposição de ambas as partes o contrato renovou-se até 01.01.2026.


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A Requerente respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência e pela manutenção da sentença proferida, concluindo do seguinte modo:

“25º. A Recorrente e a Recorrida celebraram e 01.01.2018 um contrato de arrendamento para fins habitacionais com prazo certo de um ano e renovável por iguais períodos.

26º. Este contrato de arrendamento sofreu cinco renovações válidas e eficazes – em 01.01.2019; 01.01.2020; 01.01.2021; 01.01.2022 e 01.01.2023.

27º. Em 05 de Maio de 2023, a Recorrida decidiu não renovar o contrato de arrendamento, tendo para o efeito enviado a competente carta registada com A/R indicando a oposição à renovação do contrato que iria ocorrer em 01.01.2024, cumprindo, assim, o prazo legal de 120 dias previsto no artigo 1097.º, nº 1, alínea b) do Código Civil.

28º. A Recorrida opôs-se à renovação, de forma válida e eficaz, em 05 de Maio de 2023 e o contrato de arrendamento sub judice cessou todos os seus efeitos em 31.12.2023.

29º. Face a este facto, a Recorrente deveria ter procedido à desocupação e entrega do imóvel livre de pessoas e bens, nos termos do artigo 1081.º, nº 1 do Código Civil, o que não aconteceu, sendo que com a sua conduta, que mantém até ao dia de hoje, continua a causar várias danos patrimoniais e não patrimoniais graves na esfera da Recorrida.

30º. Pode ler-se no artigo 1096.º, nº 1 do Código Civil: “1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, (…)”

31º. Ora, como é facilmente perceptível esta norma trata-se de uma norma supletiva, cuja aplicação pode, por definição, ser afastada por vontade das partes.

32º. Esta conclusão é a que se retira da expressão constante do início da norma “salvo estipulação em contrário”.

33º. A alteração introduzida pela Lei 13/2019, de 12 de Fevereiro aplica-se, claramente, apenas aos contratos de arrendamento que não tenham qualquer previsão quanto à renovação do contrato e/ou quanto ao prazo de duração.

34º. Não é compreensível que se possa interpretar esta norma no sentido de que deixou de ser possível estipular prazos de duração do contrato de arrendamento inferiores a três anos, até porque se fosse essa a vontade do legislador, este poderia simplesmente ter alterado todo o capítulo de Código Civil referente ao arrendamento urbano, de forma a que passasse a constar, sem margem para dúvidas, que no nosso ordenamento jurídico a partir de determinada data não seria possível celebrar contratos de arrendamento para fins habitacionais com prazo inferior a três anos.

35º. Mais, se o legislador pretendesse impor esta regra, poderia simplesmente ter removido a expressão “salvo estipulação em contrário” do artigo, o que implicaria tornar esta norma imperativa, o que também não aconteceu.

36º. Fazendo uma interpretação honesta e sistemática das normas que regulam o contrato de arrendamento para fins habitacionais, é óbvio que o legislador não pretendeu retirar a autonomia privada às partes e não pretendeu precludir/extinguir a figura do contrato de arrendamento com prazo certo e renovação automática.

37º. Face ao exposto, deverá manter-se como facto provado que a oposição à renovação do contrato foi efectuada de forma válida e eficaz e produziu todos os seus efeitos em 31.12.2023, tendo como consequência a obrigação por parte da Recorrente de proceder à entrega do imóvel livre de pessoas e bens.”


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O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e assim recebido nesta Relação, que o considerou corretamente admitido e com o efeito legalmente previsto.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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II.- Das questões a decidir

O âmbito dos recursos, tal como resulta das disposições conjugadas dos art. ºs 635.º, n.º 4, 639.º, n.ºs 1 e 2 e 641.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Civil (doravante, CPC), é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente.

Isto, com ressalva das questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado ou das que se prendem com a qualificação jurídica dos factos (cfr., a este propósito, o disposto nos art. ºs 608.º, n.º 2, 663.º, n.º 2 e 5.º, n.º 3 do CPC).

Neste pressuposto, a questão que, neste recurso, importa apreciar e decidir é a seguinte:

.- saber qual é o prazo de renovação do contrato de arrendamento dos autos, se o de um ano nele estipulado, se o de três anos previsto no art.º 1096.º do CC, na redação decorrente da Lei n.º 13/2019, de 12/02.


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III.- Da Fundamentação


III.I.- Na sentença proferida em 1.ª Instância e alvo deste recurso foram considerados provados os seguintes factos:

1. No dia 01 de janeiro de 2018 autora, na qualidade de cabeça-de-casal da herança de DD e ré outorgaram documento denominado “Contrato de Arrendamento Urbano para fins habitacionais”.

2. Por via desse documento a autora cedeu à ré para sua habitação o uso e fruição do prédio urbano sito na Rua ..., ..., ..., freguesia ..., ... inscrito na matriz sob o nº ...41.

3. Ficou acordado o pagamento da quantia mensal de € 310,00 a título de renda.

4. Decorre da cláusula segunda do documento que “o presente contrato é pelo prazo de um ano e produz efeitos na data da sua assinatura pelas partes, no dia 01 de janeiro de 2018 e seu termo a 31 de dezembro de 2018, considerando-se prorrogado sucessivamente pelo mesmo período” e ainda que

5.Dada a natureza temporária deste contrato e a faculdade que o senhorio tem em denunciar em qualquer uma das prorrogações, poderá a denúncia ser feita decorridos seis meses de cumprimento do presente contrato por carta registada com aviso de receção com antecedência de dois meses

6. Em 05 de maio de 2023 a autora enviou à ré carta registada com aviso de receção com o seguinte teor:

(…) Por contrato de arrendamento celebrado em 01 de janeiro de 2018, V Exa. tomou de arrendamento o r/c do prédio sito na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho ... (…) O referido contrato rege-se pelo Novo Regime do Arrendamento Urbano, Lei 6/2006 de 27 de fevereiro.

Este foi celebrado por prazo certo, com início em 01 de janeiro de 2018 e término em 31 de dezembro de 2018, renovando-se automaticamente, no final desse prazo, pelo mesmo período de um ano.

Não pretendendo, como v/ senhoria, a renovação do mesmo, vem pela presente missiva, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1097, nº 1 alínea b) do CC, comunicar a V. Exa a oposição à renovação automática do mesmo, pelo que o referido contrato de arrendamento, respeitando o período de pré-aviso de 120 dias, cessará os seus efeitos em 31 de dezembro de 2023.(…)”.


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III.II.- Do objeto do recurso

- Do prazo de renovação do contrato de arrendamento dos autos

Entre Apelada e Apelante foi celebrado, em 1 de janeiro de 2018, como não sofre contestação nos autos, um contrato de arrendamento para fins habitacionais com prazo certo, tendo por objeto o prédio urbano sito na Rua ..., ..., ..., freguesia ..., ..., nele figurando a primeira como senhoria e a segunda como inquilina, estando esta adstrita ao pagamento da renda mensal de € 310,00 (v. art.ºs 1022.º, 1023.º, 1064.º, 1067.º, n.º 1 e 1094.º, n.º 1, todos do CC).

O contrato de arrendamento, de acordo com a cláusula segunda, tinha o prazo inicial de um ano, produzindo efeitos na data da sua assinatura, em 1 de janeiro de 2018, considerando-se prorrogado sucessivamente pelo mesmo período; isto é, era de um ano o prazo da sua renovação nele estipulado.

De acordo com a mesma cláusula, a “denúncia” do contrato poderia ser feita após seis meses de vigência do contrato, por carta registada com aviso de receção e com a antecedência de dois meses.

Pretendendo pôr termo ao contrato, a Apelada, enquanto senhoria, comunicou à Apelante, enquanto inquilina, por carta registada com aviso de receção de 5 de maio de 2023, a sua oposição à renovação do contrato, por forma a que, partindo do pressuposto de que este se renovara por um ano em 1 de janeiro de 2023, cessasse os seus efeitos em 31 de dezembro de 2023, data em que o locado lhe deveria ser entregue livre de pessoas e bens.

A tal pretensão opôs-se a Apelante, esgrimindo o argumento de que o contrato de arrendamento dos autos, em 1 de janeiro de 2023, se renovara, não por um ano, como propugnado pela Apelada, mas por três anos, prolongando-se, por isso, segundo a própria, até “01-02-2026” (diga-se que, em bom rigor, na tese da Apelante, sê-lo-ia até 31-12-2025).

Isto, porque, na sua perspetiva, o prazo de renovação que deveria ser tido em conta seria o de três anos previsto no art.º 1096.º do CC, na redação introduzida pela Lei n.º 13/2019, de 12/02 e não o de um ano estipulado na cláusula segunda deste, atenta a natureza imperativa daquela disposição legal.

Na sentença recorrida, acolhendo-se a posição de que aquele art.º 1096.º do CC tinha natureza supletiva e não imperativa, tal como propugnado pela Apelante, considerou-se que o prazo da renovação do contrato era o de um ano conforme o nele estipulado, pelo que, tendo a Apelante, como senhoria, comunicado válida e tempestivamente a sua oposição, julgou-o cessado no dia 31 de dezembro de 2023 e ordenou a desocupação do locado.

E é contra esta decisão que se bate a Apelante neste recurso, reiterando a sua posição de que, contrariamente ao preconizado pela 1.ª instância, o prazo previsto no art.º 1096.º do CC tem natureza imperativa e não supletiva, pelo que a oposição à sua renovação pela Apelante nunca poderia ter produzido os seus efeitos na data de 31 de dezembro de 2023.

A questão que aqui importa apreciar é, pois, a de saber qual é o prazo atendível de renovação do contrato de arrendamento dos autos: se o previsto na sua cláusula segunda, sendo o prazo previsto no art.º 1096.º do CC meramente supletivo; se o previsto neste preceito, sendo ele de natureza imperativa.

Dispõe o referido art.º 1096.º, n.º 1 do CC, no que ao caso importa, o seguinte: salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se este for inferior.

Tal preceito foi introduzido pela Lei n.º 13/2019, de 12/02 e, dispondo diretamente sobre o conteúdo das relações jurídicas locatícias, abstraindo dos factos que lhes deram origem, aplica-se, por força do disposto no art.º 12.º, n.º 2 do CC, aos contratos de arrendamento que, como o dos autos, foram celebrados anteriormente, mas que subsistem à data da sua entrada em vigor (o que, de acordo com o seu art.º 16.º, ocorreu em 13 de fevereiro de 2019).

Como decorre da sua leitura, nele se determina, não só a renovação automática do contrato de arrendamento celebrado com prazo certo no seu termo, como, também, que tal renovação opera por períodos sucessivos de igual duração ao prazo inicial do contrato ou, se tal duração for inferior, por três anos; isto, ressalvada a existência de estipulação em contrário.

A respeito da interpretação deste normativo, e como bem se salientou na sentença recorrida, que, da questão decidenda, fez uma apreciação rigorosa, clara e objetiva, diverge a doutrina e a jurisprudência quanto à qualificação da sua natureza como imperativa ou supletiva.

Quem reputa imperativo o preceito, no que tange à renovação do contrato de arrendamento com prazo certo destinado a habitação, preconiza a interpretação de que, à luz do mesmo, é lícito às partes afastar a renovação automática do contrato, mas, uma vez clausulada essa renovação, esta nunca poderá ficar aquém do limite mínimo de três anos nele previsto.

Estipulando-se no contrato de arrendamento celebrado a sua renovação, o prazo mínimo de três anos ali previsto, dada a sua imperatividade, impõe-se, pelo que, a menos que se tenha estipulado um prazo de renovação superior, o prazo será renovado por, pelo menos, mais três anos.

Argumenta-se em abono desta posição que a imperatividade do preceito em análise decorreria da sua interpretação em função dos elementos histórico, teleológico e sistemático.

Assim, o diploma que introduziu a redação do preceito em apreço surge na sequência de sucessivas alterações legislativas que, após a adoção de um regime tendencialmente liberal do mercado de arrendamento (com génese no RAU, aprovado pelo Decreto-Lei 321-B/90, de 15 de outubro, mas aprofundado pelo NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27/02 e exponenciado pela Lei n.º 31/2012, de 14/08), foi introduzindo correções destinadas a garantir maior estabilidade às relações jurídicas locatícias, conferindo maior pendor à tutela da posição do arrendatário (casos da Lei n.º 79/2014, de 19/12 e da Lei n.º 30/2018, de 16/07).

Como decorre do seu art.º 1.º, nele se estabelece medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade, pelo que a história e a teleologia do preceito apontam precisamente para um regime pensado e estruturado em vista da prossecução de um fim e, consequentemente, para a sua natureza impositiva.

Outrossim, em simultâneo à alteração da redação do preceito em análise, a Lei n.º 13/2019 introduziu o n.º 3 do art.º 1097.º do CC, com o seguinte teor, no que aqui importa considerar: a oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data.

Decorre tal preceito que os contratos de arrendamento para fim habitacional com prazo certo não deixará de vigorar por um período de mínimo de três anos, mesmo em caso de oposição à sua primeira renovação por parte do senhorio.

Neste pressuposto, não podendo o senhorio obstar a uma duração mínima do contrato de três anos, seria incongruente que as partes nele pudessem clausular uma renovação por período inferior a esses três anos, donde, por razões de ordem sistemática, o regime constante do art.º 1096.º, n.º 1 do CC aqui em consideração, no que ao período temporal da renovação diz respeito, não poderia ser contrariado por estipulação prevista no contrato, assim se afirmando a sua natureza imperativa.

Milita neste sentido, desde logo, parte da doutrina, nomeadamente, e valendo-nos da exaustiva exposição, a esse respeito, constante do Acórdão da Relação de Lisboa de 26-09-2024 (proferido no processo 907/24.0YLPRT.L1-8, relatado por Maria Teresa Lopes Catrola, disponível na internet, no sítio com o endereço www.dgsi, no qual poderão ser encontrados todos os demais Acórdãos infra referidos, sem indicação de proveniência em contrário): Ana Isabel Afonso, in Sobre as mais recentes alterações legislativas ao regime do arrendamento urbano, Estudos de Arrendamento Urbano, vol. I, Universidade Católica Editora, Porto, 2020, páginas 26 e 27; José António de França Pitão e Gustavo França Pitão, in Arrendamento urbano anotado, Quid Juris, 3.ª edição, 2019, p. 390; Márcia Passos, in A duração nos contratos de arrendamento com prazo certo”, Boletim da Ordem dos Advogados, Setembro de 2019, pág. 21); Manteigas Martins, Carlos Nabais, José M. Raimundo, in Novo regime do arrendamento urbano, comentários e breves notas, Vida Económica, 2019, pág. 183); e Luís Menezes Leitão, in Arrendamento urbano, 11.ª edição, 2022, Almedina, p. 179).

Impressivamente a propósito desta posição, escreve Maria Olinda Garcia que, à luz do art.º 1096.º, n.º 1 do CC, “as partes poderão convencionar que o contrato não se renova no final do prazo inicial (o qual tem de ser de, pelo menos, um ano) [e] caducará, assim, verificado esse termo. Todavia, prevendo-se a sua renovação, “ao estabelecer o prazo de 3 anos para a [mesma], caso o prazo de renovação seja inferior, parece ser de concluir que o legislador estabeleceu imperativamente um prazo mínimo de renovação. Afigura-se, assim, que a liberdade das partes só terá autónomo alcance normativo se o prazo de renovação estipulado for superior a 3 anos”.

Acrescenta a Autora que “[c]onjugando esta disposição com o teor do artigo 1097.º, n.º 3, que impede que a oposição à renovação, por iniciativa do senhorio, opere antes de decorrerem 3 anos de duração do contrato, fica-se com a ideia de que o legislador pretende que o contrato tenha, efetivamente, uma vigência mínima de 3 anos (se for essa a vontade do arrendatário). Assim, o contrato só não terá duração mínima de 3 anos se o arrendatário se opuser à renovação do contrato no final do primeiro ou do segundo ano de vigência. No final destes períodos (tratando-se de contrato celebrado por 1 ano), o senhorio não terá direito de oposição à renovação. Tal direito extintivo cabe, assim, exclusivamente ao arrendatário antes de o contrato atingir 3 anos de vigência” (in Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019, in Julgar Online, março de 2019, páginas 11 e 12):

A natureza imperativa do art.º 1096.º, n.º 1 do CC tem merecido acolhimento, também, em parte da jurisprudência, como é o caso dos Acórdãos desta Relação do Porto de 04-05-2023, proferido no processo n.º 1598/22.8YLPRT.P1, de 12-10-2023, proferido no processo 328/2023.1YLPRT.P1 e de 08-02-2024, proferido no processo 897/23.6YLPRT.P1; da Relação de Guimarães de 11-02-2021, proferido no processo 1423/20.4T8GMR.G1 e de 08.04.2021, proferido no processo n.º 795/20.5T8VNF.G1; da Relação de Évora de 10-11-2022, proferido no processo 983/22.OYLPRT.E1 e de 10-11-2022, proferido no processo 126/21.7T8ABF.E1; e da Relação de Lisboa de 16.05.2024, proferido no processo 1282/23.5YLPRT.L1 e de 26-09-2024, acima referenciado).

Como referido no citado Acórdão da Relação de Lisboa de 26-09-2024, “no que respeita à renovação do contrato de arrendamento com prazo certo destinado a habitação deve entender-se que o artigo 1096/1 do Código Civil estabelece um regime imperativo, no sentido de que é lícito às partes afastar a renovação automática do contrato, mas uma vez convencionada a renovação, deverá a mesma obedecer ao limite mínimo previsto na lei três anos.”

Ora, relativamente a esta temática, e sem prejuízo do reconhecimento da valia da argumentação expendida pela doutrina e jurisprudência supra exposta, propendemos claramente para a posição contrária, no sentido de que o regime previsto no n.º 1 do art.º 1096.º do CC se reveste de natureza meramente supletiva, solução esta que, de resto, foi a acolhida na sentença recorrida.

E isto, pelas seguintes razões.

Desde logo, pelo elemento literal da norma. O preceito em apreço tem início com a expressão salvo estipulação em contrário e nele não se limita a abrangência de tal ressalva a qualquer um dos dois segmentos do regime nele previsto quanto: (i) à renovação do contrato propriamente dita; (ii) e à duração dessa renovação. Ou seja, literalmente, a expressão em causa diz respeito à totalidade do regime previsto no normativo, também abrangendo, por isso, o período de duração da renovação do contrato. E se abrange o período de duração da renovação, forçoso é concluir que este está sujeito à existência de estipulação em contrário também quanto a ele. Outra leitura da norma não tem, por isso, o mínimo de correspondência verbal que, nos termos do n.º 3 do art.º 9.º do CC, permita sustentar um pensamento legislativo diverso do que nele foi expressamente redigido. Em suma, e como se referiu na sentença recorrida, ao consignar no início da redação do preceito a expressão “[s]alvo estipulação em contrário, consagr[ou o legislador] a coexistência de duas tutelas legais: a primeira, a da vontade das partes; e a segunda, a legal caso as partes nada convencionem”.

Acresce que, sendo verdade que a nova redação do preceito foi introduzida por um diploma legal que é o resultado de sucessivas alterações do regime do arrendamento urbano, visando temperar a sua natureza outrora liberal e acentuar, no interesse dos inquilinos, a estabilidade das relações locatícias, não menos verdade é que o legislador, mesmo exprimindo esse propósito, manteve a referida ressalva da existência de cláusula em contrário, privilegiando, pois, a vontade das partes na estipulação do período da renovação do contrato. Por conseguinte, partindo-se do pressuposto de que o legislador consagra as soluções mais acertadas e que sabe exprimir o seu pensamento em termos adequados (v. n.º 3 do art º 9.º do CC), concluímos que se o mesmo previu a ressalva nos termos em que o previu foi porque, apesar da história do preceito, assim o quis prever. De outro modo, se a sua intenção fosse a de conferir natureza imperativa ao preceito, bastava-lhe eliminar a ressalva. Se não o fez, foi porque a quis manter e conferir prevalência à autonomia da vontade no que à fixação do período de duração da renovação do contrato diz respeito.

É certo, também, que, com o n.º 3 do art.º 1097.º do CC, quis o legislador estabelecer que os contratos de arrendamento para fim habitacional com prazo certo não deixassem de vigorar por um período mínimo de três anos, mesmo em caso de oposição à sua primeira renovação por parte do senhorio. Não menos certo é, contudo, que, permitindo o n.º 1 do art.º 1096.º do CC, como os defensores da natureza imperativa do preceito assumem que permite, que as partes estipulem a não renovação do contrato, não se vê motivo para vedar a estipulação de prazos de renovação inferiores a três anos, na certeza de que, como se referiu no Acórdão da Relação de Lisboa de 18-04-2024 (proferido no processo n.º 2197/23.2YLPRT.L1-6), “[s]e a lei permite o mais – a não renovação – naturalmente que tem de permitir o menos – a estipulação da renovação por prazo inferior a 3 anos”.

Outrossim, reconhecendo-se que subjacente à introdução do n.º 3 do art.º 1097.º do CC, esteve o desiderato do legislador de conferir maior estabilidade aos contratos de arrendamento para habitação com prazo certo, fê-lo, contudo, reportado expressamente à primeira renovação do contrato e, portanto, à sua “fase inicial”. O que com o n.º 1 do art.º 1096.º do CC se pretendeu foi, assim, mais uma vez de acordo com o Acórdão da Relação de Lisboa de 18-04-2024, “não invalidar a fixação contratual de prazos de renovação inferiores a 3 anos”, mas estabelecer “a ineficácia da declaração de oposição à renovação por parte do senhorio antes de decorridos aqueles 3 anos”, isto é, o “preceito pretendeu unicamente consagrar um período de duração mínima, mas sem afetar o que as partes estabeleceram, nem quanto ao prazo de duração, nem quanto ao prazo de renovação, que se mantêm válidos.

Finalmente, o contrato de arrendamento urbano para habitação pode celebrar-se, como decorre do n.º 1 do art.º 1094.º do CC, com prazo certo e tal prazo certo, que, nos termos do n.º 1 do art.º 1095.º do CC, deve constar de cláusula inserida no contrato, tem como limite mínimo, nos termos do n.º 2 deste último preceito, o de um ano, considerando-se automaticamente reduzido àquele limite quando não o respeite. Conferir, por conseguinte, natureza imperativa ao preceito em análise, conduziria, como também se salienta na sentença recorrida, à consagração de uma “nova figura do contrato de arrendamento urbano para habitação com prazo certo mínimo de quatro anos”, contrária ao regime fixado nos referidos normativos.

A sistemática do preceito, antes do que apontar para a sua natureza imperativa, aponta, por conseguinte, para a sua natureza supletiva, dela resultando o seguinte regime sintetizado no mesmo aresto: “[a]pós a duração mínima de 3 anos, a declaração de oposição à renovação efetuada ao abrigo de uma norma que estabelece, por exemplo, a renovação anual, é perfeitamente eficaz. Assim, um contrato celebrado pelo prazo de um ano com a previsão de renovação também anual, ao fim de 3 anos e se até essa altura não tiver havido oposição à renovação (que é eficaz, pois foi atingido o período mínimo de 3 anos), renova-se por um ano, podendo o senhorio eficazmente opor-se a qualquer renovação posterior, que opera anualmente.”

De referir, ainda, que a regra da supletividade do dispositivo em apreço, não só não põe em causa o desiderato que presidiu à sua alteração pelo legislador, no sentido da promoção da estabilidade das relações locatícias, como acaba por potenciá-lo, já que, no caso contrário, os senhorios poderiam ver-se compelidos a celebrar contratos de arrendamento com prazo certo sem previsão de renovação.

A própria teleologia do preceito impele, por conseguinte, a que se reconheça natureza supletiva ao n.º 1 do art.º 1096.º do CC.

Esta posição também tem tido acolhimento em parte da doutrina e da jurisprudência.

Na doutrina, militam Autores como: Jorge Pinto Furtado, in Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, Almedina, 3.ª edição, 2021, páginas 655 a 657; Jéssica Rodrigues Ferreira, in Análise das principais alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, aos regimes da denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais, RED - Revista Electrónica de Direito, FDUP, fevereiro 2020, páginas 82 e 83; André Mena Hüsgen, in As novas regras sobre a duração, denúncia e oposição à renovação do arrendamento urbano, Estudos de Arrendamento Urbano, vol. I, Universidade Católica Editora, Porto, 2020, páginas 86 e 87); Edgar Alexandre Martins Valente, in Arrendamento urbano – Comentário às Alterações Legislativas introduzidas ao regime vigente, Almedina, 2019, pág. 31; e Isabel Rocha e Paulo Estima, in Novo Regime do Arrendamento Urbano – Notas práticas e Jurisprudência, 5.ª edição, Porto Editora, 2019, pág. 286 (apud Acórdão da RL 26-09-2024, supra referenciado).

Impressivamente, refere Jorge Pinto Furtado que “[o] que se determina no presente n.º 1 (…) é que o contrato de arrendamento urbano, com prazo certo, no termo da sua duração contratual, se renova, “salvo estipulação em contrário”, por períodos sucessivos de igual duração, ou de três anos quando essa duração for inferior. A ressalva é expressa, surgindo, soberana, a encabeçar o preceito”.

Na jurisprudência, e crendo-se que, na mais recente, com pendor maioritário, a natureza supletiva do preceito mereceu acolhimento, por exemplo, nos seguintes Acórdãos:

.- desta Relação do Porto de 23-03-2023, proferido no processo 3966/21.3T8GDM.P1; de 12-07-2023, proferido no processo n.º 19506/21.1T8PRT-A.P1; de 14-09-2023, proferido no processo 1394/22.2YLPRT.P1, de 09-10-2023, proferido no processo n.º 1467/22.1YLPRT.P1; e de 16-01-2024, proferido no processo 3223/23.0T8VNG.P1;

.- da Relação de Lisboa de 17-03-2022, proferido no processo n.º 8851/21.6T8LRS.L1-6; de 10-01-2023, proferido no processo 1278/22.4YLPRT.L1.7; de 18-04-2024, acima referenciado; de 27-04-2023, proferido no processo n.º 1390/22.0YLPRT.L1.6; de 06-07-2023, proferido no processo n.º 2959/22.8T8SXL; de 21-12-2023, proferido no processo 5933/20.5T8LSB.L1-6; de 16-05-2024, proferido no processo 2807/22.9T8CSC.L1-8.

Impressivamente, como se referiu no sumário do aludido Acórdão da Relação de Lisboa de 10-01-2023:

I.- A jurisprudência vem entendendo, maioritariamente, que, da redação do Artigo 1096º, nº 1, do Código Civil, dada pela Lei nº 13/2019, de 1.2. (entrada em vigor a 13.2.2019), decorre que, desde que as partes prevejam a renovação do contrato de arrendamento, só terão liberdade para convencionar prazo de renovação igual ou superior a três anos, impondo o legislador um prazo mínimo imperativo de três anos.

II. Dissente-se dessa interpretação porquanto:

i. Se a lei permite que as partes afastem, de todo, a renovação, então também permite que esta tenha uma vigência diferenciada em caso de renovação (argumento a maiori ad minus);

ii. A tutela da posição do inquilino e da estabilidade do arrendamento, erigida como um dos propósitos da Lei nº 13/2019 não decorre neste circunspecto, em primeira linha, da nova redação do nº 1 do artigo 1096º, mas sim do aditado nº 3 ao Artigo 1097º;

iii. Na lógica da tese referida em I, desde que as partes prevejam a renovação do contrato de arrendamento, este terá, inapelavelmente, uma duração sempre de quatro anos (mínimo imperativo de um ano, acrescendo renovação imperativa por mais três anos). Se assim fosse, o disposto no nº 3 do Artigo 1097º não faria qualquer sentido porquanto os contratos de arrendamento, desde que as partes não afastassem expressamente a sua renovabilidade, teriam sempre uma duração mínima de quatro anos. Porém, o que decorre do nº 3 do Artigo 1097º é que, prevendo-se a renovação do contrato, o prazo mínimo garantido da vigência do contrato é de três anos a contar da data da celebração do mesmo.

iv. O direito de o senhorio opor-se à renovação do contrato, quando seja prevista a renovação do contrato, está apenas condicionado à vigência ininterrupta do contrato por um período de três anos, contado da data de celebração do contrato.”

Em suma: o art.º 1096.º, n.º 1 do CC, na redação emergente da Lei n.º 13/2019, de 12/02 tem natureza supletiva e não imperativa, só sendo de aplicar o regime nele consagrado no caso de, no contrato de arrendamento, nada ter sido estipulado quanto à duração da sua renovação.

Reportando-nos ao caso em apreço, já se viu que o contrato de arrendamento dos autos tinha um prazo inicial de um ano e que nele se previu, não só a sua renovação, como que esta seria sucessiva e pelo mesmo período de um ano.

Outrossim, de acordo com o nele clausulado, impedia a renovação a oposição de uma parte comunicada à outra por carta registada com a/r, com um período de antecedência de dois meses.

Ora, o contrato foi celebrado em 1 de janeiro de 2018 e, em 1 de janeiro de 2019, renovou-se por igual período de tempo.

Havendo cláusula contratual a prever a renovação sucessiva do contrato e a fixar em um ano o período dessa renovação, não tem aplicação o regime previsto no n.º 1 do art.º 1096.º do CC, dada a natureza supletiva deste.

O contrato de arrendamento dos autos foi-se renovando, assim, sucessivamente, um ano de cada vez, em 1 de janeiro de 2020, em 1 de janeiro de 2021, em 1 de janeiro de 2022 e em 1 de janeiro de 2023.

Em 5 de maio de 2023, contudo, a Apelada, como senhoria, opôs-se à sua renovação, mediante comunicação válida e eficazmente dirigida à Apelante, enquanto inquilina.

Assim, e porque, até então, decorrera já um período superior a três anos desde o início do contrato, não sendo de considerar, por isso, a eventual aplicação do disposto no n.º 3 do art.º 1097.º do CC, temos que o contrato de arrendamento dos autos, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 1079.º, 1081.º, 1094.º, 1095.º e 1097.º, n.º 1, al. d) do CC, cessou no dia 31 de dezembro de 2023.

Nenhuma censura merece, pelo exposto, a sentença recorrida, que, como tal, deve ser confirmada, com a consequente improcedência da apelação.


*

Porque vencida no recurso, suportará a Apelante as custas da apelação (art.ºs 527.º e 529.º do CPC).

* *

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IV.- Decisão

Pelo exposto, nega-se provimento ao presente recurso e, consequentemente, confirma-se a sentença recorrida, nos seus precisos termos.

Custas da apelação pela Apelante.

Notifique.


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Porto, 21 de novembro de 2024

José Manuel Correia

Carlos Cunha Carvalho

Isabel Silva (com a declaração de voto infra emitida)

[Voto de vencida – processo nº 1064/24.7YLPRT.P1:

A questão a decidir contende com o problema da aplicação da lei no tempo.

Porque se trata de normas que contendem com o “conteúdo de relações jurídicas abstraindo dos factos que lhes deram origem” (última parte do nº 2), as alterações legais relativamente ao prazo de oposição à renovação aplicam-se também aos contratos celebrados em data anterior à entrada em vigor da lei.

O contrato foi celebrado em 01 de janeiro de 2018, portanto no âmbito da redação introduzida pela Lei n.º 31/2012.

Porém, nova alteração, agora operada pela Lei n.º 13/2019.

Na redação atual, dada pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro (em vigor desde 13 de fevereiro de 2019): “1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.”

Ou seja, em nossa interpretação, passou agora a possibilitar-se que a renovação se operasse pelo período do contrato, mas também de 3 anos se a duração do contrato fosse inferior.

Explicando a interpretação da redação atual deste nº 1 do art.º 1096º do CC, refere Maria Olinda Garcia:

«Quanto à renovação do contrato, a nova redação do artigo 1096.º suscita alguma dificuldade interpretativa, nomeadamente quanto ao alcance da possibilidade de “estipulação em contrário” aí prevista. Por um lado, pode questionar-se se tal convenção poderá excluir a possibilidade de renovação do contrato ou apenas estabelecer um diferente prazo de renovação.

Parece-nos que (na sequência do que já se verificava anteriormente) as partes poderão convencionar que o contrato não se renova no final do prazo inicial (o qual tem de ser de, pelo menos, um ano). O contrato caducará, assim, verificado esse termo.

Mais delicada é a questão de saber se as partes podem estipular um prazo de renovação inferior a 3 anos (hipótese em que o prazo legal de 3 anos teria natureza supletiva). Atendendo ao segmento literal que diz que o contrato se renova “por períodos sucessivos de igual duração”, pareceria poder concluir-se que, se o período inicial pode ser de 1 ou de 2 anos, as partes também teriam liberdade para convencionar igual prazo de renovação. Todavia, ao estabelecer o prazo de 3 anos para a renovação, caso o prazo de renovação seja inferior, parece ser de concluir que o legislador estabeleceu imperativamente um prazo mínimo de renovação. Afigura-se, assim, que a liberdade das partes só terá autónomo alcance normativo se o prazo de renovação estipulado for superior a 3 anos.

Conjugando esta disposição com o teor do artigo 1097.º, n.º 3, que impede que a oposição à renovação, por iniciativa do senhorio, opere antes de decorrerem 3 anos de duração do contrato, fica-se com a ideia de que o legislador pretende que o contrato tenha, efetivamente, uma vigência mínima de 3 anos (se for essa a vontade do arrendatário). Assim, o contrato só não terá duração mínima de 3 anos se o arrendatário se opuser à renovação do contrato no final do primeiro ou do segundo ano de vigência. No final destes períodos (tratando-se de contrato celebrado por 1 ano), o senhorio não terá direito de oposição à renovação. Tal direito extintivo cabe, assim, exclusivamente ao arrendatário antes de o contrato atingir 3 anos de vigência.

Se as partes não convencionarem a exclusão da renovação, o senhorio só poderá impedir que o contrato tenha uma duração inferior a 3 anos na hipótese que agora é criada pelo n.º 4 do artigo 1097.º, ou seja, em casos de necessidade da habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em primeiro grau. Trata-se de um tipo de solução que, até agora, só vigorava no domínio dos arrendamentos de duração indeterminada, a qual depende do preenchimento dos requisitos do artigo 1102.º e exige o cumprimento dos deveres impostos pelo artigo 1103.º, n.os 1, 5 e 9.». (negritos nossos) [[1]] [[2]]

No mesmo sentido, o Supremo Tribunal de Justiça: «O artigo 1096.º do Código Civil, conforme é entendimento dominante na doutrina, não tem carácter imperativo, pelo que é permitido às partes excluírem a renovação automática. Impõe imperativamente, porém, que, caso seja clausulada a renovação, esta tem como período mínimo uma renovação pelo período de 3 anos. Ou seja, o legislador permite às partes que convencionem um contrato de arrendamento urbano para habitação pelo período de um ou dois anos, não renovável. Mas, caso seja convencionada uma cláusula de renovação automática, terá de obedecer ao disposto neste normativo, ou seja, o contrato sofre uma renovação automática de 3 anos.» - Acórdão de 17/01/2023, processo nº 7135/20.1T8LSB.L1.S1, relator Pedro de Lima Gonçalves, disponível em www.dgsi.pt/. No mesmo sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 25/01/2023, processo nº 3934/21.5T8STB.E1, relatora Maria Adelaide Domingos e acórdão da Relação de Guimarães, de 08/04/2021, processo nº 795/20.5T8VNF.G1, relatora Rosália Cunha.

A 1ª renovação do contrato aconteceu em 01 de janeiro de 2019 e a segunda em 01 de janeiro de 2020. Esta última renovação (bem como as seguintes) ocorreram já em plena vigência da redação atual do art.º 1096º do CC, dada pela Lei n.º 13/2019,

Assim, porque já estamos no âmbito da formulação dada pela Lei n.º 13/2019, haveria que contar com um período mínimo de 3 anos.].

__________________________________________
[[1]] Artigo intitulado “Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019”, in revista Julgar online, março de 2019, pág. 11-12, disponível em http://julgar.pt/wp-content/uploads/2019/03/20190305-JULGAR-Altera%C3%A7%C3%B5es-em-mat%C3%A9ra-de-arrendamento-Leis-12_2019-e-13_2019-Maria-Olinda-Garcia.pdf
[[2]] Em sentido contrário, Jessica Rodrigues Ferreira, artigo “Análise das principais alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, aos regimes da denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais”, in Revista Eletrónica de Direito (RED), fevereiro de 2020, nº 1 (VOL. 21), pág. 82 e seguintes, bem como os Autores aí referidos, em nota (13), disponível em https://cij.up.pt/client/files/0000000001/5-artigo-jessica-ferreira_1584.pdf.