Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | TERESA FONSECA | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE DE ADVOGADO NÃO PROPOSITURA DE AÇÃO PERDA DE CHANCE | ||
Nº do Documento: | RP202410217391/21.8T8PRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 10/21/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGAÇÃO PARCIAL | ||
Indicações Eventuais: | 5. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - A não propositura de ação pelo mandatário incumbido de o fazer e o deixar caducar documento único de cobrança constituem práticas negligentes do advogado. II - O advogado só incorre no dever de indemnizar o cliente pela perda de chance deste de ver a sua tese apreciada na ação se se determinar, de forma consistente e séria, a probabilidade de o demandado, a ter a ação sido proposta, vir a ser condenado naqueloutra ação. III - Provando-se apenas que a A. se feriu na perna, tendo que ser suturada, por haver tropeçado em base de guarda-sol na esplanada de um café sem que o guarda-sol aí se encontrasse, falham os pressupostos da ilicitude e da censurabilidade conducentes à responsabilidade civil. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Proc. 7391/21.8T8PRT.P1 Sumário …………………………… …………………………… …………………………… Relatora: Teresa Maria Fonseca 1.ª adjunta: Anabela Morais 2.º adjunto: Miguel Morais Acordam no Tribunal da Relação do Porto I - Relatório AA intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra BB e “A..., SA.”. Pede que as RR. sejam solidariamente condenadas a pagar-lhe €25 273,95. Alega: - que incumbiu a R. de propor ação judicial, o que esta não fez; - que a ação se fundaria na circunstância de ter tropeçado na base de um guarda-sol colocada na esplanada de um café, destinando-se ao ressarcimento dos prejuízos que lhe foram causados. As RR. contestaram, pugnando pela improcedência da pretensão da A. e considerando a R. “A...” que o acidente invocado não se encontra coberto pelo seguro celebrado com a Ordem dos Advogados. Convidada a pronunciar-se sobre a matéria de exceção alegada pelas RR., a A. pugnou pela sua improcedência e requereu a intervenção principal provocada de “B... Company, SE, Sucursal em España”, o que foi admitido. A interveniente principal impugnou os factos alegados pela A. e concluiu pela improcedência do seu pedido. * Foi dispensada a realização da audiência prévia, enunciado o objeto do processo, foram elencados temas da prova e teve lugar julgamento, na sequência do qual a ação foi julgada totalmente improcedente.Inconformada, a A. interpôs o presente recurso, que rematou com as seguintes conclusões. 1. Vem a Autora interpor recurso da decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância, pelo qual o tribunal a quo determinou: a. a não devolução do valor pago a título de honorários à Ré BB, nem à devolução do valor do DUC correspondente à taxa de justiça inicial pago; b. que a ação judicial proposta pela Autora sempre estaria condenada ao insucesso, porquanto nada foi alegado, nem demonstrado, quanto à dinâmica do acidente e quanto à culpa da sociedade comercial que explora o café onde tal sinistro, entendendo que ação de responsabilidade civil extracontratual (ação relativa ao sinistro), sempre seria julgada improcedente; c. que a Autora conferiu poderes a novos advogados a 19.06.2020, pelo que a partir dessa data já saberia que a ação relativa ao sinistro ocorrido não tinha sido interposta pela Ré BB, e que poderia ter intentado tal ação judicial relativa ao sinistro, ocorrido a 22.10.2020, porquanto o direito de propor tal ação, naquela data, não se encontrava prescrito. 2. Considerou ainda o tribunal a quo como provado que a Autora teve conhecimento de que tal ação não tinha sido instaurada, pelo menos, após 20.06.2020, quando, tendo em consideração a prova junta aos autos, não é minimamente razoável que se possa concluir pela veracidade de tal facto. 3. Desde logo porque a motivação que é alegada na sentença proferida pelo tribunal a quo para a demonstração de tal facto como provado não sustenta tal alegação, razão pela qual se impunha decisão diferente: impunha-se, portanto, perante a análise crítica da prova em que o tribunal recorrido se alicerça, que o facto 22 fosse considerado como provado e o facto 12 considerado como não provado. 4. Ou seja, deverá considerar-se como provado que a Autora apenas teve certeza de que tal ação não havia sido intentada em dezembro, tendo constituído novo mandatário após esta data (cf. procuração forense junta nos presentes autos), e deverá, consequentemente, ser considerado como não provado que a Autora tenha tido conhecimento a partir de 20.06.2020. 5. Por outro lado, deveria o tribunal a quo ter considerado como provados os factos alegados nos articulados 58.º, 60.º, 64.º, 66.ºe 69.º al. b), c), d) da petição inicial, uma vez que foi produzida prova dos mesmos. 6. Desde logo, tendo considerado o tribunal a quo como provado que “Autora tropeçou numa base de guarda-sol, que se encontrava no meio da esplanada do Café C..., entre as mesas ali predispostas para os cliente”, e que a Autora “tropeçou na base de um guarda-sol que se encontrava na esplanada do Café C..., a qual estava sem guarda-sol e com um ferro vertical, acabando por cair sobre esse ferro”, deveria também ter considerado que o facto de existir uma base guarda-sol, com um ferro vertical de 20 cm, consubstanciava uma situação de perigo iminente para as pessoas que ali se encontravam em face da ausência de qualquer sinalização. 7. Analisada a prova documental e o videograma junto aos autos, deveria também ter considerado como provado, com base nas regras de experiência e de lógica que a Autora sofreu “perda de substância cutânea na extremidade distal, que originou uma ferida profunda com extensão superior a 15 centímetros de comprimento e cerca de 2 centímetros de profundidade, ferida essa que teve de ser suturada.” 8. Assim como deveria ter considerado, atendendo à prova documental junta, que a Autora realizou uma cirurgia plástica e inúmeros tratamentos estéticos a fim de disfarçar a cicatriz ocasionada pelo acidente, cirurgia e tratamentos esses que ascenderam a quantia de € 1.732,95. 9. Por fim, mais uma vez, atendendo à prova documental junta, o tribunal a quo ter considerado os danos alegados: que a Autora sofreu um período de incapacidade, sofreu determinado quantum doloris, ficou a padecer de dano estético, recorreu a determinados procedimentos médicos e que sofreu danos morais. 10. Deveria, ainda, o tribunal a quo ter condenado a Ré BB à devolução dos montantes pagos a título de honorários e ao montante do DUC pago para que a ação fosse intentada, uma vez que considerou, de forma clara, que a Autora “em 30/6/2016, mandatou a ré para propor uma ação de responsabilidade civil extracontratual contra o café (leia-se donos da sociedade que explora o café, enquanto estabelecimento comercial, e/ou a sua seguradora) na sequência de uma queda sofrida na sua esplanada no dia 22/10/2015” e que “ré não propôs a ação para a qual foi mandatada pese embora tenha recebido uma provisão para honorários e tenha tido na sua posse o DUC correspondente à taxa de justiça inicial devidamente liquidado. Por isso, não temos dúvidas que ré incumpriu o acordo de mandato forense para o qual foi contratada e que mal andou a ré ao não diligenciar pela propositura da ação para a qual tinha sido mandatada, deixando, inclusivamente que o DUC perdesse a validade, que se tornasse impossível reaver o seu valor junto do IGFPJ (cfr. art.º 14.º, n.ºs 7 e 8 do Regulamento das Custas Processuais)”. 11. Entendeu o tribunal a quo que, apesar da responsabilidade da Ré BB, “a pretensão indemnizatória da autora situa-se naquilo que se tem denominado por perda de chance”, o que não se concebe. 12. A Autora autonomizou, em sede de petição inicial, aquilo que foram os danos sofridos e cuja pretensão indemnizatória se alicerça no regime da “perda de chance” (articulado 69.º da petição inicial), assim como autonomizou aqueles que foram os prejuízos sofridos cuja pretensão indemnizatória se alicerça no regime da responsabilidade civil (capítulo b) e articulado 70.º a 72.º da petição inicial). 13. Ainda que se considerasse que o pedido formulado pela Autora não se encontrava autonomizado, o tribunal a quo deveria ter convidado a Autora ao aperfeiçoamento, e a omissão desse despacho, sendo uma nulidade processual, influiu no exame e decisão da causa, o que acarreta a declaração a nulidade da decisão recorrida, nos termos do art. 195º nº 1 e nº 2 do CPC. 14. Entendeu também o tribunal a quo que “(...) a pretensão indemnizatória da autora situa-se naquilo que se tem denominado por perda de chance. Ou seja, se em consequência da omissão da ré a mesma deixou de receber, no caso, as quantias pecuniárias a que teria direito se a ação em causa tivesse chegado a ser proposta. O mesmo é dizer que, a questão que se coloca é saber se esta atuação da ré é determinante, causal, dos prejuízos que a autora afirma ter sofrido. Ora, aqui a resposta terá de ser, necessariamente, negativa, pois que, ainda, que a ré tivesse proposto a ação e a mesma só tivesse por base os factos alegados nesta ação respeitantes à dinâmica do acidente (...) a mesma sempre seria julgada improcedente, pois que nada foi alegado, nem demonstrado, quanto à existência de um facto ilícito (dinâmica do acidente) e culposo imputável ao café ou à sociedade que o explora que permitisse concluir pela sua responsabilidade na eclosão da queda sofrida pela autora e consequentes lesões e danos, pelo que a ação de responsabilidade civil extracontratual sempre seria julgada improcedente. E improcedendo a ação de responsabilidade civil improcede a pretensão indemnizatória da autora no âmbito da responsabilidade civil contratual, forense, formulada contra as rés.” 15. Sucede que o tribunal a quo procedeu, neste particular, a uma incorreta aplicação do direito. 16. Para apreciar a figura da “perda de chance” o tribunal a quo deveria ter apreciado a conduta da Ré BB, não a ligando ao nexo de causalidade. 17. Por outro lado, é inegável que a Autora alegou (em sede de petição inicial) e provou (em sede de audiência de julgamento) a ocorrência do sinistro em causa e dinâmica do mesmo, note-se, aliás, que tribunal a quo considerou a ocorrência do mesmo como facto provado (factos provados n.º 8, 9, 10 e 11). 18. Cumpria, ainda, ao tribunal a quo, apreciar se poderia ser imputada a culpa da ocorrência do sinistro à sociedade comercial que explora o café onde o mesmo ocorreu. 19. A aferição de tal culpa, resulta da aplicação da legislação em vigor que estabelece os deveres de proteção e segurança a que qualquer estabelecimento comercial está vinculado. 20. Encontrava-se demonstrado que se verificavam todos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual da sociedade comercial que explora o café onde ocorreu o sinistro, pelo que se encontra demostrada a probabilidade séria e real de, não fosse a omissão da Ré, de a Autora obter o ressarcimento de danos sofridos. 21. Razão pela qual deverá a sentença ser substituída por outra que condene as Rés ao pagamento da quantia indemnizatória peticionada ou a outra que venha a ser fixada segundo os critérios de equidade fixados pelo Tribunal da Relação. 22. Por último, entendeu o tribunal a quo que “Em abstrato a queda sofrida pela autora pode preencher a tipificação legal do crime de ofensa à integridade física negligente previsto no art.º 148.º do Código Penal. Assim, o, eventual, direito de indemnização da autora prescrevia no prazo de 5 anos, ou seja, em 22/10/2020, sendo que tendo em consideração as suspensões dos prazos, entre outros, de prescrição impostas pela Lei n.º 1-A/2020, de 19/3 e suas sucessivas redações, o prazo de prescrição apenas terminava a 18/1/2021.Ora, com o email recebido pela ré em 19/6/2020 é seguro afirmar-se que esta não poderia a partir desse momento propor a ação que ainda não havia proposto, tendo o mandato que lhe havia sido conferido pela autora cessado (e não se argumente com a ausência de elaboração de substabelecimento porquanto estando proposta a ação a substituição de mandatário não tem de passar, necessariamente, pela apresentação de um substabelecimento). Também a partir dessa data e ante a inércia da ré, à autora ou aos seus novos advogados era facilmente acessível a informação sobre a pendência ou não da ação que deveria ter sido proposta pela ré, bastando uma mera deslocação ao Balcão+ do Tribunal Judicial da comarca do Porto. Tudo isto para afirmarmos que a autora quando decide revogar o mandato forense conferido à ré ainda estava em prazo para propor a ação de responsabilidade civil extracontratual, não o tendo o feito, mas agora por razões que não podem ser imputadas à ré.” 23. Também quanto a este ponto, a sentença de que recorre, se encontra ferida de erro de raciocínio: desde logo porque não possível aplicar o prazo de 5 anos. 24. O sinistro correu no estabelecimento comercial “C...”, estabelecimento este detido pela sociedade comercial com nome de firma “D..., Lda.”, não sendo possível aplicar responsabilidade criminal pela prática criminal que o tribunal a quo alude (ofensa à integridade física negligente) às sociedades comerciais/pessoas coletivas, cf. artigo 11.º do Código Penal, não será possível, consequentemente, aproveitar de tal extensão de prazo. 25. Por outro lado, dependendo tal ilícito criminal da existência de queixa, cf. artigo 148.º n.º 4 do Código Penal, e não tendo a Autora apresentado queixa no prazo de 6 (seis) meses, não poderia também, por esta razão, aproveitar de prazo de prescrição superior a 3 anos. 26. Assim, deverá a sentença recorrida ser substituída por outra que declare que a Ré BB, para além de não ter interposto a referida ação judicial, deixou o direito da Autora prescrever. 27. Ademais, e em consequência do mencionado no ponto 1 a 4 das presentes conclusões, considerando-se como provado o facto 22 e como não provado o facto 12, ou seja, considerando-se como provado que a Autora apenas teve conhecimento/certeza de que tal ação não havia sido intentada em dezembro, deverá o tribunal considerar que, mesmo após o recebimento do email enviado pela Sra. Advogada CC à Ré BB, impendia sobre o valor de apresentação da ação judicial em causa. 28. Isto porque, em boa verdade, a Ré BB apenas recebeu uma mensagem de correio eletrónico de uma Colega, Sra. Advogada CC, pelo qual lhe solicitou que lhe fosse substabelecido o processo em causa (no pressuposto de que o mesmo existia), não tendo a Ré informado, em momento algum, que a ação judicial em causa não existia. 29. Mais, ainda que seja defensável que não exigível a existência de um substabelecimento ou declaração formal de revogação, o que não se concebe, é sempre necessário que haja um ato de revogação do mandato por parte da mandante, aqui Autora, o que não se verificou in casu, 30. Pelo qu não se poderá entender que a partir do momento em que recebeu tal email, remetido por uma Colega, não poderia intentar a referida ação (isto, na mera hipótese de se equacionar a aplicação do prazo de prescrição de 5 anos, o que não se aceita, pois na verdade, a ação já havia prescrito há 2 anos). 31. Em face do exposto, deverá a sentença recorrida, neste particular, ser revogada e substituída por outra que determine que, mesmo que se entendesse pela aplicação do prazo de prescrição de 5 anos, a Ré BB seria responsável por deixar prescrever, também, esse prazo. Nestes termos, e nos que Vossas Excelências doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente. Assim farão V. Exas., como sempre, verdadeira e sã JUSTIÇA. * A R. BB contra-alegou, concluindo como em seguida se transcreve.1 - A Autora intentou a presente ação declarativa de condenação, fundamentando a sua pretensão no não exercício adequado dos deveres que impendiam sobre a 1.ª Ré, enquanto sua mandatária, porquanto não interpôs ação judicial contra a sociedade responsável pela exploração do estabelecimento comercial no qual ocorreu o sinistro de que foi vítima, a 22.10.2015, alegando que com tal omissão, prescreveu o direito de a Autora propor a mencionada ação judicial, o que lhe acarretou prejuízos, delimitando desta forma a causa de pedir. 2 - A pretensão da Autora assenta no denominado dano de perda de chance, porquanto, a alegada omissão dos atos contratuais (intentar ação de responsabilidade civil decorrente de sinistro) para a qual havia contratado a 1.ª Ré lhe causaram prejuízos, e que, ao não o fazer tempestivamente, o seu direito havia prescrito. 3 - O Tribunal recorrido decidiu, orientado e limitado pelo pedido e pela causa de pedir alegada pela Autora na sua petição inicial, pela correta absolvição das Rés e da Interveniente Principal. I. DA MATÉRIA CONSIDERADA COMO PROVADA E COMO NÃO PROVADA E A INCORRETA APRECIAÇÃO DA MESMA 4 - A Autora coloca em causa o ponto 12 dos factos dados como provados na Sentença recorrida, do qual resulta: “12. A autora só teve a certeza que a ação referida em 2. e 7. não havia sido instaurada, pelo menos, após 20/6/2020, mas em data não concretamente apurada.”. 5 - Para tanto alega no ponto 11 das suas alegações de recurso que: “É por demais evidente, por um lado, que da mensagem e correio eletrónico (no qual motivou a demonstração do facto provado 12) resulta que a Sra. Advogada CC e, consequentemente, a Autora, a 19.06.2020, acreditavam, convictamente, que tal ação judicial existia – até porque solicita que a mesma lhe seja confiada!”. 6 - Esta alegação é falsa e é contraditória com o alegado pela Autora no articulado que deu origem à presente ação, onde a Autora alega no artigo 21.º que: “a Autora começou a duvidar que a ação judicial tenha sido apresentada a juízo.”. Na realidade a Autora não tinha dúvidas, nem acreditava convictamente que existia tal ação, pois tal nunca lhe foi comunicado pela 1.ª Ré. 7 - Da fundamentação e desenvolvimento do entendimento subjacente à decisão de dar como provado o ponto 12 dos factos provados na sentença recorrida suporta a decisão proferida que deverá ser mantida por V.Ex.ªs 8 - Tudo para concluir que, caso a Autora tivesse dúvidas, como alegou na sua petição inicial, ou caso tivesse uma crença absoluta na existência da ação, como alega agora em sede de recurso, bastaria a partir de 19 de Junho de 2020 proceder a uma consulta junto da secretaria central/balcão mais dos Juízos Cíveis da Comarca do Porto para as desfazer. 9 - E seguindo a normal postura diligente do Advogado médio, a nova mandatária da Autora assim o deve ter feito, não esperando até Dezembro de 2020, seis meses, como pretende fazer crer, para obter tal confirmação. 10 - Ao colocar em crise o ponto 12 dos factos provados na sentença, a Autora pretende que se considere como provado, no seu lugar, o artigo 22.º da sua petição inicial, do qual resulta: “Receio esse que se veio a verificar e a confirmar em dezembro de 2020.”., alegando, no ponto 13 da alegações de recurso, em alegação nova: “Em face do exposto, o tribunal a quo não poderia considerar como provado o facto 12 com base na motivação que apresenta e, ao invés, deveria ter considerado como provado que a Autora apenas teve conhecimento/certeza de que tal ação não havia sido intentada em dezembro (facto não provado 22), até porque, apenas a partir dessa data, constituiu efetivamente mandatário para intentar a presente ação (cf. procuração forense junta nos presentes autos).”. 11 - Ora, mais uma vez, esta alegação é falsa e é contraditória com o que resulta da procuração forense junta com a petição inicial que se encontra datada de 25 de Janeiro de 2021, confundindo a Autora neste segmento das suas alegações de recurso as figuras jurídicas do mandato e da procuração, sendo correto o entendimento sufragado pelo Tribunal recorrido e do qual resulta, necessariamente, que em data anterior a 19 de Junho de 2020 a Autora tinha já conferido mandato à Dr.ª CC. Até porque, como resulta da assentada do depoimento parte da Autora prestado na audiência de julgamento realizada a 17 de Novembro: “Mais declarou ter entendido que, em junho de 2020, aquando do envio do email da Dra. CC à ré que a sua relação de mandato forense estabelecida com aquela tinha terminado.”. 12 - Decisão que deverá ser mantida por V.Ex.ªs, declarando improcedentes os pontos 9 a 14 das alegações de recurso, e os pontos 2, 3 e 4 das conclusões de recurso apresentadas pela Autora. 13 - Decidiu o Tribunal recorrido no ponto 8 dos factos provados da Sentença, que: “No dia 22/10/2015, a autora tropeçou na base de um guarda sol que se encontrava na esplanada do Café C..., a qual estava sem guarda sol e com um ferro vertical, acabando por cair sobre esse ferro.”. 14 - No artigo 58.º da petição inicial a Autora alega: “O que consubstanciava uma situação de perigo iminente para as pessoas que ali se encontravam em face da ausência de qualquer sinalização,”. 15 - Sucede que a Autora, ao contrário do que lhe é imposto, não produziu qualquer prova relativamente ao alegado “perigo iminente”, nem quanto à “ausência de qualquer sinalização”. 16 - Não há legislação nem regras de experiência ou de lógica que substituam a prova que deve ser produzida e que, no caso, não o foi. Não pode da legislação e da lógica à mesma aplicada, dar o tribunal por provado o que, no caso, não o foi. E por este singelo motivo, não poderia o Tribunal recorrido dar como provado o facto alegado no artigo 58.º da petição inicial da Autora. 17 - Alega a Autora no artigo 60.º da petição inicial que: “Sofrendo um esfacelo da face anterior do terço médio da perna direita com perda de substância cutânea na extremidade distal, que originou uma ferida profunda com extensão superior a 15 centímetros de comprimento e cerca de 2 cêntimos de profundidade, ferida essa que teve de ser suturada – cfr. fotografias e vídeo, que se juntam como Docs. 4, 5 e 6 para os devidos e efeitos legais.”. Dos documentos 4, 5 e 6 juntos com a petição inicial nada resulta que prove ou demonstre o cumprimento ou a profundidade da ferida sofrida pela Autora. O mesmo se diga quanto ao alegado no artigo 64.º petição inicial, relativamente ao cumprimento e largura da cicatriz resultante da sutura. 18 - No artigo 66.º da petição inicial a Autora alega que: “Em face disso, a Autora realizou uma cirurgia plástica e inúmeros tratamentos estéticos a fim de disfarçar a cicatriz ocasionada pelo acidente, cirurgia e tratamentos esses que ascenderam a quantia de €1.732,95 – cfr. faturas, que se juntam como Doc. 7 para os devidos e efeitos legais.”. Sucede que o mencionado documento n.º 7, no qual a Autora funda o alegado no artigo 66.º da petição inicial, nada descreve quanto a tratamentos ou cirurgias de que a Autora tenha sido objeto, constituindo mero recibo de pagamento, podendo o valor constante do mencionado documento ser referente a qualquer tratamento prestado, atenta a falta de conteúdo descritivo do mesmo. 19 - Alegou a Autora no artigo 69.º da petição inicial que: “Assim, em matéria de danos não patrimoniais, considerando: a. o aludido período de incapacidade de cerca de três meses; b. o quantum doloris fixável em grau 5 numa escala de 7; c. o dano estético que nunca poderá ser fixado em menos de 6 numa escala de 7; d. as intervenções cirúrgicas, as consultas, os procedimentos estéticos realizados; e. e os danos morais causados em face da ansiedade, do medo, da angústia vivenciada, Afigura-se justa uma compensação no montante de € 22.500,00.”. 20 - A Autora não provou ter tido um período de incapacidade de 3 meses, antes pelo contrário, do que resulta da assentada do seu depoimento parte prestado na audiência de julgamento realizada a 17 de Novembro, a Autora: “Declarou, ainda, que não ficou impedida de trabalhar, mas fê-lo com uma maior dificuldade”. 21 - Quanto ao “quantum doloris”, o que a Autora declarou em depoimento de parte, prestado na audiência de julgamento realizada a 17 de Novembro, foi que: “..., que esteve 3 meses incapacitada parcialmente para o exercício do seu trabalho, funções de contabilidade na empresa que tem em conjunto com o marido embora diminutas...Declarou que durante os anos de 2018 e 2019 não sentiu qualquer diminuição funcional.”, e, Mais nenhuma prova tendo sido produzida quanto a esta matéria, o que foi declarado pela Autora não determina decisão diversa da proferida pelo Tribunal recorrido. 22 - O dano estético alegado na petição inicial foi afastado pela Autora no depoimento de parte, prestado na audiência de julgamento realizada a 17 de Novembro, donde consta: “Declarou a autora que, pese embora durante cerca de 2 anos tenha sentido vergonha/embaraço da cicatriz com que ficou na perna, tal não a levou a deixar de usar vestidos/saias ou calções.”. Se dano estético existiu o mesmo nunca foi indemnizável, atenta a demonstração pela Autora da sua falta de importância ou significado. Relativamente às intervenções cirúrgicas, às consultas, aos procedimentos estéticos realizados, como genericamente alegados pela Autora na petição inicial, a mesma não logrou fazer prova da sua ocorrência ou verificação. 23 - Também não demonstrou a Autora, quer por documentos quer por testemunhas, quer pelo seu depoimento que tenha sofrido danos morais causados pela ansiedade, pelo medo, ou que tenha vivenciado qualquer tipo angústia com o sucedido, em termos tais que determinassem o acolhimento do direito a ser indemnizada. 24 - Oblitera desta forma a Autora a obrigação do cumprimento das mais elementares regras processuais, de alegar factos e de os provar, recorrendo a inegabilidade argumentativa, mais no sentido de fatalidade, que de um sinistro decorrem danos... 25 - Termos em que, deverão por V.Ex.ªs ser declarados improcedentes os pontos 15 a 36 das alegações de recurso e os pontos 5 a 9 das conclusões de recurso apresentadas pela Autora. II. DO PEDIDO FORMULADO PELA AUTORA RELATIVAMENTE À DEVOLUÇÃO DO DUC E DOS HONORÁRIOS PAGOS À 1.ª RÉ 26 - Ao contrário do que alega a Autora no ponto 39 das suas alegações de recurso, o Tribunal recorrido não concluiu pela culpa e responsabilidade da 1.ª Ré, atenta a configuração da ação de perda de chance, como determinada pela petição inicial. 27 - O único pedido formulado pela Autora foi de: “NESTES TERMOS, e nos melhores de Direito aplicáveis que V. Exa. doutamente suprirá, deve a presente ser julgada procedente por provada e, consequência, ser as Rés solidariamente condenadas a pagar à Autora a quantia de € 25.273,95 (vinte e cinco mil duzentos e setenta e três euros e noventa e cinco cêntimos).” . 28 - O pedido formulado é de pagamento de uma quantia (ainda que resultante da soma de 3 alegações), fundado no instituto legal da perda de chance alegado pela Autora, não tendo formulados pedido subsidiários ou alternativos, apesar de existir autonomia de valores descritos em alegação/articulado, os mesmos não foram autonomizados nem levados ao pedido. 29 - Também não se pode considerar que existe um pedido implícito, aliás neste sentido veja-se o Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/09/2022, publicado e consultável www.dgsi.pt (V. Pedido implícito é aquele que, com base na natureza das coisas, está presente na ação, apesar de não ter sido formulado expressis verbis, ou seja, o pedido apresentado na petição pressupõe outro pedido que, por qualquer razão, o autor não exprimiu de forma nítida ou óbvia.”). Tal não é, claramente, o que sucede nos presentes autos. 30 - Alega a Autora no ponto 47 das alegações de recurso que: “À luz da reforma do Código de Processo Civil operada pela Lei 41/2013, de 26 de Junho e de acordo com o disposto no art.º 590.º n.ºs 2 e 3, desse diploma legal, é de seguir o entendimento que preconiza dever o juiz convidar o autor a aperfeiçoar a petição inicial em que se tenham deduzido pedidos que se possam confundir, mediante a escolha daquele que pretende seja apreciado na ação e a que título, ou a ordenação de ambos em relação de subsidiariedade.”. 31 - Mas na presente ação a Autora deduziu um só pedido, não há confusão possível na medida em que o mesmo é singular. 32 - Omite a Autora que, após a apresentação das contestações, foi proferido despacho pelo Tribunal recorrido a 10/10/2021 no qual foi permitido à Autora, “contestar” as contestações apresentadas, podendo concretizar o que em sede de petição inicial não fez e aperfeiçoando o que da mesma resultasse menos claro. 33 - O que a Autora pretende fazer nos pontos 45 a 53 das alegações de recurso é, de uma forma airosa, imputar ao tribunal a quo a omissão de atos processuais que na realidade se traduzem numa substituição do tribunal ao patrocínio judiciário, pretendendo a retificação do que alega, e tal não incumbe ao tribunal, uma vez que não só na sua narração integra estes valores na perda de chance, como depois o faz em sede de pedido 34 - Sendo o pedido de indemnização por dano decorrente da perda de chance autónomo, e assim tratado jurisprudencialmente, não se poderá pretender uma retificação dos factos e da narração pelo tribunal, quando a Autora concretizou os danos e os peticionou de acordo com a sua pretensão, assim cumprindo o princípio do dispositivo na sua plenitude, uma vez que está na disponibilidade das partes a alegação, o pedido, e o impulso probatório. 35 - Ao tribunal incumbe, desde 2013, convidar a aperfeiçoar/completar imprecisões, não corrigir as opções estratégicas das partes, guiadas pelos seus mandatários. 36 - Assim sendo, não tendo o tribunal a quo que dirigir à Autora um convite ao aperfeiçoamento do articulado deficiente, não foi omitido um ato que influiu no exame e decisão da causa, razão pela qual não se verifica qualquer nulidade da decisão proferida pelo Tribunal recorrido. 37 - Termos em que, deverão por V.Ex.ªs ser declarados improcedentes os pontos 37 a 53 das alegações de recurso e os pontos 10 a 13 das conclusões de recurso apresentadas pela Autora. III. DA ATUAÇÃO DA RÉ BB, DOS PREJUÍZOS SOFRIDOS PELA AUTORA E DA DEMONSTRAÇÃO DA DINÂMICA DO SINISTRO OCORRIDO A 22.20.2015. 38 - A relação jurídica estabelecida entre Autora e a 1.ª Ré concretizou-se num contrato de prestação de serviços (1157.º e 1158.º Código Civil), na modalidade de mandato forense, tendo a Autora emitido procuração a favor da 1.ª Ré, com o conteúdo e alcance definido no artigo 44º do Código de Processo Civil e as obrigações constantes dos artigos 97º e 100º do EOA. 39 - Determinam as alíneas a), b) e c) do artigo 1167º do Código Civil que são obrigações do mandante: “...a) A fornecer ao mandatário os meios necessários à execução do mandato, se outra coisa não foi convencionada; b) A pagar-lhe a retribuição que ao caso competir, e fazer-lhe provisão por conta dela segundo os usos; c) A reembolsar o mandatário das despesas feitas que este fundadamente tenha considerado indispensáveis, com juros legais desde que foram efetuadas....”. 40 - Como resulta da ausência de alegações e prova na petição inicial da presente ação, a Autora nunca fez chegar à 1.ª Ré os meios necessários para a execução do mandato conferido, como lhe era imposto pela alínea a) do artigo 1167º do Código Civil. 41 - Nos termos acima descritos, fundados no entendimento jurisprudencial e doutrinal anunciado, teremos de concluir que a Autora esteve em mora para com a Ré desde o pedido formulado para se encarregar do tratamento da questão da queda no denominado C..., na reunião ocorrida em Abril de 2016, até ao fim do mandato, incumprindo as obrigações legais que sobre si recaiam (1167.º e 1168.º Código Civil) Nunca teve a 1.ª Ré na sua posse elementos que permitissem sequer propor a ação, quanto mais ver nela qualquer provimento. 42 - Sem prescindir, a perda de chance, como alegada nos pontos 54 a 67 das alegações de recurso da Autora, não se verificou processualmente, nem é este o entendimento que é seguido pelo Supremo Tribunal de Justiça quanto ao seu enquadramento, como resulta do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 2/2022 do Supremo Tribunal de Justiça, publicado no Diário da República n.º 18/2022, Série I de 2022-01-26, páginas 20 – 42 (“O dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade.”). 43 - Na realidade a Autora não alegou nem provou factos que demonstrem qualquer consistência ou seriedade no dano da perda de chance de que se arroga titular. 44 - Sendo falso o alegado no ponto 70 das alegações de recurso da Autora, o Tribunal a quo deu como provada a ocorrência da queda da Autora, mas não a forma como a mesma ocorreu. 45 - Mesmo que se tivesse decidido em sede da Sentença recorrida que o direito indemnizatório decorrente do sinistro da Autora houvesse ocorrido ainda na vigência do contrato de mandato forense celebrado com a 1.ª Ré, verdade é que a Autora não se importou em carrear para os presentes autos quaisquer elementos probatórios que permitissem ao tribunal a quo conhecer da ação fundamento, não fornecendo a Autora ao processo e ao Tribunal recorrido, elementos suficientes para que este procedesse ao julgamento dentro do julgamento para que, e aí sim, se pudesse aferir da eventual responsabilidade da 1.ª Ré. 46 - A Autora adota uma postura processual que merece censura, tendo prestado um depoimento de parte contraditório com o alegado em sede de petição inicial, e agora pretendendo fazer valer em sede de recurso o contrário do que pela mesma foi confessado e resulta assente em ata. 47 - O alegado nos pontos 71 a 82 das alegações de recurso da Autora, constitui matéria nova, não alegada em sede de petição inicial e não encontra fundamento nas alegações iniciais nem na prova produzida nos autos, tanto assim é, que nenhuma prova é aduzida pela Autora nas mesmas. 48 - Termos em que, deverão por V.Ex.ªs ser declarados improcedentes os pontos 54 a 93 das alegações de recurso e os pontos 11 a 21 das conclusões de recurso apresentadas pela Autora. IV. DA PRESCRIÇÃO JÁ OCORRIDA 49 - A Autora coloca em crise no seu recurso a aplicação do n.º 3 do artigo 498.º do Código Civil e por decorrência o prazo prescricional de 5 anos, suportando na letra dos artigos 11.º e 148.º do Código Penal a afirmação de que a entidade contra a qual deveria ser interposta a ação é uma pessoa coletiva e que esta não pode ser suscetível de responsabilidade criminal, que o procedimento depende de queixa, tudo para com este argumentário afastar o prazo prescricional de 5 anos. 50 - Sucede que os danos ou prejuízos que a Autora alega ter sofrido parecem resultar da queda alegada nos artigos 56. a 60. da PI, imputando omissão negligente a outrem,(nº 1 do artigo 148.º do Código penal que: “Quem, por negligência, ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.”). 51 - O bem jurídico tutelado nesta previsão legal é a integridade física e psíquica da pessoa humana, sendo que o tipo objetivo consiste na lesão do corpo (ex. feridas, nódoas negras ou hematomas) ou da saúde de uma pessoa viva, preenchendo-se o tipo independentemente da dor ou sofrimentos causados, desde que assuma um grau mínimo de gravidade à luz do critério da adequação social. 52 - A criminalização de ação/omissão negligente corresponde a um alargamento da proteção ou tutela da integridade física, como resposta a situações em que esteja em causa a violação de um dever objetivo de cuidado do agente, a que este esteja obrigado e seja capaz. Em teoria, dependente de concretização em alegação, os factos descritos pela Autora parecem consubstanciar a prática de um ilícito criminal, integrando a previsão legal, taxativa, do artigo 148.º do Código penal, correspondente à prática de um crime de ofensas à integridade física por negligência. 53 - Estabelece o n.º 3 do artigo 498.º do Código Civil que: “Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.”. O crime em causa estabelece uma punição com pena de prisão até um ano (O prazo de prescrição estabelecido na alínea c) do n.º 1 do artigo 118.º do Código Penal para esta moldura penal é de: “Cinco anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a um ano, mas inferior a cinco anos;”). 54 - Do argumentário possível de que a responsabilidade em causa seria de uma entidade ou pessoa coletiva e não de uma pessoa individual, à qual pudesse ser imputada a prática do crime, não afasta estas regras de prescrição, como resulta da decisão proferida no Acórdão dessa Relação, de 09/11/2017, da decisão proferida no Acórdão do TRG – Tribunal da Relação de Guimarães, de 27/04/2017, e da decisão proferida no Acórdão do TRL – Tribunal da Relação de Lisboa, de 03/12/2020, todos publicados e consultáveis em www.dgsi.pt. 55 - Nem o facto de não ter sido apresentada queixa crime pode afastar estas regras de prescrição, como resulta da decisão proferida no Acórdão do STJ – Supremo Tribunal de Justiça, de 28/03/1996, publicado e consultável em www.dgsi.pt. 56 - Terá assim de se concluir que a prescrição da oportunidade, por via da ação, de receber a indemnização compensatória pelos danos ocorridos e prejuízos que a Autora alega ter sofrido, ocorreu ao final de 5 anos e não ao final dos 3 anos alegados pela mesma e partindo da data do sinistro invocado, 22 de Outubro de 2015, o direito da Autora teria prescrito a 22 de Outubro de 2020. 57 - No entanto o ano de 2020 foi um ano que teremos de considerar no mínimo “atípico”, com consequências jurídicas fixadas por causa da pandemia e dos diversos e sucessivos estados de calamidade e de emergência decretados pelas autoridades públicas. Em função destes eventos, os prazos de prescrição foram suspensos de 9 de Março de 2020 a 3 de Junho de 2020, como resulta da Lei n.º 1-A/2020 de 19 de Março, o que arrastou a prescrição do direito da Autora para a data de 18 de Janeiro de 2021. 58 - Mesmo considerando que existia uma obrigação de execução de mandato na pessoa da 1.ª Ré, o que não se aceita e somente por lógica de raciocínio se equaciona, na data de 22 de Outubro de 2020 a 1.ª Ré já não era mandatária da Autora, pois por correio eletrónico datado de 19 de Junho de 2020, proveniente de ..........@....., dirigido à 1.ª Ré para ..........@....., a Dr.ª CC, Advogada, transmitiu à Ré a seguinte missiva: “Cara Colega, Conforme conversado telefonicamente, sirvo-me do presente email para informar a Colega de que Sr. DD pretende que nos seja confiado o processo judicial proposto contra o C... e seguradora E.... Assim, em cumprimento dos deveres deontológicos que me são inerentes, questiono se existem honorários e/ou demais despesas devidas a serem pagas. Peço-lhe, ainda, a gentileza de me remeter, com a maior brevidade, as informações essenciais do processo que lhe fora confiado (ação judicial contra C... e seguradora). Os meus melhores cumprimentos, CC Advogada | Lawyer”, como resulta do documento n.º 7 junto com a contestação da 1.ª Ré. 59 - A 1.ª Ré entendeu com esta comunicação, claramente, que a Autora, tinha constituído outra mandatária para tratamento da questão, a Dr.ª CC, atenta a teoria da impressão do destinatário, nem outra poderia ser a conclusão da 1.ª Ré (n.º 1 do artigo 236.º do Código Civil), tendo o contrato de mandato existente entre Autora e 1.ª Ré, terminado no dia 19 de Junho de 2020, data em que a Ré conheceu da constituição de nova mandatária para tratamento da questão (artigo 1171º do Código Civil), e assim é reconhecido pelo STJ – Supremo Tribunal de Justiça, em decisão proferida no Acórdão de 12/07/2018, publicado e consultável em www.dgsi.pt. Na data de 22 de Outubro de 2020 a 1.ª Ré não era mandatária da Autora. Na data de 18 de Janeiro de 2021 a 1.ª Ré não era mandatária da Autora. O Contrato de mandato estabelecido entre Autora e 1.ª Ré encontra-se revogado desde dia 19 de Junho de 2020, pela constituição de nova mandatária. 60 - Tendo o direito da Autora à indemnização compensatória pelos alegados danos ocorridos e prejuízos sofridos em consequência do sinistro sido sujeito à prescrição, ocorrida em data posterior a 19 de Junho de 2020, independentemente de a 1.ª Ré estar obrigada ou não à execução do mandato que lhe foi conferido, a prescrição do direito da Autora não ocorre nas “mãos” da Ré. 61 - Estando a Autora de posse dos elementos pedidos pela 1.ª Ré e a esta nunca entregues, ou seja, estando a Autora capaz de cumprir o contrato de mandato com outro Advogado, de 19 de Junho de 2020 até 18 de Janeiro de 2021, teria tido tempo e oportunidade para interpor à ação e por consequência, não pode ser imputada à 1.ª Ré qualquer responsabilidade pela invocada prescrição do direito da Autora, caindo por terra qualquer fundamento para a presente ação de perda de chance contra a 1.ª Ré. 62 - Esta relação de mandato, estabelecida entre a Autora e a 1.ª Ré, cessou a 19 de Junho de 2020, como resulta da assentada do depoimento parte da Autora prestado na audiência de julgamento realizada a 17 de Novembro: “Mais declarou ter entendido que, em junho de 2020, aquando do envio do email da Dra. CC à ré que a sua relação de mandato forense estabelecida com aquela tinha terminado.”. 63 - Notoriamente não assiste razão ao alegado pela Autora nos pontos 94 a 117 das suas alegações de recurso, nem o concluído nos pontos 22 a 31 das suas conclusões de recurso, que deverão ser julgados improcedentes por V.Ex.ªs. Em tom de remate, com o devido respeito, não se vislumbra em que circunstância o Tribunal a quo tenha, conforme sustenta a Recorrente, ancorado a sua decisão a um erro notório na apreciação da prova, atendendo que, pelo exposto, todos os factos [provados e não provados], foram fixados com rigor e excelência, estando, além do mais, devidamente apreciados sob juízo crítico melhor fundamentado em sede de motivação da douta sentença. No mais as alegações de recurso produzidas pela Autora carecem de qualquer fundamento e deverão improceder, litigando a mesma em clara má fé processual. Nestes termos e nos mais de Direito, que doutamente se suprirão, deverá improceder o recurso interposto pela Autora, devendo ser confirmada a matéria de facto e de direito fixada pelo Tribunal a quo, e, bem assim, a douta decisão aplicada, fazendo V/Ex.ªas, Venerandos Desembargadores da Relação do Porto, a já costumada e almejada, Justiça. * A R. “A...” contra-alegou, rematando nos moldes que se seguem.1. O douto Tribunal de 1.ª Instância julgou totalmente improcedente a ação de processo n.º 7391/21.8T8PRT, que correu termos junto do douto Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Cível do Porto, Juiz 9, tendo absolvido a R. Advogada e a R. Seguradora dos pedidos formulados nos autos pela Autora; 2. Entendeu o Tribunal a quo que, perante os factos assentes e provados, com relevo para a apreciação do thema decidendum – responsabilidade civil contratual da R. Advogada – se impõe concluir pela falência dos pressupostos da obrigação de indemnizar, se impõe concluir pela falência do pressuposto da obrigação de indemnizar, ao nível do dano por “perda de chance”. 3. Para o efeito, vem a Autora, através da presente ação judicial, imputar à Ré advogada a responsabilidade por supostos danos e/ou prejuízos patrimoniais e não patrimoniais, alegadamente sofridos em decorrência de uma atuação profissional alegadamente omissiva incorrida pela Ré no âmbito de um pretenso patrocínio forense assumido perante a Autora; 4. Sucede, porém, que, tal como salientou (e muitíssimo bem) a douta sentença agora recorrida, a A. não concretizou (minimamente) quais as concretas razões e fundamentos que, no seu entendimento, seriam passíveis de configurar uma verdadeira “perda de chance” para a A.; 5. Não logrou a Recorrente, a quem competia, provar a séria probabilidade de êxito da sua pretensão, não fosse a alegada conduta ilícita que imputa à Ré Advogada; 6. Parece a Recorrente olvidar que impende sobre si o ónus de carrear para os autos os factos necessários que sustentam as suas pretensões; 7. Na verdade, não sendo aferida a probabilidade de procedência da “chance” perdida, sendo atribuída uma probabilidade de improcedência da ação sem qualquer outro critério que não a circunstância de ter sido omitido o ato devido, a indemnização atribuída cai no âmbito da pura aleatoriedade, sem qualquer correspondência com o dano efetivamente sofrido pelo “lesado”. 8. Não bastará que um advogado, por falta de zelo, não tenha praticado um determinado ato, para que, sem mais, nasça na esfera jurídica do seu cliente o direito à indemnização por perda de chance, sem se exigir qualquer outro requisito. Tal entendimento, de uma forma que se têm por inadmissível, afastaria os requisitos da responsabilidade civil, mormente, a necessidade de existência de danos e o nexo de causalidade entre a atuação e os danos. 9. Sobre esta matéria, pronunciou-se a veneranda Relação do Porto em Acórdão proferido em 10 de setembro de 2012 (disponível em www.dgsi.pt) nos seguintes termos: «A particularidade que ocorre na situação de “perda de chance” numa ação judicial, consiste em saber como determinar a certeza do dano e respetivo montante quando o advogado descuida o processo e a falta é contrária aos interesses do seu cliente, sendo certo que quem demanda ou é demandado tem à sua frente um resultado incerto. 10. Veja-se, ainda, a este respeito, que não é qualquer chance que tem a virtualidade de ser indemnizável, conforme fez notar o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 2/2022 publicado em 26.01.2022. 11. Diferentemente do que sustenta a ora Recorrente, não se encontra minimamente demonstrado nos presentes autos a probabilidade de sucesso da pretensão da A., caso a R. Advogada tivesse proposto a ação e a mesma apenas tivesse instruída com os factos alegados na presente ação respeitantes à dinâmica do acidente, porquanto a A. não alega nem demonstra, novamente, quaisquer factos que pudessem conduzir à apreciação positiva do juízo hipotético que, eventualmente, poderia conduzir à procedência da demanda. 12. De facto, continua a ora Recorrida a desconhecer, e bem assim o douto Tribunal, se, e em que medida, a ação que a A. pretendia intentar teria razoável probabilidade de sucesso. 13. Não sendo alegada pela A. factualidade tendente a demonstrar de que modo é que as deficiências apontadas à sentença se apresentariam adequadas à procedência da sua pretensão, por nem terem sido, sequer, alegados factos pertinentes, com idoneidade e verosimilhança para demonstrar que a alegada omissão da ré advogada fez perder à Autora a possibilidade de alcançar a vantagem almejada que seria a procedência do seu pedido. 14. De facto, mesmo quando somos chamados a aplicar a doutrina da perda de chance, pois a oportunidade perdida até pode ser portadora de um valor de per si, sendo a respetiva perda passível de indemnização, mas apenas se houvesse uma possibilidade real de êxito que se frustrou, a qual tem de ser provada pelo (pretenso) lesado, por se tratar de um facto constitutivo do seu direito (cfr. o artigo 342.º/1 do CC). 15. A jurisprudência que aceita a caracterização do dano de perda de chance como um dano autónomo, não admite, contudo, que o mesmo seja automaticamente indemnizável, sendo, antes, necessário fazer prova de que a chance perdida era real e séria; 16. Mesmo no que se refere ao prazo de prescrição, inexistem dúvidas de que, se resultassem provados os factos alegados pela A. na sua douta petição inicial, nomeadamente aqueles que imputados à entidade gestora do estabelecimento C..., onde a alegada queda sofrida pela A. terá ocorrido, são os mesmos suscetíveis de integrar o crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo 143.º do C.P., o qual é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa. 17. De modo que, nos termos previstos no artigo 118.º, n.º 1, alínea c) do C.P., tratando-se de um crime punível com pena de prisão cujo limite máximo é igual ou superior a um ano, mas inferior a cinco anos, encontra-se o mesmo sujeito a um prazo de prescrição de 5 anos. 18. Ora, efetivamente, e tal como salientou o douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães de 27.04.2017 (disponível in www.dgsi.pt – Proc. n.º 1508/16.1T8CHV.G1): “É de cinco anos, por aplicação do nº 3 do artigo 498. do CC, o prazo de prescrição da ação de responsabilidade civil proposta contra uma pessoa coletiva para obter indemnização por ofensas corporais causadas por acidente de viação, porque se trata de responsabilidade por factos ilícitos que se fossem imputados a pessoas físicas determinadas - como os agentes da pessoa coletiva que omitiram os deveres que sobre esta impendiam - podiam integrar o ilícito penal do artigo 144º do C. Penal, cujo procedimento criminal está sujeito a prescrição no prazo de cinco anos - artigo 118º nº 1, c) do CP.” – negrito e sublinhado nossos. 19. Considerando a data da queda que a A. alega ter sofrido, e com base na qual pretendia fazer valer a sua pretensão indemnizatória contra os (presumíveis) responsáveis pela gestão do aludido C..., e consequentemente sobre a sua pretensa entidade seguradora (22.10.2015) – cfr. Ponto 8 do elenco de factos provados. E, atenta a decisão tomada conscientemente pela A., em entregar o assunto a um novo mandatário em 19.06.2020, dando a intervenção da 1.ª Ré, Dra. BB, por definitivamente encerrada no aludido processo – cfr. Ponto 8 do elenco de factos provados. Resulta manifestamente evidente que, à data da cessação da relação de mandato estabelecida entre a A. e a 1.ª Ré Advogada, ainda não se encontrava precludida a possibilidade de a A. vir reclamar judicialmente contra os (presumíveis) responsáveis pelas consequências da aludida queda sofrida em 22.10.2015 (ou seja, não se encontrava o seu pretenso direito ainda prescrito). 20. Razão pela qual, ressalvando-se o devido respeito por melhor e douta opinião em contrário, não se encontrando demonstrada, nos presentes autos, a probabilidade séria e credível de sucesso das pretensões da A., não fosse a alegada atuação profissional omissiva que imputa à R. Advogada, nunca se poderá concluir pela ressarcibilidade do alegado dano de perda de chance dos A. (tal como entendeu a douta sentença recorrida). 21. Nessa medida, não se podendo responsabilizar a R. Advogada pela reparação de quaisquer danos, presumivelmente, decorrentes da sua conduta profissional, não impenderá igualmente sobre a Companhia de Seguros, ora Recorrida, qualquer obrigação indemnizatória decorrente da pretensa transferência de responsabilidades. 22. Por mera cautela de patrocínio, cabe ainda referir que, não obstante a sua natureza ou caráter “claims made”, a presente apólice só garante os sinistros cuja primeira reclamação seja efetuada durante a vigência da apólice, sendo assim absolutamente irrelevante, para a determinação da aplicabilidade (ou não) das coberturas e garantias previstas na referida apólice de seguro, a data da verificação dos factos eventualmente suscetíveis de gerar a responsabilização civil profissional do advogado, mas sim a data da primeira reclamação, a qual deverá ocorrer dentro do “período seguro”. 23. Ora, atendendo ao supra exposto e à matéria de facto julgada provada nos autos, designadamente nos pontos supra descritos, resulta, pois, evidente que, o contrato de seguro firmado pela ora Recorrida e a Ordem dos Advogado teve início a 1 de Janeiro de 2014 e terminou a 31 de Dezembro de 2017, correspondendo aquele período ao período de cobertura temporal da apólice de seguro n.º ...58. 24. Nesta medida, à data da primeira reclamação do (pretenso) sinistro profissional em apreço nos autos (momento da citação das Seguradoras), já haviam cessado (há muito!) os efeitos e/ou coberturas previstas na apólice n.º ...58 contratada com a ora Recorrida. 25. Razão pela qual, nunca poderá a ora Recorrida ser responsável pelo pagamento de qualquer quantia peticionada nos presentes autos pela Autora, aqui Recorrente. 26. Pelo que, ainda assim, a R. A..., S.A. sempre terá, em todo e qualquer caso, de ser absolvida de todos os pedidos contra si formulados, também por esta via, ao abrigo do disposto no artigo 576.º, n.º 3 do CPC. 27. Assim, deverão improceder todas as conclusões da ora Recorrente, não merecendo a douta Sentença recorrida qualquer censura, devendo ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se, na íntegra, a douta decisão recorrida, só assim se fazendo JUSTIÇA! * A interveniente “B...” contra-alegou, requerendo a ampliação do recurso para a eventualidade da procedência do recurso interposto pela A.. Finalizou nos moldes que em seguida se reproduzem. Do exposto podem retirar-se as seguintes conclusões: 1.ª A A. Recorrente, não alegou, demonstrou e/ou sequer provou nos autos, como lhe competia – art. 342º do c. Civil –, que caso a ação fosse apresentada pela R. BB, existia um elevado grau de probabilidade ou verossimilhança de que os créditos emergentes dos danos de que se arroga teriam sido reconhecidos. - Cfr. texto nº 1 a 4; 2.ª In casu, face à prova efetivada no contexto da imediação da prova, com iniludível assento na prova testemunhal e documental apresentada e produzida – julgamento dentro do julgamento –, através de um juízo de prognose póstuma, resulta manifesto que os créditos da A. Recorrente, caso a ação fosse apresentada pela R. BB fosse apresentada, não seriam reconhecidos. 3.ª Ora, no caso sub judice, conforme resulta dos autos, por um lado, dos articulados apresentados pelas partes e, por outro, da matéria de facto alegada e elementos de suporte e de prova apresentados e produzidos nos autos, é absolutamente cristalino que a A. Recorrente não alegou e/ou sequer provou minimamente qualquer probabilidade séria de êxito da ação judicial que deveria ter sido apresentada pela BB, inexistindo qualquer dano de “perda de chance”, resultando precisamente o oposto. - Cfr. texto nº 1 a 4; 4.ª In casu, “imp(unha-se) que a prova permit(isse) que com elevado grau de probabilidade, ou verosimilhança se conclua que o lesado obteria certo beneficio não fora a chance perdida” (v. Ac. RP de 2018.03.22, Proc. 2157/13.1TBVNG.P1, www.dgsi.pt) maxime através da apresentação tempestiva da reclamação de crédito em causa, o que manifestamente não sucedeu nos presentes autos, sendo certo que o que resulta dos autos é precisamente o contrário, ou seja, que caso a ação fosse apresentada pela R. BB os créditos indemnizatórios invocados pela A. Recorrente não seriam reconhecidos. - Cfr. texto nº 1 a 4; 5.ª A A. recorrente, não atuou com a diligência que lhe era exigível nas circunstâncias de tempo e lugar em causa, de acordo com o critério do homem médio, do “bonus pater familiae”, colocado nos mesmos termos de tempo e lugar do A. Recorrente (v. arts. 483º e segs., 487º e 798º e segs. do C. Civil), maxime, apresentando a ação judicial para reivindicação dos créditos de que se arroga e para a qual se encontrava ainda em tempo após a revogação do mandato da R. BB, pelo que é absolutamente manifesta a culpa do lesado A. Recorrente nos danos e prejuízos que alega (art. 570º a 572º do C. Civil). - cfr. texto nº 1 a 4; 6.ª No caso dos autos, mesmo considerando-se a existência de uma “perda de chance” pelos prejuízos emergentes de atos e omissões da R. BB – o que se impugna – os mesmos sempre terão necessariamente de ser determinados de acordo com juízos de equidade e não com base nos alegados prejuízos sofridos (v. arts. 562º e 566º do C. Civil; cfr. Ac. STJ de 2010.09.28, Proc. 171/2002.S1, e Ac. RL de 2010.03.04, Proc. 1.410/2004.0TVLSB.L1-8, ambos in www.dgsi.pt), sendo que os juros sempre deverão ser contabilizados a partir do trânsito em julgado da referida decisão atualizadora, ex vi dos arts. 496º, 561º, 566º/2, 804º, 805º e 806º do C. Civil. - cfr. texto nº 1 a 4; 7.ª A A. Recorrente não alegou, demonstrou ou provou durante os presentes autos ou em julgamento, nem tal resulta inclusive dos factos dados como assentes nos presentes autos a existência de qualquer Dano, consistente na “supressão ou diminuição duma situação jurídica favorável que estava protegida pelo Direito” (v. Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 1980, Vol. II, AAFDL, p.p. 283; cfr. Gomes da Silva, O Dever de Prestar e o Dever de Indemnizar, 1944, 80), consubstanciado em perda de oportunidade ou de “chance” que fundamente a pretensão indemnizatória peticionada, não tendo minimamente ficado provado ou sequer sido alegado uma probabilidade séria e elevada de procedência da ação judicial que supostamente deveria ser apresentada pela R. BB, inexistindo os pressupostos de que dependeria a responsabilidade da Ré pelos pretensos danos e prejuízos invocados, que não foram alegados e que inexistem (v. arts. 9º, 342º, 473º e segs., 496º, 483º e segs., 562º a 566º, 570º, 592º e 798º e segs., do C.Civil). - cfr. texto nº 1 a 4; 8.ª No caso sub judice, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 636º do CPC, o âmbito do presente recurso, perante a possibilidade da sua procedência – o que apenas por mera hipótese se admite – deverá ser ampliado, conhecendo-se as seguintes questões: – Exclusão da Cobertura das Apólices da B... a) No caso sub judice, os factos e circunstâncias imputados às RR. conhecidos e consciencializados pela A. Recorrente e pelo própria R., como potencialmente geradores da sua responsabilidade civil no âmbito do exercício da sua profissão de advogado, pelo menos desde 2020, pelo que tanto a A. Recorrente como a R. Segurada BB conheciam o respetivo sinistro antes da celebração da apólice em causa nos autos e nunca comunicaram e/ou participaram o mesmo nos termos da apólice até à data de citação para a presente ação. b) In casu, a apólice aplicável nos presentes autos é a apólice ...2... da ora interveniente B..., dado que a primeira reclamação para efeitos da apólice foi realizada com a citação para a presente ação e foi realizada no âmbito da vigência temporal da apólice em causa, que assim é aplicável (art. 4º das Condições Especiais da Apólice e Pontos 21 e 22 dos Factos Provados). c) As quantias indemnizatórias reclamadas pela A. emergem de atos e omissões imputadas à R. BB relativos ao ano de 2016 e que as partes consciencializaram e pré-conheceram pelo menos em 2020, muito antes da celebração e início da apólice ...2... ora em causa e aplicável nos autos, pelo que a sua cobertura está claramente excluída face ao seu âmbito substancial e aplicação temporal, ex vi arts. 1º, 3º e 8º das Condições Especiais das Apólices em causa (v. arts. 24º, 25º, 26º, 44º, 91º, 94º e 147º da LCS e arts. 576º/2, 578º e 579º do CPC); d) Do montante limite de indemnização, sempre deverá ser descontada a franquia geral contratada, no montante de € 5.000,00 (cinco mil euros), a qual, nos termos contratados, fica a cargo exclusivo da referida R. Segurada BB e pelo qual a ora R. não poderá ser responsabilizada. - cfr. texto nsº 5 a 8; Nestes termos: Deve: a) ser negado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser mantido a douta sentença recorrida na parte impugnada, com as legais consequências; ou, caso assim não se entenda; b) ser julgada procedente a matéria da ampliação do âmbito do presente curso, e, em consequência, ser a Recorrida absolvida dos pedidos formulados, com as legais consequências. * II - Questões a dirimir: a - da reapreciação da matéria de facto; b - da não condenação das RR. a indemnizarem a A. pela provisão de honorários e pelo valor pago a título de DUC e se se mostram verificados os fundamentos da perda de chance. * III - Fundamentação de facto A) Factos assentes enunciados na sentença 1. A ré, BB, foi advogada inscrita na Ordem dos Advogados do Conselho Regional do Porto com a cédula n.º ...89..., com escritório na Rua ..., sala ...7, ... .... 2. A autora procurou os serviços da ré, BB, mandatando-a para que instaurasse uma ação de responsabilidade civil tendo por base um sinistro ocorrido em 22/10/2015, no C..., situado no Beco ..., no Porto, sendo que na primeira reunião marcada para o efeito, e depois de ter analisado a pretensão da autora, a ré transmitiu-lhe a sua viabilidade. 3. Para além disso, a ré foi procurada pela autora e pelo seu marido para que tratasse da partilha por óbito do pai deste. 4. Por email de 28/6 o marido da autora informou a ré, entre outras questões, que a questão da autora referida em 2., era para avançar. 5. Por email de 30/6 a ré, BB, remeteu o DUC para autoliquidação para propositura da ação no valor de 306,00 euros e a procuração referida em 4., para assinatura, solicitando, ainda, a quantia de 750,00 euros, a título de provisão para honorários; tendo a autora procedido à liquidação do DUC e à entrega da quantia pedida a título de honorários. 6. Com data de 30/6, a autora emitiu a favor da ré uma procuração forense concedendo-lhe “os mais amplos poderes forense em direito permitidos”. 7. A ré, BB, não deu entrada da ação referida em 2. e à qual se destinava o DUC mencionado em 5.. 8. No dia 22/10/2015, a autora tropeçou na base de um guarda sol que se encontrava na esplanada do Café C..., a qual estava sem guarda sol e com um ferro vertical, acabando por cair sobre esse ferro. 9. Em consequência do que a autora feriu a face anterior do terço médio da perna direita de uma forma extensa, tendo de ser suturada; para receber tratamento a autora recorreu às urgências da Casa de Saúde .... 10. Com a lesão sofrida a autora sofreu dores e teve de socorrer-se do auxílio de canadianas. 11. Em consequência do referido em 9., a autora ficou com uma cicatriz vertical. 12. A autora só teve a certeza de que a ação referida em 2. e 7. não havia sido instaurada, pelo menos, após 20/6/2020, mas em data não concretamente apurada. 13. Por mensagem escrita de 16/10/2016, a ré solicitou à autora uma declaração médica relativa ao incidente. 14. Por e-mail datado de 19/6/2020, a advogada CC comunicou à ré BB:“Cara Colega, Conforme conversado telefonicamente, sirvo-me do presente email para informar a Colega de que Sr. DD pretende que nos seja confiado o processo judicial proposto contra o C... e seguradora E.... Assim, em cumprimento dos deveres deontológicos que me são inerentes, questiono se existem honorários e/ou demais despesas devidas a serem pagas. Peço-lhe, ainda, a gentileza de me remeter, com a maior brevidade, as informações essenciais do processo que lhe fora confiado (ação judicial contra C... e seguradora).” 15. Entre a ré A..., SA e a Ordem dos Advogados foi celebrado um contrato de seguro de grupo, temporário, anual, do ramo de responsabilidade civil, titulado pela apólice n.º ...58, pelo prazo de 12 meses, com início às 00h00m do dia 1.1.2014 e termo às 00h00m do dia 1.1.2015, tendo sido renovado para os períodos de seguro correspondentes às anuidades de 2015, 2016 e 2017, com termo no dia 1/1/2018, às 00h00m. 16. Através do referido contrato de seguro a ré segurou a “Responsabilidade Civil Profissional dos advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados em prática individual (…)”, com um limite de € 150.000,00 por sinistro, “Mediante o pagamento do prémio, e sujeitos aos termos e condições da apólice, a presente tem por objetivo garantir ao segurado a cobertura da sua responsabilidade económica emergente de qualquer reclamação de Responsabilidade Civil de acordo com a legislação vigente, que seja formulada contra o segurado, durante o período de seguro (…)” 17. Mais foi acordado que “O Segurador assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador do seguro ocorridos na vigência das apólices anteriores, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional coberta pela presente apólice, e mesmo ainda, que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente apólice e sem qualquer limitação temporal da retroatividade.” e que “uma vez rescindida ou vencida e não renovada a presente apólice, o segurador não será obrigado a assumir qualquer sinistro cuja reclamação seja apresentada após a data da rescisão ou término do contrato (…)” - ponto 7 das condições particulares. 18. Com data de início a 1.1.2018, foi celebrado o primeiro contrato de seguro entre a interveniente principal e a Ordem dos Advogados, o qual teve início às 00h00m daquele dia e termo às 00h00m de dia 1/1/2019, tendo sido renovado para os períodos de seguro seguintes correspondentes aos anos civis de 2019, 2020, 2021, 2022 e 2023 e encontrando-se atualmente em vigor a apólice ...2.... 19. Através deste contrato a interveniente principal assumiu, perante o Tomador de Seguro – Ordem dos Advogados -, nos termos expressamente definidos nas condições particulares e não excluídos, a cobertura dos riscos inerentes ao exercício da atividade de advocacia, conforme regulado no Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), desenvolvida pelos seus segurados (advogados com inscrição em vigor, isto é garantiu a responsabilidade decorrente do “Exercício da advocacia, conforme regulado no Estatuto da Ordem dos Advogados. A presente apólice de Seguro de Responsabilidade Civil Profissional é celebrada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 104.º do Estatuto da Ordem dos Advogados. (…)”. 20. Foi acordado entre a interveniente principal e a OA que “Ficam expressamente excluídas da cobertura da presente apólice, as reclamações: a) Por qualquer facto ou circunstância já anteriormente conhecido(a) do segurado, à data de início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação.” 21. O âmbito de cobertura temporal da referida apólice delimitado nos termos previstos no artigo 4.º das Condições Especiais, será a mesma “competente exclusivamente para as reclamações que sejam pela primeira vez apresentadas no âmbito da presente apólice: a) Contra o segurado e notificados ao segurador; b) Contra o segurador em exercício de ação direta; c) Durante o período de seguro, ou durante o período de descoberto, com fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional cometidos pelo segurado, após a data retroativa”, desde que os factos ou circunstâncias passíveis de gerar a responsabilização civil do segurado, não sejam pelo mesmo conhecidas (pré-conhecidas) em data anterior à data de início do período seguro (al.ª a) do art.º 3.º da condições especiais). 22. A situação alegada pela autora não foi participada pela ré nem à ré A..., SA, nem à interveniente principal, as quais apenas tiveram conhecimento da mesma com a citação para a presente ação. * B) Factos não provados conforme consta da sentença: 1. Os factos alegados nos art.ºs 19.º, 22.º, 57.º (dimensão do ferro), 58.º, 60.º, 61.º, 62.º, 63.º (período de tempo), 64.º (dimensão da cicatriz), 65.º, 66.º, 69.º, al.ªs a) a e) da petição inicial 2. Os factos alegados no art.º 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º e 32.º da contestação da ré BB. * IV - Fundamentação jurídica da causaa - Da reapreciação da matéria de facto A apelante considera que o tribunal de 1.ª instância deu erradamente como assente que a A. teve conhecimento de que a ação que a R. BB fora incumbida de propor não o tinha sido após 20.06.2020. Deveria antes dar-se como provado que a A. apenas teve a certeza de que tal ação não havia sido intentada em dezembro de 2020, tendo constituído novo mandatário após esta data. A matéria do n.º 12 dos factos assentes (A autora só teve a certeza de que a ação referida em 2. e 7. não havia sido instaurada, pelo menos, após 20/6/2020, mas em data não concretamente apurada), deveria ser dada como não provada, dando-se como assente que o conhecimento de que a ação não havia sido intentada ocorreu em dezembro. A 1.ª instância deu como assente a matéria do art.º 12.º remetendo para o teor do e-mail de 19-6-2020, junto com a contestação da R. BB, de CC para BB, em que, assinaladamente, se lê: conforme conversado telefonicamente, sirvo-me do presente e-mail para informar a Colega de que o Sr. DD pretende que nos seja confiado o processo judicial proposto contra o “C...” e Seguradora “E...”. Do e-mail em causa, emerge, para o declaratário normal, que CC supõe que a ação esteja pendente, em consonância com o que lhe teria sido transmitido. Nesta data a A. não saberia, pois, que a ação não tinha sido proposta. O facto n.º 12 expressa precisamente que o conhecimento de que a ação não se encontrava pendente é posterior. A apelante não esclarece, nem o tribunal os vislumbra, quais sejam os fundamentos pelos quais se deveria dar como adquirido que o conhecimento da não propositura da ação ocorreu precisamente em dezembro. O tribunal firmou a sua convicção de que o conhecimento da não propositura da ação ocorreu após 20-6-2020, não precisando, todavia, quando tal conhecimento teve lugar. Efetivamente, não se precisou o momento temporal em causa. Tomando, porém, em consideração que o teor do facto n.º 12 tal como redigido resulta pouco claro, precisa-se o mesmo nos seguintes moldes: 12. A autora teve a certeza de que a ação referida em 2. e 7. não havia sido instaurada em data não concretamente apurada, mas posterior a 20-6-2020. * A A. requer que seja dada como assente a matéria dos arts. 58.º, 60.º, 64.º, 69.º/b/c/d da petição inicial.Está em causa a seguinte matéria: 58. O que consubstanciava uma situação de perigo iminente para as pessoas que ali se encontravam em face da ausência de qualquer sinalização, 60. Sofrendo um esfacelo da face anterior do terço médio da perna direita com perda de substância cutânea na extremidade distal, que originou uma ferida profunda com extensão superior a 15 centímetros de comprimento e cerca de 2 cêntimos de profundidade, ferida essa que teve de ser suturada - cfr. fotografias e vídeo, que se juntam como Docs. 4, 5 e 6 para os devidos e efeitos legais. 64. Da suturação da ferida aberta da Autora na perna direita resultou uma cicatriz vertical com aproximadamente 15 (quinze) centímetros de comprimento e 0,5 (meio) centímetro de largura, 66. Em face disso, a Autora realizou uma cirurgia plástica e inúmeros tratamentos estéticos a fim de disfarçar a cicatriz ocasionada pelo acidente, cirurgia e tratamentos esses que ascenderam a quantia de € 1.732,95– cfr. faturas, que se juntam como Doc. 7 para os devidos e efeitos legais. 69. Assim, em matéria de danos não patrimoniais, considerando: (…) b. o quantum doloris fixável em grau 5 numa escala de 7; c. o dano estético que nunca poderá ser fixado em menos de 6 numa escala de 7; d. as intervenções cirúrgicas, as consultas, os procedimentos estéticos realizados; Afigura-se justa uma compensação no montante de € 22.500,00. Considera a recorrente que foi produzida prova dos danos nos seguintes termos: 6. Desde logo, tendo considerado o tribunal a quo como provado que “Autora tropeçou numa base de guarda-sol, que se encontrava no meio da esplanada do Café C..., entre as mesas ali predispostas para os cliente”, e que a Autora “tropeçou na base de um guarda-sol que se encontrava na esplanada do Café C..., a qual estava sem guarda-sol e com um ferro vertical, acabando por cair sobre esse ferro”, deveria também ter considerado que o facto de existir uma base guarda-sol, com um ferro vertical de 20 cm, consubstanciava uma situação de perigo iminente para as pessoas que ali se encontravam em face da ausência de qualquer sinalização. 7. Analisada a prova documental e o videograma junto aos autos, deveria também ter considerado como provado, com base nas regras de experiência e de lógica que a Autora sofreu “perda de substância cutânea na extremidade distal, que originou uma ferida profunda com extensão superior a 15 centímetros de comprimento e cerca de 2 centímetros de profundidade, ferida essa que teve de ser suturada.” 8. Assim como deveria ter considerado, atendendo à prova documental junta, que a Autora realizou uma cirurgia plástica e inúmeros tratamentos estéticos a fim de disfarçar a cicatriz ocasionada pelo acidente, cirurgia e tratamentos esses que ascenderam a quantia de € 1.732,95. 9. Por fim, mais uma vez, atendendo à prova documental junta, o tribunal a quo ter considerado os danos alegados: que a Autora sofreu um período de incapacidade, sofreu determinado quantum doloris, ficou a padecer de dano estético, recorreu a determinados procedimentos médicos e que sofreu danos morais. No que se refere à matéria do art.º 58.º da petição inicial, a primeira parte (o que consubstanciava uma situação de perigo iminente para as pessoas que ali se encontravam) é eminentemente conclusiva. No tocante à segunda parte (em face da ausência de qualquer sinalização), não foi produzida prova. Quanto aos factos e apreciações de natureza médica, como sejam o grau do quantum doloris e o dano estético, a prova prestada consubstanciou-se no depoimento de parte da A.. Ora a apelante requer que o tribunal dê como assente, com base nas regras de experiência e de lógica, que a Autora sofreu “perda de substância cutânea na extremidade distal, que originou uma ferida profunda com extensão superior a 15 centímetros de comprimento e cerca de 2 centímetros de profundidade, ferida essa que teve de ser suturada. Trata-se de matéria que pela sua especificidade não pode ser extraída pelo julgador com base nas regras da experiência ou do senso comum, ainda menos no que se refere à perda de substância cutânea na extremidade distal, à extensão da cicatriz e à respetiva profundidade. O depoimento da A. tampouco especificou tais pormenores. Consistiu na descrição de que tropeçou na base do guarda-sol - tendo a filha ao colo, o que não foi alegado na ação -, que o ocorrido não a impediu de trabalhar, porque trabalhava ao computador, ainda que pudesse ter que manter a perna levantada, e que sofreu dores. Mais explicitou que o trauma foi muito psicológico, por ter ficado a pensar que se a filha tivesse caído podia ter morrido - insiste-se, tudo matéria que não foi alegada, nem a propósito da dinâmica do acidente, nem no que se refere aos danos de natureza não patrimonial. Da faturação da Casa de Saúde ... não resulta que serviços foram prestados à A., mas sim, e apenas, a existência de faturação no valor de € 585, 35 + € 772, 60. A A. aduziu que o pai é médico e que a médica que a tratou - não se alcança se no momento em que foi imediatamente socorrida se posteriormente - não lhe cobrou - desconhece-se, de igual sorte, se por força de relacionamento existente com o pai ou por outro motivo. Não existe, pois, alicerce para dar como assente a realização de cirurgia plástica e inúmeros tratamentos estéticos a fim de disfarçar a cicatriz ocasionada pelo acidente. Atente-se ainda em que, ademais do depoimento da A., a única prova carreada para os autos consistiu nas fotografias, vídeo e faturas juntas com a petição inicial, sendo que estes foram impugnados pelos contestantes. Indefere-se, por isso, a introdução de matéria assente requerida. * b - Da não condenação das RR. a indemnizarem a A. pela provisão de honorários e pelo valor entregue para pagamento de taxa de justiça e da perda de chance e se se mostram verificados os fundamentos da perda de chance.A recorrente esteou o sucesso da sua pretensão recursiva no deferimento da alteração da matéria de facto e nas consequências jurídicas dessa alteração na solução jurídica do caso, mas também, ao que se alcança, na circunstância de estar apurado que a R. BB omitiu a propositura de ação quando para tal havia sido mandatada e de ter ficado demonstrado que tropeçou na base de guarda-sol que se encontrava na esplanada do “Café C...”, ferindo-se na perna. Analisemos a questão, antes de mais, sob o ponto de vista do incumprimento das obrigações da R. BB. Segundo o art.º 1154.º do C.C., contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição. De acordo com o art.º 1157.º do C.C. o mandato é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por conta da outra. O mandato judicial ou forense corresponde a um contrato de mandato, na modalidade de mandato com representação (cf. Moitinho de Almeida, in Responsabilidade Civil dos Advogados, p. 13). Poderá ainda ser qualificado como contrato inominado ou atípico, regulado por um conjunto de obrigações para com o cliente impostas ex lege ao advogado, na decorrência do interesse público do exercício da profissão e do dever de independência (cf. Orlando Guedes da Costa, in Direito Profissional do Advogado, 6.ª edição, pp. 395 e ss. seguintes). Socorrendo-nos diretamente das normas da responsabilidade contratual, o art.º 798.º do C.C. prevê que o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação se torna responsável pelo prejuízo que causa ao credor. Esta responsabilidade existe, quer se trate de não cumprimento definitivo, quer de simples mora ou de cumprimento defeituoso (arts. 798.º, 799.º, 801.º e 804.º). No caso de mau cumprimento ou cumprimento imperfeito é aplicável o princípio de que o devedor que, por culpa sua, cumpre defeituosamente se constitui na obrigação de indemnizar o credor da prestação devida. Nestes casos, a obrigação de indemnizar reveste natureza claramente contratual ou obrigacional. Embora subordinada aos pressupostos comuns a todas as formas de responsabilidade - ato ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano -, a obrigação de indemnizar resulta da violação de um direito de crédito ou obrigação em sentido técnico (ou de um contrato). A responsabilidade contratual modifica a obrigação de prestar em obrigação de indemnizar. A pretensão indemnizatória consiste no ressarcimento dos prejuízos sofridos. Ao credor lesado incumbe provar, além da verificação do insucesso da atuação do mandatário, os factos demonstrativos de que o advogado não usou dos meios técnico-jurídicos e dos recursos da experiência ao seu alcance, requeridos pelas respetivas regras profissionais estatutárias e deontológicas, de forma a qualificar a ilicitude dessa conduta. Provado que seja esse comportamento ilícito, impenderá então sobre o advogado o ónus de provar factos que revelem não lhe ser subjetivamente exigível ou censurável tal comportamento, de modo a ilidir a presunção de culpa estabelecida no art.º 799.º/1, do CC Vejamos se a R. faltou à observância de um qualquer dever contratual ou que lhe seja imposto pelo seu estatuto profissional. Para o efeito, antes de mais, respigar-se-ão algumas normas do estatuto profissional a que os advogados se encontram adstritos, o Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei 145/2015, de 9 de setembro. Consigna o art.º 81.º, sob a epígrafe princípios gerais: 1 - O advogado exercita a defesa dos direitos e interesses que lhe sejam confiados sempre com plena autonomia técnica e de forma isenta, independente e responsável. Prevê o art.º 88.º/1, assinaladamente, que o advogado deve ter um comportamento público e profissional adequado à dignidade e responsabilidade da função que exerce, cumprindo pontual e escrupulosamente os deveres consignados no Estatuto e todos aqueles que a lei, os usos, costumes e tradições profissionais impõem. E o art.º 89.º/1: o advogado, no exercício da profissão, mantém sempre em quaisquer circunstâncias a sua independência, devendo agir livre de qualquer pressão, especialmente a que resulte dos seus próprios interesses ou de influências exteriores, abstendo-se de negligenciar a deontologia profissional no intuito de agradar ao seu cliente, aos colegas, ao tribunal ou a terceiros. E ainda o art.º 90.º (Deveres para com a comunidade): 1 - O advogado está obrigado a defender os direitos, liberdades e garantias, a pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e instituições jurídicas. 2- Em especial, constituem deveres do advogado para com a comunidade: a - não advogar contra o direito, não usar de meios ou expedientes ilegais, nem promover diligências reconhecidamente dilatórias, inúteis ou prejudiciais para a correta aplicação de lei ou a descoberta da verdade; b - Recusar os patrocínios que considere injustos; Nos termos do art.º 100.º (outros deveres): 1 - Nas relações com o cliente, são ainda deveres do advogado: a) Dar a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que o cliente invoca, assim como prestar, sempre que lhe for solicitado, informação sobre o andamento das questões que lhe forem confiadas, sobre os critérios que utiliza na fixação dos seus honorários, indicando, sempre que possível, o seu montante total aproximado, e ainda sobre a possibilidade e a forma de obter apoio judiciário; b) Estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e atividade; c) Aconselhar toda a composição que ache justa e equitativa. Em súmula, o advogado está obrigado a desenvolver a sua atividade com diligência e rigor, utilizando os conhecimentos técnico-jurídicos de que dispõe. Sem prejuízo da autonomia técnica inerente ao exercício de profissão liberal, o padrão de conduta é definido à luz dos ditames das leges artis. Está em causa uma obrigação de meios do advogado perante o seu constituinte, integrada por um dever de diligência qualificado (no caso do patrocínio oficioso, tem-se considerado a representação sui generis, assimilando-a, em qualquer caso, ao mandato forense - cf. ac. do S.T.J. de 1-7-2014, proc. 824/06.5TVLSB.L2.S1, Fonseca Ramos). No art.º 70.º da petição inicial a A. alegou que no âmbito da alegada propositura da ação de responsabilidade civil contra a seguradora do Café C..., incorreu em despesas e encargos processuais, designadamente a quantia devida a título da taxa de justiça paga (€306,00), assim como a provisão de honorários pagos à Ré/Advogada (€735,00). Considerando que o dano final se cifra em €22.500,00 (que corresponde à quantia que a A. não auferiu em virtude da não propositura da ação), conclui que a o valor a ressarcir é de €25.273,95 (note-se que a soma de €735,00 + 306,00 é de €1.041,00, o que, acrescido de €22.500,00 ascende a €23.541,00). Sustenta a apelante que o tribunal deveria ter condenado a R. BB à devolução dos montantes pagos a título de adiantamento de honorários, bem como da quantia que lhe entregou para que esta procedesse ao pagamento do documento único de cobrança (DUC) para que a ação fosse intentada. Efetivamente, o tribunal de 1.ª instância, embora tenha tecido considerações a respeito do incumprimento pela R. BB por omissão de propositura de ação nos moldes em que foi incumbida de o fazer pela A., dando como assente que foram entregues provisões e o montante da taxa de justiça inicial, profere sentença absolutória pela totalidade do pedido. No caso das provisões de honorários, está em causa adiantamento em contrato de mandato (art.º 1158.º do C.C.). Prevê o art.º 103.º/1 do Estatuto da Ordem dos Advogados que o advogado pode solicitar ao cliente a entrega de provisões por conta dos honorários ou para pagamento de despesas, não devendo tais provisões exceder uma estimativa razoável dos honorários e despesas prováveis. A este propósito sabemos que a R. advogada estava incumbida de propor a ação e que lhe foi entregue a quantia necessária a dar entrada daquela em tribunal. Do facto n.º 13 consta que, por mensagem escrita de 16/10/2016, a R. solicitou à A. uma declaração médica relativa ao incidente. Nada mais se comprovou relativamente a que a R. BB visse obstaculizada a propositura da ação. Nos termos do disposto no art.º 798.º do C.C., o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor. A R. BB incumpriu a obrigação de propositura da ação. O estrito valor do prejuízo da A. por força da não propositura - abstraindo da perda de possibilidade de obter ganho de causa desta - corresponde, nos termos alegados, ao montante entregue a título de provisão e para pagamento da taxa de justiça inicial. Deve, por isso, ser a R. BB condenada a pagar à A. a quantia de €1.041, 00 (€735,00 + €306,00). Mesmo que se entendesse que as seguradoras, R. e interveniente, sendo irrelevante para estes efeitos, para qual delas se devesse julgar a responsabilidade transferida por força do contrato de seguro celebrado com a Ordem dos Advogados, são responsáveis pelo pagamento desta quantia, há que concluir que o pagamento não lhes pode ser exigido. No que concerne à R. A..., o contrato celebrado prevê a aplicação de uma franquia a cargo do segurado, cujo valor ascendia à quantia de €5.000,00 por sinistro (cf. cláusula 9.ª das condições particulares da apólice juntas como doc. 1 pela seguradora R.) Também no contrato celebrado entre a interveniente B... e a Ordem dos Advogados se previu franquia geral no montante de €5.000,00 por sinistro, que fica a cargo dos Segurados (Condições Particulares e Ponto 9 das Condições Particulares, art.º 7.º das condições especiais do doc. 1 junto pela interveniente). Trata-se, assim, de condenação que só no que respeita à R. BB poderá operar. * A A. funda a ação não apenas no direito à restituição de quanto entregou a título de provisão de honorários e para pagamento de taxa de justiça de ação que não chegou a ser intentada pela R. BB, mas também no instituto jurídico denominado perda de chance. Equaciona-se este, no caso concreto, na seguinte questão: acaso a R. BB tivesse proposto ação esta teria sido julgada procedente? Casos paradigmáticos da perda de chance consubstanciam-se nas situações em que é impedido o acesso a um jogo de azar ou em que se é afastado dum concurso: numa perspetiva de causalidade probabilística, o queixoso teria ganho a lotaria ou teria obtido notação mais elevada do que os outros concorrentes? Um outro exemplo, descrito por Carneiro de Frada (Direito Civil, Responsabilidade Civil, Método do Caso, Coimbra, Almedina, 2006, p. 104), é o seguinte: “se o atraso de um diagnóstico diminuiu em 40% as possibilidades de cura do doente, quid juris?” Chegou-se a entender que a mera perda de chance não oferece virtualidades, pelo menos de jure condito, para fundamentar uma pretensão indemnizatória (cf. Júlio Gomes, in Direito e Justiça, vol. XIX, 2005, II). Rute Teixeira Pedro (A Responsabilidade Civil do Médico, Reflexões sobre a Noção de Perda de Chance e a Tutela do Doente Lesado, Coimbra Editora, 2008, p. 179) escreve: a perda de chance, enquanto tal, está ausente do nosso direito. Em Portugal, poucos são os autores que se referem à noção de perda de chance e, quando o fazem, dedicam-lhe uma atenção lateral e pouco desenvolvida. Pode, também, entender-se que paira nas entrelinhas de decisões judiciais portuguesas, estando subjacente a algumas delas em que os tribunais expendem um raciocínio semelhante ao que subjaz a esta teoria, sem, no entanto, se lhe referirem (…) Também são especialmente pertinentes, a este propósito, as decisões relativas a casos de responsabilidade civil em que se inclui no montante reparatório aquilo que o lesado poderia vir a ganhar quando completasse a formação universitária que frequenta no momento em que se produziu a lesão (p. 232). Paulo Mota Pinto (in Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, I, Coimbra Editora, 2009, p. 1103, nota) aduz não parecer que exista já hoje entre nós base jurídico-positiva para apoiar a indemnização de perda de chances. Antes parece mais fácil percorrer o caminho da inversão do ónus, ou da facilitação da prova, da causalidade e do dano, com posterior redução da indemnização, designadamente por aplicação do art.º 494.º do Código Civil, do que fundamentar a aceitação da “perda de chance” como tipo autónomo do dano, por criação autónoma do direito para a qual faltam apoios. Yvonne Lambert-Faivre (Droit Du Dommage Corporel, Systèmes d’Indemnization, pp. 685 e ss.) cita a posição da jurisprudência francesa. A Cour de Cassation (1.ª Chambre Civil, acórdãos de 21-11-2006, 4-6-2007 e 14-5-2009) considerou que “só constitui uma perda de chance reparável, o desaparecimento atual e certo duma eventualidade favorável”. A insegurança sobre esta deve levar a uma diminuição do montante indemnizatório em comparação com o que seria devido no caso de o conteúdo daquela se ter efetivamente verificado (vd., por todos, o ac. da Cour de Cassation de 16-7-1998, 1.ère Chambre Civil, em que se acentuou que “la réparation d’une perte de chance doit être mesurée à la chance perdue et ne peut être égale à l’avantage qu’aurait procuré cette chance si elle s’était réalisée”). Armando Braga (A Reparação do Dano Corporal da Responsabilidade Extracontratual, Coimbra, Almedina, 2005, p. 126) defende: o dano da perda de chance reporta-se ao valor da oportunidade perdida (estatisticamente comprovável) e não ao benefício esperado. O dano da perda da chance deve ser avaliado em termos hábeis, de verosimilhança e não segundo critérios matemáticos, sendo o quantum indemnizatório fixado atendendo às probabilidades de o lesado obter o benefício que poderia resultar da chance perdida. É precisamente o grau de probabilidade de obtenção da vantagem (perdida) que será decisivo para a determinação da indemnização. A questão que, no fundo, se perfila é a seguinte: em situações em que a chance se “densificou” o suficiente para se poder falar de um bem jurídico, a sua perda deve ser tomada em atenção? O acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2022, publicado no Diário da República em 26-1-2022, estabeleceu o seguinte: o dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade. Em suma, a perda de chance é valorizável, desde que consistente e séria, impendendo sobre o demandante o ónus de provar os factos constitutivos do seu direito. Como se sumaria no ac. da Relação do Porto de 3-12-2015 (proc. 2080/13.0TBVCD.P1, Carlos Portela, consultável em jurisprudência. pt /acordao/8793/): I - O dano da “perda de chance ou oportunidade” consiste na possibilidade real de alcançar um determinado resultado positivo, ainda que de verificação incerta e que por intervenção de um terceiro foi impossível obter, razão pela qual a indemnização a conceder não visa a perda do resultado querido, mas a oportunidade que se perdeu. II - Assim, apenas a omissão ou ação do terceiro que contendeu com um sério, real e muito provável desfecho favorável ao lesado pode configurar o dano, já que o dano está associado à possibilidade real do êxito que se frustrou. III - Tal não ocorre quando não obstante a conduta omissiva do patrono oficioso do autor alegadamente lesado, traduzida na não apresentação de articulado no qual iriam ser vertidas as razões nas quais o mesmo impugnaria a regularidade e a licitude do seu despedimento, se conclui perante os elementos de facto disponíveis, que tal pretensão não teria reais e razoáveis probabilidades de obter provimento. No caso sub judice havemos de pressupor que a R. BB teria intentado ação em que alegaria, para fundar a responsabilidade civil, quanto a A. invocou nos presentes autos a propósito do acidente na esplanada, nestes autos para fundar a perda de chance. Não basta a verificação de uma conduta negligente, no caso, a omissão de propositura de ação, para se poder ter como reconhecido o dever de indemnizar. Só existiria dever de indemnizar se se tivesse determinado, de forma consistente e séria, que se a R. BB tivesse proposto ação contra os responsáveis do café onde o acidente se deu teria obtido ganho de causa. Não é, porém, defensável concluir que se a ação tivesse sido proposta teria sido julgada procedente. A existência de guarda-sóis em esplanadas, colocados em bases, está prevista e não é de molde a suscitar censura. Ao que tudo indica, já que nada foi alegado e demonstrado em contrário, a desatenção da A. é que terá dado azo à queda e e não a circunstância de numa esplanada se encontrar uma base de guarda-sol sem guarda sol. A apelante não invocou qualquer legislação no sentido por si pretendido, como não descreveu factos tendentes a demonstrar que os responsáveis do estabelecimento, por ação ou inação, de alguma forma concorreram para que tropeçasse. Nem se diga que a apelante devesse ter sido convidada a fazê-lo, já que o dever de cooperação entre as partes e o tribunal não contempla a possibilidade de convite à efabulação. A cooperação do tribunal com as partes traduz-se, essencialmente, no convite ao aperfeiçoamento dos articulados que comportem alegações de facto ambíguas, lacunarmente concretizadas ou densificadas, bem como na ultrapassagem de obstáculos de natureza formal à realização da função substancial do processo. Mas não é lícito que o tribunal convide as partes a virem alegar factos que desconhece sejam verdadeiros. O decreto-lei 48/2011, de 1 de abril, que regula o acesso e exercício no licenciamento zero no seu Anexo IV (a que referem os n.os 4 do artigo 11.º e 6 do artigo 1.º da Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto) contempla os critérios subsidiários a observar na ocupação do espaço público e na afixação, inscrição e difusão de mensagens publicitárias de natureza comercial Veja-se, no respetivo art.º 7.º, sob a epígrafe restrições de instalação de uma esplanada aberta, que 1 - O mobiliário urbano utilizado como componente de uma esplanada aberta deve cumprir os seguintes requisitos: c) Os guarda-sóis serem instalados exclusivamente durante o período de funcionamento da esplanada e suportados por uma base que garanta a segurança dos utentes. É do conhecimento comum que as bases para guarda-sóis estão muitas vezes sem os mesmos, até por estes serem retirados à noite ou quando chove. A existência de uma base para guarda-sol não está associada a atividade perigosa. Sem outros elementos não é, pois, possível concluir que tenha existido conduta ilícita e culposa, mesmo sob a forma negligente, por banda dos responsáveis do café em cuja esplanada a A. tropeçou, desconhecemos se por desatenção ou devido a outra causa. O facto de existir um obstáculo à circulação no chão não explica, por si só, o acidente. Como é sabido, os acidentes ocorrem, sobretudo em momentos de desatenção. Sem embargo, essas ocorrências infelizes não devem conduzir à penalização de circunstâncias corriqueiras da vida quotidiana. A culpa deve ser aferida segundo um padrão de diligência média, aplicado às circunstâncias do caso (art.º 487º do Código Civil). Em linguagem corrente, dir-se-á que uma pessoa medianamente cautelosa e atenta tem perceção espacial de onde se encontra e surpreende uma base de guarda-sol. A legítima proteção de terceiros não deve conduzir à legitimidade do ressarcimento de todo e qualquer tipo de prejuízo. Acautelar os direitos dos lesados não pode acarretar que ninguém se sinta seguro e possa ver o seu património lesado apenas por desenvolver uma atividade económica normal, como seja a exploração de um café com esplanada e, por via de regra, não conducente a qualquer prejuízo. Os locais, públicos e privados, contêm vidros, metais, pedras, madeiras. Os locais, públicos e privados, habitados pelas pessoas não têm que estar dotados de tais caraterísticas que previnam todo o tipo de lesões. Falhando os pressupostos da ilicitude e da censurabilidade, inexiste fundamento para analisar os danos apurados (ter a A. ferido a face anterior do terço médio da perna direita de forma extensa, tendo de ser suturada, sofrido dores, ter tido de se socorrer do auxílio de canadianas e ficado com cicatriz vertical) bem como a medida da indemnização peticionada pela A.. Em suma, tendo havido uma omissão de dever de cuidado da mandatária da apelante, violação essa contrária aos ditames deontológicos que regem a conduta dos advogados, não se vislumbra, porém, que a ação que não foi proposta viesse a ter desenlace favorável. Falhando o pressuposto da perda de chance não há fundamento para analisar se o direito a propor a ação se encontrava ou não já prescrito, isto é, se a A. poderia ainda ter proposto a ação de responsabilidade civil extracontratual contra os responsáveis do “C...”, nem a responsabilidade de uma ou de outra das seguradoras. Improcede, por conseguinte, nesta parte, a pretensão da apelante, que deverá ver a sentença confirmada em quanto remanesce a condenação da R. BB a pagar-lhe € 1.041,00. A R. “B... COMPANY SE, Sucursal en España” requereu, subsidiariamente, a ampliação do âmbito do recurso, no sentido de ser aplicada a cláusula 3.ª das condições especiais das Condições Especiais da apólice de seguro. Tratando-se de ampliação para a hipótese de se ver condenada no pedido ou em parte deste, o que não se verifica, tampouco há por que conhecer da mesma. * V - Dispositivo Nos termos sobreditos, acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso interposto, condenando-se a R. BB a pagar à A. € 1 041, 00, julgando-se no mais o recurso improcedente, confirmando-se a sentença proferida. * Custas pela apelante e pela apelada BB na proporção da sucumbência (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.). * Porto 21-10-2024 Teresa Fonseca Anabela Morais Miguel Baldaia de Morais |