Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ISABEL PEIXOTO PEREIRA | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL PROVA PERICIAL PEDIDOS DE ESCLARECIMENTOS | ||
Nº do Documento: | RP2024062019687/21.4T8PRT.P2 | ||
Data do Acordão: | 06/20/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 3. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - Vindo aduzido no recurso a insuficiência mesma do relatório pericial realizado à prova ou infirmação dos factos controvertidos, por desconsideração dos esclarecimentos pedidos pelos AA e cuja pertinência foi indeferida, em termos de ter prejudicado a demonstração dos factos em que estribavam as pretensões os AA, muito embora os recorrentes o não nomeiem e se reconduzam erradamente ao efeito da procedência do vício que alegam, em causa já a anulação consequencial da sentença, em razão da nulidade do despacho que indeferiu os pedidos de esclarecimento ao relatório pericial, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas dos artigos 485º, n.º 3 e 195º, n.ºs 1, parte final e nº 2. II - Pese embora a menor correcção ou precisão técnica do recurso (que não distingue o recurso da decisão interlocutória do da sentença, desde logo e não enquadra correctamente o vício mesmo que se reflecte na sentença), o articulado de interposição constitui-se como um acto jurídico não negocial, ao qual se aplicam as regras da interpretação dos negócios jurídicos e, assim, a teoria da impressão do destinatário, sendo-o, finalmente, que na qualificação jurídica da situação, ainda em sede de recurso, é o tribunal livre, não estando sujeito à qualificação pelas partes; medida em que, cabe conhecer da correcção da decisão de indeferimento dos esclarecimentos pedidos ao relatório pericial, já que o seu não acerto se constitui como o fundamento mesmo para o recurso da sentença recorrida. III - Se nenhuma das conclusões formuladas na pretensão recursória (tal como nenhuma das alegações produzidas) traduz uma impugnação, efectiva e concreta, das razões consignadas na decisão recorrida para alicerçar o indeferimento da reclamação, temos que concluir que os Recorrentes não logram convencer da insubsistência da decisão de indeferimento dos esclarecimentos. IV - Sabendo-se que há/houve dano, não pode, por não estar provado o seu exato “quantum”, negar-se a indemnização (só quando a existência dos danos é ainda uma incógnita, hipótese em que falta um dos elementos constitutivos do direito indemnizatório, é que não pode haver condenação). (da responsabilidade da Relatora) | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Processo 19687/21.4T8PRT. P2 Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia - Juiz 4
Relatora: Isabel Peixoto Pereira 1º Adjunto: António Paulo Esteves Aguiar de Vasconcelos 2º Adjunto: Ana Vieira *
Acordam os juízes da 3.ª secção do Tribunal da Relação do Porto: I. AA e BB intentaram ação declarativa comum contra CC e DD peticionando a condenação dos réus a pagar-lhe a quantia de 14.425€, por falta de pagamento de rendas pelo arrendamento de um imóvel e a título indemnizatório pelos danos provocados no imóvel terem causado angústia aos autores e feito reduzir o valor do preço da venda desse imóvel. Os réus contestaram, pugnando pela absolvição do pedido. A final foi proferida sentença, a qual julgou a acção parcialmente procedente, por provada e, no que agora importa, condenou o réu CC a pagar aos autores AA e BB a quantia de 590€, acrescida dos juros de mora à taxa de juros civis sobre 375€ desde 29 de setembro de 2020 até integral pagamento e sobre 215€ desde a citação até integral pagamento, absolvendo-o do demais peticionado. Desta decisão foi desde logo interposto recurso pelo Réu CC, que conclui nos seguintes termos: Conclui reclamando seja declarada NULA por omissão de pronúncia a sentença e o Réu/Recorrente absolvido do pagamento da indemnização aos Autores no montante de 215,00€, por danos causados.
Responderam os recorridos, pugnando pela improcedência do recurso do Réu e recorreram subordinadamente, concluindo pelo modo seguinte: Um. Não deve a presente apelação ser julgada procedente, uma vez que os fundamentos apresentando pelo Recorrente não têm cabimento e são infundados. Dois. Os AA não agiram com má-fé, sendo que o requerente não mostra qualquer prova ou situação que os descreva como tal. Três. Ademais o momento processual para análise da litigância de má-fé já está ultrapassado. Quatro. Relativamente ao valor dos danos, o recorrente vem afirmar que o cálculo não está correto, no entanto não oferece quaisquer alternativas, não tendo mostrado provas do valor dos bens em questão, sendo que um juízo de equidade é o raciocínio mais acertado nestes casos. Cinco. A perícia realizada não deu resposta cabal ao que era questionado. Seis. Não foram admitidos os pedidos de esclarecimento apresentados pelos AA; Sete. Contudo, foram julgados como não provados os factos sobre os quais a perícia foi realizada. Oito. Para fundamentar a decisão de não prova de determinados factos carecia a perícia de carrear os elementos necessários, fundamentando as suas respostas. Nove. Tal não ocorre, pelo que a douta sentença incorre em nulidade de fundamentação, nomeadamente no que se atente com a resposta dada – não dada – aos efetivos danos que o apartamento apresenta. Dez. O Sr. Perito não junta qualquer fotografia, não refere se o apartamento apresenta danos, se o chão tem riscos, se os mesmo podem ou não ser reparados. Onze. Mesmo assim foram indeferidos os esclarecimentos e os factos dados como não provados com base nessa mesma prova. Consideram-se violados os artigos 388º, 485 do C.P. Civil. Pedem tão só a procedência do Recurso.
No despacho que admitiu o recurso, datado de 2024/01/12, o tribunal conheceu da nulidade, dando razão ao réu e reparou essa falha, improcedendo o pedido de condenação da autora como litigante de má fé. Veio então o réu alargar o âmbito do recurso interposto, discutindo a decisão proferida a 2024/01/12, tendo sido admitido o alargamento do recurso, nos termos e para os efeitos do artigo 617.º, 3, do CPC. Nessa parte[1], são as seguintes as conclusões das alegações do Réu-Recorrente: IV. Refere o citado artigo, no seu nº 2, que litiga de má fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. V Na opinião do Recorrente a conduta dos Recorridos, ao não poderem deixar de ter conhecimento do estado em que a sua fração se encontrava na altura em que o Recorrente a deixou, alteraram de forma dolosa a descrição dos alegados danos, com o objetivo único de obter uma indemnização, sabendo que apenas deturpando a verdade dos factos a conseguiriam obter; VI E, alteraram os factos de forma grosseira no geral e apenas a título de exemplo quando afirmam que os bicos do fogão a gás estavam entupidos, quando se tratava de um fogão elétrico; VII Este comportamento doloso dos Recorrente e supra melhor exposto, salvo melhor opinião, não pode deixar de ser considerado como subsumível ao conceito de litigância de má fé material, nos termos do artigo 542º, nº 2., als. a) e b); Ao absolver os Recorridos do pedido o MM. Juiz “a quo” violou a citada norma legal. Não houve resposta no que tange ao objecto do recurso alargado. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II. Considerando que o objeto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (cfr. arts. 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do C.P.C.), cabe apreciar:
* Por razões de lógica decisória, manifestas, impõe-se que se inicie o conhecimento pelo recurso subordinado. Com efeito, muito embora os recorrentes o não nomeiem e se reconduzam erradamente ao efeito da procedência do vício que alegam, em causa já a anulação consequencial da sentença, em razão da nulidade do despacho que indeferiu os pedidos de esclarecimento ao relatório pericial, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas dos artigos 485º, n.º 3 e 195º, n.ºs 1, parte final e nº 2… É que, na verdade, manifestamente excluída a hipótese de ter por caracterizada a arguição de um erro de juízo ou também de uma nulidade da sentença mesma. Com efeito, o que vem aduzido no recurso é a insuficiência mesma do relatório pericial à prova ou infirmação dos factos controvertidos, por desconsideração dos esclarecimentos pedidos pelos AA e cuja pertinência foi indeferida, em termos de ter prejudicado a demonstração dos factos em que estribavam as pretensões os AA. Desde logo, a decisão intercalar de indeferimento do pedido de esclarecimentos relativo a relatório pericial não cabe na previsão do artigo 644.º, n.º 2, alínea d), do CPC, por não envolver rejeição de meio de prova, já que o meio de prova em questão – pericial – foi admitido, razão pela qual o recurso é tempestivo, uma vez não poderia ter sido interposto autonomamente, nos termos do citado art.º 644.º, n.º 2, al. d) do CPC. Sempre, pese embora a menor correcção ou precisão técnica do recurso (que não distingue o recurso da decisão interlocutória do da sentença, desde logo e não enquadra correctamente o vício mesmo que se reflecte na sentença), o articulado de interposição se constitui como um acto jurídico não negocial, ao qual se aplicam as regras da interpretação dos negócios jurídicos e, assim, a teoria da impressão do destinatário, sendo-o, finalmente, que na qualificação jurídica da situação, ainda em sede de recurso, é o tribunal livre, não estando sujeito à qualificação pelas partes. Nessa medida, cabe conhecer da correcção da decisão de indeferimento, já que o seu não acerto se constitui como o fundamento mesmo para o recurso da sentença recorrida. Decorre do Princípio do Estado de Direito a exigência de um procedimento justo e adequado de acesso ao direito e de realização do direito. Como a realização do direito é determinada pela conformação jurídica do procedimento e do processo, a C.R.Portuguesa integra princípios e normas designados por garantias gerais de procedimentos e de processo. Estatui, desde logo, o art. 20º da C.R.Portuguesa que “1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos… 4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”. Um dos direitos fundamentais processuais consiste precisamente no direito à prova, que emerge como corolário do direito de acção e defesa aludido no nº1 do referido art. 20º. Como se explica no Ac. da RP de 21/10/2021 (15), “Na conjugação”dos arts. 410º e 411º do C.P.Civil de 2013, “os quais visam efetivar o direito fundamental a um processo justo e equitativo (artigos 20.º, n.º 4 Constituição; 10.º, DUDH; n.º 14.º, n.º 1 PIDCP; 6.º, n.º 1 CEDH; 47.º § 2 CDFUE),na sua dimensão da tutela jurisdicional efetiva, mediante a apresentação de prova, está intimamente conexionado com a proposição já expressa no Ac. TC n.º 646/2006… de que «o direito de acesso à justiça comporta indiscutivelmente o direito à produção de prova». No entanto a prova a produzir está sujeita à sua validade constitucional e admissibilidade legal, enquanto «imperativo da integridade judiciária»”. Mas se o direito de acesso à justiça comporta o direito à produção de prova, isso não significa que o direito subjetivo à prova implica a admissão de todos os meios de prova permitidos em direito, muito embora a recusa de qualquer meio de prova deva ser, devidamente, fundamentada na lei ou em princípio jurídico, não podendo o Tribunal fazê-lo forma discricionária. Como ensina Miguel Teixeira de Sousa, embora o direito de acesso à justiça comporte indiscutivelmente o direito à produção de prova, tal “não significa, porém, que o direito subjectivo à prova implique a admissão de todos os meios de prova permitidos em direito, em qualquer tipo de processo e relativamente a qualquer objecto do litígio ou que não sejam possíveis limitações quantitativas na produção de certos meios de prova (por exemplo, limitação a um número máximo de testemunhas arroladas por cada parte). Bastará percorrer as normas de direito probatório constantes do Código Civil ou do Código de Processo Civil para verificar que há diversas proibições de utilização de certos meios de prova cuja constitucionalidade nunca foi posta em causa… Em muitos casos, a inadmissibilidade, estabelecida pela lei, de prova testemunhal tem como fundamento o juízo do legislador sobre as graves consequências de um testemunho inverídico, dada a especial fiabilidade desse meio probatório. Tais casos de inadmissibilidade têm, porém, natureza excepcional e hão-de ter uma justificação racional”. Refere-se no Ac. do TC nº504/2004, “o direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20º n.º 1 da Constituição, não vincula à admissibilidade de todo e qualquer meio de prova e em todas e quaisquer circunstâncias; o legislador goza, nesta matéria, de uma considerável margem de liberdade de conformação dos meios de prova que prevê, nada obstando a que, de acordo com critérios de razoabilidade, estabeleça condicionamentos à sua utilização, nomeadamente… tendo em conta os limites que a finalidade desses meios logicamente impõem”. Portanto, o direito à prova não é um direito absoluto e incondicionado, não implicando a total postergação de determinadas limitações legais aos meios de prova utilizáveis, desde que essas limitações se mostrem materialmente justificadas e respeitadoras do princípio da proporcionalidade. Dentro desta linha de entendimento, o Tribunal Constitucional não se tem pronunciado no sentido da inconstitucionalidade no tocante a diversas disposições legais que em relação a certos procedimentos jurisdicionalizados apenas admitem um específico tipo de prova, sendo que a emissão de uma norma restritiva da utilização dos meios de prova, não implica necessariamente um desrespeito do direito acesso à justiça na sua vertente do direito do interessado produzir a demonstração de factos que, na sua ótica, suportam o seu direito ou a sua defesa. Tal desrespeito só se verificará quando se possa concluir que a norma em causa determina para o interessado, na generalidade das situações, a impossibilidade de uma real defesa dos seus direitos ou interesses em conflito. Quanto aos termos em que deve ser aferida a relevância/pertinência dos meios de prova, referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, e Luís Filipe Pires de Sousaque “de um modo abrangente, pode afirmar-se que um meio de prova será pertinente desde que se pretenda provar com o mesmo um facto relevante para a resolução do litígio, seja de um modo direto, por se tratar de um factos constitutivo, impeditivo, modificativo ou extintivo, seja de um modo indireto, por se tratar de um facto que permite acionar ou impugnar presunções das quais se extraem factos essenciais…”. Procurando precisar os moldes desta aferição, no Ac. da RE de 25/01/2018, na base de dados da dgsi, decidiu-se que “I - Os meios de prova relevantes para a fixação da matéria de facto são aqueles que se apresentem como potencialmente úteis para a decisão dos factos necessitados de prova, entendendo-se estes como os que importem, ainda que instrumentalmente, a qualquer uma das possíveis soluções de direito da causa, a aferir na conformação do quadro do litígio por via da causa de pedir invocada e das excepções deduzidas. II - Movendo-se a parte requerente neste âmbito, a produção dos meios de prova não só pode, como deve, incidir não apenas sobre os factos essenciais que, directa e nuclearmente se reportem ao objecto do processo, entendido este tanto na perspectiva da acção como na da defesa, mas também sobre outros que, embora mediata ou indirectamente relacionados, são necessários ou instrumentais para a prova daqueles primeiros e para o apuramento da verdade material”. Deste modo, a relevância jurídica dos meios de prova constitui uma condição da sua própria pertinência e deve ser verificada em função dos «interesses concretos» em causa na respectiva acção. Já não serão admissíveis todos os meios de prova que se apresentem como irrelevantes (impertinentes) para a concreta causa a decidir, ou seja, todos aqueles que, atento o objecto do litígio em causa, se assumem como desnecessários ao apuramento da verdade material porque são insusceptíveis de acrescentar qualquer elemento probatório que se repercuta no desfecho da lide (não tem um mínimo de influência na decisão), seja porque dizem respeito a factos que já se mostram devidamente comprovados, seja porque respeitam a factos que não constam do elenco a apurar na causa (não integram os «factos necessitados de prova»). Relembre-se que, também no âmbito da admissibilidade das provas, vigora o princípio da limitação dos actos consagrado no art. 130º do C.P.Civil de 2013, do qual decorre que não é lícito realizar no processo actos inúteis. No que respeita especificamente à prova pericial, prescreve o art. 388º do C.Civil que “tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial”. Decorre deste normativo que a prova pericial incide sobre determinados factos e destina-se a elucidar o Tribunal sobre o seu significado e alcance, no pressuposto que a sua natureza e complexidade técnica exigem conhecimentos especiais que escapam ao juiz, sendo por esta razão que tem que ser produzida por pessoas dotadas de especiais conhecimentos no domínio científico, técnico, artístico, experimental e profissional e tem por objeto, à luz desse tipo de conhecimento, a perceção, apreciação e valoração desses factos. Por força do disposto no art. 389º do C.Civil e do art. 489º do C.P.Civil de 2013, o juiz aprecia e valora livremente a força probatória deste meio probatório, tal como se decidiu no Ac. do STJ de 23/06/2021 (na mesma base de dados), “A prova pericial está sujeita à livre apreciação pelas instâncias, cabendo a estas, no âmbito dos seus poderes para julgar a matéria de facto, fixar livremente a força probatória da prova pericial, nos termos dos artigos 389º do Código Civil e 489º do Código de Processo Civil”. Realizada a perícia em processo judicial e notificado o respectivo relatório às partes, o legislador consagrou duas possibilidades de reacção: a reclamação prevista no art. 485º do C.P.Civil de 2013 que dispõe: “1 - A apresentação do relatório pericial é notificada às partes. 2 - Se as partes entenderem que há qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas, podem formular as suas reclamações. 3 - Se as reclamações forem atendidas, o juiz ordena que o perito complete, esclareça ou fundamente, por escrito, o relatório apresentado. 4 - O juiz pode, mesmo na falta de reclamações, determinar oficiosamente a prestação dos esclarecimentos ou aditamentos previstos nos números anteriores”; e a segunda perícia prevista no art. 487º do C.P.Civil de 2013 que dispõe: “1 - Qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado. 2 - O tribunal pode ordenar oficiosamente e a todo o tempo a realização de segunda perícia, desde que a julgue necessária ao apuramento da verdade. 3 - A segunda perícia tem por objeto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexatidão dos resultados desta”. Da análise destes preceitos, quanto aos respectivos pressupostos e finalidade, emerge que a reclamação é o meio de reacção contra qualquer deficiência, obscuridade ou contradição detectadas no relatório e visa levar os peritos, que o elaboraram, a completá-lo, esclarecê-lo ou dar-lhe coerência, e que a segunda perícia é o meio de reacção contra inexactidão do resultado da primeira e procura que outros peritos confirmem essa inexactidão e a corrijam. Para o caso em análise apenas releva a reclamação prevista no referido art. 485º e, de acordo com este normativo, podem constituir fundamentos deste meio de reacção os seguintes vícios do relatório: 1) a deficiência, que se verifica quando o(s) perito(s) não se pronuncie(m) sobre todas as questões que integram o objecto da perícia; 2) a obscuridade, que ocorre quando não se consiga alcançar o sentido de observações, fundamentos ou conclusões; 3) a contradição, que compreende uma manifestação de afirmações reciprocamente incompatíveis; 4) e a insuficiência da fundamentação, que tem lugar quando não sejam indicadas as razões que sustentam as conclusões do(s) perito(os) ou quando aquelas se mostrem insuficientes para sustentar estas. No caso em apreço, os Recorrentes insurgem-se contra a decisão que indeferiu a reclamação da perícia/pedidos de esclarecimentos apresentados, sustentando que o despacho não sopesou a relevância da prestação dos esclarecimentos suscitados; sendo que a resposta aos esclarecimentos suscitados permitiria carrear aos autos prova mais eficaz e dotar a decisão de maior segurança quanto aos factos e, por conseguinte, contribuiria para uma decisão mais justa; sendo que a admissão das reclamações reforça a descoberta da verdade material; o direito à prova, constitucionalmente reconhecido, faculta às partes a possibilidade de utilizarem em seu benefício os meios de prova que considerarem mais adequados tanto para a prova dos factos principais da causa, como, também, para a prova dos factos instrumentais ou mesmo acessórios. Finalmente, as diligências requeridas devem ser admitidas, quando legalmente admissíveis, pertinentes e não tenham cariz dilatório. Não lhes assiste qualquer razão. O procedimento probatório da prova pericial comporta quatro fases distintas: a da sua proposição, a da sua admissão, a da sua preparação (fixação do objecto da perícia), a da sua produção e a da sua assunção. Daqui decorre, por um lado, que é nas fases da admissão e/ou da preparação que é proferida a decisão de admissão ou de rejeição (total ou meramente parcial) do meio de prova pericial requerido pelas partes. E, por outro lado, que a reclamação apresentada por alguma das partes relativamente ao relatório pericial nos termos previstos no supra referido art. 485º e a respectiva decisão que recai sobre essa reclamação insere-se nas fases da produção e/ou da assunção da prova, tendo lugar, portanto, fora daquelas duas fases em que necessariamente se inscreve a decisão de admissão/rejeição. Neste “quadro”, do ponto vista técnico-jurídico, a decisão que conheça das reclamações previstas no referido art. 485º, quer acolhendo-as, quer denegando-as, não consubstancia uma efectiva decisão de admissão ou rejeição de um meio de prova, uma vez que não se aprecia se certa prova pericial deve ter lugar, ou não, no processo, nem se aprecia qual é o objecto da mesma (quais os factos sobre que deve, ou não, incidir). Neste sentido se pronunciou o já longínquo Ac. da RC de 27/09/2016 (na base de dados da dgsi),“ A decisão de indeferimento de uma reclamação apresentada contra um relatório pericial com fundamento na insuficiência deste por alegada ausência de resposta a alguns dos quesitos formulados, por se considerar que o relatório em questão não padece de tal insuficiência, não envolve qualquer rejeição de qualquer meio de prova, especialmente nos casos em que o reclamante não demonstra e não desenvolve qualquer esforço argumentativo no sentido de que existem realmente quesitos formulados e incidindo sobre matéria passível de prova pericial que não foram objecto de resposta no mencionado relatório” (caso distinto, é o do requerimento da realização de uma «segunda perícia», em que a respectiva decisão configura efectivamente uma admissão ou rejeição de um meio de prova – realização de nova perícia). E, no caso concreto, a prova pericial realizada foi ordenada e com o âmbito legalmente previsto (não tendo os Recorrentes requerido a ampliação do objecto a perícia), pelo que, tendo sido junto aos autos o correspondente relatório pericial importa concluir que não existiu falta de resposta (total ou parcial) ao objecto da perícia. Na verdade, a perícia não apenas responde à totalidade dos factos que integravam o respectivo objecto, como se mostra acompanhada de fotografias e outros elementos de facto recolhidos pelo perito que completam ou complementam e fundamentam as respostas à totalidade dos pontos fixados para a mesma diligência de prova. De resto, anote-se o objecto da perícia foi-o com referência aos factos que os AA mesmos alegavam, tendo sido eles quem caracterizou/elencou os aspectos e dimensão dos danos ou deteriorações que pretendiam demonstrar… Os esclarecimentos pedidos não se reconduzem à elucidação ou esclarecimento do objecto da perícia como fixado ou decidido, antes a uma outra realidade, não oportunamente alegada pelos AA, em sede própria, a qual, por isso mesmo, não se constituía como objecto de prova. Como afirma João de Castro Mendes, no seu Manual de PC, “ a prova pericial (…) é o meio de prova que consiste na transmissão ao juiz de informações de facto por uma entidade – perito (,…)- especialmente encarregada de as recolher. Ora, compulsado o relatório pericial junto aos autos, as informações de facto transmitidas são-no a totalidade das fixadas no objecto da prova, sendo que justificada a aquisição respectiva pela inspecção/visualização/análise e acrescida de fotografias elucidativas. Não se vê que mais pudesse o perito averiguar, a não ser “micro-problemas” que, em face da insubsistência dos danos graves, os Autores pretendiam justificar, sem expressão agora nos temas da prova. Nestas circunstâncias, não apenas à decisão implicitamente recorrida de indeferimento da reclamação contra o relatório pericial deduzida pelos Recorrentes não se mostram aplicáveis quer o princípio constitucional do direito à prova quer os critérios que supra se elencaram para aferir da relevância/pertinência dos meios de prova, devendo tal decisão reger-se apenas de acordo com os fundamentos legalmente previstos para a reclamação (consagrados no referido art. 485º/2 e que supra se discriminaram), como improcedem todas as razões formuladas na pretensão recursória nesta questão e sempre inadmissíveis os pretendidos “esclarecimentos”, ora por extravasarem o objecto fixado, ora por inexistir a aventada falta de fundamentação. Sempre nenhum dos fundamentos aventado na reclamação aprecianda, como bem assim nenhum segmento das conclusões ou das alegações de recurso), coloca minimamente em causa (“atacando”, “contraditando”), de forma concreta, qualquer das razões consignadas na decisão recorrida para fundamentar o indeferimento da reclamação (ou seja, em bom rigor, em sede de recurso, nenhum argumento cabal é invocado para colocar em causa a fundamentação em que o Tribunal a quo alicerçou o indeferimento). Com efeito, na primeira decisão recorrida invocou-se que o relatório “respondeu a todas as questões colocadas”. Em sede de recurso (como, aliás, também sucedeu na própria reclamação deduzida), os requerentes não identificam uma única questão e/ou um único facto sobre os quais o perito não se tenha pronunciado. Reportam-se já a outras realidades, menos graves e sempre não oportunamente alegadas e a uma insubsistente falta de fundamentação das respostas, quando o relatório pericial as aduz de forma clara e suficiente. De novo, em sede de recurso, os Recorrentes não produzem uma única alegação e/ou conclusão no sentido de demonstrar qual seria (ou poderia ser) a relevância de tais esclarecimentos. É que a prova pericial serve a demonstração de factos que constem dos autos e não de outros… As perícias, como todas as demais provas, não servem nos processos que não seja para provar factos - tanto que estão todas a eles associadas (art. 513.º do CPC). Pelo que se terá sempre de considerar impertinente a prova pericial que aponte à demonstração de factos que, de uma maneira ou de outra, não constem da controvérsia do processo, pois seriam pura e simplesmente inúteis para dirimir tal controvérsia e, portanto, não úteis à boa decisão da causa (Ac. RG. de 8.1.2013, Proc. 4042/08.0TRBC1.-A.G1.dgsi.Net). Deste modo, se nenhuma das conclusões formuladas na pretensão recursória (tal como nenhuma das alegações produzidas) traduz uma impugnação, efectiva e concreta, das razões consignadas na decisão recorrida para alicerçar o indeferimento da reclamação, temos que concluir que os Recorrentes não logram convencer da insubsistência da decisão de indeferimento dos esclarecimentos. É que, finalmente, sequer alegado que o perito não se pronunciou sobre todas as questões que integram o objecto da perícia, e/ou de que não se consegue alcançar o sentido das observações, fundamentos e conclusões insertas no relatório, e/ou de que o relatório contêm afirmações incompatíveis, e/ou de que não foram indicadas razões que sustentam as conclusões periciais. Assim sendo, porque não se verifica qualquer dos fundamentos legalmente previstos no art. 485º do C.P.Civil para a formulação da reclamação contra o relatório pericial, então inexistia e inexiste motivo legal para deferir a reclamação deduzida pelos recorrentes. Consequentemente e sem necessidade de outras considerações, perante tudo o que supra se expôs e concluiu, a resposta à presente questão, que no âmbito do recurso incumbe a este Tribunal ad quem apreciar, é necessariamente no sentido de que não deve ser admitida a reclamação deduzida pelos Recorrentes, e, por via disso, o recurso terá que improceder quanto à primeira decisão recorrida e, nessa medida, improcedente também o vício da nulidade subsequente ou consequente da sentença, como subjacente ao recurso. É que, por outro lado, porquanto não se trata de prova positiva ou legal, cujo juízo se presumiria subtraído à livre apreciação do julgador, nos termos do disposto pelo artigo 389º, e até por contraposição ao estatuído pelos artigos 371º, nº 1 e 376º, nº 1, que se referem à prova documental, e 358º, que se reporta à confissão, todos do CC, onde vigora o sistema da prova legal; o valor da prova pericial civil, contrariamente ao que acontece com a prova pericial penal não vincula o critério do julgador, que a pode rejeitar, independentemente de sobre ela fazer incidir uma crítica material da mesma natureza. Considerando, porém, a necessidade de evitar que o princípio da livre apreciação da prova não resvale em arbitrariedade, a lei exige que a prova pericial seja apreciada pelo Juiz, segundo a sua experiência, prudência e bom senso, mas com inteira liberdade, sem se encontrar vinculado ou adstrito a quaisquer regras, medidas ou critérios legais. Ao contrário do que acontecia com a versão do Código de Processo Civil de 1961, em que o respetivo artigo 578º, embora já consagrando o princípio da livre apreciação da prova pericial, obrigava o julgador a fundamentar a sua conclusão, sempre que se afastasse do parecer dos peritos, o Tribunal pode agora afastar-se, livremente, deste parecer, quer porque tenha partido de factos diferentes dos que aceitou o perito, quer porque discorde das suas conclusões ou do raciocínio lógico em que se apoia, quer porque, finalmente, os demais elementos úteis de prova existentes nos autos invalidem, na sua ótica, o laudo dos peritos. Em suma, a convicção do julgador sobre os factos forma-se, livremente, com base nos elementos de prova, globalmente, considerados, sem vinculação estrita às conclusões dos exames periciais, se houver elementos de prova que contrariem a factualidade sobre que assentaram tais exames. De todo o modo, ponto era que o Recurso dos AA se tivesse reconduzido à existência de outros meios de prova e, assim, ao erro de julgamento decorrente do recurso, sobretudo, ao relatório pericial… E, obedecendo às exigências legais de um recurso em matéria de facto com estes contornos: indicação dos factos incorrectamente havidos como provados e não provados, sentido da decisão e elementos probatórios produzidos nos autos que imporiam decisão diversa… Foi o que não fizeram os Recorrentes, com o que cabe negar provimento à respectiva apelação, mantendo-se incólume a matéria de facto adquirida e indemonstrada na decisão recorrida. * É agora com base nela que caberá apreciar o recurso interposto pelo Réu recorrente, com um duplo conteúdo, como se adiantou: a) Da verificação dos pressupostos da condenação dos AA como litigantes de má fé; b) Da suficiência dos factos adquiridos no processo para caracterizar o dano indemnizável e, subsidiariamente, da liquidação em excesso deste.
São os seguintes os factos provados: 1) Os autores foram donos e legítimos proprietários da fração autónoma designada pela letra Z, composta de T1, no ... andar, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ...40..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...86. 2) Por documento escrito, datado de 29 de agosto de 2012, os autores deram de arrendamento ao réu CC o imóvel referido em 1), para habitação, pelo prazo de cinco anos, com início a 01/09/2012, prorrogável por períodos de três anos, mediante o pagamento de uma renda mensal de 375€, tudo conforme termos do documento 4 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido. 3) Consta do contrato de arrendamento que na data da sua assinatura, o réu CC entrega aos autores a quantia de 750€ para pagamento das rendas correspondentes a setembro e outubro de 2012 e ainda a quantia de 375€ como caução, quantia que será devolvida no final do contrato desde que o imóvel seja entregue conforme se encontra. 4) Os autores não devolveram ao réu CC esta quantia entregue a título de caução. 5) O réu DD subscreve o documento referido em 2) como fiador, dizendo que se responsabiliza por todas as obrigações assumidas pelo réu CC neste contrato e suas renovações. 6) Em 25/11/2019, os autores procederam a uma notificação judicial avulsa ao réu CC comunicando da não renovação do contrato de arrendamento. 7) O imóvel referido em 1) foi devolvido aos autores em 29 de setembro de 2020. 8) Relativamente aos últimos três meses de ocupação do locado pelo réu CC, de Julho, agosto e setembro de 2020, foi paga à autora uma renda. 9) Quando o imóvel foi devolvido aos autores, fruto da utilização do réu CC ou permitida por este: a) algumas dobradiças nos móveis da cozinha necessitavam de afinação e a porta de madeira do frigorifico apresentava as dobradiças oxidadas por ser zona húmida b) a borracha da porta do congelador do frigorífico estava ligeiramente enegrecida com fungos e tinha o puxador partido, o que se devia a mau uso, e o seu aspeto não era limpo. c) as portas duplas de correr na sala (fachada principal) e no quarto (fachada posterior) abriam e fechavam completamente, Contudo, corriam deficientemente por ser necessário substituir os rodízios/rolamentos que suportam a porta e simultaneamente a fazem deslizar no perfil da soleira. d) junto à porta de entrada, existe um interruptor duplo sem espelho. e) quando se abre a água da torneira da banca, a água verte no sifão garrafa da banca por deficiente vedação deste acessório. 10) Os problemas referidos em 9), a), c) e e) têm origem num uso normal do imóvel, o que não sucede com os problemas referidos em 9), b) e d). 11) Depois da saída do réu CC, os autores venderam o imóvel a EE. E não provados: 12) relativamente aos últimos três meses de ocupação do locado pelo réu CC, de Julho, agosto e setembro de 2020, para além da caução, foram pagas duas rendas. 13) Quando o imóvel foi devolvido aos autores, fruto da utilização do réu CC ou permitida por este: a) A madeira do chão do imóvel não tinha verniz. b) Os armários tinham fendas nas portas, puxadores arrancados e a madeira em zonas de cor. c) sem prejuízo do referido em 9)-a), faltavam dobradiças nalgumas portas, noutras estavam partidas ou dobradas. d) sem prejuízo do referido em 9)-b), o frigorífico tinha as borrachas rasgadas e podres com sujidade de vários anos e o seu interior tinhas as prateleiras partidas ou rachadas. e) Os bicos do fogão estavam entupidos e os manípulos do forno encontravam-se presos, tornando impossível a sua utilização. f) Alguns vidros das janelas encontravam-se rachados e tinham as borrachas secas ou não existindo. g) sem prejuízo do referido em 9)-c), as janelas não fechavam completamente. h) As torneiras não vedavam convenientemente a saída de águas, apresentando marcas e desgaste absolutamente inadequado para um uso normal das mesmas. i) sem prejuízo do referido em 9)-d), os interruptores e as tomadas estavam partidos e/ou arrancados da parede. j) As portas não tinham puxadores ou estavam partidos, mostrando marcas de pontapés ou de choque com objetos. l) A mobília da cozinha tinha com marcas de apodrecimento, com as portas e gavetas sem fecharem corretamente e com as dobradiças partidas ou mal instaladas. m) sem prejuízo do referido em 9)-e), no lava loiça a água escorria para dentro do móvel. 14) Esta situação incomodou e afligiu os autores, que tiveram muita dificuldade em vender o imóvel 15) Para reparação dos danos acima reportados será necessário despender 13.500€. 16) O valor de venda do imóvel a EE foi reduzido por força dos danos existentes no seu interior. 17) Os autores notificaram o réu DD para proceder ao pagamento das rendas em atraso e do valor dos danos que alegam existir no imóvel nos termos e para os efeitos do artigo 1041.º, 5, do Código Civil. A convicção que resulta desta audiência de julgamento é que nenhuma das partes litiga de má fé, assim igualmente os autores. Note-se que da instrução da causa não se provou sequer que o réu tenha pago todas as rendas, pois que discutindo-se três, não se provou o pagamento de uma delas (que deveria ser paga por transferência bancária), razão pela qual não se pode acompanhar a segurança manifestada pelo réu de que os autores sabiam que estavam todas as rendas pagas. Por outro lado, estando igualmente em causa um pedido de indemnização por danos no imóvel locado, conforme atestavam os autores que existiam, da sentença proferida resultou a condenação do réu no pagamento de 215€ por tais factos, para cuja prova da existência o tribunal se apoiou numa perícia, valor que sendo bastante inferior ao que era peticionado, dele não deixa de resultar que sempre existiam. Deste modo, também quanto a este segundo pedido, não é exatamente correto o alegado pelo réu quanto à falta de fundamento dos factos alegados pelos autores. Por fim, da circunstância dos autores apenas terem demandado o réu para pagar os valores que diziam estar em dívida um ano após a cessação do contrato de arredamento, nada de especial resulta para estes efeitos, sabendo que o tempo poderá ter essencialmente importância para conhecimento de eventual prescrição. Pelo exposto, improcede o pedido de condenação dos autores como litigantes de má fé, desse pedido sendo absolvidos”. Como é sabido, de harmonia com o disposto no art. 542º, do CPC diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. d) tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. Distinguem-se claramente, na formulação legal, a má fé substancial - que se verifica quando a atuação da parte se reconduz às práticas aludidas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 542º - e a má fé instrumental (al. c) e d) do mesmo artigo). Contudo, em qualquer dessas situações nos encontramos perante uma intenção maliciosa ou uma negligência de tal modo grave ou grosseira que, aproximando-a da atuação dolosa, justifica um elevado grau de reprovação e idêntica reação punitiva. Cf. ac. STJ de 23.9.2003, proc. 03B1736, disponível em JusNet 4669/2003 e ECLI: PT: STJ:2003: 03B1736.B6. A sanção para tal conduta está prevista no nº 1 – multa e indemnização à parte contrária (a determinar de acordo com o disposto no artigo 457º do mesmo Código), se esta a pedir. Pela lei processual actual (em vigor desde 1/1/97 – art. 16º do DL 329-A/95, na redacção do DL 180/96, de 29/5), a má fé processual não exige que a parte actue com dolo, basta que acura com negligência grave ou grosseira. Este novo regime ampliou substancialmente o dever de boa fé das partes no processo, ao alegar o tipo de comportamentos que podem ser objecto daquela censura. A sanção por má fé pode ser imposta à parte que actue dolosamente como aquela que se comporta com negligência grave ou grosseira, desrespeitando, desse modo os seus deveres processuais de verdade, lealdade e cooperação. Na sua actuação no processo estão as partes vinculadas aos deveres de probidade e cooperação, agir de boa fé e cooperar para se obter, com brevidade e eficácia a justa composição do litígio (arts. 266º e 266º-A do C.P.C.). Se a parte, com propósito malicioso pretende convencer o tribunal de um facto ou pretensão que sabe não ser legítima, distorcendo ou omitindo a verdade dos factos, fizer do processo um uso reprovável ou deduz oposição cuja falta de fundamento não pode ignorar, actua de má fé e, por essa razão, pode e deve ser sancionada em multa e indemnização à parte contrária, no caso desta a pedir. Actua com má fé (material) a parte que, com dolo ou negligência grave, para convencer o tribunal de um facto ou pretensão que sabe ilegítima, distorce ou deturpa a realidade de si conhecida ou omite factos relevantes, também por si conhecidos, para a decisão (violando conscientemente o dever de verdade) bem como a que deduz oposição cuja falta de fundamento não pode ignorar ou fizer do processo uso reprovável (má fé instrumental), entorpecendo a acção da justiça. A sanção adequa-se àquele que, conscientemente, litiga de modo desconforme ao respeito devido ao tribunal, cujo fim é a busca da verdade e a realização da justiça, e, de igual modo, ao seu antagonista no processo. Uma tal conduta viola aqueles deveres de probidade e cooperação e representa não apenas uma falta de respeito devido ao tribunal, na busca da verdade e realização da justiça, mas também à parte contrária. Mas a sanção por litigância de má fé pede que a parte que tal conduta adopta actue com dolo ou negligência grave, o que não sucederá, normalmente, com a lide simplesmente temerária ou ousada ou assente em erro, mesmo que grosseiro, com a dedução de pretensão ou oposição que vieram a decair por mera fragilidade da prova e de não se convencer o tribunal da realidade trazida a julgamento ou resultar da discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos. A simples proposição de uma acção ou contestação, embora sem fundamento, pode não constituir uma actuação dolosa ou mesmo gravemente negligente da parte. A incerteza da lei, a dificuldade em apurar os factos e os interpretar, podem levar as consciências honestas a afirmar um direito que não possuem e a impugnar uma obrigação que devem cumprir. O que releva é que as circunstâncias devam levar o tribunal a concluir que a parte apresentou pretensão ou fez oposição conscientemente infundada (em Alberto dos Reis, C.P.C. Anotado, II, 263). Se na vigência da lei processual, anterior à redacção do DL 329-A/95, subjacente ao disposto no artigo 456º do CPC, existia uma intenção maliciosa, ou má fé em sentido psicológico, e não apenas um a leviandade ou imprudência (má fé em sentido ético), a lei actual apenas exige que exista negligência grave ou grosseira para censurar a parte, quando esta actua com a falta de precaução pela mais elementar prudência que deve ser observada nos usos correntes da vida. Mas só quando o processo fornece elementos seguros da conduta dolosa ou gravemente negligente deverá a parte ser censurada como litigante de má fé, o que pede prudência ao julgador, sabendo-se que a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro (a verdade absoluta só está ao alcance da divindade e a humana corre o risco da contingência e relatividade) mas também porque assente em provas, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico (cfr. Ac. STJ, de 11.12.2003, no proc. 03B3893, em www.dgsi.pt). Não basta que a parte não veja acolhida a sua pretensão ou a sua versão dos factos. Pode defender convicta, séria e lealmente uma posição sem dela convencer o tribunal. As circunstâncias do caso hão-de permitir se conclua que a parte apresentou pretensão ou fez oposição conscientemente infundadas, estar-se perante uma situação em que não deva deixar dúvida razoável sobre a conduta dolosa ou gravemente negligente da parte. Por não se provar determinado facto ou factos, não poderá concluir-se pelo facto contrário (em sede de censura à parte por má fé). Nem será por a parte não provar a veracidade de determinada afirmação que pode concluir-se, só por essa situação negativa, pela falsidade ou desconformidade do alegado com a verdade. Significa apenas que não logrou convencer o tribunal dessa posição. A falta de razão não significa sempre má fé, a não ser que a parte dela tenha consciência e, apesar disso, formule pretensão ou deduza oposição em juízo. Por outras palavras: A conduta do agente deve apresentar-se como contrária a um padrão de conformidade da acção pessoal do sujeito processual com o dever de agir de acordo com a juridicidade e a lei. "A má fé processual (...) é toda a atividade desonesta, cavilosa, proteladora (para cansar o adversário) unilateral ou bilateral, verificada no exercício do direito de acção, quando desenvolvida com a intenção de prejudicar outrem, quer ela respeite ao mérito da causa (lide caluniosa, fraudulenta, etc.) quer às medidas instrumentais, desde que seja ilícita, isto é violadora das normais gerais e especificas da conduta processual, tendentes a criar as condições favoráveis a uma boa e justa decisão do pleito"[2]. Como se anotou no Ac. do STJ de 13.3.2008, acessível na base de dados da dgsi, a condenação como litigante de má fé assenta, pois, num juízo de censura sobre um comportamento que se revela desconforme com um processo justo e leal, que constitui uma emanação do princípio do Estado de direito. Feitas estas breves considerações, no caso em apreciação, muito embora perigosamente próxima, não se tem a conduta dos AA como violadora dos mais elementares deveres de cooperação e de boa-fé que devem pautar a atuação das partes. Certo que negaram o recebimento de quantias demonstradamente transferidas e trouxeram a juízo uma caracterização exageradíssima dos danos no imóvel, quando apenas resultou provado um dano de reduzida importância económica… E não se trata apenas da falta de prova dos factos em que se estribava a pretensão, sabido que é que da mera falta de prova de um facto se não infere a demonstração do seu contrário… Provou-se o contrário mesmo do que os AA alegavam. Assim, o pagamento parcial e a inexistência dos danos alegados/invocados… De todo o modo, quando se considere o facto de o pagamento o ser por transferência bancária e a significação subjectiva de danos, ainda quando fruto de um uso prudente, num imóvel cuja venda se intende, não se tem por caracterizada se não a negligência leve, que não se afigura dever ser sancionada. Com efeito, não se evidencia a alegação de factos dolosamente inventados, mas a descrição exorbitante ou hiperbólica de situações de deterioração “normal” do imóvel que uma particular sensibilidade pode justificar. Termos em que não se antevêm razões para alterar a decisão e julgar procedente a condenação por litigância de má fé. * Não assiste, por último, razão ao Recorrente Réu, quando sustenta a falta de prova do dano indemnizável ou a liquidação excessiva deste. Na verdade, manifesto que se provou o dano, ainda quando não o valor respectivo. Nessas situações, não há lugar à absolvição do pedido, antes se perfilando duas hipóteses possíveis, a da liquidação ulterior do dano ou a da fixação equitativa deste. Como lapidarmente se observou no Ac. do STJ de 15.02.2023, Processo nº 10376/18.8T8SNT.L1.S1, acessível em//diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao/10376-2023- 209232275, sabendo-se que há/houve dano, não pode, por não estar provado o seu exato “quantum”, negar-se a indemnização (só quando a existência dos danos é ainda uma incógnita, hipótese em que falta um dos elementos constitutivos do direito indemnizatório, é que não pode haver condenação). Havendo danos, mas não estando provado o seu exato “quantum”, a solução passa ou pela fixação da indemnização com recurso à equidade (cfr. art. 566.º/3 do C. Civil) ou pela prolação duma condenação genérica, tendo em vista a sua posterior liquidação (em incidente de liquidação, previsto no art. 358.º/2 do CPC, previsão esta em linha com o disposto no art. 609.º/2 do CPC). Quando ainda possam ser trazidos elementos e contributos factuais que irão permitir ajustar o mais possível a fixação da indemnização à realidade, é preferível optar/relegar a fixação da indemnização para incidente de liquidação. Na situação decidenda, não se vislumbra que outros elementos e contributos factuais seriam ainda de ponderar. Na verdade, o apuramento pela sentença recorrida mostra-se conforme aos dados da experiência comum e aos elementos recolhidos nos termos espelhados na sentença. Na verdade, a vetustez do frigorífico torna mais caro e não mais barato o custo da respectiva reparação/reintegração, sendo que, estando em causa a realização de pequenos trabalhos a exigir a deslocação de mão de obra ao local, esta apenas avulta num valor a acrescer ao do estritamente necessário a proceder à reparação. Em suma, equitativa a fixação.
III. Termos em que se decide serem de manter as decisões recorridas, negando-se provimento aos recursos principal, ampliado e subsidiário deduzidos. Custas de cada um dos recursos pelos Recorrentes respectivos. Notifique.
Porto, 20 de Junho de 2024 Isabel Peixoto Pereira António Paulo Vasconcelos Ana Vieira _______________ [1] Assim é que apenas há que atender ao alargamento, mantendo-se, no mais, o recurso já interposto. [2] Cf. Cecília Silva Ribeiro, do dolo geral e do dolo instrumental em especial no processo civil; ROA, ano 9, págs.83-113, citada por Paula Costa Ribeiro, in A Litigância de Má Fé, Coimbra Editora, 2008, pág. 389. |