Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MARIA JOANA GRÁCIO | ||
Descritores: | CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES DE MENOR GRAVIDADE DIMINUIÇÃO CONSIDERÁVEL DA ILICITUDE | ||
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Nº do Documento: | RP2024060518/21.0GEVFR.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/05/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL / CONFERÊNCIA | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Cometem um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, e não um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.º do referido diploma legal, os arguidos que: - Durante quatro anos desenvolveram a actividade de tráfico de estupefacientes, concretamente haxixe, apenas a cessando por força de intervenção policial realizada; - Tinham como método preceder as vendas de contactos (Messenger e WhatsApp) com os consumidores – o que denota a existência de uma carteira de clientes (não eram vendas dependentes do acaso), permitindo uma melhor agilização das vendas com menor evidencia do exercício da actividade de tráfico, por menor exposição dos arguidos (embora não sofisticada, a organização da actividade estava rentabilizada para os melhores resultados com o menor risco); - Não exerceram qualquer actividade profissional nesse período; - Obtiveram lucros computados em € 18.604. II - O conjunto destes factos, afasta-nos inequivocamente de uma considerável diminuição da ilicitude dos mesmos. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 18/21.0GEVFR.P1
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo Central Criminal de Santa Maria da Feira – Juiz 3
Sumário: ……………………………… ……………………………… ………………………………
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório * 5.º Declara-se perdida a favor do Estado a vantagem patrimonial alcançada pelos arguidos com a prática do crime, e consequentemente condenam-se os arguidos a pagar ao Estado a quantia de €18.604,00, ao abrigo do disposto no artigo 111.º, do Código Penal e no art.º 36º do D.L. n.º 15/93.»* Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso desta decisão, solicitando a respectiva revogação e a sua substituição por uma outra que: «- condenar arguida AA pela prática de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, p. e p., pelo art.º 21, n.º 1 do Dec. Lei n.º 15/93 de 22/01, numa pena de prisão não inferior a quatro (4) anos e 2 (2) meses de prisão, suspensa na sua execução, por igual período; e - condenar o arguido BB pela prática de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, p. e p., pelo art.º 21, n.º 1 do Dec. Lei n.º 15/93 de 22/01, numa pena de prisão não inferior a quatro (4) anos e (10) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, que deverá ser acompanhada pelo cumprimento de um regime de prova, plano de reinserção social com deveres e regras de conduta nos mesmos termos decididos pelo tribunal a quo, com o qual nesta parte se concorda». Apresentou em apoio da sua posição as seguintes conclusões da motivação (transcrição): * O arguido BB respondeu ao recurso, considerando que o mesmo não merece provimento e que a decisão recorrida deve ser mantida, aduzindo em apoio da sua posição as seguintes conclusões (transcrição): «1. O presente recurso em análise, espelha o inconformismo e o desagrado da sua Autora, a Ilustre Senhora Procuradora da República, pelo desfecho dado pelo Tribunal a quo ao processo em análise. 2. Tal sentimento de oposição, prende-se, essencialmente, em torno de dois fundamentos cruciais, sendo um deles, a Errada Qualificação Jurídica dos Factos levada a cabo pelo Tribunal a Quo e o outro, as Medidas das Penas cominadas ao crime de Tráfico de Substâncias Estupefacientes. 3. Desde logo, porque o caso em análise, que terminou com a condenação do Recorrido pelo crime punido e previsto no artigo 25 al. a) do Decreto lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, acompanhada pelo cumprimento de um regime de prova, plano de reinserção social com deveres e regras de conduta, deve ser, na óptica da Recorrente, alterada e consequentemente, deve ser aplicada ao recorrido, uma condenação pelo crime punido e previsto no artigo 21 do referido diploma legal, numa pena nunca inferior a 4 anos e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, acompanhada pelo cumprimento de um regime de prova, plano de reinserção social com deveres e regras de conduta. 4. A posição defendida, radica, como já mencionado, na errada qualificação jurídica dos factos levada a cabo pelo Tribunal a quo e nas medidas das penas cominadas ao crime de Tráfico de Substâncias Estupefacientes. 5. No que ao primeiro ponto de desagrado diz respeito, a Digníssima Procuradora da República, é da opinião que, a valoração dos factos produzidos em sede de audiência de discussão e julgamento, conduz na sua plenitude ao cometimento pelo recorrido do crime de tráfico previsto e punido no artigo 21 do diploma legal referente a esses delitos criminais. 6. O artigo 21 do diploma em destaque, consagra que: 1 - Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos. 2 - Quem, agindo em contrário de autorização concedida nos termos do capítulo II, ilicitamente ceder, introduzir ou diligenciar por que outrem introduza no comércio plantas, substâncias ou preparações referidas no número anterior é punido com pena de prisão de 5 a 15 anos. 3 - Na pena prevista no número anterior incorre aquele que cultivar plantas, produzir ou fabricar substâncias ou preparações diversas das que constam do título de autorização. 4 -Se se tratar de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV, a pena é a de prisão de um a cinco anos. 7. Por sua vez, o artigo 25 do mesmo diploma legal, que serviu de base ao desfecho dado pelo Tribunal Recorrido ao caso em apreço, discorre da seguinte forma: Se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de: a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI; b) Prisão até 2 anos ou multa até 240 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV. 8. A diferença fulcral entre o artigo 21 - Tipo base - e o artigo 25 - Tráfico de Menor Gravidade, ou seja, a essência da distinção entre os tipos fundamental e privilegiado reverte, assim, ao nível exclusivo da ilicitude do facto (consideravelmente diminuída), aferida em função de um conjunto de itens denatureza objectiva que se revelem em concreto, e que devam ser globalmente valorados por referência à matriz subjacente à enumeração exemplificativa contida na lei, e significativas para a conclusão quanto à existência da considerável diminuição da ilicitude pressuposta no tipo fundamental. 9. A relevância de tal pressuposto também é adequada para a prossecução de relevantes finalidades de prevenção geral e especial, justifica as opções legais tendentes à adequada diferenciação do tratamento penal entre os grandes traficantes (artigos 21º, 22º e 24º) e os pequenos e médios (artigo 25º), e ainda daqueles que desenvolvem um pequeno tráfico, com a finalidade exclusiva de obter para si as substâncias que consomem (artigo 26º). 10. A aplicação do artigo 25.º, que encerra um específico tipo legal de crime, tem como pressuposto específico a existência de uma considerável diminuição do ilícito; pressupõe um juízo positivo sobre a ilicitude do facto, que constate uma substancial diminuição desta, um menor desvalor da acção, uma atenuação do conteúdo de injusto, uma menor dimensão e expressão do ilícito. 11. Os índices, exemplos padrão, enumerados no preceito, a par de outros, são atinentes uns, à própria acção típica (meios utilizados, modalidade, circunstâncias da acção), outros, ao objecto da acção típica (qualidade ou quantidade do estupefaciente), ou seja, pertencem todos estes factores ao desvalor da conduta, à execução do facto, fazendo parte do tipo de ilícito, não entrando em acção qualquer consideração relativa ao desvalor da atitude interna do agente, à personalidade deste a juízo sobre a culpa. 12. Haverá que proceder à valorização global do episódio, não se mostrando suficiente que um dos factores interdependentes indicados na lei seja idóneo em abstracto para qualificar o facto como menos grave ou leve, devendo valorar-se complexivamente todas as circunstâncias. 13. Ora, a Ilustre Recorrente, efectivamente, fez o exercício em questão, mas, com o devido respeito e salvo melhor opinião, não considerou entre outros, os pressupostos, constantes na lei, na sua globalidade e interligação. Considerou-os isoladamente e desconectados do contexto em que se inseriam, e daí ter chegado à conclusão da necessidade de aplicar ao caso concreto, o artigo 21 e não o artigo 25 do diploma sobre Tráfico de Substâncias Estupefacientes. 14. A título de exemplo, enumeram-se alguns pressupostos em que não fez o raciocínio de valorar complexamente e na sua globalidade: Assim, considerou o recurso pelo recorrido às redes sociais e à internet, como forma de disseminação complexa para divulgação e venda do produto, descurando que a internet é nos dias de hoje, de fácil acesso e por isso revela-se até contraproducente para o sucesso da actividade; Considerou a venda no café local, no sentido de o negócio abranger uma maior área geográfica, esquecendo, que o recorrido não possui qualquer viatura para deslocação e a venda era por isso, também efectuada à janela de onde residia; Que, o volume do negócio era significativo e complexo, em função de um cálculo aritmético incerto dos lucros, e que além do mais, não exercia actividade laboral, sendo que vivia e pagava as suas despesas com o lucro da actividade que levava a cabo, mas não valorou que o cálculo dos lucros não é seguro, é incerto, e que a sobrevivência do recorrido com o produto das vendas era mínima, pois vivia em condições deploráveis e é consumidor de drogas. Defendeu ainda, para justificar a aplicação do artigo 21, a venda do produto na época do COVID, permitindo assim a circulação de indivíduos – os consumidores - e como tal, pondo em causa a saúde pública, sendo certo que olvidou, com o devido respeito, que no tempo da pandemia, as proibições de circulação foram sempre acompanhadas de excepções, logo, a saúde pública não foi nem mais nem menos, afectada com a continuidade da venda do produto pelo recorrido. Nestes termos e em face do até aqui exposto, a valoração dos factos levada a cabo pele Tribunal a quo, não merce pois qualquer reparo. 15. No que diz respeito ao segundo ponto de discordância da Ilustre Senhora Procuradora com o desfecho dado pelo Tribunal a quo ao caso em análise, ou seja, das medidas das penas cominadas ao crime de Tráfico de Substâncias Estupefacientes, na perspectiva da linha orientadora do recurso, por força dos artigos 40 e 71 do Código Penal, a medida concreta da pena a aplicar ao recorrido deve ser agravada. 16. Com o disposto no n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal, a medida da pena é determinada, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, conforme prescreve o artigo 40.º, n.º 2, do mesmo Código. Na determinação concreta da pena há que atender às circunstâncias do facto, que deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente à ilicitude, e a outros factores ligados à execução do crime, à personalidade do agente, e à sua conduta anterior e posterior ao crime (artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal). Além do mais, os factores a que a lei manda atender para a determinação concreta da pena são os que vêm indicados no referido n.º 2 do art. 71.º do CP e outros, visto que tal enumeração não é exaustiva, que sejam relevantes do ponto de vista da prevenção e da culpa, mas que não façam parte do tipo legal de crime, sob pena de infracção do princípio da proibição da dupla valoração. 17. O disposto no artigo 14 do mesmo diploma legal, referente ao dolo, na perspectiva da posição seguida pela Ilustre Recorrente, é de valorar in casu, dado que considera existir dolo intenso da parte do recorrido, nomeadamente, por exercer uma actividade ilícita, dotada de alguma complexidade e organização, com ela obter lucros (calculados de forma incerta e indefenida) e deles viver sem exercer qualquer actividade laboral, ou seja, em seu entender, verifica-se o preenchimento do dolo, que exprime a representação e a vontade de o agente realizar os pertinentes elementos objectivos do tipo legal, que na posição da recorrente esbarram com o artigo 21 do diploma da droga e não com o artigo 25 do mesmo diploma legal. 18. Só que tal conclusão, salvo o devido respeito, não pode estar mais longe da verdade, dado que o Recorrido como dependente de drogas toda a vida, sempre viveu com o intuito de satisfazer o vício, tendo inclusive para o conseguir, cometido ilícitos patrimoniais pelos quais já respondeu. É o caso típico do consumidor de última linha, que sem alternativa de vida, procura manter o vício e encontra como única solução, a venda do produto, neste caso, haxixe, sem qualquer noção de gestão do negócio, ou sequer de organização do mesmo. Actua sozinho, sem qualquer apoio, vive miseravelmente, pois o único intuito é conseguir dinheiro para colmatar o vício. Não há pois como considerar, que o recorrido actuou com dolo elevado, no sentido de preencher o tipo legal do artigo 21, mas pelo contrário, tudo caminha na direcção do artigo 25, ou seja, do tráfico de menor gravidade. 19. Pelo que, não há qualquer reparo a fazer à decisão final tomada pelo Tribunal a quo, dado que, o tribunal de recurso deve intervir na alteração da pena concreta, apenas quando se justifique uma alteração minimamente substancial, isto é, quando se torne evidente que foi aplicada, sem fundamento, com desvios aos critérios legalmente apontados, o mesmo é dizer que, em sede de escolha e de medida concreta da pena, o recurso não deixa de possuir o paradigma de remédio jurídico, no sentido de que a intervenção do tribunal de recurso, também nesta matéria, deve cingir-se à reparação de qualquer desrespeito, pelo tribunal recorrido, dos princípios e normas legais pertinentes, não sendo de modificar penas que, dentro desses princípios e dessas normas, ainda se revelem congruentes e proporcionadas. 20. No caso em análise, andou bem o Tribunal a quo, ao condenar o recorrido pelo crime de Tráfico de Menor Gravidade, p.p pelo artigo 25 do Decreto lei n.º 15/93 de 23 de Janeiro, com referência à Tabela anexa I -C, anexa ao mesmo, na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, acompanhada pelo cumprimento de um regime de prova, plano de reinserção social com deveres e regras de conduta. Sendo esses deveres e regras de conduta, os seguintes: a- Obedecer a um plano individual de readaptação social, a elaborar pelos serviços de reinserção social, no prazo de três meses; b- Diligenciar por ocupação profissional compatível com as suas qualificações e aptidões; c- Ingressar em tratamento relativo aos comportamentos aditivos e ainda subordinada ao dever de o arguido se manter abstinente do consumo daquele tipo de substâncias, abstinência essa que deverá ser fiscalizada semestralmente pelos competentes testes de despistagem; d- Não frequentar locais associados ao consumo de estupefacientes – cfr. artigos 50 n.º 1, 2 e 3; 52 n.º 1 al. c), 2 al. b) e d) e 3; 53 n.º 1 e 2; e 54, todos do código Penal.» * Também a arguida AA respondeu ao recurso, pugnando, igualmente, pelo seu não provimento e pela manutenção da decisão recorrida, aduzindo em apoio da sua posição as seguintes conclusões (transcrição): «I. O Ministério Público/Recorrente inconformado com a condenação dos arguidos na prática, em coautoria, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º do DL 15/93 de 22/01, interpôs recurso, entendendo que o Tribunal a quo não valorou nem sopesou todas as circunstâncias objetivas “na medida correta”, concretamente o período de tempo, as quantidades, o lucro obtido, os meios utilizados, os locais de atividade, o não exercício de uma atividade profissional e, a associação do consumo de haxixe ao desenvolvimento de patologias psiquiátricas. II. A Recorrida discorda do entendimento do Recorrente, devendo, a final, ser mantida a decisão do Tribunal a quo porquanto, e no que apenas a si diz respeito: a) A arguida concordou em vender produto estupefaciente atendendo à falta de rendimentos que suprissem as necessidades mais básicas (eletricidade, renda, médicas e medicamentosas, transporte, alimentação, …); b) O lucro obtido era muito reduzido, pois não vendiam nem tinham produto estupefaciente disponível todos os dias, e demoravam, por vezes, cerca de 5 dias para vender o produto comprado ao fornecedor; e) A arguida não utilizava redes sociais, nem teve qualquer tipo de contacto por mensagens, chamada com os consumidores/adquirentes; e sempre se diga que entender-se que mensagens privadas com habituais adquirentes/consumidores se trata de uma “(…) concretização do negócio (…) ‘com’ alguma sofisticação e organização”, parece (é!) excessivo. f) Ainda, não pode relevar os efeitos do consumo de haxixe, ainda que droga leve, porquanto eram os adquirentes/consumidores que procuravam os arguidos, sendo aqueles maiores e conscientes de que estavam a consumir um produto estupefaciente gerador de adicção. III. O Tribunal a quo valorou globalmente todas as circunstâncias e disso consta do Acórdão recorrido, concretamente no ponto “3.2. Vejamos do crime de tráfico de estupefacientes (…)”; IV. É, também, de manter a fixação da medida concreta da pena (2 anos de prisão suspensa na sua execução), atendendo não só ao já exposto, bem como à ausência de antecedentes criminais da arguida. V. Em suma, e no que apraz à arguida, não eram fornecedores, apenas se dedicavam à venda de haxixe (droga leve) em pequenas quantidades, não possuíam uma estrutura organizada e imensa para a sua prática, não ostentam nem possuem riqueza, deslocavam-se sempre a pé ou era o consumidor/adquirente que teria de se deslocar até eles, ou seja, o seu modus operandi era bastante simples.» * Neste Tribunal da Relação do Porto, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer onde subscreveu na íntegra a posição do recorrente, pugnando, por isso, pelo provimento do recurso. * Cumpridas as notificações a que alude o art. 417.º, n.º 2, do CPPenal, não foram apresentadas respostas. * Realizado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, nada obstando ao conhecimento do recurso. * II. Apreciando e decidindo: Questões a decidir no recurso É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objecto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso[1]. A questão essencial que o recorrente coloca à apreciação deste Tribunal de recurso é a de saber se a correcta qualificação jurídica dos factos é a que foi atribuída na acusação (tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.ºdo DL 15/93 de 23-01, por referência à tabela I-C anexa) e não aquela por que optou o Tribunal a quo, e secundariamente, como necessária decorrência daquela, a reformulação da medida nas penas aplicadas. * Para análise das questões que importa apreciar releva desde logo a factualidade subjacente, sendo do seguinte teor o elenco dos factos provados e não provados constantes do acórdão recorrido (transcrição): «II. Fundamentação de facto 2.1. Factos provados: » Da acusação Factos provados 1.º Os arguidos BB e AA mantêm uma relação análoga às dos cônjuges e dedicavam-se à aquisição, armazenamento e distribuição de produto estupefaciente, nomeadamente haxixe. 2.º Os arguidos dedicam-se ao tráfico de haxixe, pelo menos, desde o ano de 2018, efetuando tal atividade a partir da residência de ambos, sita em Travessa ..., ..., Santa Maria da Feira, bem como nas imediações ou à porta do estabelecimento comercial denominado “Café A...”, sito também em ..., Feira. 3.º A arguida não é consumidora de produtos estupefacientes. 4.º Desde pelo menos 2020 e até 12 de outubro de 2022, que os arguidos mantêm tal atividade ininterruptamente, adquirindo, armazenando e distribuindo tal produto estupefaciente diretamente. 5.º Os arguidos venderam produto estupefaciente, a vários consumidores que os procuram para esse efeito, com particular incidência na residência supramencionada e no referido estabelecimento. 6.º Normalmente essas vendas de estupefaciente – haxixe -, eram precedidas de contacto dos consumidores para o telemóvel do arguido BB, através de mensagens em produtos de internet (Messenger, WhatsApp). 7.º Para tanto, através da sua página de Facebook, o arguido BB anunciava aos seus contactos o produto estupefaciente que tinha para vender, aguardando o contacto dos consumidores. 8.º O arguido BB desde outubro de 2018 e até à presente data, não exerceu qualquer atividade lícita remunerada, nem beneficia de qualquer subsídio de natureza social. 9.º Por seu turno, a arguida AA nunca exerceu qualquer atividade laboral, mas beneficia de subsídio por invalidez. * Das vendas efetuadas 10.º Desde pelo menos dezembro de 2021, que os arguidos procederam à venda de produto estupefaciente – haxixe, na sua residência, a CC, utilizador do veículo automóvel de matrícula ..-AO-.., quase diariamente, à razão de quantia compreendida de € 5,00 por cada venda. 11.º Tais vendas ocorreram comprovadamente nas seguintes datas: a) Em 16 de dezembro de 2021, entre as 15h21 e as 15h23, estando CC acompanhado de DD, transportados no veículo automóvel de matrícula ..-AO-.., marca Renault, modelo ... (conduzido por EE), b) Em 23/12/2021, entre as 13h01 e as 13h05 e as 21h09 e 21h13; c) Em 03 de janeiro de 2022 entre as 21h42 e as 21h47 e entre as 23h21 e as 23h26; d) em 14 de janeiro de 2022, entre as 11h46 e as 11h47; e) em 18 de janeiro de 2022 entre as 13h33 e as 13h35; f) em 20 de janeiro de 2022 entre as 16h45 e as 16h47; g) em 28 de janeiro de 2022 entre as 17h19 e as 17h20. 12.º Em 16 de dezembro de 2021, entre as 15h30 e as 15h31, o arguido BB vendeu, através da janela da sua residência, a FF, condutor do veículo automóvel de matrícula ....KTD, marca Audi, modelo ..., produto estupefaciente – haxixe. 13.º O mesmo ocorreu no dia 23/12/2021, entre as 20h48 e as 20h50. 14.º Os arguidos procederam à venda de estupefaciente – haxixe - ao referido FF desde 2020 até 12 de outubro de 2022, com a periocidade de uma a duas vezes por semana, em quantidades compreendidas entre € 10,00 e € 40,00, por venda. 15.º O arguido procedeu uma vez à venda de produto estupefaciente – haxixe, na sua residência, a GG, pelo valor de €10,00. 16.º Desde pelo menos dezembro de 2020, que o arguido BB procedeu à venda de produto estupefaciente – haxixe -, na sua residência e ou no Café A..., a HH, condutor do veículo automóvel de matrícula DX-..-.., uma vez por mês, à razão do montante compreendido entre € 30,00 a € 40,00, por cada venda. 17.º Tais vendas ocorreram comprovadamente em 16 de dezembro de 2021, entre as 18h25 e as 18h27. 18.º Desde pelo menos dezembro de 2020, que o arguido procedeu à venda de produto estupefaciente – haxixe -, na sua residência, a II, condutor do veículo automóvel de matrícula ..-..-XX, em periocidade não concretamente apurada, à razão do montante compreendido entre €5,00 a € 10,00 por cada venda. 19.º Tais vendas ocorreram comprovadamente nas seguintes datas: a) Em 16 de dezembro de 2021, entre as 18h42 e as 18h44, b) Em 23 de dezembro de 2021, entre as 22h53 e 22h55. 20.º Desde pelo menos dezembro de 2020, que o arguido procedeu à venda de produto estupefaciente – haxixe, na sua residência ou no Café A..., a JJ, utilizador do veículo automóvel de matrícula ..-..-GG, quase diariamente, à razão do montante compreendido entre €5,00 a € 10,00 por cada venda. 21.º Tais vendas ocorreram comprovadamente em 16 de dezembro de 2021, entre as 18h47 e as 18h50. 22.º Desde data não concretamente apurada, mas situada em outubro de 2021 que os arguidos venderam produto estupefaciente – haxixe, a KK, pelo menos uma vez por semana, por valores entre € 10,00 e € 20,00, por cada venda, indo esta ao encontro dos arguidos na residência dos mesmos, utilizando os veículos com as matrículas ..-TJ-.., ..-..-EX e ..- ..-UR, o que ocorreu em 16 de dezembro de 2021, entre as 19h06 e as 19h07. 23.º O mesmo ocorreu em 23/12/2021, entre as 15h08 e as 15h10, em 14 de janeiro de 2022, entre as 17h30 e as 17h33, em 28/09/2022, pelas 16h53, e em 04/10/2022, pelas 16 horas. 24.º Desde data não concretamente apurada, mas situada em dezembro de 2020, que o arguido BB vendeu produto estupefaciente – haxixe -, a LL, pelo menos duas vezes por semana, pelo valor de € 10,00, por cada venda, indo este ao encontro do arguido, na residência deste, utilizando o veículo com a matrícula XH-..-... 25.º Tais vendas ocorreram comprovadamente nas seguintes datas: a) Em 22 de dezembro de 2021, entre as 16h29 e as 16h32. 26.º Desde pelo menos dezembro de 2020, que os arguidos procederam à venda de produto estupefaciente – haxixe -, na sua residência, a MM, condutor do veículo automóvel de matrícula ..-..-FZ, em periocidade não concretamente apurada, cujo valor de 10,00€, por cada venda. 27.º Tais vendas ocorreram comprovadamente em 03 de janeiro de 2022, entre as 15h32 e as 15h35; em 17 de janeiro de 2022, entre as 17h11 e as 17h13; e em 18 de janeiro de 2022 entre as 13h56 e as 13h58. 28.º Desde pelo menos janeiro de 2021, que o arguido BB procedeu à venda de produto estupefaciente – haxixe -, na sua residência, a NN e ao namorado desta OO, ambos utilizadores dos veículos automóveis de matrículas ..-FN.., ..-..-QH e ..-..-SX, duas vezes por semana, por valores compreendidos entre €20,00 a € 40,00, por cada venda. 29.º Tais vendas ocorreram ainda nas seguintes datas: a) Em 13 de janeiro de 2022, entre as 15h53 e as 15h56, ao OO, condutor do veículo automóvel de matrícula ..-..-QH, marca Seat, modelo ... (registado em nome de NN), b) Em 14 de janeiro de 2022, pelas 16h56; c) Em 20 de janeiro de 2022, entre as 15h00 e as 15h03. 30.º Desde pelo menos janeiro de 2022, que os arguidos procederam à venda de produto estupefaciente – haxixe -, na sua residência ou no Café A..., a PP e QQ, utilizadores do veículo automóvel de matrícula ..-..-UO, em periocidade não concretamente apurada, à razão de €5,00, por cada venda. 31.º Tal ocorreu comprovadamente nas seguintes datas: a) Em 17 de janeiro de 2022, entre as 14h57 e as 15h00. b) No dia 06 de maio de 2022, pelas 18h00. 32.º Desde pelo menos novembro de 2020, que os arguidos procederam à venda de produto estupefaciente – haxixe -, na sua residência ou no Café A..., a RR, uma vez por semana, por valores compreendidos entre €10 a 20 euros, por cada venda. 33.º Tais vendas ocorreram, comprovadamente, em 17 de janeiro de 2022, entre as 16h44 e as 16h46, sendo RR, passageiro do veículo automóvel de matrícula ..-FQ-.., marca Fiat, modelo ... (registado em nome de SS, mas conduzido por TT). 34.º Desde pelo menos o ano de 2018 até finais de 2020, que os arguidos procederam à venda de produto estupefaciente – haxixe, na sua residência ou no Café A..., a UU, uma vez por semana, à razão do montante compreendido entre € 5,00 a € 10,00, por cada venda. 35.º Desde pelo menos fevereiro de 2020, que o arguido BB procedeu à venda de produto estupefaciente – haxixe -, na sua residência ou no Café A..., a VV, passageiro do veículo automóvel de matrícula ..-..-XP (propriedade de WW), uma a duas vezes por mês, à razão do montante compreendido entre € 5,00 a € 10,00, por cada venda. 36.º Tais vendas ocorreram comprovadamente em 30 de janeiro de 2022, entre as 00h27 e as 00h28. 37.º Desde pelo menos meados de 2021, que o arguido procedeu à venda de produto estupefaciente – haxixe, na sua residência ou no Café A..., a XX, condutor do veículo automóvel de matrícula SA-..-.., uma vez por semana, à razão do montante compreendido entre € 10,00 a € 20,00, por cada venda. 38.º Tais vendas ocorreram comprovadamente em 31 de janeiro de 2022, entre as 16h11 e as 16h15. 39.º Desde pelo menos dezembro de 2019, que o arguido BB procedeu à venda de produto estupefaciente – haxixe -, na sua residência, a YY, duas vezes por semana, à razão do montante compreendido entre € 20,00 a € 30,00, por cada venda. 40.º Tais vendas ocorreram comprovadamente em 08 de fevereiro de 2022, entre as 15h06 e as 15h08, e em 03 de março de 2022 entre as 19h47 e as 19h48. 41.º Desde pelo menos meados de 2021, que os arguidos procederam à venda de produto estupefaciente – haxixe, na sua residência ou no Café A..., a ZZ, condutor do veículo ciclomotor de matrícula ..- FZ-.., uma vez por semana, à razão de €5,00, cada venda 42.º Tais vendas ocorreram comprovadamente em 08 de fevereiro de 2022, entre as 15h41 e as 15h45. 43.º Em 08 de fevereiro de 2022, entre as 17h48 e as 17h51, os arguidos venderam a AAA, condutor do veículo automóvel de matrícula ..- HB-.., marca Peugeot, modelo ..., produto estupefaciente - haxixe, por valor situado em € 10,00. 44.º Efetuaram mais vendas de tal produto estupefaciente nos dias 06/05/2022, pelas 11h41, 27/07/2022, pelas18h34. 45.º Desde data não apurada, mas situada em 2021, o arguido BB vende haxixe a AAA, pelo menos uma vez por semana, em quantidades compreendidas entre € 5,00 e € 10,00, por cada venda. 46.º Desde pelo menos dezembro de 2020, que os arguidos procederam à venda de produto estupefaciente – haxixe, na sua residência, a BBB, uma vez por semana, à razão do montante compreendido entre € 10,00 a € 20,00 por cada venda, ou em troca de serviços domésticos. 47.º Tais vendas ocorreram comprovadamente em 27 de julho de 2022, pelas 19h15 e em 09 de fevereiro de 2022, entre as 18h20 e as 18h25. 48.º Desde pelo menos janeiro de 2020, que o arguido BB procedeu à venda de produto estupefaciente – haxixe, na sua residência, a CCC, condutor do veículo automóvel de matrícula ..-VO-.., uma vez por semana, à razão do montante compreendido entre e 5,00 a € 10,00, por cada venda. 49.º Tais vendas ocorreram comprovadamente em 22 de fevereiro de 2022, entre as 18h10 e as 18h12. 50.º Em 24 de fevereiro de 2022, entre as 11h36 e as 11h40, os arguidos venderam a DDD, que ali acorreu apeado, produto estupefaciente - haxixe, por valor de €5,00 a €10,00. 51.º Desde pelo menos meados de 2021, que os arguidos procederam à venda de produto estupefaciente – haxixe, na sua residência, a EEE e FFF, utilizadores do veículo automóvel de matrícula ..-..-ZI, uma vez por semana, por valor não concretamente apurado. 52.º Tais vendas ocorreram comprovadamente em 03 de março de 2022, entre as 20h31 e as 20h33. 53.º Desde pelo menos dezembro de 2019, que os arguidos procederam à venda de produto estupefaciente – haxixe, na sua residência ou no Café A..., a GGG, condutor dos veículos automóveis de matrículas AX-..-.. e ..-..-OJ, uma vez por semana, à razão de € 10,00, por cada venda. 54.º Tais vendas ocorreram comprovadamente nas seguintes datas: a) Em 16 de dezembro de 2021, entre as 17h50 e as 17h53, b) No dia 23/12/2021, entre as 21h18 e 21h19; b) Em 25 de março de 2022, entre as 17h41 e as 17h42 e entre as 18h26 e as 18h27, e 18h32. 55.º Desde pelo menos o Verão de 2021, que os arguidos procederam à venda de produto estupefaciente – haxixe, na sua residência ou no Café A..., a HHH, condutor do veículo automóvel de matrícula ..-..-OJ, uma vez por semana, à razão de € 10,00, por cada venda, tendo tal ocorrido comprovadamente nos dias 16 e 23 de dezembro de 2021. 56.º Em 25 de março de 2022, entre as 19h39 e as 19h40, os arguidos venderam a III, passageiro do veículo automóvel de matrícula ..-..-IS, marca Opel, modelo ... (propriedade e conduzido por JJJ), produto estupefaciente, por valor ainda não apurado. 57.º Desde pelo menos março de 2021, que os arguidos procederam à venda de produto estupefaciente – haxixe, na sua residência, a KKK, condutor de um velocípede elétrico, duas a três vezes por semana, à razão de € 5,00, por cada venda. 58.º Tais vendas ocorreram comprovadamente em 19 de maio de 2022. 59.º Desde pelo menos finais de 2021, que os arguidos procederam à venda de produto estupefaciente – haxixe, na sua residência, a LLL, passageiro do veículo automóvel de matrícula ..- ..-LU (propriedade de MMM), uma vez por semana, à razão do montante compreendido entre € 5,00 a € 10,00, por cada venda. 60.º Desde pelo menos março de 2022, que os arguidos procederam à venda de produto estupefaciente – haxixe, na sua residência ou no Café A..., a NNN, condutor do veículo automóvel de matrícula ..-IE-.., uma vez por mês, à razão do montante compreendido entre € 20,00 a € 30,00, por cada venda. 61.º Tais vendas ocorreram comprovadamente em 09 de agosto de 2022, pelas 18h35. 62.º Desde pelo menos janeiro de 2022, que os arguidos procederam à venda de produto estupefaciente – haxixe, na sua residência, a OOO, condutor dos veículos de matrículas ..-..-JZ e ..-FV-.., uma ou duas vezes por semana, à razão de €5,00 a € 10,00, por cada venda. 63.º Tais vendas ocorreram comprovadamente nos seguintes dias: a) Em 09 de agosto de 2022, pelas 19h17, b) No dia 11 de agosto de 2022, pelas 18h30. 64.º Desde pelo menos janeiro de 2021, que os arguidos procederam à venda de produto estupefaciente – haxixe, na sua residência ou no Café A..., a PPP, condutor do veículo automóvel de matrícula ..-..-PR, uma vez por semana, à razão do montante compreendido entre € 10,00 a € 15,00, por cada venda. 65.º Tais vendas ocorreram comprovadamente em 09 de agosto de 2022, pelas 19h45. 66.º Desde pelo menos janeiro de 2022 até setembro de 2022, que os arguidos procederam à venda de produto estupefaciente – haxixe, na sua residência ou no Café A..., a QQQ, condutor dos veículos automóveis de matrículas ..-RA-.. e ..-NJ-.., uma vez por semana, à razão de € 10,00, por cada venda. 67.º Comprovadamente tal ocorreu em 11 de agosto de 2022, pelas 18h46, sendo QQQ, condutor do veículo automóvel de matrícula ..-NJ-.., marca Renault, modelo ..., (propriedade de RRR). 68.º Desde pelo menos janeiro de 2021, que os arguidos procederam à venda de produto estupefaciente – haxixe, na sua residência ou no Café A..., a SSS, condutor do veículo automóvel de matrícula RQ-..-.., uma a duas vezes por semana, à razão do montante compreendido entre € 5,00 a € 10,00, por cada venda. 69.º Tais vendas ocorreram comprovadamente em 11 de agosto de 2022, pelas 19h39. 70.º Em 30 de setembro de 2022, pelas 16h57, os arguidos venderam a TTT, produto estupefaciente, 3,55 gramas de haxixe, por valor ainda apurado. 71.º Em 16 de dezembro de 2021, entre as 16h26 e as 15h30, os arguidos venderam, a pessoa do sexo feminino ainda não concretamente identificada, que seguia apeada, produto estupefaciente, por valor ainda não apurado. 72.º Em 16 de dezembro de 2021, entre as 17h41 e as 17h45, os arguidos venderam a duas pessoas do sexo masculino, não concretamente identificados, que seguiam apeados, produto estupefaciente, por valor não apurado. 73.º Em 16 de dezembro de 2021, entre as 19h08 e as 19h10, os arguidos venderam a individuo do sexo masculino, não concretamente identificado, condutor veículo motociclo de matrícula ..-..-DZ, marca Zontes, modelo ... (registado em nome de UUU), produto estupefaciente, por valor não apurado. 74.º Em 16 de dezembro de 2021, entre as 19h30 e as 19h32, os arguidos venderam a individuo do sexo feminino, não concretamente identificado, transportada no veículo quadriciclo de matrícula ..-FL-.., marca Aixam, modelo ... (registado em nome de VVV), produto estupefaciente, por valor ainda não apurado, 75.º Em 23 de dezembro de 2021, entre as 15h30 e as 15h35, os arguidos venderam a dois indivíduos do sexo masculino, sendo um deles WWW, transportados veículo automóvel de matrícula ..-..-FT, marca Honda, modelo ... (registado em nome de WWW), produto estupefaciente, por valor ainda não apurado. 76.º O mesmo ocorreu em 03/01/2022, entre as 13h19 e as 13h23; em 03 de janeiro de 2022, entre as 18h00 e as 18h05 e entre as 23h02 e as 23h03. 77.º Em 23 de dezembro de 2021, entre as 15h42 e as 15h44, os arguidos venderam a individuo do sexo masculino, não concretamente identificado, condutor de um veículo velocípede sem motor, produto estupefaciente, por valor não apurado. 78.º Em 03 de janeiro de 2022, entre as 13h26 e as 13h30, os arguidos venderam a individuo do sexo masculino, não concretamente identificado, condutor do veículo automóvel de matrícula não apurada, marca Seat, modelo ..., produto estupefaciente, por valor não apurado. 79.º Em 03 de janeiro de 2022, entre as 15h16 e as 15h18, os arguidos venderam a individuo do sexo masculino, não concretamente identificado, condutor do veículo automóvel de matrícula não apurada, marca Citroen, modelo ..., produto estupefaciente, por valor não apurado. 80.º Em 14 de janeiro de 2022, entre as 17h30 e as 17h33, os arguidos venderam a individuo do sexo feminino, não concretamente identificada, que ali acorreu apeada, produto estupefaciente, por valor ainda não apurado. 81.º Em 14 de janeiro de 2022, entre as 17h46 e as 17h48, entrou na residência dos arguidos um individuo do sexo masculino, não concretamente identificado, condutor de um veículo velocípede sem motor, sendo que quando saiu da residência dos arguidos dirigiu-se ao “Café A...” onde começou a pedir esmola. Tendo conseguido algum dinheiro, o referido individuo voltou à residência dos arguidos pelas 17h55 onde adquiriu produto estupefaciente por valor apurado, tendo saído um minuto depois. 82.º Em 17 de janeiro de 2022, entre as 16h11 e as 16h13, os arguidos venderam a indivíduo do sexo masculino, condutor do veículo motociclo de matrícula ..-PA-.., marca Benelli, modelo ... (registado em nome de XXX), produto estupefaciente, por valor não apurado. 83.º O mesmo ocorreu em 03 de março de 2022, entre as 18h40 e as 18h42; em 25 de março de 2022, entre as 18h35 e as 18h36. 84.º Em 18 de janeiro de 2022, entre as 13h31 e as 13h34, os arguidos venderam a individuo do sexo masculino, não concretamente identificado, que ali acorreu apeado, produto estupefaciente, por valor ainda apurado. 85.º Em 18 de janeiro de 2022, entre as 14h09 e as 14h11, os arguidos venderam a individuo do sexo masculino, não concretamente identificado, que ali acorreu apeado, produto estupefaciente, por valor não apurado. 86.º Em 18 de janeiro de 2022, entre as 16h04 e as 16h06, os arguidos venderam a individuo do sexo masculino, não concretamente identificado, que ali acorreu conduzindo uma carrinha branca de matrícula não apurada, produto estupefaciente, por valor apurado. 87.º Em 20 de janeiro de 2022, entre as 15h05 e as 15h07, os arguidos venderam a individuo do sexo masculino, não concretamente identificado, que ali acorreu apeado, produto estupefaciente, por valor não apurado. 88.º Em 20 de janeiro de 2022, entre as 15h54 e as 15h56, os arguidos venderam a dois indivíduos do sexo masculino, não concretamente identificados, que ali acorreram apeados, produto estupefaciente, por valor não apurado. 89.º Em 20 de janeiro de 2022, entre as 17h39 e as 17h42, os arguidos venderam a individuo do sexo masculino, não concretamente identificado, que ali acorreu transportado numa viatura automóvel de marca mercedes, modelo ... de matrícula não apurada, produto estupefaciente, por valor não apurado. 90.º Em 20 de janeiro de 2022, entre as 17h47 e as 17h49, os arguidos venderam a individuo do sexo masculino, não concretamente identificado, que ali acorreu apeado, produto estupefaciente, por valor não apurado. 91.º Em 21 de janeiro de 2022, entre as 10h22 e as 10h24, os arguidos venderam a individuo do sexo masculino, não concretamente identificado, que ali acorreu transportado numa viatura automóvel de marca Renault, modelo ... de matrícula não apurada, produto estupefaciente, por valor não apurado. 92.º Em 28 de janeiro de 2022, entre as 17h43 e as 17h45, os arguidos venderam a individuo do sexo masculino, não concretamente identificado, que ali acorreu apeado, produto estupefaciente, por valor não apurado. 93.º Em 31 de janeiro de 2022, entre as 16h56 e as 16h59, os arguidos venderam a individuo do sexo masculino, não concretamente identificado, que ali acorreu apeado, produto estupefaciente, por valor não apurado. 94º Em 08 de fevereiro de 2022, entre as 14h52 e as 14h55, os arguidos venderam a individuo do sexo masculino, não concretamente identificado, chamado YYY, condutor do veículo automóvel de matrícula ..-..- JM, marca Seat, modelo ... (propriedade de ZZZ), produto estupefaciente, por valor não apurado. 95.º Em 03 de março de 2022, entre as 18h04 e as 18h05, os arguidos venderam a RR, passageiro do veículo automóvel de matrícula ..-LR-.., marca Seat, modelo ..., produto estupefaciente - haxixe. 96.º Em 25 de março de 2022, entre as 19h37 e as 19h40, os arguidos venderam a indivíduo do sexo masculino, não concretamente identificado, que ali acorreu apeado, produto estupefaciente, por valor não apurado. 97.º Em 06 de maio de 2022, pelas 12h02, os arguidos venderam a indivíduo do sexo masculino, não concretamente identificado, que ali acorreu ao volante de um veículo automóvel da marca Citroen, modelo ..., produto estupefaciente, por valor não apurado. 98.º Em 06 de maio de 2022, pelas 14h08, os arguidos venderam a indivíduo do sexo masculino, não concretamente identificado, que ali acorreu ao volante de um veículo automóvel da marca Mercedes, de cor preta, produto estupefaciente, por valor não apurado. 99.º Em 06 de maio de 2022, pelas 20h39, os arguidos venderam a indivíduo do sexo masculino, não concretamente identificado, que ali acorreu ao volante de um veículo automóvel da marca Opel, modelo ..., produto estupefaciente, por valor não apurado. 100.º Em 06 de maio de 2022, pelas 21h37, os arguidos venderam a indivíduo do sexo masculino, não concretamente identificado, que ali acorreu ao volante de um veículo velocípede (bicicleta), de cor preta, produto estupefaciente, por valor não apurado. 101.º Em 06 de maio de 2022, pelas 22h24, os arguidos venderam a indivíduo do sexo masculino, não concretamente identificado, que ali acorreu ao volante de um veículo automóvel da marca Toyota, modelo ..., de cor cinzenta, produto estupefaciente, por valor não apurado. 102.º Em 21 de junho de 2022, pelas 16h30, os arguidos venderam a AAAA, condutor do veículo automóvel de matrícula ..- BA-.., marca BMW, (propriedade do mesmo), produto estupefaciente, por valor apurado. 103.º Efetuaram os arguidos novas vendas de produto estupefaciente ao referido AAAA no dia 27/07/2022, pelas 18h16. 104.º Em 27 de julho de 2022, pelas 18h28, os arguidos venderam a indivíduo do sexo masculino, não concretamente identificado, que ali acorreu apeado, produto estupefaciente, por valor ainda apurado. 105.º Em 09 de agosto de 2022, pelas 19h30, os arguidos venderam a BBBB (amigo de CCCC), pendura do veículo automóvel de matrícula ..-..-CM, marca Volkswagen, conduzido por CCCC, acompanhado, no lugar do pendura, produto estupefaciente, por valor não apurado. 106.º Em 01 de agosto de 2022, pelas 19h47, os arguidos venderam a indivíduo do sexo masculino ainda não concretamente identificado, condutor do veículo velocípede elétrico, sem matrícula, produto estupefaciente, por valor não apurado. 107.º Em 17 de agosto de 2022, pelas 18h35, os arguidos venderam a indivíduo do sexo masculino ainda não concretamente identificado, condutor do veículo automóvel de matrícula estrangeira EH-..-SN, marca Citroen, (propriedade de DDDD), produto estupefaciente, por valor não apurado. 108.º Em 28 de setembro de 2022, pelas 17h25, os arguidos venderam a indivíduo do sexo masculino ainda não concretamente identificado, condutor do veículo automóvel de matrícula ..-..-QN, marca Alfa Romeo, (propriedade de EEEE), produto estupefaciente, por valor não apurado. 109.º Em 28 de setembro de 2022, pelas 17h39, os arguidos venderam a indivíduo do sexo masculino ainda não concretamente identificado, condutor do veículo automóvel de matrícula ..-..-MT, marca Volkswagen, (propriedade de HHH), produto estupefaciente, por valor não apurado. 110.º Em 30 de setembro de 2022, pelas 17h12, os arguidos venderam a indivíduo do sexo feminino ainda não concretamente identificada, pendura do veículo automóvel de matrícula ..-..-ZQ, marca Renault, (propriedade de FFFF), produto estupefaciente, por valor não apurado. 111.º A última venda que efetuaram a este consumidor foi no dia 12/10/2022, momentos antes dos arguidos serem detidos. * Do tráfico de estupefacientes 112.º Os arguidos conhecem a natureza estupefaciente das substâncias que adquirem, detêm e distribuem por terceiros, assim como sabem que a sua cedência por qualquer título a terceiros é proibida. 113.º Ainda assim os arguidos agiram do modo descrito, o que o faziam com o objetivo conseguido de obterem os respetivos proventos económicos. 114.º Os arguidos atuam por si e de forma articulada, em comunhão de esforços e meios, na execução de uma atividade criminosa, repartindo tarefas entre si e agindo de forma livre, deliberada e consciente, perfeitamente cientes que as suas condutas são proibidas e punidas por lei. 115.º Na decorrência do cumprimento de mandados de busca em 12/10/2022, foram apreendidos aos arguidos no interior da residência de ambos: a. Uma caixa em plástico azul contendo no seu interior 15,3 gramas de haxixe, b. Numa estante no interior de um tupperware 70,3 gramas de haxixe; c. No interior de uma bolsa a tira colo a quantia de noventa e cinco euros; d. Numa estante foi localizado e apreendido uma lâmina X-acto com resíduos de haxixe; e. Em cima da cómoda no interior de um cesto de metal vários sacos herméticos usados no doseamento de estupefaciente; f. Na estrutura da mesinha de cabeceira três plásticos com pequenos bocados de haxixe. 116.º O produto estupefaciente apreendido nos autos, correspondente a 480 doses de consumo médio individual, destinava-se à venda a terceiros consumidores, 117.º O dinheiro apreendido foi proveniente da venda de estupefaciente por parte dos arguidos. 118.º A atuação dos arguidos consumou-se durante pelo menos 3 anos, incluindo os períodos em que Portugal esteve sob Estado de Emergência pela pandemia de COVID 19, praticando o tráfico de produtos estupefacientes de forma diária a dezenas de pessoas, a qualquer hora do dia ou noite. 119.º Os arguidos bem sabiam da censurabilidade e punibilidade criminal das suas condutas. * » Da situação económica e social dos arguidos 120.º Da arguida AA: - A arguida é natural de Aveiro, criada em agregado familiar de baixa condição socioeconómica, composto pelos progenitores, mãe doméstica e pai sucateiro, e por 10 irmãos. - O seu processo educativo desenvolveu-se num enquadramento familiar marcado pela prisão dos progenitores, pelo crime de tráfico de droga, e pelo falecimento da progenitora no estabelecimento prisional após um ano da sua prisão. - Devido a parcas condições socioeconómicas, ingressou no sistema de ensino aos 11 anos, tendo abandonado aos 12 anos. Realizou apenas o 1º ano de escolaridade, pelo motivo de na sua família se considerar que já tinha idade avançada, pelo que não poderia continuar a escola. - Aos 12 anos, assumiu as responsabilidades domésticas, ocupação que mantém até aos dias de hoje. - Com 17 anos de idade contraiu matrimónio, tendo desta união, nascido 1 filho, atualmente com 20 anos. - Iniciou novo relacionamento, de 7 anos, tendo desta relação nascido 2 filhos. - Com 26 anos, conheceu o atual companheiro e coarguido, BB, quando recuperava do seu problema de saúde, ostomia. Iniciaram uma relação que dura há 11 anos, tendo desta união nascido 1 filho. - Os filhos mais novos da arguida encontram-se institucionalizados. - Reside na morada que consta nos autos, com o companheiro. Trata-se de uma habitação, com 1 quarto, 1 cozinha e 1 casa de banho exterior. A habitação não possui água, tendo a arguida e o companheiro de se abastecer de água fora da habitação. A habitação encontra-se inserida num meio social/residencial conotado com focos de marginalidade. - A ambiência familiar da arguida com o companheiro é descrita como gratificante, beneficiando do apoio deste. - Tem uma pensão de invalidez no valor de cerca de 713€. O companheiro não tem qualquer rendimento. Dos proventos, despende de cerca de 213€ para despesas inerentes à habitação. - No presente, o seu quotidiano restringe-se à ocupação da habitação, e aos fins-de-semana visita os filhos. - Não existem ocorrências recentes sobre a arguida. - O presente processo resulta junto da arguida um sentimento de preocupação acrescida face à incerteza do seu desfecho e consequências pessoais que possam advir. - Em abstrato e face à ilicitude dos factos denunciados, a arguida reconhece a ilegalidade dos mesmos, bem como compreende nesse sentido a intervenção judicial em curso. * 121.º Do arguido BB: - O arguido BB e GGGG vivem em união de facto desde há cerca de 12 anos, denotando sentimentos de afeto e entreajuda que se vêm revelando importantes no relacionamento entre ambos, pese embora numa atitude de acomodação e dificuldades em superar o estilo de vida frágil que os carateriza desde sempre. - Os arguidos conheceram-se há cerca de 12 anos, quando ambos se encontravam em situação de acolhimento institucional no Centro de Acolhimento .... Após saída da instituição fixaram-se em Santa Maria da Feira, localidade de origem do arguido, beneficiando por essa altura de apoio social, designadamente ao nível do alojamento e da prestação de Rendimento Social de Inserção (RSI). - O incumprimento do protocolo de RSI, designadamente, a ausência de comparência aos serviços de apoio social, conduziu a uma situação de desproteção, passando ambos a vivenciar um período de maior fragilidade pessoal, permanecendo em situação de sem abrigo durante cerca de dois anos. - Passaram, então, a viver de apoios circunstanciais e de pequenos trabalhos que o arguido ia fazendo em regime de biscates, contando também com a ajuda da mãe do mesmo. - O arrendamento do espaço habitacional que ocupam no momento atual permitiu uma melhoria significativa das suas condições neste domínio, embora modestas e sem que o arguido tenha conseguido, até ao momento, uma situação de bem-estar pessoal. Não dispõe de fornecimento de água, as condições de salubridade são deficitárias. - O casal mantém com vizinho (inquilino da habitação principal) uma interação conflituosa, com registos de participações mútuas por ofensas à integridade física, embora atualmente mais pacificada. - Concluiu o 9º ano de escolaridade, com formação profissional certificada do Curso Técnico Profissional de Torneiro Mecânico. Abandonou a frequência escolar sem concluir o 9º ano de escolaridade, vindo a realizar formação profissional certificada durante o cumprimento de pena de prisão efetiva. - O arguido tem experiência profissional temporária em áreas como jardinagem, construção civil e limpeza de matos, dedicando-se pontualmente à recolha e venda de sucata. - O seu quotidiano é caraterizado desde sempre por problemas de inserção laboral, situação que o próprio justifica com o estigma social decorrente do seu aspeto físico, estilo de vida e passado criminal. - Encontra-se a trabalhar com regularidade desde há cerca de um mês e meio na construção civil, como servente. - O agregado vive da 706€ de pensão de invalidez da companheira e tem como encargos a renda de casa no montante de 150€ e os consumos com gás e eletricidade que orçam o valor de cerca de 60€. - O casal acumula dívidas decorrentes essencialmente da alimentação em cafés locais. que no momento atual e com o salário do arguido procura amortizar/liquidar. - À data dos factos o arguido consumia haxixe que o conduziram a situação de endividamento e carência económica, com necessidade de recurso temporário e ocasional a apoio da sua mãe (necessidade de apoio alimentar). - O arguido tem uma imagem social local associada ao consumo de estupefacientes e atividade delituosa, com adoção de um estilo de vida antissocial, não lhe sendo reconhecidos hábitos de trabalho. Reflete, ainda, uma imagem social associada a pares com ligação à toxicodependência. No domínio da interação social é considerado pessoa cordata e de bom trato, com exceção do vizinho próximo, com quem registou até muito recentemente conflitos e atritos declarados. - No momento atual a inserção social do arguido e companheira reflete a adoção de um estilo de vida normativo, com sinais de maior recato e isolamento social. - O presente processo e a medida de coação aplicada, designadamente, a obrigação de realizar tratamento impulsionou a mudança de hábitos e estilo de vida que vinha adotando. - Iniciou o consumo de substâncias psicotrópicas durante o período em que viveu em situação de sem abrigo, tendo solicitado apoio à Equipa da Tratamento de Santa Maria da Feira do CRI onde esteve em tratamento até muito recentemente. - O arguido afirma-se abstinente de substâncias psicotrópicas no momento atual. - No âmbito do acompanhamento da medida de coação aplicada nos presentes autos o arguido deu conhecimento da sua decisão de abandonar o referido tratamento, por vontade própria, informando que em julho último fez desintoxicação em casa, sem recurso a apoio médico e medicamentoso, embora manifestasse intenção de manter acompanhamento regular naquele serviço, designadamente, apoio psicológico. - Da informação transmitida pelo CRI, o arguido abandonou em agosto de 2023 o programa de tratamento de substituição opiácea e não compareceu à consulta médica agendada para o dia 07/08/2023 nem até ao momento solicitou remarcação. Para além da toxicodependência, o arguido tem problemas hepáticos, com dificuldades respiratórias e reduzida robustez física. - O arguido admite consumos regulares de substâncias psicotrópicas ditas leves, com impacto significativo na sua situação económica e aproximação/convívio com pares ligados à mesma problemática. - A companheira do arguido sofre de doença de Crohn e de depressão que a incapacitam para o exercício profissional. - O presente processo e a medida de coação aplicada, designadamente, a obrigação de realizar tratamento impulsionou a mudança de hábitos e estilo de vida que vinha adotando, motivando-o para uma maior contenção no domínio do relacionamento social. - Mostra-se apreensivo perante o presente processo, adotando um discurso que revela capacidade crítica e consciência das consequências que podem resultar do mesmo. * » Dos antecedentes criminais dos arguidos 122.º Não são conhecidos antecedentes criminais à arguida AA. 123.º O arguido BB foi condenado: - no processo comum singular n.º 604/05.5PAVFR, do 1.º Juízo Criminal de St.ª Maria da Feira, por sentença transitada em julgado em 12.10.2006, pela prática em 20.10.2005, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º do DL 2/98 de 3.1, na pena de 120 de multa, já declarada extinta. - no processo comum coletivo, cumulatório, n.º 490/03.0PAVFR, do 2.º Juízo Criminal de St.ª Maria da Feira, por sentença transitada em julgado em 18.01.2010, pela prática em 11.08.05, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º do DL 2/98 de 3.1; em 06.2003 de um crime de furto qualificado, p. e p. Pelo art.º 204.º do Código Penal; em 05.05.2010, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º do DL 2/98 de 3.1; em 26.08.2005, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º do DL 2/98 de 3.1, em 06.2003 de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art.º 204.º, do Código Penal, na pena única de 8 anos e 6 meses de prisão. Foi-lhe concedida liberdade condicional por decisão transitada em julgado em 07.11.2014. * » Da perda da vantagem patrimonial 124.º Os arguidos, através da venda de produtos estupefacientes a terceiros, obtiveram diretamente para si, vantagens patrimoniais ilícitas respeitantes a, pelo menos, 50% do produto estupefaciente que compravam e depois revendiam aos consumidores. 125.º Na posse de tais vantagens ilícitas, os arguidos fizeram-nas suas locupletando-se com o respetivo valor. 126.º Com a atividade de tráfico de estupefacientes, os arguidos tiveram um lucro de, pelo menos, €18.604,00, conforme infra (atendendo ao período de vendas e mínimo adquirido pelos adquirentes): CC € 770,00 FF e GG €3.502,00 HH €345,00 II €57,50 JJ €1.610,00 KK €240,00 LL €920,00 MM €10,00 NN e OO €1.760,00 RR €1.200,00 UU €240,00 XX €300,00 YY €2.800,00 ZZ €600,00 AAA €120,00 CCC €340,00 GGG €680,00 HHH €280,00 KKK €380,00 BBB €700,00 HHHH €400,00 LLL €100,00 NNN €310,00 OOO €100,00 PPP €440,00 QQQ €180,00 SSS €220,00 * 2.2. Dos factos não provados. Da audiência de discussão e julgamento resultaram não provados. a) Os arguidos dedicam-se ao tráfico de heroína e cocaína. b) Os arguidos dedicam-se ao tráfico de estupefacientes, à porta do estabelecimento comercial denominado “B...”, sito em ..., Feira. c) As vendas efetuadas pelos arguidos a CC, foi-o pela quantia €7,50, por cada venda. d) Desde, pelo menos inícios de em 2020, que os arguidos procederam à venda de produto estupefaciente - haxixe -, a GG, companheira da testemunha FF, uma vez por semana, à razão do montante compreendido entre € 20,00 por cada venda. e) Desde pelo menos dezembro de 2020, que a arguida procedeu à venda de produto estupefaciente a II. f) Desde pelo menos dezembro de 2020 que a arguida procedeu à venda de produto estupefaciente a JJ. g) As vendas efetuadas pelos arguidos a MM, foi a troca de videojogos, cujo valor se cifrava entre € 20,00 a € 30,00, por cada venda. h) Desde pelo menos janeiro de 2021, que o arguido BB procedeu à venda de e Liamba, no Café A.... i) Na época natalícia de 2021, o arguido BB vendeu a NN e a OO uma placa de haxixe pelo valor de € 100,00. j) Desde pelo menos novembro de 2020, que os arguidos procederam à venda de produto de liamba, por valores compreendidos 25,00 a € 30,00 por cada venda. l) Desde pelo menos meados de 2021, que a arguida procedeu à venda de produto estupefaciente a XX. m) As vendas efetuadas a ZZ, foi pelo valor de € 20,00 por cada venda. n) Os arguidos procederam à venda de produto estupefaciente –no Café C..., a EEE e FFF. o) Desde pelo menos janeiro de 2022, que os arguidos procederam à venda de produto estupefaciente – haxixe, na sua residência ou no Café A..., a IIII, condutor do veículo automóvel de matrícula ..-AI-.., uma vez por mês, à razão do montante compreendido entre € 10,00 a € 20,00 por cada venda. p) Em 13 de janeiro de 2022, entre as 16h58 e as 17h00, os arguidos venderam a JJJJ, passageiro do veículo automóvel de matrícula ..-DM-.., marca fiat, modelo ... (registado em nome de KKKK), produto estupefaciente, por valor ainda não apurado. q) Desde pelo menos dezembro de 2021, que o arguido BB procedeu à venda de produto estupefaciente – haxixe, na sua residência, a LLLL, condutor do veículo automóvel de matrícula ..-..-MQ, uma a duas vezes por semana, à razão do montante compreendido entre € 5,00 a € 10,00 por cada venda. r) Tais vendas ocorreram comprovadamente em 27 de julho de 2022, entre as 18h52 e as 18h54 e no dia 25/08/2022, pelas 18h06. s) Em 09 de agosto de 2022, pelas 19h05, os arguidos venderam a MMMM, passageiro do veículo automóvel de matrícula ..-UV.., marca KIA (propriedade de NNNN), acompanhado por individuo chamado OOOO, produto estupefaciente, por valor ainda não apurado. t) Diariamente os arguidos retiravam um lucro de, pelo menos, € 60,00.» * Vejamos, então. Segundo o recorrente «os factos cometidos pelos arguidos em face da matéria de facto dada como provada pelo tribunal “a quo”, não integram a prática do crime de tráfico de menor gravidade, p. e p., pelo art.º 25 al. a) do Dec. Lei n.º 15/93 de 22/01, mas o crime de tráfico de produtos estupefacientes, p. e p., pelo art.º 21, n.º 1, daquele diploma legal e que, em face de tal subsunção jurídica da conduta por aqueles levada a efeito, as suas penas devem ser agravadas em conformidade com a moldura penal abstracta prevista para esse ilícito». Invoca que «[a] diferença entre aqueles dois tipos legais – art.º 21 e art.º 25 – reside no facto do crime de tráfico de menor gravidade abarcar, como a sua nomenclatura indica, situações de tráfico de produto estupefaciente, tal como se encontra definido no tipo base, mas que se processe de forma a ter-se consideravelmente diminuída a ilicitude, ou seja, em que se mostra diminuída a quantidade do ilícito» e que no caso em apreço essa ilicitude não se pode considerar diminuída tendo em conta «o período de tempo durante o qual os arguidos levaram a efeito a actividade delituosa de tráfico de produto estupefaciente - desde 2018 e pelo menos durante três anos e de forma regular e diária a uma média de 6 consumidores por dia, coincidente com o período em que nenhum dos arguidos exerceu qualquer actividade profissional, ressaltando assim à evidencia que os arguidos eram os abastecedores de tais consumidores em tal período, o que se mostra agravado pela circunstância de tal período coincidir com o período de pandemia da COVID 19, que obrigou necessariamente à circulação dos mesmos em períodos em que tal estava proibido, não se inibindo, ainda assim, os arguidos de continuarem a sua actividade em tais circunstâncias aumentando o risco para a saúde publica. Por outro lado, as quantidades daquele produto estupefaciente transacionadas pelos arguidos ao longo de tal período. Quantidades essas, cujo volume, em face da matéria de facto dada como provada, é demonstrada pelo número de dias e média diária de consumidores. Se é certo que as quantidades entregues a cada consumidor não eram elevadas, também é certo que os arguidos ao longo do citado período vendiam a 6 consumidores em média por dia. São assim muitas vendas durante mais de três anos! Assim, a dimensão do seu negócio é, a nosso ver, já considerável. Note-se que se apurou que os mesmos obtiveram um lucro de, pelo menos, €18.604,00, o que pressupõe que os arguidos tivessem já uma actividade significativa de compra e venda de produtos estupefacientes. Ademais e quanto aos meios utilizados, se é certo que os arguidos não utilizavam meios de transporte, também é certo que usavam a internet e as redes sociais para a divulgação e concretização do seu negócio - que de resto se revelou eficaz, conforme decorre da factualidade assente. Deste modo tal meio de divulgação e concretização do negócio envolve já alguma sofisticação e organização, sendo altamente eficaz, não podendo por isso ser desconsiderado, como fez o Tribunal a quo. Quanto aos locais de actividade, não podemos deixar de sublinhar que os mesmos incluíam um local publico como sendo o café que facilita a disseminação do negócio, o que o Tribunal a quo não valorizou, como a nosso ver deveria fazer. Por ultimo se é certo e se admite que o arguido era consumidor já a arguida não o era e auferia rendimentos pela sua incapacidade para o trabalho, pelo que não se poderá mitigar tal circunstancia na responsabilidade de ambos, tanto mais que ambos durante tal período não exerceram qualquer actividade profissional, tendo suportado todas as suas despesas com os rendimentos obtidos com tal actividade de trafico e com os rendimentos da arguida.» Conclui, assim, que «os arguidos dedicaram-se ao tráfico como único modo de vida, numa actividade diária, como “abastecedores” de consumidores durante um período considerável de tempo – mais de 3 anos, obtendo um lucro de pelo menos pelo menos, €18.604,00» e que «na avaliação global do facto, tendo em vista designadamente o período de tempo em que a actividade de tráfico foi desenvolvida por parte dos arguidos -mais de 3 anos, a quantidade de produto estupefaciente por ambos transacionada, os locais (sobretudo o café) e meios usados (redes sociais) e o lucro obtido (mais de 18.000,00€) -, consideramos que tal não permite concluir pela ilicitude “consideravelmente diminuída” exigida pelo crime privilegiado do art.º 25 do Dec. Lei n.º 15/93 de 22/01, razão pela qual a sua conduta, integra a prática pelo mesmo do crime do art.º 21 do Dec. Lei n.º 15/93 de 22/01.»
Sobre este ponto, argumentou-se nos seguintes termos no acórdão recorrido (transcrição): «III - Fundamentação de direito 3.1. Subsunção jurídico-penal dos factos dados como provados Sendo esta a matéria de facto provada, façamos o seu enquadramento jurídico - penal. Aos arguidos vem imputada, em coautoria material, na forma consumada, com dolo direto, a prática de um crime de um crime de tráfico de produto estupefaciente, p. e p. pelos artigos 21.º n.º 1 e Tabelas, I-C do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, * 3.2. Vejamos do crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1 e 25.º, do DL 15/93, de 22.01. O legislador configurou no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93 (ao qual pertencerão as demais normas sem menção de origem), o tipo base ou fundamental de tráfico e criou, em conexão com ele, acrescentando-lhe outros elementos, derivações típicas ou tipos derivados que ou agravam (tipo qualificado do artigo 24.º) ou atenuam (tipo privilegiado do artigo 25.º) a consequência jurídica prevista para o crime base. Comete o crime de tráfico e outras atividades ilícitas, de que cuida o art.º 21.º entre o mais, “Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos”. Assim consubstanciado, o bem jurídico tutelado pela predita norma penal é a saúde pública a qual deve ser garantida, com cerne numa imagem de danosidade comunitária, constituindo um dos mais importantes desafios sociais dos nossos dias, atendendo ao incremento da criminalidade grave conexionada com a toxicodependência, o padecimento das vítimas dos crimes induzidos por aquela, o sofrimento das famílias, os problemas de saúde pública que fomenta, entre outros. Revertendo à sua caraterização dogmática, encontramo-nos perante um crime formal ou de mera atividade, porquanto a sua consumação se basta com a perpetração do comportamento elencado no tipo por parte do agente, basta a mera detenção ilícita daqueles produtos estupefacientes, desde que não seja para exclusivo consumo pessoal, não sendo necessário que a detenção dos referidos produtos se destine à posterior venda - a este propósito, de que o crime de tráfico se trata de um crime formal ou de mera atividade veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de setembro de 2012 in www.dgsi.pt (todos os acórdãos doravante citados sem indicação de fonte poderão ser encontrados neste sítio). Na verdade, o crime de tráfico de estupefacientes constitui um ilícito criminal, de perigo abstrato, presumindo-se o risco de propagação de doença pela difusão das substâncias tóxicas, em que para a sua consumação não é exigível a ocorrência de um dano efetivo e real, bastando a ocorrência de um dos atos descritos no tipo legal de crime. Logo, a prova da simples detenção de estupefaciente enumerado nas tabelas anexas ao DL 15/93, aliada ao conhecimento da ilicitude dessa detenção por parte do agente, basta para fazer incorrer, quem assim procede, no crime de tráfico de estupefacientes. Neste contexto, a grande generalidade do tráfico de estupefacientes cabe dentro da ampla abrangência deste segmento normativo, que se configura como o tipo matricial, caindo os casos de gravidade diminuída no tipo privilegiado dos arts. 25.º e 26.º do mesmo diploma e os de excecional gravidade no tipo agravado do respetivo art.º 24º. Por outro lado, a prática sucessiva, pelo mesmo agente, de mais de uma das ações suscetíveis de tutela penal não constitui uma pluralidade de crimes, mas um único crime; o que o nosso Supremo Tribunal de Justiça tem designado vulgarmente por crime exaurido, no sentido de que se esgota, ou melhor, se consuma através da comissão de um só ato de execução, independente de os mesmos corresponderem a uma execução completa e repetição dos atos, o resultado típico é obtido pela realização inicial da conduta ilícita, de modo que a sua continuação, mesmo com propósitos diversos do originário, se não traduz necessariamente na comissão de novas violações do respetivo tipo legal - neste sentido decidiu o acórdão do STJ de 09-02-2012. Quanto ao elemento subjetivo o crime de tráfico de estupefacientes exige o dolo, este traduzido no conhecimento e vontade de praticar o facto. O art.º 24.º contém a previsão de um conjunto de circunstâncias que determinam a agravação dos limites mínimo e máximo da moldura. O art.º 25.º, por sua vez, preceitua, sob a epígrafe tráfico de menor gravidade, uma moldura penal inferior para os casos em que a conduta descrita no art.º 21.º revele uma ilicitude do facto consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade ou a quantidade das substâncias. E o art.º 26.º, por fim, prevê a figura do chamado traficante-consumidor, isto é, contempla uma punição autónoma para os casos em que o agente atua com a finalidade exclusiva de conseguir substâncias para uso pessoal. Assim é que o legislador começa por tipificar o crime-base, no art.º 21.º, e depois enuncia as circunstâncias que o deverão agravar, no art.º 24.º e em seguida as que o deverão privilegiar, nos arts. 25.º e 26.º, como que numa lógica de duas pirâmides invertidas: na base temos o tráfico comum, que entra no art.º 21.º; no topo superior temos o tráfico agravado, que cai no art.º 24.º; e no topo inferior temos o tráfico de menor gravidade e o traficante-consumidor, que suscitam a aplicação dos arts. 25.º e 26.º, respetivamente (Ac. do STJ de 23/11/2011, relatado por Santos Carvalho). No caso concreto é manifesto que a factualidade de que partimos não suscita a questão da eventual aplicação do tipo agravado de tráfico, previsto pelo art.º 24.º, preceito este de resto logo afastado pela própria acusação pública. Por outro lado, o art.º 26.º, que cuida da figura do traficante-consumidor, não levanta grandes dificuldades interpretativas quanto ao seu alcance prático, na medida em que a aplicação do preceito está dependente da verificação de um requisito estrito. Uma nota só para se referir que, no caso, nem sequer avaliamos da possibilidade de estarmos perante o crime de traficante consumidor, por não se mostrarem, sequer, preenchidos os pressupostos de que faz depender a lei a sua aplicação, que na situação em apreço não logrou ser demonstrado e que aliás nem sequer vinha alegado - que os arguidos tivessem por finalidade exclusiva conseguir substâncias estupefacientes para uso pessoal. Já gera, porém, alguma controvérsia a distinção entre os campos de aplicação dos arts. 21.º e 25.º. Assim, o regime consagrado no art.º 25.º, fundamenta-se na diminuição considerável da ilicitude do facto, revelada pela ponderação e valoração conjunta dos diversos fatores apurados, considerados na globalidade circunstancial da conduta do arguido. O que está subjacente ao pensamento legislativo é a preocupação de observar critérios de proporcionalidade na reação do sistema penal, evitando penas excessivas em face do concreto desvalor da ação. Como distinguir então os arts. 21.º e 25.º? Ponto é, pois, saber se estamos ou não diante de factualidade da qual releva a tal diminuição considerável da ilicitude, por referência à ilicitude mínima. Diríamos, em suma, que o agente do crime de tráfico de menor gravidade do art.º 25.º, deverá estar nas circunstâncias seguidamente enunciadas, tendencialmente cumulativas (acórdão do STJ datado de 12-03-2014): - a quantidade e a qualidade dos estupefacientes comercializados; - a dimensão dos lucros obtidos e sua influência no modo de vida do agente; - o grau de adesão a essa atividade como modo de vida; - a afetação ou não de parte dos lucros conseguidos ao financiamento do consumo pessoal de drogas; - a duração e a intensidade da atividade desenvolvida; - o número de consumidores contactados; - a extensão geográfica da atividade do agente, a sua posição no circuito de distribuição clandestina dos estupefacientes; - o modo de execução do tráfico, nomeadamente se praticado isoladamente ou antes com colaboradores dependentes e pagos pelo agente. Ou seja, é necessário atender a um conjunto de circunstâncias que, isoladamente ou conjuntamente, podem tornar a ilicitude do facto consideravelmente diminuída. No que perante a arquitetura legal desenhada nos termos expostos, o pequeno tráfico de rua, segundo a classificação avançada, será normalmente de enquadrar no art.º 25.º (Ac. do STJ de 24/02/2010, relatado por Sousa Fonte). Ressalve-se, porém, que aludimos ao pequeno tráfico de rua. É que casos há de tráfico de rua em que se justifica o recurso ao tipo-base do art.º 21.º, por decorrer do conjunto dos factos uma imagem global do ilícito que se não apresenta consideravelmente diminuída - de resto, importa não esquecer que o tráfico de produtos estupefacientes vive por regra precisamente da atividade do traficante de rua, posto que é este que contacta ou é contactado por quem afinal de contas compra o produto e justifica todo o negócio (Ac. do STJ de 21/09/2011, relatado por Souto de Moura). * Postos estes considerandos, cumpre apreciar do enquadramento jurídico da factualidade vertida nos factos provados relativamente aos arguidos. Assim, importa perceber se a factualidade apurada permite concluir pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, e, em caso afirmativo se estamos perante o crime p. e p. pelo art.º 21.º ou do crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25.º. Vejamos, então. Quanto à natureza do estupefaciente transacionado, estamos perante haxixe, pertencente ao grupo das normalmente designadas “drogas levas”, mas com alto teor de habituação e bem assim de potencialidades para prejudicar a saúde humana, a sua capacidade destrutiva da harmonia familiar e social e a capacidade de arrastamento de criminalidade associada. Por outro lado, está em causa, de modo regular, desde pelo menos três anos, em que estes se dedicaram à venda de produtos estupefacientes. Todavia, não nos podemos cingir tão só ao tipo de droga vendida e ao tempo durante o qual os arguidos procederam à sua venda. Como vimos supra outros fatores terão se sopesar a decisão de verificação ou não da diminuta ilicitude. Como apurado os arguidos vendiam em casa e no café, ponto fixo acessível e seguro das transações. O arguido é consumidor de estupefacientes, consumo que se iniciou quando ainda adolescente, o que leva a que possa gozar de uma maior condescendência quanto ao período temporal de manutenção da atividade, pois a toxicodependência é uma doença de difícil reversão, geradora de atos compulsivos. Ora, pese embora o período de duração da atividade estamos perante indivíduo que utiliza os proventos assim obtidos para se abastecer, mostrando-se assim mitigado o período temporal. Inexistia meios de transporte utilizados. A atender que o círculo geográfico em que os arguidos desenvolviam a sua atuação, na medida em que tal resultou provado, era objetivamente limitado, por regra, na residência dos arguidos. Ademais, temos de considerar que as quantidades que os arguidos transmitiam individualmente a cada um dos consumidores era apenas a adequada ao consumo individual para o próprio dia destes. Na verdade, na generalidade das vezes apenas vendiam 1 pacote a cada indivíduo, por 5 e 10 euros. Relativamente à quantidade de consumidores que adquiriam haxixe e canábis aos arguidos temos um número cerca de 6 por dia. A referir que estamos em presença de pessoas que estavam em contacto direto com os consumidores, situando-nos, pois, no campo do chamado tráfico de rua e com os meios normais que as pessoas usam para se relacionarem através de contacto pessoal. Afastada que ficou a prova de qualquer estrutura organizativa, sendo, portanto, menor o risco de disseminação e os valores dos lucros obtidos nessa venda serem pouco avultados, sendo que o sistema de venda se processava pelo sistema de compra e venda a pequenos consumidores (vulgo, retalho), constata-se que os arguidos mais não foram que meros traficante de rua. A quantidade da droga apreendida aos arguidos – haxixe - 15,3 gramas e 70,3 gramas. No que concerne a dinheiro foi apreendido aos arguidos a quantia de noventa e cinco euros. O que é demonstrativo de que o negócio não era de lucro relevante e as quantidades apreendidas aos arguidos demonstram que o negócio era pequeno. Ademais, o próprio arguido era consumidor de estupefacientes, tendo hábitos de consumo das substâncias estupefacientes que transacionava. Para além disto, resultou provado que tem um longo historial de toxicodependência, pois desde a sua adolescência que se iniciou no consumo de drogas. Acresce que inexistem elementos que permitam concluir que os proventos obtidos fossem mais do que os necessários para a subsistência própria, com um nível de vida modesto, com casa sem água nem luz, sendo utilizados, em alguns casos, no consumo próprio de produtos estupefacientes, sem evidências da existência de sinais exteriores de riqueza, pelo contrário ainda são ajudados mesmo pela assistência social. Tendo presente o que vimos de dizer tudo converge no sentido de poder afirmar-se que a conduta dos arguidos em causa releva de um grau de ilicitude que fica aquém do pressuposto pelo art.º 21.º, antes integrando-se na previsão do art.º 25.º. Tudo ponderado, entendemos que a imagem global da atividade exercida por estes arguidos reveste uma reduzida ilicitude, sendo de integrar a sua conduta no crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25.º. Assim, na conjugação dos pontos factuais acima registados e de todo este circunstancialismo, é, na opinião deste tribunal, suscetível de fundamentar uma diminuição considerável da ilicitude da conduta dos arguidos, pelo que se entende terem os mesmos praticado não o crime pelo qual se encontravam acusados, mas antes um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo referido art.º 25º, alínea a) e não no art.º 21.º, como lhes imputa a acusação pública, que procede, assim, mas com a convolação jurídica operada. Impõe-se, pois, a alteração da qualificação jurídica dos factos. * Os arguidos conheciam as caraterísticas dos produtos em causa, sabiam que eram ilícitas as suas condutas e, não obstante isso, quiseram proceder à prática dos respetivos atos; mostram-se por isso observados ainda os requisitos subjetivos da incriminação, e a título de dolo direto (art.º 14.º, n.º 1 do Código Penal, aplicável ex vi do art.º 48.º do D.L. 15/93, de 22/01). Os seus comportamentos são ético-juridicamente censuráveis, pelo que é passível de um juízo de culpa. Em consequência, não havendo causas de exclusão da ilicitude nem da culpa, conclui-se que os arguidos cometeram o crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25.º, n.º 1, al. a).»
Em face do que antecedentemente se expôs, dispensamo-nos de avaliar a tipologia do crime base de tráfico de estupefaciente, p. e. p. pelo art. 21.º do DL 15/93, de 22-01, e do crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo art. 25.º, al. a), do mesmo diploma, uma vez quer o acórdão recorrido quer o recorrente o fizeram de forma clara e correcta, nenhuma dúvida se levantando quanto aos contornos legais destes crimes. A questão coloca-se apenas ao nível da subsunção dos factos ao tipo de tráfico base ou ao privilegiado, tendo em conta os factores a que o julgador pode, e deve, recorrer, nomeadamente, como se consigna no art. 25.º do DL 15/93, de 22-01, os meios utilizados, a modalidade ou circunstâncias da acção, a qualidade ou quantidade do produto estupefaciente, e tendo presente que «[o] tipo legal do crime de tráfico de menor gravidade, construído sobre o tipo matriz previsto no art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, deve procurar dar resposta, em nome da proibição de excesso, da equidade e da justiça, àquelas situações que merecem reprovação, mas que não atingem a gravidade pressuposta no tráfico simples.»[2] No caso em apreço, atendendo a estes parâmetros e à factualidade dada como provada, que não foi questionada, não podemos deixar de reconhecer que a visão do recorrente é a que realiza o adequado enquadramento jurídico dos factos, ponderando de forma correcta todos os factores determinantes, que de modo algum nos podem levar a concluir pela considerável diminuição da ilicitude. Na verdade, se a menor quantidade de estupefaciente apreendido (embora não insignificante, já que correspondente a 480 doses de consumo médio individual de haxixe, que se destinava à venda a terceiros consumidores – ponto de facto provado 116), e os reduzidos valores monetários encontrados e apreendidos na mesma altura (€ 95 proveniente da venda de estupefacientes – pontos de facto provados 115.º e 117), a par da condição de consumidor do arguido BB, do modesto contexto sócio-económico de vida dos arguidos, e até da natureza do estupefaciente objecto da sua actividade de tráfico – haxixe – nos podem levar a considerar de algum modo diminuída a ilicitude, tudo o demais provado afasta-nos desse patamar. E como factores mais evidentes destacamos o período de tempo em que decorreu a referida actividade de tráfico, acompanhada da ausência de exercício de actividade profissional por ambos os arguidos, o número de consumidores contactados e quanto a alguns o número de vezes em que esses contactos se verificaram. Estamos a falar de um período de tempo, não de três anos e tal como se refere no acórdão recorrido e até no recurso, mas de quatro anos, já que decorreu, seguramente, de Outubro de 2018 (ponto de facto provado 8) até ao dia 12 de Outubro de 2022 (ponto de facto provado 111), este correspondente à data da abordagem aos arguidos e realização das apreensões (ponto de facto provado 115), o que também significa que os arguidos só cessaram a sua actividade por força da intervenção policial realizada. Quando ao número de contactos estabelecidos com os consumidores/compradores, se é certo que em muitas situações apenas se demonstrou uma única transacção, ou não mais de três ou quatro vezes, de que são exemplo os pontos de facto provados 15, 26, 27, 30, 31, 50, 56, 70 a 111, num total de cinquenta e quatro contactos, outras se apurou em que os contactos com os concretos consumidores eram regulares, de que são exemplo: - CC, com aquisição de estupefaciente quase diariamente, num total apurado de € 770 (pontos de facto provados 10, 11 e 126); - FF, com aquisição de estupefaciente de uma a duas vezes por semana, num total apurado, juntamente com a venda a GG (ponto de facto provado 15), de € 3502 (pontos de facto provados 12 a 14 e 126); - HH, com aquisição de estupefaciente uma vez por mês, num total apurado de € 345 (pontos de facto provados 16, 17 e 126); - II, com aquisição de estupefaciente em periodicidade não concretamente apurada, num total apurado de € 57,50 (pontos de facto provados 18, 19 e 126); - JJ, com aquisição de estupefaciente quase diariamente, num total apurado de € 1610 (pontos de facto provados 20, 21 e 126); - KK, com aquisição de estupefaciente pelo menos uma vez por semana, num total apurado de € 240 (pontos de facto provados 22, 23 e 126); - LL, com aquisição de estupefaciente pelo menos duas vezes por semana, num total apurado de € 920 (pontos de facto provados 24, 25 e 126); - NN e OO, com aquisição de estupefaciente duas vezes por semana, num total apurado de € 1760 (pontos de facto provados 28, 29 e 126); - RR, com aquisição de estupefaciente uma vez por semana, num total apurado de € 1200 (pontos de facto provados 32, 33 e 126); - UU, com aquisição de estupefaciente uma vez por semana, num total apurado de € 240 (pontos de facto provados 34 e 126); - VV, com aquisição de estupefaciente uma a duas vezes por mês, desde pelo menos fevereiro de 2020, à razão do montante compreendido entre € 5,00 a € 10,00, por cada venda (pontos de facto provados 35 e 36); - XX, com aquisição de estupefaciente uma vez por semana, num total apurado de € 300 (pontos de facto provados 37, 38 e 126); - YY, com aquisição de estupefaciente duas vezes por semana, num total apurado de € 2800 (pontos de facto provados 39, 40 e 126); - ZZ, com aquisição de estupefaciente uma vez por semana, num total apurado de € 600 (pontos de facto provados 41, 42 e 126); - AAA, com aquisição de estupefaciente uma vez por semana, num total apurado de € 120 (pontos de facto provados 43 a 45 e 126); - BBB, com aquisição de estupefaciente uma vez por semana, num total apurado de € 700 (pontos de facto provados 46, 47 e 126); - CCC, com aquisição de estupefaciente uma vez por semana, num total apurado de € 340 (pontos de facto provados 48, 49 e 126); - EEE e FFF, com aquisição de estupefaciente uma vez por semana, desde pelo menos meados de 2021, em valor não apurado (pontos de facto provados 51 e 52[3]); - GGG, com aquisição de estupefaciente uma vez por semana, num total apurado de € 680 (pontos de facto provados 53, 54 e 126); - HHH, com aquisição de estupefaciente uma vez por semana, num total apurado de € 280 (pontos de facto provados 55 e 126); - KKK, com aquisição de estupefaciente duas a três vezes por semana, num total apurado de € 380 (pontos de facto provados 57, 58 e 126); - LLL, com aquisição de estupefaciente uma vez por semana, num total apurado de € 100 (pontos de facto provados 59 e 126); - NNN, com aquisição de estupefaciente uma vez por mês, num total apurado de € 310 (pontos de facto provados 60, 61 e 126); - OOO, com aquisição de estupefaciente uma a duas vezes por semana, num total apurado de € 100 (pontos de facto provados 62, 63 e 126); - PPP, com aquisição de estupefaciente uma vez por semana, num total apurado de € 440 (pontos de facto provados 64, 65 e 126); - QQQ, com aquisição de estupefaciente uma vez por semana, num total apurado de € 180 (pontos de facto provados 66, 67 e 126); - SSS, com aquisição de estupefaciente uma a duas vezes por semana, num total apurado de € 220 (pontos de facto provados 68 e 126); Mostra-se ainda provado que, no período em causa, os arguidos venderam a HHHH estupefaciente no valor de € 400 (ponto de facto provado 126). Com o conjunto desta actividade de tráfico de estupefacientes, ficou demonstrado que os arguidos tiveram um lucro de, pelo menos, € 18.604 (ponto de facto provado 126). Importa distinguir, com eventual relevância para a configuração do crime e determinação das penas, que em algumas situações o arguido BB actuou de forma isolada, como resulta da factualidade dada como assente nos pontos de facto provados 12 e 13 (FF), 15 (GG), 16 e 17 (HH), 18 e 19 (II), 20 e 21 (JJ), 24 e 25 (LL), 28 e 29 (NN e OO), 35 e 36 (VV), 37 (XX), 39 e 40 (YY), 45 (AAA) e 48 (CCC).
Deve ainda realçar-se que as vendas não eram todas feitas na rua (as que eram realizavam-se à porta ou nas imediações do “café A...”), isto é, fora de portas, ocorrendo igualmente na residência dos arguido (ponto de facto provado 2), e eram normalmente precedidas de contactos (Messenger e WhatsApp) com os consumidores (ponto de facto provado 6), o que denota a existência de uma carteira de clientes (não eram vendas dependentes do acaso), o que permitia uma melhor agilização das vendas com menor evidencia do exercício da actividade de tráfico, por menor exposição dos arguidos. Assim, embora não sofisticada, a organização da actividade estava rentabilizada para os melhores resultados com o menor risco. Em face destes elementos que foram dados como provados, e apesar dos já referidos, até pelo recorrente, que aligeiram a ilicitude dos factos, estamos muito distantes de uma considerável diminuição da ilicitude dos mesmos. Como bem se salientou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-03-2015, relatado por Armindo Monteiro no âmbito do Proc. n.º 7/10.OPEBJA.S1[4] - 3.ª Secção, «[a] ilicitude exigida neste tipo legal tem de ser, não apenas diminuta, mas mais do que isso, consideravelmente diminuta». E se verificarmos o acórdão, também, do Supremo Tribunal de Justiça de 24-02-2010, relatado por Sousa Fonte no âmbito do Proc. n.º 141/08.6P6PRT.S1[5]- 3.ª Secção, invocado na decisão recorrida para justificar que muito do tráfico de rua deve ser reconduzido à previsão do art. 25.º do DL 15/93, de 22-01, veremos que a situação que se julgou naquele processo, e que foi reconduzida à previsão do art. 21.º do referido diploma legal, e que se fundou num único acto, onde foram apreendidas 53,949g de heroína, correspondentes a 424 embalagens para venda, e a quantia de aproximadamente € 910, não é de maior ilicitude do que a que aqui se analisa. Com efeito, apesar de estar em causa heroína e mais expressiva apreensão de droga e dinheiro, nenhum outro contexto relevante se apurou. No caso dos autos, deparamo-nos com natureza de estupefaciente considerado menos gravoso, e com menor apreensão de droga e de dinheiro, mas com uma tenaz persistência dos arguidos em desenvolver ao longo de quatro anos a actividade de tráfico de estupefacientes, não se dedicando a qualquer actividade profissional, e da qual resultaram lucros computados em € 18.604. No mesmo alinhamento vemos o acórdão, também, do Supremo Tribunal de Justiça, de 15-04-2010, relatado por Maia Costa no âmbito do Proc. n.º 17/09.0PJAMD.L1.S1[6] – 3.ª Secção, onde se procedeu à seguinte análise: «Provou-se que o recorrente foi detido quando se preparava, dentro de um automóvel conduzido por um consumidor, para vender a este uma quantidade indeterminada de um produto estupefaciente. Foram-lhe então encontradas na sua posse 61 embalagens de heroína, com o peso líquido de 10,279 gramas, e 40 doses de cocaína, com o peso líquido de 5,438 gramas. Tinha ainda na sua posse três telemóveis, e 162,30 € em dinheiro, proveniente de vendas de estupefacientes. Realizada, de seguida, uma busca a casa do recorrente, foram aí localizadas uma embalagem de heroína, com 2,791 gramas, e cinco embalagens de cocaína com o peso de 0,718 gramas. Foram igualmente encontradas embalagens de lactose, paracetamol e cafeína, bem como um frasco de amónio, produtos estes utilizados pelo recorrente na preparação, mistura e embalagem dos estupefacientes que destinava à venda. Tinha também uma tesoura, uma lâmina, uma colher e uma balança de precisão, de que se servia para a mesma finalidade. Mais se provou que se dedicava à comercialização de estupefacientes desde data não apurada, actividade que só cessou com a detenção, sendo os lucros daí obtidos a sua única fonte de rendimentos. Tinha na sua posse, no momento da detenção, vários telemóveis (três), como é típico dos vendedores de estupefacientes intensamente procurados pelos seus clientes. Não é consumidor de estupefacientes. Este conjunto de factos revela uma dedicação intensa e exclusiva à actividade de venda de estupefacientes (sem que tal fosse influenciado sequer pela necessidade de financiamento do consumo pessoal, já que o recorrente não era consumidor), que é incompatível com o grau menor de ilicitude exigido pela previsão típica do art. 25º do DL nº 15/93. Por isso, os factos não podem deixar de ser subsumidos ao crime do art. 21º do mesmo diploma, improcedendo, pois, o recurso, nesta parte»
É essa dedicação exclusiva, intensa e extensa que também se verifica no caso dos autos que afasta, sem sombra de dúvidas, a considerável menor ilicitude dos factos. Como se perfilhou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-11-2023, relatado por Maria do Carmo Silva Dias no âmbito do Proc. n.º 11/22.5SFPRT.P1.S1[7] – 3.ª Secção, análise que tem perfeito acolhimento no caso de que nos ocupamos, «[a] diminuição da ilicitude, haverá de ser encontrada e justificada, num quadro factual em que claramente se percebe o comportamento arcaico, impreparado, básico mesmo, do agente que age perante os produtos estupefacientes, que sabe serem proibidos, sem grandes elaborações intelectuais de ocultação e sem que o seu procedimento ou a qualidade dos mesmos, cause repercussão significativa no meio em que desenvolve essa sua atividade, no fundo e grosso modo, o chamado vendedor de rua, ocasional e quase despreocupado, quadro fáctico que não é possível recortar nestes autos».
Assim, por tudo o exposto, e acolhendo a argumentação do recorrente, que aqui se dá por reproduzida, é de considerar que a conduta dos arguidos integra a prática do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, com referência à tabela I-C anexa, tal como vinham acusados. Procede, pois, a questão da qualificação jurídica dos factos suscitada pelo recorrente. * Tendo por pressuposto a referida alteração da qualificação jurídica, impõe-se reformular as penas aplicadas aos arguidos, tendo em atenção que a moldura penal abstracta aplicável é agora de 4 (quatro) a 12 (doze) anos de prisão, ao invés de 1 (um) a 5 (cinco) anos de prisão. O Tribunal a quo já realizou, no âmbito da qualificação jurídica que se alterou, a seguinte análise quanto à medida concreta das penas: «4.3. Da medida concreta da pena Um dos princípios consagrados na nossa Constituição encontra-se ínsito no art.º 18.º, n.º 2, que nos diz que “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” - princípios da necessidade da pena e da proporcionalidade ou da proibição do excesso. A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia no seu artigo 49.º diz-nos no seu n.º 3 que as penas não devem ser desproporcionadas em relação à infração. Por seu turno, o art.º 40.º do Código Penal consagra que a finalidade a prosseguir com as penas e medidas de segurança é a “proteção dos bens jurídicos e a integração do agente na sociedade”. O art.º 71º do Código Penal estabelece no seu n.º 1 a orientação base para a medida da pena a aplicar: “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”. Nessa conformidade, para a determinação concreta da pena, balizada pela moldura penal abstrata, importa apreciar três fatores: a culpa manifestada pelos arguidos na prática dos crimes em causa, como limite máximo da pena concreta; as necessidades de prevenção geral, como limite mínimo necessário para tutelar o ordenamento jurídico de modo a repor a confiança no efeito tutelar das normas violadas em relação aos valores e bens jurídicos que lhes subjazem; e as necessidades de prevenção especial manifestadas pelos arguidos, que vão determinar, dentro daqueles limites, qual o quantum da pena necessário para os reintegrar socialmente, se for caso disso, e/ou ter sobre eles um efeito preventivo no cometimento de novos crimes. A medida concreta da pena há-de encontrar-se no espaço de liberdade fornecido por uma moldura que tem como limite máximo a culpa do agente e como limite mínimo as exigências de prevenção geral positiva (Figueiredo Dias, “Direito Penal Português, As Consequências do Crime”, Editorial Notícias, pg. 227 e ss). Na verdade, importa precisar que: - A culpa do agente assinala o limite máximo da moldura penal, dado que não pode haver pena sem culpa, nem a pena pode ser superior à culpa, e no respeito pela dignidade inalienável do agente; - As exigências de prevenção geral (traduzidas na necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto, no respeito pelas legítimas expetativas da comunidade) têm uma medida ótima de proteção, que não pode ser excedida, e um limite mínimo, abaixo do qual não se pode descer, sob pena de se pôr em causa a crença da comunidade na validade da norma violada e os sentimentos de confiança e segurança dos cidadãos nos institutos jurídico penais; trata-se, aqui, de determinar qual a pena necessária para assegurar o respeito pelos valores violados, pelo que, a pena a aplicar não pode ultrapassar os limites de prevenção geral, uma vez que, como dispõe o artigo 18.º, n.º 2 da C.R.P., só razões de prevenção geral podem justificar a aplicação de reações criminais; e - Dentro desses dois limites atuam, na graduação da pena concreta, os critérios de prevenção especial de ressocialização, pois só se protege eficazmente os bens jurídico-penais se a pena concreta servir a reintegração do agente ou não evitar a quebra da sua inserção social. Em suma, a realização da finalidade de prevenção geral que deve orientar a determinação da medida concreta da pena abaixo do limite máximo fornecido pelo grau de culpa, relaciona-se com a prevenção especial de socialização por forma que seja esta finalidade a fixar, em último termo, a medida final da pena. Para graduar concretamente a pena há que respeitar ainda, como supra foi dito, o critério fornecido pelo n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal, ou seja, atender a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele. Este critério é fornecido, exemplificativamente, nas suas alíneas e podem e devem ajudar o tribunal a concretizar, no sentido de vir a quantificar, quer a censurabilidade ao facto a título de culpa, quer as exigências de prevenção geral e de prevenção especial. A exigência de as referidas circunstâncias, favoráveis ou desfavoráveis ao agente (atenuantes ou agravantes), não integrarem o tipo legal de crime, ressalta de já terem sido levadas em conta pelo legislador na determinação da moldura legal, o que, no caso contrário, violaria o princípio ne bis in idem. * Convocando para este espaço a concreta factualidade apurada quanto a cada um dos arguidos, e lendo-a à luz das considerações acabadas de expor, afigura-se-nos de sublinhar, pelo seu particular interesse, alguns aspetos, o que faremos em seguida. * Em termos de prevenção geral, como é consabido, o tráfico de estupefacientes põe em causa uma pluralidade de bens jurídicos: a saúde, a integridade física, a vida e a liberdade dos virtuais consumidores, bem como do próprio, e, para além disso, afeta a vida em sociedade, na medida em que dificulta a inserção social dos consumidores e possui comprovados efeitos criminógenos. Dito isto, ocorre ponderar, no que concerne aos crimes de tráfico de menor gravidade, que estamos diante de uma área da criminalidade que suscita na comunidade intensas exigências punitivas. A toxicodependência é uma problemática de efeitos terríveis: efeitos terríveis antes do mais e desde logo para o próprio toxicodependente, que vê deteriorarem-se de forma brutal as suas condições de vida, entrando numa espiral destrutiva de que só a muito custo consegue escapar; efeitos terríveis para a sua família, pela degradação em que vê entrar um dos seus, que quantas vezes a arrasta também para um sofrimento intenso em vários planos; e efeitos terríveis também, como é óbvio, para a sociedade em geral, seja pela perda de elementos que de outro modo, em lugar de deambularem sem norte pelas ruas, poderiam fazer algo de útil à comunidade, seja ainda pelo inevitável aumento exponencial da criminalidade, nomeadamente ao nível do furto, do roubo e da recetação. Ora, se a essas considerações gerais, já ponderadas pela lei aquando da definição das molduras penais, associarmos a atual facilidade de acesso aos produtos estupefacientes, a frequência com que a venda destes ocorre e a incidência hoje conhecida do fenómeno da toxicodependência e dos números da criminalidade que o acompanham, temos aqui delineado um quadro do qual ressalta um intenso alarme social, tornando elevadas as exigências punitivas induzidas pelo sentimento comunitário. No que diz respeito à prevenção especial temos a ponderar que a arguida nunca antes foi condenada por qualquer ilícito penal. Já o mesmo não se poderá dizer do arguido que já sofreu condenações, sendo a última por sentença cumulatória transitada em julgado em 18.01.2010, na pena única de 8 anos e 6 meses de prisão, sendo certo que crimes de diferente natureza do aqui em apreço. Acresce que os arguidos não exercem qualquer profissão, consistente vivendo, se não exclusivamente da ajuda de terceiros, revelando uma desvalorização dos tipos de comportamentos aqui em causa, pelo que as necessidades de prevenção especial afiguram-se-nos elevada, com, mais enfase no arguido atentos os seus antecedentes criminais e a sua participação nos factos, já que era a sua participação nas vendas superior às da arguida. Feitos estes considerandos quanto à prevenção geral do crime de tráfico de estupefacientes e especial, vejamos no que concerne aos elementos elencados no art.º 71º, n.º 2 do Código Penal. O grau de ilicitude é mediano, pois, no quadro de um tráfico comum, a quantidade que os arguidos detinham de produto não era elevada, os proventos também não o eram (nesse quadro), os meios usados eram rudimentares e faziam a venda “a retalho”. A relevar também negativamente o período temporal em que essa atividade ilícita se desenvolveu. Ademais, já eram vários os consumidores que os procuravam. Já o dolo, por outro lado, foi muito intenso, não só pela frequência das vendas, como pelo tempo decorrido. Os arguidos revelam um percurso de vida desestruturado e sem atividade profissional regular. Têm uma condição socioeconómica modesta, mantendo-se assim o pano de fundo que explica as suas atuações. A retaguarda familiar dos arguidos é frágil. É igualmente atendível a modesta situação económico-financeira dos arguidos, pautada por ausência de rendimentos significativos e de bens. Tendo em conta a quantidade e a natureza da droga transacionada (haxixe), o facto de terem agido com o dolo direto, o modus operandi, o juízo de censurabilidade ético jurídica e, portanto, de culpabilidade, é elevada. Ademais, temos que dar à situação concreta a dimensão que ela tem: estamos perante um pequeno tráfico. A relevar, favoravelmente à arguida não ter antecedentes criminais e mostram-se integrado no seu meio social e familiar. A ponderar que os arguidos confessaram parcialmente os factos. Em complemento do que vimos de explanar, apontaremos ainda três notas. A primeira para deixar consignado que valorámos negativamente para os arguidos visados a insuficiência de formação escolar e para o arguido a situação de toxicodependência, pensando essencialmente do ponto de vista das suas condições pessoais para uma eficiente reinserção social; é que também não ignoramos que esses mesmos fatores concorrem de algum modo no sentido de uma certa mitigação do juízo de culpa que se lhes pode dirigir. A segunda nota para referir que evidenciam os factos arrependimento, traduzido na assunção dos seus comportamentos. A terceira e última nota para realçar que os arguidos provêm de agregado familiar de origem marcados por dificuldades várias de ordem económica e social, o que, não constituindo naturalmente motivo para desculpar os comportamentos adotados na idade adulta, permite, porém ter uma melhor perceção de um contexto de vida destituído de barreiras educacionais suficientemente estruturantes, o que também conduz a uma certa mitigação dos correspondentes juízos de culpa. Consequentemente, variando a moldura penal abstrata entre um e cinco anos de prisão, parece-nos adequada a imposição de uma pena de: - Quanto à arguida AA dois anos de prisão; - Quanto ao arguido BB dois anos e nove meses de prisão.»
Esta avaliação não foi posta em causa pelos arguidos, que não recorreram da decisão, e o recorrente dela diverge, no que o acompanhamos, na estrita medida da diferente avaliação da dimensão da actividade desenvolvida, não afastando tudo o que demais se argumentou neste capítulo do acórdão recorrido. Por isso, neste segmento do recurso apenas invoca, não infirmando a avaliação que o Tribunal a quo já havia feito, com a apontada ressalva, que «importa, desde logo ter em conta o dolo muito intenso (directo, dada a definição do art. 14º, nº 1 do C. Penal e a matéria fáctica provada). De igual forma, importa ponderar o grau de ilicitude que se apresenta já significativo. Na realidade, e para o efeito importa ter em consideração o período de tempo em que tal decorreu, - mais de três anos incluindo os confinamentos decorrentes da pandemia, os locais (incluindo um café), o meio usado (redes sociais) o elevado número de compras e vendas que foram efectuadas - diariamente e a uma média de 6 pessoas por dia, assim como a quantidade de produto de estupefaciente que ao longo do tempo foi vendido, tendo permitido um lucro de pelo menos €18.604,00. A qualidade do produto em causa – canábis resina – que se trata de uma droga leve. E que ao longo de tal período os arguidos não exerceram qualquer actividade profissional, vivendo quase exclusivamente dos lucros de tal actividade. As elevadas necessidades de prevenção geral positiva que se verificam relativamente ao crime de tráfico, dado o perigo que o mesmo representa para a saúde pública e os efeitos sociais perniciosos que lhe estão associados, ainda que de uma droga denominada leve se trate. Com relevância para a situação em concreto pode ler-se no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no Processo n.º 47/13.7 PAPBL.C1.S1, in Internet WWW.dgsi.pt que “I – (…). II – (…). III – Nos crimes de tráfico de estupefacientes as finalidades de prevenção geral impõe-se com particular acuidade, pela forte ressonância negativa, na consciência social, das actividades que os consubstanciam. Todavia, à medida da tutela dos bens jurídicos, reclamada pela satisfação do sentimento de segurança comunitária, não é alheia a dimensão da ilicitude das diversas modalidades da acção, no seu recorte objectivo.” IV – (…). V (…). VI (…). VIII (…). VIII – (….).” Quanto as necessidades de prevenção especial as mesmas não se apresentam prementes porquanto aqueles não apresentam antecedentes criminais pela prática dos mesmos factos. Importa ainda ponderar a situação pessoal, familiar e profissional dos arguidos relatada no seu relatório social e na matéria de facto. Por último importa relevar a parcial confissão dos factos por parte dos arguidos e que o arguido também era consumidor. Assim sendo, tendo aqueles elementos em consideração, afigura-se-nos que se apresenta adequada e justa, aplicar: - à arguida - como coautora de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, p. e p., pelo art.º 21, n.º 1 do Dec. Lei n.º 15/93 de 22/01, uma pena de prisão não inferior a 4 anos e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período; - ao arguido - como coautor de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, p. e p., pelo art.º 21, n.º 1 do Dec. Lei n.º 15/93 de 22/01, uma pena de prisão não inferior a 4 anos e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período que deverá ser acompanhada pelo cumprimento de um regime de prova, plano de reinserção social com deveres e regras de conduta nos mesmos termos decididos pelo tribunal a quo com o qual nesta parte se concorda, a saber; a) Obedecer a um plano individual de readaptação social, a elaborar pelos serviços de reinserção social, no prazo de 3 meses; b) Diligenciar por ocupação profissional compatível com as suas qualificações e aptidões; c) Ingressarem tratamento relativo aos comportamentos aditivos e ainda subordinada ao dever do arguido se manter abstinente do consumo daquele tipo de substâncias, abstinência essa que deverá ser fiscalizada trimestralmente pelos competentes testes de despistagem; d) Não frequentar locais associados ao consumo de substâncias estupefacientes, ou contactar com indivíduos conectados com o tráfico de estupefacientes (cfr. artgs 50.º, nºs 1, 2, 3 e 4; 52.º, n.ºs 1, al. c), 2, al. b) e d) e 3; 53.º, n.ºs 1, 2 e 3; e 54.º, todos do Código Penal), uma vez que, não excedendo a medida da culpa, satisfaz plenamente as exigências preventivas, gerais e especiais.»
Salvo a avaliação sobre a dimensão da actividade em causa, a apreciação levada a cabo pelo Tribunal a quo mostra-se no essencial correcta, assim como a análise que o recorrente apresenta no seu recurso, que aqui se acolhem, sem necessidade de maior fundamentação, ressalvado o que se segue. Por um lado, a dimensão do tráfico de estupefacientes levado a cabo pelos arguidos, uma vez que já foi qualificado como tráfico comum, e não privilegiado, sujeito a uma pena de 4 (quatro) a 12 (doze) anos de prisão, mostra-se, dentro do leque de possibilidades que a nova previsão abarca, mais próximo dos limites mínimos da censura, dado o grau relativamente baixo da ilicitude dos factos comparativamente com outras realidades que também são abarcadas pela norma. Por outro lado, quando à censura relativa entre arguidos, importa realçar que a arguida AA, embora tenha praticado menos actos de tráfico e sempre em conjunto com o arguido, não era consumidora de estupefacientes e tinha um rendimento mensal, proveniente de uma pensão de invalidez, no valor de cerca de € 713. Já o arguido BB, protagonizou maior número de actos de tráfico, alguns levados a cabo sem a arguida, mas era toxicodependente e não tinha qualquer fonte de rendimento. A ponderação destes distintos factores leva-nos à conclusão da necessidade de aplicação de uma pena semelhante a ambos os arguidos, solução que acaba por se ver desequilibrada por força dos antecedentes criminais do arguido, que elevam as exigências de prevenção especial no que ao mesmo respeita e, consequentemente, a medida concreta da pena. Por fim, deve atender-se à circunstância de o recorrente ter especificado quais as penas concretas que considera adequadas relativamente a cada um dos arguidos. Tal circunstância leva a questionar se caberá ao Tribunal a quo ultrapassar esse limite e ir além da pretensão apresentada, caso assim o entenda? A resposta, embora não resulte de forma directa da lei, parece-nos que só pode ser negativa, pois só assim se assegura o adequado cumprimento da proibição da reformatio in pejus, que surge aqui não de forma directa mas ainda assim dentro do sentido da norma, já que o objecto do recurso foi limitado pelas conclusões da motivação onde surge clara a fixação concreta das penas parcelares propostas, bem como a respectiva suspensão, medidas que o recorrente entende que salvaguardam e são suficientes para garantir o ius puniendi do Estado – diferente seria se o Ministério Público tivesse deixado ao critério do Tribunal de recurso a fixação de penas, não indicando qualquer medida –, devendo considerar-se que quanto ao demais que fica de fora desta delimitação recursiva há ocorrência de trânsito em julgado da decisão da 1.ª Instância, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso. Por outro lado, este entendimento é a única forma de garantir aos arguidos um julgamento justo e equitativo, tal como delimitado pelo Ministério Público para correcção do erro de direito que apresentou, por não serem confrontados com uma decisão surpresa do Tribunal de recurso perante a qual não se defenderam e não puderam argumentar. É esta a posição que foi assumida no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-02-2011[8], que aqui acolhemos e seguimos de perto, em cujo sumário se firmou o seguinte entendimento: «I Se após condenação em pena de multa, o Ministério Público, em recurso, pede de forma expressa pena de prisão de cinco meses, suspensa na sua execução, o Tribunal da Relação não pode condenar em pena mais gravosa para o arguido; II Nestes casos, de recurso interposto pelo Ministério Público, em que o recorrente concretiza de forma expressa a pena que pretende seja aplicada ao arguido, este tem a expectativa legítima de não ver a pena agravada para além do limite expressamente pedido pela entidade que representa a acusação, não sendo a solução contrária, de se admitir que o arguido possa ser surpreendido pelo Tribunal da Relação com pena mais gravosa do que a pedida pelo Ministério Púbico, compatível com um processo equitativo, entendido como um processo equilibrado, justo e leal; III Tendo em conta estes três factores – (i) caso julgado parcial, (ii) violação da reformatio in pejus por via indirecta, (iii) expectativa legítima e confiança num processo leal (frustradas por decisões surpresa) – não pode o tribunal de recurso, num caso como o dos autos, ultrapassar o limite proposto pelo Ministério Público, e que constitui, afinal, o âmbito do recurso.»
Em face do exposto, e por se concordar, por defeito, pelas razões expostas, com a medida punitiva requerida pelo recorrente, que cumpre os critérios legais aplicáveis, nada havendo a censurar ou rectificar por força de algum excesso, cumpre fixar aos arguidos as seguintes penas: - À arguida AA uma pena de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de prisão; e - Ao arguido BB uma pena de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão. No que concerne à suspensão da execução das referidas penas – única pena de substituição aplicável à concreta medida das penas fixadas – há que atender à limitação apontada, em face do pedido concretamente formulado pelo recorrente, e que vai ao encontro do já decidido pelo Tribunal a quo, embora perante penas fixadas em medida inferior. Assim, devem ser suspensas na sua execução as penas fixadas aos arguidos, restando apurar, face à limitação imposta pelo pedido de recorrido, se quanto a ambos os arguidos se mostra excessivo o período de suspensão fixado e se quanto ao arguido não se justificam as condições fixadas, no todo ou em parte. O Tribunal a quo, debruçando-se sobre esta questão, decidiu o seguinte: «4.4. Das penas de substituição In casu, desde já se diga que não será de substituir a pena de prisão por trabalho a favor da comunidade, atento os problemas de saúde da arguida e esta não manifestou tal aceitação. Porque aos arguidos foi aplicada pena de prisão inferior a cinco anos há que ponderar se é de suspender as mesmas na sua execução. Dispõe o artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, que: “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, ou seja, a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (cfr. art.º 40.º, n.º 1, do Código Penal). Sendo que o período de suspensão tem duração igual de um a cinco anos - n.º 5 do mesmo preceito legal. Estamos perante um poder-dever, ou seja, um poder vinculado do julgador, que, terá de decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os necessários pressupostos, configurando a mesma uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico. Para este efeito, é necessário que o julgador, reportando-se ao momento da decisão e não ao momento da prática do crime, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a censura do facto e a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição. A pena de suspensão de execução da pena de prisão só pode e deve ser aplicada se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, o tribunal concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição - artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal. Consabido que as finalidades da punição se circunscrevem à proteção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade - artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal -, é em função de considerações exclusivamente preventivas, prevenção geral e especial, que o julgador tem de se orientar na opção pela pena de suspensão de execução da prisão. Assim, para aplicação daquela pena de substituição é necessário, em primeiro lugar, que a pena de suspensão da execução da prisão não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expetativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade. Em segundo lugar, é necessário que o tribunal se convença, face à personalidade do arguido, comportamento global, natureza do crime e sua adequação a essa personalidade, que o facto cometido não está de acordo com essa personalidade e foi simples acidente de percurso, esporádico, e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro evitará a repetição de comportamentos delituosos. Por outro lado, o juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido pode assentar numa expetativa razoável de que a simples ameaça da pena de prisão será suficiente para realizar as finalidades da punição e consequentemente a ressocialização (em liberdade) do arguido. Ou dito de outro modo: a suspensão da execução da pena deverá ter na sua base uma prognose social favorável ao arguido, a esperança de que este sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime. Nos termos do citado art.º 50.º, n.º 2, do Código Penal pode o tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordinar a suspensão da execução da pena de prisão ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta ou determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova. Sendo que nos diz o n.º 3 do citado artigo que os deveres e regras de conduta podem ser impostos cumulativamente. Por seu turno, o art.º 52.º, n.º 1, do Código Penal refere-se às regras de conduta que podem ser impostas ao condenado no período da suspensão, entre outras, frequentar certos programas ou atividades e cumprir determinadas obrigações; o n.º 2 diz-nos que se pode, complementarmente, impor ao condenado o cumprimento de outras regras de conduta, nomeadamente: não frequentar certos meios ou lugares e não acompanhar determinadas pessoas. Por seu turno o n.º 3 do mesmo preceito legal refere ainda que poderá o tribunal, obtido o consentimento prévio do condenado, determinar a sua sujeição a tratamento médico ou a cura em instituição adequada. Por sua vez, nos termos do art.º 53.º do Código Penal o tribunal pode determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, se o considerar conveniente e adequado a promover a reintegração do condenado na sociedade, que assentará num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social, regime de prova esse imposto nos termos do n.º 3 do mesmo preceito legal, sempre que o condenado não tiver ainda completado, ao tempo do crime, 21 anos de idade ou quando a pena de prisão cuja execução seja suspensa tiver sido aplicada em medida superior a três anos. * Feito este introito, debrucemo-nos sobre o caso sub judice. In casu, verifica-se que o pressuposto formal estabelecido por aquela disposição se encontra preenchido, dado que a pena única imposta aos supra referidos arguidos não é superior a 5 anos de prisão, ficando, desde logo, preenchido o pressuposto formal de que depende a aplicação do regime do art.º 50.º, do Código Penal Há, pois, que aferir do pressuposto material. Ora, desde logo, quanto ao crime de tráfico de estupefacientes, como vem sendo salientado pelos nossos tribunais superiores, na concretização da pena nestes crimes deve-se atender a fortes razões de prevenção geral impostas pela frequência desse fenómeno e das suas nefastas consequências para a comunidade. Com efeito, parte significativa da população prisional cumpre pena, direta ou indiretamente, relacionada com o tráfico e o consumo de estupefacientes. As necessidades de prevenção geral impõem, pois, uma resposta punitiva firme, única forma de combater eficazmente o tráfico. Neste contexto, só em casos ou situações especiais, em que a ilicitude do facto se mostre diminuída e o sentimento de reprovação social se mostre esbatido será admissível o uso do instituto da suspensão da execução da pena de prisão, suposta, obviamente, a existência de juízo de prognose favorável sobre o futuro comportamento do condenado. Ora, não ignorando, antes tendo bem presentes os ensinamentos atrás expendidos, temos para nós que, os arguidos, pese embora a gravidade do ilícito, a qual é elevada, acaba por ser contrabalançada ou compensada pela natureza concreta das respetivas atividades, já que efetivamente não se apuraram a detenção de quantidades relevantes de produto estupefaciente, as vendas não se mostraram muito relevantes, tratando-se em termos concretos enquadrado no rol do vulgar vendedor de rua, sem grandes lucros, vivendo pobremente, o que não impede de um juízo de possibilidade de suspensão da pena que lhes foi aplicada. Consideramos igualmente o facto de a arguida não ter ainda sofrido nenhuma condenação judicial, e os antecedentes do arguido ser pela prática de crimes de diferente natureza do aqui em apreço e por sentença transitada já em 2010. Ademais, assumiram parcialmente os fatos de que vinham acusados. Esta circunstância é suscetível de revelar o reconhecimento da censurabilidade das suas condutas. Acresce que se encontra familiarmente inseridos, com uma relação solidária e vinculativa entre ambos. De facto, não obstante a apurada conduta dos arguidos, num juízo de prognose futuro, se colocarem algumas reservas quanto ao facto destes poderem voltar a cometer factos idênticos, nomeadamente no que concerne ao tráfico de estupefacientes, atenta a dependência aditiva do arguido e a sua baixa capacidade de autocritica, e as condições económicas precárias de ambos, mesmo assim, entende-se que, a aplicação da suspensão da pena de prisão será ainda suficiente para os demover de voltarem a delinquir e se pode convocar ativamente os arguidos para os caminhos da legalidade permanente, proporcionando-lhes uma reintegração social em liberdade, fomentando o seu sentido de autorresponsabilização, pessoal e social. Assim, conjugando fatores entre si, permitem-nos formular um juízo de prognose favorável, entendendo-se que a ameaça do cumprimento da pena prisão é suficiente para que os arguidos sintam e compreendam não só a censura da sua conduta, como também o desmotivem da prática de novos crimes, pelo que entendemos que se encontram reunidos os pressupostos de aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, a qual terá duração igual à da pena de prisão. De todo o modo, considerando que ainda subsistem fatores de risco em relação ao arguido, visto que o arguido é de modesta condição socioeconómica e que tem um problema aditivo, para além da suspensão da execução daquela pena de prisão deve estar sujeito a regime de prova e é crucial para que se mantenha abstinente do consumo de produtos estupefacientes para tal afastar-se dos seus pares. Assim, a suspensão da pena de prisão será acompanhada pelo cumprimento de um regime de prova, plano de reinserção social com deveres e regras de conduta: a) Obedecer a um plano individual de readaptação social, a elaborar pelos serviços de reinserção social, no prazo de 3 meses; b) Diligenciar por ocupação profissional compatível com as suas qualificações e aptidões; c) Ingressar em tratamento relativo aos comportamentos aditivos e ainda subordinada ao dever do arguido se manter abstinente do consumo daquele tipo de substâncias, abstinência essa que deverá ser fiscalizada trimestralmente pelos competentes testes de despistagem; d) Não frequentar locais associados ao consumo de substâncias estupefacientes, ou contactar com indivíduos conectados com o tráfico de estupefacientes (cfr. artgs 50.º, nºs 1, 2, 3 e 4; 52.º, n.os 1, al. c), 2, al. b) e d) e 3; 53.º, n.os 1, 2 e 3; e 54.º, todos do Código Penal).»
Ponderando tudo o que se referiu, bem como a analise que antecede, não encontramos razões para aligeirar quer os prazos de suspensão de execução das penas dos arguidos, quer as condições fixadas ao arguido BB. Como tal, é de suspender na sua execução a pena de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de prisão fixada à arguida AA, por igual período, sem quaisquer condições. E quanto ao arguido BB é, igualmente, de suspender a execução da pena de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão fixada, por igual período, que deverá ser acompanhada pelo cumprimento de um regime de prova, plano de reinserção social com deveres e regras de conduta nos mesmos termos decididos pelo tribunal a quo, a saber; a) Obedecer a um plano individual de readaptação social, a elaborar pelos serviços de reinserção social, no prazo de 3 meses; b) Diligenciar por ocupação profissional compatível com as suas qualificações e aptidões; c) Ingressar em tratamento relativo aos comportamentos aditivos e ainda subordinada ao dever do arguido se manter abstinente do consumo daquele tipo de substâncias, abstinência essa que deverá ser fiscalizada trimestralmente pelos competentes testes de despistagem; d) Não frequentar locais associados ao consumo de substâncias estupefacientes, ou contactar com indivíduos conectados com o tráfico de estupefacientes (cfr. artgs 50.º, nºs 1, 2, 3 e 4; 52.º, n.ºs 1, al. c), 2, al. b) e d) e 3; 53.º, n.ºs 1, 2 e 3; e 54.º, todos do Código Penal). Deste modo, deve ser concedido total provimento ao recurso. * III. Decisão: Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder total provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, alterando a decisão recorrida: a) - Condenar a arguida AA como co-autora de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, com referência à tabela I-C anexa, numa pena de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período; b) - condenar o arguido BB como co-autor de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, p. e p., pelo art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, com referência à tabela I-C anexa, numa pena de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses, suspensa na sua execução por igual período, acompanhada pelo cumprimento de um regime de prova, plano de reinserção social com deveres e regras de conduta nos mesmos termos decididos pelo tribunal a quo, a saber; Sem tributação (art. 522.º, n.º 1, do CPPenal). Notifique. |