Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
16740/20.5T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: RESPONSABILIDADE DO CONDOMÍNIO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RP2024052016740/20.5T8PRT.P1
Data do Acordão: 05/20/2024
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Para que factos possam ser recolhidos para o elenco dos factos (provados ou não provados) têm de se encontrar alegados nos articulados - normais ou superveniente - (quanto aos essenciais) ou de resultarem da instrução da causa e ter sido dada às partes a possibilidade de sobre eles se pronunciarem (quanto a factos instrumentais, complementares ou concretizadores dos alegados) - cfr. nº1 e 2, do art. 5º, do CPC.
II - A responsabilidade civil supõem um facto ilícito (o incumprimento de obrigação), a culpa, um dano e uma relação causal entre aquele e este, sendo que na contratual (art. 798º) há uma presunção geral de culpa do devedor (nº1, do art. 799º) e na extracontratual, por factos ilícitos (art 483º), em regra, a comportar exceções, como a do nº1, do art. 493º), tem de ser provada pela credora da indemnização (nº1, do art. 487º), tal como os restantes pressupostos (sendo factos constitutivos do direito - v. nº1, do art. 342º, preceitos, estes, todos do Código Civil), sem cuja verificação se não constitui obrigação de indemnizar.
III - Na falta de prova, pela lesada, da verificação de, depois da constituição do condomínio, infiltrações e humidades na sua fração, causadoras de danos, que advenham de concreta causa com específica origem que permita ao Tribunal qualificar como em parte comum, não cumprido se mostra o ónus da prova dos factos constitutivos direito que invoca (nos termos do nº1, do art. 342º, nº1, do art. 483º e art. 493º, todos do Código Civil), com o efeito, na não constituição de obrigação de indemnizar (seja por restauração natural seja em dinheiro), da absolvição do Réu dos pedidos;
IV - Ante a verificação de inviabilidade da pretensão indemnizatória formulada, visando exceção dilatória que pudesse ser configurada, tutelar interesses do sujeito passivo que beneficiado sai com uma decisão de absolvição do pedido (na medida em que impedirá a repetição da causa por força do caso julgado), o desfecho da causa é de mérito, com a desejada e imposta, prevalência da substância sobre a forma, consagrada no nº3, do art. 278º, do CPC.
V - A condenação de uma parte como litigante de má-fé traduz um juízo de censura sobre a sua atitude processual, visando o respeito pelos Tribunais, a moralização da atividade judiciária e o prestígio da justiça.
VI - Com tipificação das situações objetivas de má-fé - nº2, do art. 542º, do CPC -, a figura da litigância de má-fé pretende cominar quem, dolosamente ou com negligência grave (elemento subjetivo), põe em causa os princípios da cooperação, da boa-fé processual, da probidade e adequação formal, que estão subjacentes à boa administração da justiça. Para a sua aplicabilidade, é exigido que resulte demonstrado nos autos que a parte agiu de forma reprovável e conscientemente ao pôr em causa a boa administração da justiça, o que no caso se não verifica.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 16740/20.5T8PRT.P1
Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível)

Tribunal de origem do recurso: Juízo Local Cível do Porto - Juiz 4

Relatora por vencimento (art. 663º/1/3CPC): Juíza Desembargadora Eugénia Cunha

1º Adjunto: Juíza Desembargadora Ana Olívia Loureiro

2º Adjunto/Relator, por vencido, conforme voto que lavra: Juiz Desembargador Jorge Martins Ribeiro

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):

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I. RELATÓRIO

Recorrente: Condomínio ..., ..., Porto

Recorrido: AA

AA propôs ação comum contra o Condomínio ..., ..., Porto, administrado por A..., Ldª., com sede na Rua ..., ... Porto e outros seis Réus, pedindo seja proferida sentença a:

A) Condenar-se as R.R. a promover as obras de beneficiação/manutenção das partes comuns, designadamente dos terraços e fachadas, tendo em vista eliminar as causas/origem das infiltrações de humidade na fracção pertença da A., num prazo nunca superior a 30 dias;

B) Condenar-se as R.R. a repararem os danos causados na fração da A., por virtude das infiltrações de humidade, num prazo nunca superior a 30 dias;

C) Condenar-se as R.R. a indemnizar a A. em sanção diária, no valor de € 150/diários, por cada dia de incumprimento do que vier a ser decidido quanto aos pedidos referidos em A) e B);

D)Condenar-se as R.R. a indemnizar a A. pelos danos causados na fracção A. e que determinaram a impossibilidade da sua utilização, por inabitabilidade, decorrentes das infiltrações de humidades, em montante a fixar em execução de sentença;

E) Condenar-se as RR. a indemnizar a A. em montante correspondente à depreciação da fracção da A., em virtude da infiltração das humidades, a liquidar em execução de sentença;

F) Condenar-se as RR. a indemnizar a A. em montante correspondente aos prejuízos económico financeiros decorrentes da recusa de potenciais compradores em adquirem a  fracção da A., face ao estado de degradação em que a mesma se encontra por virtude das infiltrações de humidades, a liquidar em execução de sentença;

G) Condenar a 1ª R. a não reclamar da A. quaisquer montantes que sejam devidos pelas despesas com encargos com as partes comuns, enquanto não se mostrar cumprido o peticionado em A) e B);

H) Condenar-se as RR. em custas de parte e juros de mora sobre todas as quantias em que vierem a ser condenadas, à taxa legal, desde a data da citação e até integral pagamento”, fundando a ação na falta de realização das obras nas partes comuns necessárias a eliminar as causas das infiltrações de humidade manifestadas na sua fração e nos danos patrimoniais e não patrimoniais que invoca ter sofrido.

O Condomínio Réu contestou, impugnando os factos alegados pela Autora e sustentando que os danos invocados e o atraso na realização das obras não são imputáveis a atuação sua, só tendo sido constituído em 2018, e que já realizou as obras, com exceção das da fachada frontal que ascendem ao valor de contribuição extra que a A. se recusou a pagar e invoca atuação abusiva da Autora que litiga de má-fé.


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Procedeu-se à audiência final, com a observância das formalidades legais.

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No despacho saneador foram os 2º a 7º Réus (e seus sucessores) julgados parte ilegítima e absolvidos da instância.

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Procedeu-se a audiência de julgamento com observância das formalidades legais.

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Foi proferida sentença com a seguinte parte dispositiva:

“Nos termos e pelos fundamentos expostos, decido julgar a presente acção parcialmente procedente, por provada na mesma medida, e em consequência:

a) condeno o R. a promover as obras de beneficiação/manutenção das partes comuns, tendo em vista eliminar as causas/origem das infiltrações de humidade na fracção descrita em 1), no prazo de 60 dias;

b) condeno o R. a reparar os danos causados na fracção referida em 1) descritos em 33) dos factos provados, no prazo de 60 dias;

c) condeno o R. a pagar, a título de sanção pecuniária compulsória, prevista no art.º 829.º-A do Código Civil, a quantia de € 50,00 (cinquenta euros) por cada dia de atraso no cumprimento das obrigações impostas em a) e b);

d) condeno o R. a indemnizar a A. pelos danos causados na fracção A. e que determinaram a impossibilidade da sua utilização, decorrentes das infiltrações de humidades, em montante a fixar em sede de liquidação;

e) condeno o R. a indemnizar a A. em montante correspondente à depreciação da fracção descrita em 1), em virtude da infiltração das humidades, a fixar em sede de liquidação;

f) condeno o R. nos juros de mora sobre as quantias em que vierem a ser fixadas, à taxa legal, desde a data da citação e até integral pagamento;

g)- absolvo o R. do demais peticionado pela A.;

Julgo igualmente improcedente o pedido de condenação como litigante de má-fé da A. .

Custas pela A. e pelo R. na proporção dos seus vencimentos eu se fixam provisoriamente em 2/7 e em 5/7 respectivamente (art.º 527.º, n.º s 1 e 2, do CPC)”.


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Apresentou o Réu recurso de apelação, pugnando por que seja revogada a sentença recorrida, e, consequentemente, seja o mesmo absolvido, formulando, para tanto, as seguintes

CONCLUSÕES:

“I. O tribunal a quo decidiu condenar o Réu, aqui Recorrente, dos pedidos de condenação no pagamento de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais,

II. Bem como, dos pedidos de condenação na realização de obras de beneficiação/manutenção e de reparação de danos, apresentado pela Autora, aqui Recorrida, relativo a alegados danos numa fração pertencente à mesma, por infiltrações e humidade.

III. O Recorrente entende, que o tribunal a quo errou na apreciação da prova produzida em sede de julgamento, pelo que pretende e requer a modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto, ao abrigo do disposto no artigo 640º do Código de Processo Civil, em virtude de se encontrarem no processo elementos de prova documental e prova gravada que importariam uma decisão diversa.

IV. O Recorrente considera incorretamente apreciados os seguintes pontos de facto:

Nos factos provados,

10) Desde pelo menos 2016 que o prédio e de modo particular a fração da A. passou a evidenciar problemas de infiltrações e humidades, decorrentes de falta de manutenção das partes comuns, ou, pelo menos, de problemas existentes nessas mesmas partes comuns;

28) Em virtude da infiltração de humidades no tecto e paredes, a A. ficou impedida de utilizar normal e regularmente a fração para o fim a que estava destinada;

30) Perante a situação concreta da fração A, a A. ponderou a sua alienação;

32) Ainda assim, em 19 de Maio de 2019, a A. acordou com a empresa B..., Lda., os termos de um contrato promessa de compra e venda, pelo preço de €129 000,00 (valor fixado considerando a depreciação da fração por virtude das infiltrações de humidade);

51) O espaço mostra-se encerrado e nem sequer pode ser arrendado, uma vez que o seu estado afasta qualquer interessado em exercer ali a sua actividade;

52) A A. já alienou a fracção descrita em 1), mas por valor inferior ao obteria caso a mesma não apresentasse as anomalias referidas em 33).

V. Identificação dos meios de prova que impõem decisão de facto divergente da proferida pelo juiz a quo:

- Contestação do Recorrente;

- Atas de condomínio 1, 2, 3 e 4, correspondentes aos Docs. 11, 12, 13 e 14, juntos com a PI sob Doc. 1;

- Documentos 1 do requerimento com referência CITIUS 33264073 da Recorrida;

- Declarações de parte gravadas em sede de audiência de julgamento:

- Declarações de parte de AA, ficheiro de suporte áudio, 20220906110303_15819055_2871488, com tempo áudio 00:35:27.

- Prova testemunhal gravada em sede de audiência de julgamento:

- Depoimento da testemunha BB, ficheiro de suporte áudio 20220906095310_15819055_2871488, com tempo áudio 00:46:07.

- Depoimento da testemunha CC, ficheiro de suporte áudio, 20221004140803_15819055_2871488, com tempo áudio 00:23:30.

- Depoimento da testemunha DD, ficheiro de suporte áudio 20221004143139_15819055_2871488, com tempo áudio 00:47:50.

VI. Pontos de facto que se pretendem alterar: pretende-se que os pontos 10, 31 e 50 dos factos provados, passem a ter a seguinte designação:

10) Desde pelo menos 2014 que o prédio e de modo particular a fração da A. passou a evidenciar problemas de infiltrações e humidades, decorrentes de falta de problemas existentes nas partes comuns;

31) Em 19 de Maio de 2019, a A. acordou com a empresa B..., Lda., os termos de um contrato promessa de compra e venda, pelo preço de €129 000,00;

50) A A. já alienou a fracção descrita em 1).

VII. Pretende-se, ainda, que os seguintes factos passem a constar no ponto B)-Factos não Provados:

27) Em virtude da infiltração de humidades no tecto e paredes, a A. ficou impedida de utilizar normal e regularmente a fração para o fim a que estava destinada;

29) Perante a situação concreta da fração A, a A. ponderou a sua alienação;

49) O espaço mostra-se encerrado e nem sequer pode ser arrendado, uma vez que o seu estado afasta qualquer interessado em exercer ali a sua actividade;

VIII. A parte AA, autora, nas suas declarações gravadas no ficheiro de áudio, 20220906110303_15819055_2871488, relativamente a estes factos, disse: 00:32:38

Juíza- “A pergunta é muito simples, em 2014, a Sra. pediu a alguns dos outros moradores que se convocasse falou com eles no sentido de se realizar alguma, (…) Em 2014, para além de ter falado com uma pessoa cujo nome não se recorda, lembra-se se escreveu a alguém, se falou com os vizinhos, no sentido de se reunirem, para tentar resolver este problema?

Autora- “Escrevi várias cartas”

Juíza- “A quem?”

Autora - “A esse Sr.”

Juíza- “A esse Sr., mas aos restantes moradores, a mais alguém escreveu?

Autora - “Não me recordo se a mesma carta foi dirigida a todos os condóminos.”

IX. A testemunha BB, no seu depoimento gravado no ficheiro de áudio, 20220906095310_15819055_2871488, relativamente a estes factos disse:

00:15:41

Mandatário da Recorrida- “Essa atividade desenvolveu-se durante

quantos anos?

Juíza- “Que atividade é essa explique”

Testemunha BB- “Comercialização de corantes para a indústria”

Juíza- “Desenvolvia essa atividade em simultâneo com a sua atividade

profissional?

Testemunha BB-“A empresa onde eu trabalhava, encerrou a atividade, por isso delegou parte da atividade da empresa em Portugal em vários colaboradores, e eu fiquei com a zona Norte”.

Juíza- “Há quanto tempo?

Testemunha BB- “Há 20 anos”

Juíza- “Há 20 anos, e esta reforma que o Sr. diz é desta atividade, o Sr. Já não exerce esta atividade?

Testemunha BB- “Não não não”

Juíza- “Já não exerce? Desde quando é que não exerce?

Testemunha BB- “Há 2 anos, vai fazer 3 anos, 3 anos que encerrou, que a empresa se encerrou”

Juíza- “Então em que mês e ano foi?”

Testemunha BB- “Tamos em 2022, 20 foi em 19”

Juíza- “Em que mês?”

Testemunha BB- “Foi no fim do ano por causa das finanças, para ter o, os problemas das finanças todos regularizados do ano corrente”

Juíza- “Mas quando me diz que deixou, que esta atividade encerrou em 2019, foi a sua atividade?”

Testemunha BB- “Sim sim”

Juíza- “A sua atividade”

Testemunha BB- “Não não não, a atividade da empresa. A atividade da empresa, onde eu trabalhava, por questões de pagamentos”

Juíza- “Não estou a perceber nada”

Juíza- “Olhe, o Sr. diz que, disse que a empresa encerrou, a empresa onde o Sr. trabalhou encerrou em 2019, certo? Foi nessa altura que o Sr. Se reformou?

Testemunha BB- “Sim sim, não eu reformei me até, pois, reformei me em 2020, reformei-me no ano seguinte ao encerramento da empresa.

Juíza- “Pronto.”

Juíza- “Mas o que eu queria saber, é quando o Sr. diz que exerceu esta atividade de comercialização de corantes, durante 20 anos, se foi em simultâneo com esta empresa, não estou a entender, se o Sr. se reformou nesta altura em 2020, desde 2020 que não utiliza aquela fração para esse fim.”

Testemunha BB- “Não para esse fim não, a empresa estava encerrada, mas continuava a ser propriedade da minha esposa, estava fechada, as instalações estavam fechadas”

00:20:18

Mandatário da Recorrida- “E as mercadorias também as deteriorava ou não?

Testemunha BB- “Não, já não havia mercadorias”

Mandatário da Recorrida- “Mas não havia porque, porque encerraram a atividade ou porque ficou impedido de exercer a atividade?”

Testemunha BB- “Não, foram vendidas durante 2019, para depois as finanças estarem em 2020, em janeiro de 2020, as finanças confirmar que estava tudo legal”

X. A testemunha CC, no seu depoimento gravado no ficheiro de áudio, 20221004140803_15819055_2871488 relativamente a estes factos disse:

00:05:51

Mandatário da Recorrida- “Sabe porque é que ela quis vender?”

Testemunha CC- “A ideia com que fiquei é que era um ativo que estava portanto vazio, dando assim a despesa normal e a deterioração também normal daquele bem, e o edifício também era um edifício que tinha alguns problemas de condomínio e necessidade de obras que acabavam por criar uma despesa acrescida, e portanto acho que é o cômputo digamos dessas dessas questões que fez com que colocassem o imóvel para venda”.

00:08:40

Mandatário da Recorrida - “Esse estado de degradação condicionou ou não o negócio em que termos?”

Testemunha CC- “O estado de degradação não condicionou o negócio”.

00:10:26

Mandatário da Recorrida- “No entanto o prédio foi vendido por menos, a fração foi vendida por menos, recorda-se do valor?”

Testemunha CC- “137.000€”

00:12:22

Mandatária do Recorrente- “Disse que o contrato que fez com a D. AA seria de 2018, nessa altura a loja estava em funcionamento?”

Testemunha CC - “Não”

Mandatária do Recorrente- “Não estava, tem a certeza?”

Testemunha CC- “Quase a certeza absoluta”

Mandatária do Recorrente- “Portanto estava encerrada?”

Testemunha CC - “Sim, não me recordo de haver lá atividade, penso eu, quando começamos a mediar”

00:16:36

Mandatária do Recorrente- “De 2018 em diante chegou a ir lá, e como é que viu o imóvel? Fechado? Em atividade?”

Testemunha CC- “Fechado”

Mandatária do Recorrente- “Fechado, portanto a ideia que tem é que o imóvel sempre esteve fechado desde a altura em que houve contrato com a vossa empresa?”

Testemunha CC- “Essa é a minha ideia”

XI. E, ainda, no ficheiro áudio 20221004143139_15819055_2871488, a testemunha DD, no seu depoimento gravado, relativamente a estes factos disse:

00:02:54

Mandatária do Recorrente- “Este imóvel na Rua ... tem condomínio desde quando?

Testemunha DD - “Tem condomínio desde finais de 2018, início de 2019”

Mandatária do Recorrente- “A partir de 2018 é que constituiu um condomínio?”

Testemunha DD - “Nasceu a figura de condomínio no prédio”

00:03:59

Mandatária do Recorrente- “Até 2018 alguma vez existiu condomínio?”

Testemunha DD- “O condomínio que existia era à moda antiga, a bem dizer, era administrado internamente por todos os moradores do prédio, nem era pelos donos, porque existia pessoas que tinham casas arrendadas e não era o dono que mexia por assim dizer nessa administração interna se eu puder dizer dessa forma”

Mandatária do Recorrente- “O que é isso de administração interna? O que é que vocês faziam? Como é que era?

Testemunha DD- “Era individualmente, cada morador não é, que participava para o que fosse necessário do prédio.”

Mandatária do Recorrente- “E como é que isso se fazia?”

Testemunha DD- “Por exemplo, a limpeza, uma semana era o 1º Esquerdo, outra semana a seguir era o 1º Direito. (…) tinham início no 1º esquerdo e um fim no 3º direito, todas as semanas calhava uma semana a cada, nem havia custos, o custo era de cada pessoa”

00:06:40

Mandatária do Recorrente- “Até à entrada da administração de condomínio, até 2018 portanto”

Testemunha DD- “Desculpando o termo era à biscatada, que o meu avô com 86 anos conseguia fazer”

Mandatária do Recorrente- “Tipo se falhasse uma luz”

Testemunha DD- “Uma luz, uma lâmpada”

Mandatária do Recorrente- “Mas obras de restauro?”

Testemunha DD- “Obras nunca, foi o desenrasque”

00:11:51

Mandatária do Recorrente- “Recorda-se se nestas reuniões, tanto na primeira de constituição de condomínio como na segunda em que foi aprovado o orçamento para reparação do prédio, para reparações no prédio se a D. AA esteve presente?”

Testemunha DD- “A D. AA nunca esteve presente em nenhuma assembleia do prédio”

Mandatária do Recorrente- “Nunca esteve presente?”

Testemunha EE- “Em nenhuma”

Mandatária do Recorrente- “E diga-me uma coisa, pois porque o Sr. Disse que nem sequer a conhecia”

Testemunha DD- “Primeira vez que vejo quem é a pessoa”

00:15:10

Mandatária do Recorrente- “Disse que a filha era pequenina, a sua filha tem que idade? 12 anos? Era pequenina com que idade que aquilo deixou de estar aberto”

Testemunha DD- “Estará fechado há 10 anos, 9 anos”

Mandatária do Recorrente- “Portanto está fechado há 10, 9 anos, e o que é que diz estar fechado? Assim portas encerradas?

Testemunha DD- “Assim como está agora”

00:16:45

Mandatária do Recorrente- “Existiu aqui algum problema, a obra esteve parada por alguma questão?

Testemunha DD- “A obra começou, pelo telhado, pela fachada traseira, depois a fachada lateral e chegou a um ponto que estagnou”

Mandatária do Recorrente- “Aquela coisinha que está ali vermelha, seriam obras no telhado?”

Testemunha DD- “Era no telhado”

Mandatária do Recorrente- “No telhado, portanto, ali já estavam a intervir no telhado, e depois a obra terá parado porque motivo?”

Testemunha DD- “A obra parou porque todo o valor que nós conseguimos que entrasse na conta do condomínio para obras, chegou a um ponto que, de todas as frações que vivem naquele apartamento, isto é fora o armazém, toda a gente liquidou o que tinha para liquidar. Todo o valor de toda a gente, esteve liquidado, estava pago. Então enquanto havia esse valor ok? A gente conseguiu fazer as obras, conseguiu fazer o telhado, a parte traseira e isso tudo. Chegou a um ponto, que é o ponto que estamos neste momento, que também a nível de licenciamento de andaimes e isso tudo, ainda está nesse ponto que está parado, não por motivos de falta de dinheiro mas licenciamentos, ficou parado porque o valor que faltava para a parte frontal, em grande peso, era da parte do armazém que faltava esse valor. A parte que faltava do armazém não estava liquidado”

Mandatária do Recorrente- “Ou seja, faltava dinheiro para continuar a obra na fachada frontal?”

Testemunha DD- “Exatamente, faltava para fazer os 100% do orçamento, era o valor da fração do armazém”

Mandatária do Recorrente- “Era o valor da fração do armazém, ok, recorda-se qual era o montante?”

Testemunha DD- “12, 11”

Mandatária do Recorrente- “11 ou 12 mil euros, e era portanto da fração da D. AA que faltava pagar?”

Testemunha DD- “Se valor da fração entrasse o valor da fração, ficava 100% do orçamento pago”.

Mandatária do Recorrente- “Sabe se da parte do condomínio existiu tentativas que a Sra. pagasse para as obras poderem prosseguir?”

Testemunha DD- “Pelo que o é normal a nível de condomínio, era enviar as cartas de cobrança não é, para tentar reaver o valor, e tentativa da parte de email com os avisos de cobrança”.

00:30:44

Mandatário da Recorrida- “Só lhe estou a perguntar se recebeu?”

Testemunha DD- “Não, apesar de dizer DD está direcionada ao administrador do condomínio”

Mandatário Recorrida- “Sim, mas é para o Senhor não é?”

Testemunha DD- “Pelo que diz ali”

Mandatário da Recorrida- “Para o Sr. FF que está ali, foi o Sr. Que recebeu ou não recebeu esta carta?”

Testemunha DD- “Não, isso é a administração do condomínio”

Mandatário da Recorrida- “Não me está a responder (…) e não conhece nenhuma carta deste estilo? Nunca conheceu?”

Testemunha DD- “Desse estilo como?

Mandatário da Recorrida- “Se nunca conheceu o teor desta carta, a reclamar obras”

Testemunha EE- “Não”

Mandatário da Recorrida- “Com infiltrações, e a reclamar infiltrações”

Testemunha DD- “Infiltrações não, a reclamar infiltrações, tenho conhecimento que toda a gente no prédio tinha os mesmos problemas com infiltrações, todas as cartas que vinham para a administração eram reencaminhadas para a administração”

Mandatário da Recorrida- “Mesmo já em 2014?”

Testemunha DD- “Em 2014 nem havia condomínio”

Mandatário da recorrida- “Os condóminos não recebiam cartas nenhumas de ninguém, do Sr. GG, sabe quem é o Sr. GG?”

Testemunha DD- “O Sr. GG é do 2º Esquerdo”

Mandatário da Recorrida- “Ele chegou a mandar cartas para toda a gente, não chegou?”

Testemunha DD- “Mas estamos a falar do Sr. GG, ou estamos a falar da fração de baixo?”

Mandatário da Recorrida- “Estou a falar do Sr. GG”

Testemunha DD- “Eu posso-lhe dizer que nunca recebi nenhuma carta para nada”

XII. Da leitura e análise dos depoimentos, verifica-se e confirma-se, de forma cristalina, que era impossível o tribunal a quo dar como provado que os danos decorrentes de infiltrações e humidade apenas retrocedem a 2016, havendo sinais claros de que os mesmos surgem antes,

XIII. Bem como, que existe qualquer nexo de causalidade entre esses danos e o encerramento da atividade comercial do cônjuge da Recorrida,

XIV. E ainda que se deu uma depreciação do imóvel pelos respetivos danos.

XV. As declarações da Recorrida e o depoimento da testemunha BB mostram-se incongruentes, falaciosos e orquestrados, além de claramente guiados pelo correspetivo mandatário,

XVI. Não existindo um conhecimento certo e bem apurado dos acontecimentos, conduzindo a diversas falhas, contradições e erros de discurso.

XVII. Nesse seguimento, não podia o tribunal a quo responsabilizar o recorrente, não só pela totalidade dos danos do imóvel, mas também pela alegada depreciação do imóvel,

XVIII. Até porque, os danos remontam cerca de 4 anos antes da constituição da figura do Condomínio, que outrora não existia,

XIX. Cabendo, primeiramente, uma responsabilidade individual e uma responsabilidade solidária dos proprietários das respetivas frações do prédio em causa.

XX. Com efeito, no que respeita à antiguidade dos danos, resultantes de infiltrações e humidade, não se concede que tenha sido dado como provado que os mesmo remontam apenas a 2016, quando foram produzidas provas claras de que os danos são anteriores.

XXI. Nomeadamente, a própria Recorrida esclarece nas suas declarações de parte que os primeiros danos começaram a verificar-se no ano de 2014,

XXII. O que se comprova, também, pelas alegadas cartas enviadas, pela Recorrida, aos restantes condóminos a reportar os referidos danos.

XXIII. Também o seu cônjuge, a testemunha BB, relata que as infiltrações e humidade existiam há bastante tempo,

XXIV. E, ainda, o Sr. Perito, a testemunha FF, foi confrontado com documentos referentes a 2014, ano em que realizou uma primeira visita ao prédio e depõe que aí já se verificavam as infiltrações.

XXV. Todos estes testemunhos foram abordados na motivação de facto da sentença, da qual ora se recorre,

XXVI. Logo, não se percebe porque foi dado como provado que os danos apenas retrocedem a 2016,

XXVII. Fazendo todo o sentido, que seja dado como provado que os primeiros danos por infiltrações e humidade começam a surgir em 2014.

XXVIII. Deste modo, deve o ponto 10) dos factos provados da sentença sub iudice ser alterado, passando a constar o ano de 2014.

XXIX. Ainda sobre este ponto dos factos provados, não podemos falar de uma “falta de manutenção das partes comuns”, quando não existia uma figura responsável e encarregue de qualquer dever/obrigação, em sede de vigia e manutenção do prédio,

XXX. O que implicava um dever de zelo a cada condómino/proprietário das correspetivas frações, do prédio em causa.

XXXI. Isto é, cabia à Recorrida e restantes, organizarem-se de modo a proceder a qualquer intervenção no imóvel, que considerassem necessária, para evitar ou corrigir quaisquer danos,

XXXII. O que não foi realizado.

XXXIII. Não existindo uma figura devidamente estabelecida para assumir tal responsabilidade, nunca seriam suficientes o envio de cartas da parte da Recorrida a comunicar os problemas da sua fração,

XXXIV. Cartas estas, que a Recorrida se mostra incapaz de precisar a quem remeteu as mesmas, conforme afirma nas suas declarações de parte,

XXXV. Devendo, sim, tomar uma atitude mais concreta e prática, de forma a evitar o agravamento dos danos da sua fração, sabendo que poderia, a posteriori, acionar a responsabilidade correspondente a cada condómino.

XXXVI. Mais, a testemunha DD afirma no seu testemunho que nunca rececionou qualquer carta da parte da Recorrida a comunicar os já referidos e identificados danos, seja antes da constituição de um condomínio, seja a posteriori.

XXXVII. O que a Recorrida mostrou, efetivamente, foi uma falta de interesse em proteger e salvaguardar o seu bem imóvel.

XXXVIII. Aliás, mesmo após a constituição da figura de um Condomínio (e respetiva administração), no ano de 2018 (denotemos, 4 anos após o surgimento dos primeiros danos), falhou a Recorrida em mostrar interesse para solucionar os problemas,

XXXIX. Não só ao nunca comparecer nas assembleias de condóminos, como também ao não proceder ao pagamento devido das quotas extra, designadas para a realização de obras no edifício, factos estes dados como provados pelo tribunal a quo.

XL. O que, inevitavelmente, forçou uma paragem na realização das obras, por falta de poder económico, sendo que a quota parte da Recorrida ascendia a 1/3 do valor total do orçamento previsto para a respetiva intervenção,

XLI. Mas também, à instauração de um processo executivo sobre a Recorrida, para lograr em obter os montantes devidos.

XLII. A Recorrida, mesmo interpelada pelo condomínio, não procedia aos devidos pagamentos das quotas, mostrando uma total desconsideração e despreocupação para com o estado da sua fração e do restante edifício.

XLIII. Importa esclarecer, que a atitude e comportamento da Recorrida, como ela bem sabe, causava uma maior degradação da fração da mesma, agindo, assim, em total má-fé.

XLIV. Foi, ainda, dado como provado pelo tribunal a quo que “em virtude da infiltração de humidades nos tectos e paredes” a Recorrida ficou impedida de utilizar normal e regularmente a fração para o fim a que estava destinada,

XLV. Fim este, que nos remete para a atividade de comercialização de corantes para indústria, explorada pelo seu cônjuge, BB.

XLVI. Não obstante, consta também nos factos não provados da sentença aqui em causa, que “A situação em que se encontra a fracção impediu que o marido da A. ali pudesse continuar a exercer a atividade comercial”.

XLVII. Ora, existe, desde logo, uma clara contradição da parte do tribunal a quo, que tanto declara existir um nexo de causalidade entre os danos e o impedimento da utilização da fração para o fim comercial, como também declara que tal nexo é inexistente.

XLVIII. Importa, assim, averiguar se os danos existentes na fração da Recorrida, conduziram diretamente ao encerramento da atividade comercial, ali desenvolvida.

XLIX. Não obstante a testemunha, BB, alegar que a empresa cessou a sua atividade em final de 2019, o seu discurso incoerente, confuso e desprovido de um raciocínio e encadeamento lógico, não permitiu esclarecer se atividade da fração cessou pelos danos, ou pela extinção da empresa e consequente reforma do mesmo,

L. Denotando que, na altura da extinção da empresa, a referida testemunha detinha já cerca de 76 anos.

LI. Até porque, quando questionado sobre o motivo do encerramento da loja, a sua resposta fundava-se, na larga maioria, na própria extinção da empresa,

LII. O que, claro está, obriga, inevitavelmente, ao encerramento de qualquer loja da mesma empresa.

LIII. Ainda, a testemunha BB acresce que as instalações se encontravam fechadas, apesar de se manterem ali guardadas algumas mercadorias.

LIV. Aliás, a testemunha CC, agente imobiliária responsável pela venda da fração da Recorrida, afirma, clara e indubitavelmente, que aquando da visita do imóvel para os preparativos de venda, em 2018, não existia ali qualquer atividade comercial, ou de outro tipo.

LV. No mesmo sentido, a testemunha DD, esclarece que o armazém/loja do cônjuge da Recorrida encontra-se fechado há largos anos, cerca de 9/10 anos, nomeadamente,

LVI. Não estando ali a laborar qualquer atividade comercial.

LVII. De facto, e conforme a motivação de facto da sentença da qual se recorre, a própria Recorrida afirma na sua Petição Inicial que o seu cônjuge deixou de exercer a atividade comercial no armazém em 2016.

LVIII. Parece claro, até pela própria contradição do tribunal a quo, que nem fundamenta o que o conduziu a consagrar tal nexo de causalidade nos seus factos provados, que o mesmo não existe.

LIX. Não se concede, nem se mostrou provada, a presença de uma relação direta entre os danos na fração e o encerramento da atividade comercial explorada na mesma.

LX. Pelo que, deverá o facto provado 27) da sentença da qual se recorre, ser retirado e transposto para a factualidade não provada.

LXI. Acrescendo que, não se aceita que o Recorrente seja condenado a pagar, a título de indemnização, um montante (não estabelecido) por danos que impossibilitaram a normal utilização da fração, quando não existe qualquer nexo de causalidade,

LXII. E, quando a agravação dos danos decorreu, em parte significativa, da inércia e do incumprimento de pagamento das quotas devidas, da parte da Recorrida.

LXIII. Por último, o Recorrente foi, ainda, condenado ao pagamento de uma indemnização em montante correspondente à depreciação do imóvel, e virtude dos já referidos danos, a fixar em sede de liquidação.

LXIV. No entanto, a depreciação julgada pelo tribunal a quo não foi devidamente comprovada, nem tampouco atestada,

LXV. Tendo o tribunal como “critério” uma mera avaliação feita por uma imobiliária, que estabeleceu o valor base do negócio, e não o valor do imóvel em questão, pois atende a outros fatores,

LXVI. Por exemplo, como é do conhecimento geral, esse valor compreende uma margem de comissão sob a venda que pende para a agente imobiliária.

LXVII. Assim, não se concebe o valor de 160.000,00€, referido na motivação de facto como valor real do imóvel, baseado única e exclusivamente numa avaliação supérflua da parte da imobiliária,

LXVIII. Não podendo, nunca, este montante ser considerado na liquidação.

LXIX. No respeitante aos pontos 31) e 50) dos factos provados, não pode ser dado como provado que houve a tal depreciação, ou venda por valor inferior, quando apenas comparado com uma estimativa de mercado da imobiliária,

LXX. Como, aliás, esclarece o tribunal a quo na sua motivação de facto, ao desconsiderar os montantes abordados, sobre o valor por m2, precisamente por não ter ocorrido “prova suficiente” por “perícia ou sequer verificação não judicial qualificada”, por tal avaliação exigir especiais conhecimentos técnicos,

LXXI. Quando, o que foi abordado e dado como referência no tribunal a quo, foi uma mera suposição, um pensamento de um intervalo de valores fornecido pela agente imobiliária.

LXXII. Ademais, o ponto 49) dos factos provados deve ser transportado para os factos não provados, pois se a venda se procedeu, claramente existiam interessados em obter a respetiva fração,

LXXIII. Tendo, com efeito, surgido algumas propostas variadas, como afirmado pela testemunha CC.

LXXIV. Já no que toca ao ponto 39) dos factos provados, não foi corretamente valorado os testemunhos, não sendo claro a motivação que conduziu à alienação do imóvel.

LXXV. Apesar de na motivação de facto constar que a testemunha CC alega que a Recorrida teve intenção em alienar a fração pelos danos que a mesma detinha,

LXXVI. Ouvindo o seu testemunho, apercebe-se que a mesma disse em pleno tribunal que não conhece a verdadeira razão que levou á dita alienação.

LXXVII. A testemunha CC chega mesmo a dizer que a ideia com que ficou do primeiro encontro com a Recorrida, foi de que a fração representava um “ativo que estava, portanto, vazio”.

LXXVIII. Logo, não se poderá dar como provado que a Recorrida apenas procurou a alienação da fração por causa dos danos,

LXXIX. Mas sim, que talvez, estejam no fundo outras causas, como a reforma do seu cônjuge, BB.

LXXX. Acresce ainda o facto de que a fração supra referida foi vendida por 137.000,00€, facto este que não consta em qualquer das factualidades,

LXXXI. Demonstrando, assim, que surgiram diversas propostas e que a Recorrido logrou em vender o imóvel por um preço considerável,

LXXXII. Mas nunca sendo possível determinar qualquer depreciação concreta.

LXXXIII. Deste modo, não se pode estabelecer que o imóvel sofreu uma depreciação, atendendo aos danos derivados das infiltrações e humidade, quando não foi realizada qualquer avaliação legítima e qualificada que comprovasse a mesma,

LXXXIV. Não podendo, consequentemente, o Recorrente condenado a pagar a alegada depreciação, a título de indemnização, (mais uma vez, valor não estabelecido).

LXXXV. Concluída, a impugnação dos factos, impõe-se uma análise crítica, ao fundamento jurídico da decisão, nos termos do artigo 639º, n.º 2, alínea b) do CPC.

LXXXVI. No prédio em questão regia um sistema em que cada condómino contribuía com um pequeno montante monetário, sempre que se mostrava necessário realizar qualquer intervenção ou procedimento nas partes comuns do imóvel.

LXXXVII. Como resulta dos testemunhos e factos alegados, até no que respeitava às limpezas os condóminos organizavam-se para alternamente procederem às mesmas.

LXXXVIII. Ora, até então, apesar de a Recorrida alegar que já existiam danos na sua fração, e no restante prédio, devido a infiltrações a mesma não logrou em provar que comunicou os mesmos aos restantes habitantes/proprietários das restantes frações do prédio, de modo a realizarem qualquer intervenção.

LXXXIX. Apenas em 2018 se constitui uma administração de condomínio, que logo procura em angariar os montantes necessários para possibilitar as obras necessárias no prédio.

XC. Ou seja, até 2018, cabia uma responsabilidade em parte individual a cada proprietário de assumir os danos da sua própria fração e das partes comuns, em conjunto com os demais proprietários.

XCI. Somente após a constituição de uma administração, podemos falar da responsabilidade desta.

XCII. Com efeito, o tribunal a quo recorre ao artigo 493.º, n.º1 do CC para averiguar da responsabilidade, considerando existir um dever de vigiar, com uma consequente presunção de culpa para quem detém esse dever.

XCIII. Nos termos do artigo 350.º do CC esta presunção de culpa é ilidível,

XCIV. Contudo, o tribunal a quo considera que o Réu, aqui Recorrente, não logrou em afastar tal presunção.

XCV. Vejamos, primeiramente, até à constituição da administração de condomínio, não decorria para o Recorrente qualquer poder de facto sobre o prédio, nem qualquer dever de vigia.

XCVI. Logo, nunca estaria aqui em causa qualquer responsabilidade da sua parte, pois não incorreu em qualquer incumprimento de obrigações, precisamente por não existir,

XCVII. Denotando que segundo alguns testemunhos, os danos devidos a infiltrações e humidade, retroagem a 2014, isto é, 4 anos antes da constituição de uma administração de condomínio, a quem caberia o tal dever de vigia.

XCVIII. Noutro prisma, mesmo após a constituição da respetiva administração, em 2018, a mesma desde logo estabeleceu quotas extra, de modo a possibilitar a realização das obras necessárias.

XCIX. Deste modo, aquando do nascimento do aqui Recorrente, não se deu qualquer vício ou incumprimento da sua parte, visto que as suas obrigações e dever de vigia foram cumpridos, quando procede à angariação dos montantes necessários para eliminar quaisquer danos no prédio, bem como para a prevenção destes.

C. A contrario do tribunal a quo, o Recorrente logrou em afastar a presunção de culpa que lhe cabia,

CI. Pois não só nada poderia ter feito até 2018, por não deter qualquer poder de facto sobre o prédio e respetivo dever de vigia, como após a sua constituição procedeu de imediato a todos os preparativos para concretizar as ações necessárias.

CII. Ademais, importa recordar que as obras de remodelação/manutenção do prédio, iniciadas na vigência da administração de condomínio, apenas não se procederam com maior celeridade, devido aos atrasos, nomeadamente da Recorrida, de pagamento das quotas.

CIII. Como poderá o Recorrente ser condenado pela não realização de obras, quando a própria Autora, aqui Recorrida, foi um impedimento para as mesmas?

CIV. Mais, não se concede que, havendo danos desde 2014 devido a infiltrações e humidade, conforme alguns dos testemunhos, bem como documentos, venha a Recorrida passados 6 anos requerer o que quer que seja,

CV. Quando não logrou em convocar os legítimos proprietários para que fossem realizadas obras,

CVI. E, ainda, quando não participava nas assembleias de condóminos, nem procedia aos devidos pagamentos.

CVII. Aliás, como suscitado nas alegações do aqui Recorrente, sempre se impunha, em face da prova produzida e supra exposta, que qualquer direito a indemnização da Recorrida estivesse prescrito, nos termos do artigo 498º, nº 1 do Código Civil.

CVIII. Mais, a Recorrida atua em má-fé, pois não só aguardou a constituição de um condomínio e respetiva administração, que sempre procurou resolver os demais problemas existentes no prédio, para lucrar com os danos do seu imóvel,

CIX. Mas também, para possibilitar, às custas do Recorrente, o pagamento das quotas de condomínio, ora devidas.

CX. Ora, tal atitude por parte da Recorrida é abusiva, existindo aqui uma situação de abuso de direito, plasmado no artigo 334º do CC, segundo o qual “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.

CXI. Ou seja, a Recorrida não pode aproveitar o facto de as obras se terem atrasado, devido à falta de dinheiro para pagamento das mesmas, em grande parte, devido à recusa daquela em pagar a sua quota parte das mesmas, para depois se aproveitar do facto de tal atraso ter agravado os danos causados na sua fração e vir pedir uma indemnização, em virtude disso mesmo.

CXII. A este propósito veja-se o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, datado de 26/01/2021, do Relator Carlos Querido, segundo o qual “Recaindo sobre cada um dos condóminos a obrigação de pagamento, na proporção do valor da respetiva fração ou frações, das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício (art.º 1423.º, n.º 1 do CC), bem como da contribuição para o ‘fundo comum de reserva’ para custear as despesas de conservação do edifício (art.º 4.º do DL n.º 268/94, de 25.10), provando-se que a autora se recusou a pagar as aludidas quantias e que as obras de reparação aprovadas pelas assembleia de condóminos só não foram executadas devido à falta de dinheiro para o efeito, deverá concluir-se que a mesma age com abuso do direito ao intentar ação de indemnização contra o Condomínio com fundamento em alegados danos causados pela não realização das obras.”

CXIII. Pelo que, atendendo a todas as razões supra expostas, não assiste qualquer razão à Recorrida.

CXIV. Assim, o tribunal a quo incorre novamente em erro, ao não condenar a Recorrida por litigância de má-fé.

CXV. Pelo que, deve a sentença do tribunal a quo ser revogada e, consequentemente, deve o Recorrente ser absolvido, por não se mostrar provado que o Recorrente é o único e exclusivo responsável pelos danos de infiltrações e humidade, quando os mesmos retroagem a 4 anos antes do surgimento da figura oficial de condomínio,

CXVI. Por não se mostrar provado a existência de um nexo de causalidade entre os referidos danos e o encerramento da atividade comercial na fração,

CXVII. E, ainda, por não se mostrar provado e estabelecido qualquer depreciação concreta da fração devido aos danos,

CXVIII. Não tendo qualquer cabimento condenar o Recorrente no pagamento de indemnizações não estabelecidas e concretas, dando lugar a um arbitrário e desproporcional cálculo de qualquer valor.

CXIX. Além de que, as duas primeiras condenações do Recorrente, nomeadamente a realização de obras, seja na totalidade do edifício, seja na anterior fração da Recorrida, mostram-se inúteis,

CXX. Por já terem sido realizadas todas as obras no edifício pelo Recorrente,

CXXI. E, ainda, porque os novos proprietários da fração já procederam à reparação dos danos ora em causa”.


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.

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II. FUNDAMENTOS

- OBJETO DO RECURSO

Apontemos, por ordem lógica, as questões objeto do recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº3 e 4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil -, ressalvado o estatuído no artigo 665º, de tal diploma legal.

Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1ª- Quanto à impugnação da decisão de facto:
1.1 - Da observância dos ónus de impugnação da decisão de facto;
1.2 - Da modificabilidade da decisão: das alterações ao decidido quanto a pontos impugnados (os 10, 27, 29, 31, 49 e 50 dos factos provados) e da eliminação de matéria indevidamente feita constar do elenco fáctico da causa (conclusiva e de direito e não alegada pelas partes).
2ª- Do erro da decisão de mérito:
- Da verificação de responsabilidade civil do Réu, por violação do dever de vigiar.

3ª- Da responsabilidade processual da Autora, por litigância de má-fé.


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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1. FACTOS PROVADOS

Foram os seguintes os factos considerados provados com relevância para a decisão pelo Tribunal de 1ª instância (transcrição):

“1) A A. é proprietária da fracção autónoma designada pela letra A, correspondente a uma garagem situada no rés do chão com entrada pelos números ... e ... da Rua ..., formada por uma ampla garagem, sanitários e chuveiro e um pequeno pátio, descrita na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº de registo ..., União de Freguesias ... e ... - Porto, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial nº. ... (fração A), da Freguesia ..., Porto, afecta a armazéns e actividade industrial;

2) O 1º R. é o Condomínio do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº de registo ..., União de Freguesias ... e ... – Porto, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial nº. ..., presentemente representado e administrado por A..., Ldª. Rua ..., ... Porto;

3) O 2º R. é proprietário da fracção autónoma designada pela letra B, correspondente ao primeiro andar esquerdo, com entrada pelo número ... da Rua ..., Freguesia ..., cidade do Porto, que constitui uma habitação, com terraço, descrito na competente Conservatória do registo predial sob o nº. de registo ......, União de Freguesias ... e ... - Porto e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ......;

4) O 3º R. é proprietário da fracção autónoma designada pela letra C, correspondente ao primeiro andar direito, com entrada pelo número ... da Rua ..., Freguesia ..., cidade do Porto, que constitui uma habitação, com terraço, descrito na competente Conservatória do registo predial sob o nº. de registo ......, União de Freguesias ... e ... - Porto e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ......;

5) Os 4º R. é proprietário da fracção autónoma designada pela letra D, correspondente ao segundo andar esquerdo, com entrada pelo número ... da Rua ..., Freguesia ..., cidade do Porto, que constitui uma habitação, descrito na competente Conservatória do registo predial sob o nº. de registo ......, União de Freguesias ... e ... - Porto e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ......;

6) O 5º R. é proprietário da fracção autónoma designada pela letra E, correspondente ao segundo andar direito, com entrada pelo número ... da Rua ..., Freguesia ..., cidade do Porto, que constitui uma habitação, descrito na competente Conservatória do registo predial sob o nº. de registo ......, União de Freguesias ... e ... - Porto e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ......;

7) O 6º R. é proprietário da fracção autónoma designada pela letra F, correspondente ao terceiro andar esquerdo, com entrada pelo número ... da Rua ..., Freguesia ..., cidade do Porto, que constitui uma habitação, descrito na competente Conservatória do registo predial sob o nº. de registo ......, União de Freguesias ... e ... - Porto e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ......;

8) O 7º R. é proprietário da fracção autónoma designada pela letra G, correspondente ao terceiro andar direito, com entrada pelo número ... da Rua ..., Freguesia ..., cidade do Porto, que constitui uma habitação, descrito na competente Conservatória do registo predial sob o nº. de registo ......, União de Freguesias ... e ... - Porto e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ......;

9) A fracção da A. (fracção A) fica exactamente por baixo das fracções B e C, pertença dos 2º e 3º R.R., sendo que os respectivos terraços (de uso exclusivo) e piso, servem de tecto à fracção A.;

10) Desde pelo menos 2016 que o prédio e de modo particular a fracção da A. passou a evidenciar problemas de infiltrações e humidades, decorrentes de falta de manutenção das partes comuns, ou, pelo menos, de problemas existentes nessas mesmas partes comuns;

11) O que levou a que o assunto fosse discutido em assembleia de condomínio ocorrida em 16 de Fevereiro de 2018, onde foi comunicado pelo presidente da mesa senhor DD que havia recebido uma carta da A. a dar conta de problemas de infiltrações na fracção A e tendo sido comunicado, também, que futuramente, se iria pedir orçamentos para realização das obras que o prédio necessita;

12) Entretanto, em 28 de Setembro de 2018, ocorreu nova assembleia de condomínio, tendo em vista deliberar sobre as obras no edifício, apresentação, análise e votação dos orçamentos para as obras do edifício e deliberação sobre o pagamento das obras;

13) Nessa altura, foi dado conhecimento que a A. enviou uma carta à Administração a dar conta de infiltrações na sua garagem e que se nada for feito, irá exigir uma indemnização ao condomínio pelos danos causados;

14) Em consequência, foi deliberado por unanimidade, acerca da necessidade de realização de obras no edifício, e escolhida a proposta apresentada pela Empresa C..., pelo valor de 84.854,81 €;

15) Também aí se estabeleceu a calendarização as obras, bem assim como os prazos para pagamento das obras da primeira fase (terraços e cobertura);

16) No dia 22 de Fevereiro de 2019 ocorreu nova Assembleia de condomínio que se destinou, entre outros, a eleger a nova Administração, tendo sido reeleita para o cargo a sociedade A..., Ldª. e a deliberar sobre o pagamento da segunda fase das obras do edifício (reparação da fachada frontal);

17) Nessa assembleia deliberou-se pelo pagamento da segunda fase da obra orçada em 36 000,00 €, em seis prestações mensais, de acordo com as respetivas permilagens, com início de pagamento de Junho de 2019 e fim em Novembro de 2019;

18) Já em Fevereiro de 2020, ocorreu nova assembleia de condomínio, tendo, entre outros, como pontos da ordem de trabalhos, a eleição da administração do condomínio (tendo sido, de novo, reeleita a sociedade A..., Ldª para o exercício de tais funções) e deliberar sobre outros assuntos de interesse geral;

19) Nessa reunião, foram informados os condóminos que já foi colocada a rede de abastecimento de água, devido a uma ruptura da mesma, obra que deveria ser efectuada na 3ª fase, e que o empreiteiro vai continuar as obras nos terraços e na fachada traseira;

20) Ou seja, executaram obras da 3ª fase, sem que as da primeira fase ainda estivessem concluídas (terraços), pagando ao empreiteiro com verbas que se destinavam a suportar os custos com as obras da primeira fase;

21) Não obstante não estarem concluídas as obras da primeira fase, foi deliberado fraccionar o pagamento das obras referentes à 3ª fase (10.075 €) em seis prestações mensais, com início em Março de 2020;

22) Uma vez que as infiltrações de humidade na fracção da A. se mantinham, a A. deu nota, na aludida Assembleia, que terá de recorrer a Tribunal, pedindo uma indemnização pelos danos que estão a ser causados na sua fracção;

23) A A. participou à sua seguradora acerca das infiltrações de humidade ocorridas na sua fracção, sendo que, “em sede de peritagem, foi possível verificar que a origem dos danos deve-se à falta de manutenção do terraço, bem como a deficiente impermeabilização do mesmo”, pelo que a D... declinou o sinistro;

24) Ainda assim, aquela Seguradora, através da E..., interpelou a Administração do Condomínio no sentido de saber se a 1ª R. estava disponível para indemnizar a A. pelos danos causados na sua fracção, ao que a aludida R. respondeu, em 23 de Julho de 2018, nos termos que constam da correspondência junta co a petição inicial como docs. 16 a 18;

25) A A., por seu turno, interpelou a 1ª R., dando-lhe conta do seu desagrado pelo atraso no início das obras programadas, designadamente da 1ª fase – a que mais afecta a fracção A – ao que lhe foi respondido que seriam executadas a partir de 15 de Maio de 2019, sendo que, em 8 de Abril de 2020 apenas estaria concluída a obra do telhado e, até hoje, não se procedeu à reparação dos terraços;

26) A A. liquidou as prestações, no valor de 12.534,54 €, que lhe foram fixadas relativas às obras de beneficiação dos terraços e cobertura;

27) Em virtude da infiltração de humidades nos tectos e paredes, a A. ficou impedida de utilizar normal e regularmente a fracção para o fim a que estava destinada;

28) A actividade comercial exercida pelo marido da A. tinha como objecto a comercialização de corantes para a indústria, produtos altamente vulneráveis à humidade e com elevado grau de deterioração provocado pelas condições das instalações;

29) Perante a situação concreta da fracção A, a A. ponderou a sua alienação;

30) E, nesse contexto, foram vários os pretendentes à aquisição do espaço em causa, alguns por intermediação da empresa F... e G..., mas que desistiram dos seus intentos;

31) Ainda assim, em 19 de Maio de 2019, a A. acordou com a empresa B..., Ldª., os termos de um contrato promessa de compra e venda, pelo preço de € 129 000,00 (valor fixado considerando a depreciação da fracção por virtude das infiltrações de humidade);

32) A fracção da A. tem 236 m2 de área e está inserida próxima de uma zona nobre da cidade do Porto – ... e zona ocidental da cidade;

33) Como consequência das aludidas infiltrações, foram danificados o tecto falso do gabinete do escritório, bem assim como noutra divisão, danificação na pintura e paredes, painéis das divisórias em madeira, tectos e pavimentos, sendo necessário proceder à revisão da rede eléctrica;

34) Os custos da reparação de tais danos foram orçamentados em € 8.278,67;

35) Assim que tomou conhecimento das queixas apresentadas pelos condóminos, o 1.º R. Condomínio diligenciou imediatamente pela realização de uma assembleia geral de condóminos para que pudessem ser apresentados orçamentos/empreiteiros para realização de todas as obras necessárias no edifício;

36) Tendo a escolha do empreiteiro/orçamento para realização das referidas obras sido deliberada e aprovada pelos próprios condóminos, na Assembleia realizada a 28/09/2018;

37) A A. não impugnou as deliberações tomadas na referida Assembleia;

38) A realização das obras para reparação das infiltrações estava dependente do bom pagamento das quotas relativas às mesmas por parte dos vários condóminos;

39) Conforme foi explicado na assembleia de condomínio realizada a 26/02/2020, a colocação da rede de abastecimento de água, que deveria apenas ser realizada na 3ª fase das obras, apenas foi antecipada porque ocorreu uma ruptura na mesma, que levou à inundação do prédio de forma a evitar mais custos e transtornos para todos os condóminos, inclusive para a A.;

40) Caso a A. não pague a sua quota parte das despesas das obras, estas dificilmente conseguirão ser realizadas, uma vez que o condomínio deixa de ter cerca de 1/3 do valor necessário, e aprovado em assembleia de condomínio, para a realização das obras;

41) Neste momento, já se encontram realizadas todas as obras orçamentadas e aprovadas em assembleia de condomínio, com excepção das obras na fachada frontal;

42) O valor das obras que ainda faltam realizar ronda os dezassete mil euros, quando o valor da quota parte da A. que ainda se encontra por pagar ronda os doze mil euros;

43) As obras no imóvel, que apenas não foram concluídas, por a A. não pagar a sua quota parte (maioritária) nas mesmas;

44) A A. não participou nas assembleias de condomínio, acima referidas, em que foram deliberadas e aprovadas realização de obras necessárias à manutenção das partes comuns do edifício e ao suprimento das infiltrações e danos alegadamente ocorridos na sua própria fracção;

45) A cobrança coerciva dos montantes devidos ao 1.º R. relativos às identificadas obras encontra-se a ser dirimido no Juiz 7, do Juízo de Execução do Porto, desta Comarca;

46) Sendo que, no pretérito dia 09/07/2021 foi já penhorada a quantia de 14.400,00€ à A.;

47) O 1º R. apenas foi constituído e iniciou a sua 1ª administração em 16/02/2018;

48) A A. nenhuma actividade económica pode desenvolver na fracção A.;

49) O espaço mostra-se encerrado e nem sequer pode ser arrendado, uma vez que o seu estado afasta qualquer interessado em exercer ali a sua actividade;

50) A A. já alienou a fracção descrita em 1), mas por valor inferior ao obteria caso a mesma não apresentasse as anomalias referidas em 33)”.


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2. FACTOS NÃO PROVADOS

Foram os seguintes os factos considerados não provados pelo Tribunal de 1ª instância (transcrição):

“a) As infiltrações de humidade na fracção A, oriundas dos terraços e das partes comuns do prédio, continuaram depois da conclusão a 1.ª fase das obras;

b) A situação em que se encontra a fracção impediu que o marido da A. ali pudesse continuar a exercer actividade comercial;

c) O espaço mostra-se encerrado desde 2016;

d) As obras de beneficiação dos terraços e cobertura não foram executadas;

e) Dado o seu estado e falta de perspectiva quanto ao momento da sua requalificação, com eliminação das causas das humidades, os pretendentes à aquisição do espaço desistiram dos seus intentos;

f) O contrato referido em 31) não se veio a efectivar por virtude do estado da fracção;

g) A fracção da A., em termos comerciais, tem um valor que se estima entre € 1000 de € 1 400/m2, o que determina que o seu valor, em bom estado de conservação, ascenda a um valor de € 236.000 a € 330.400;

h) A A. teve, pelo menos, um prejuízo de € 107.000 a € 201.400 correspondente à depreciação da fracção;

i) Persiste a entrada de humidades, junto ao tubo de queda das águas pluviais do prédio que percorre o interior da fração A., o que continua a degradar a fracção em causa;

j) A presença do tubo de queda das águas pluviais do prédio que passa no interior da fracção A., bem assim como as caixas ali instaladas, são fonte de sucessivas infiltrações, o que aconselha à sua imediata remoção;

k) O empreiteiro interrompeu as obras e as mesmas atrasaram-se em virtude quer da situação de pandemia que o país viveu, quer ao mau tempo que se verificou, principalmente nos meses de inverno, e que dada a natureza das intervenções a realizar, impediu que as obras pudessem ser realizadas durante várias semanas;

l) Visto que, com tempo de chuva intensa, as obras de reparação nos terraços e fachadas, com vista à eliminação das infiltrações e humidades, não poderiam ser realizadas, uma vez que necessitam de tempo seco para que sejam executadas na perfeição;

m) Com os presentes autos, a A. pretendeu única e exclusivamente tentar impedir estrategicamente algo que sabia ser inevitável, isto é, a cobrança coerciva dos montantes devidos ao 1.º R. relativos às identificadas obras;

n) Os danos na fracção A provêm do mau uso, falta de manutenção, desgaste natural e falta de limpeza da A.”.


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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1.  Da impugnação da decisão de facto

1.1 - Da observância dos ónus de impugnação da decisão de facto.
Cumpre decidir da impugnação da decisão de facto para que, ante a definitiva definição dos contornos fácticos do caso, possamos entrar na reapreciação da decisão de mérito. Antes, porém, cabe analisar a questão, de conhecimento oficioso, da observância dos ónus, para tanto, impostos ao recorrente que impugne a matéria de facto (questão adjetiva, prévia à análise da apreciação de mérito da impugnação). Encontram-se tais ónus enunciados nos nº1, do art. 639º e nos nº1 e 2, a), do art. 640º, do Código de Processo Civil, diploma a que nos reportamos na falta de outra referência, decorrendo eles dos princípios da cooperação, da lealdade e da boa-fé processuais, visando garantir a seriedade e a consistência do recurso e assegurar o exercício do contraditório e constituem requisitos habilitadores a que o tribunal ad quem possa conhecer da impugnação. Na verdade, a lei adjetiva, que no nº1, do art. 639º, consagra o ónus de alegar e formular conclusões, estabelece que “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”, sendo as conclusões das alegações de recurso que balizam a pronúncia do tribunal (art. 635º), e o art. 640º consagra ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, verificando-se, no caso, que cumpriu o apelante os ónus, que lhe estão cometidos pelo nº1, do referido artigo 640º, pois que especificou, nas conclusões das alegações, a delimitar o objeto do recurso, os concretos pontos de facto considera incorretamente julgados (al. a)) e deu, também, nas alegações (podendo fazê-lo no seu corpo), cumprimento aos demais ónus impostos, pacífico vindo a ser, mesmo na Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que as conclusões, que balizam o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, têm de conter nas conclusões, com precisão, os pontos da matéria de facto que pretende que sejam alterados pelo tribunal de recurso, podendo os demais ónus impostos vir cumpridos, apenas, no corpo das alegações[1]. Assim sendo, manifesto é que o Recorrente cumpriu aqueles ónus, ao indicar, nas conclusões do Recurso, que apresentou, a matéria de facto que pretendia impugnar, como se pode verificar de uma leitura das conclusões, supra citadas, mostrando-se os demais ónus, também, observados nas alegações oferecidas. Com efeito, apresentou o Réu alegações, observando o ónus de alegar e de formular conclusões, consagrados no nº 1, do artigo 639º, e deu cumprimento aos ónus impostos pelo nº1 e 2, do artigo 640.º, referindo os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados (e tal é efetuado nas conclusões, assim delimitado estando o âmbito do recurso na vertente da impugnação da matéria de facto), indicando elementos probatórios a conduzirem à alteração dos pontos impugnados nos termos si propugnados (prova testemunhal produzida e documentos juntos) e a decisão que, no seu entender, deveria sobre eles ter sido proferida e exarando, ainda, passagens da gravação, preenchidos se mostrando os pressupostos de ordem formal para se proceder à reapreciação da decisão de facto, os requisitos habilitadores a tal conhecimento. Tem de se entender que o Recorrente, ao cumprir esses ónus, circunscreveu o objeto do recurso no que concerne à matéria de facto, nos termos exigidos pelo legislador e interpretados pelos Tribunais Superiores, sendo, por isso, de apreciar, o recurso, na vertente de mérito, da impugnação.


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1.2. Do mérito da impugnação da decisão de facto / modificabilidade de tal decisão.
Vejamos os parâmetros e balizas do julgamento a efetuar por este tribunal.
Havendo impugnação da matéria de facto, o Tribunal da Relação pode alterar a decisão, nesta vertente, de facto, a padecer a mesma de erros, como seja caso a envolver a consideração de factos essenciais, complementares ou concretizadores fora das condições previstas no art. 5º - desde logo, e quanto àqueles que possam ser tidos como complementares ou concretizadores dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, factos sem possibilidade de sobre eles as partes se pronunciarem (v. al. b), do nº2, do art. 5º) - e situações de se não estar perante relevante matéria de facto e questões de facto, e, ainda, a formar diversa convicção sobre a matéria fáctica impugnada. 
Em matéria de alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, para o caso de erro, estatui o nº1, do art. 662º, com a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto” que Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto: “… se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, podendo, como referido, ainda, a decisão da matéria de facto sofrer alterações (para além das situações de erro) no caso de divergência na apreciação probatória, sendo que, “dentro dos limites definidos pelo recorrente, a Relação goza de autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção sobre os meios de prova sujeitos a livre apreciação, sem exclusão do uso de presunções judiciais. Ou seja, (…) a Relação não está limitada à reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes, devendo atender a todos quantos constem do processo, independentemente da sua proveniência (art. 413º), sem exclusão sequer da possibilidade de efetuar a audição de toda a gravação se esta se revelar oportuna para a concreta decisão (cf. Abrantes Geraldes, ob. cit. , pp. 288-293)”.[2].
Os objetivos visados pelo legislador com o duplo grau de jurisdição em matéria de facto “designadamente quando esteja em causa decisão assente em meios de prova oralmente produzidos, determinam o seguinte: reapreciação dos meios de prova especificados pelo recorrente, através da audição das gravações (…); conjugação desses meios de prova com outros indicados pelo recorrido ou que se mostrem acessíveis, por constarem dos autos ou da gravação; (…) formação de convicção própria  e autónoma quanto à matéria de facto impugnada, introduzindo na decisão da matéria de facto que se considere erradamente julgada as modificações que forem consideradas pertinentes (cf. STJ 14-5-15, 260/70, STJ 29-10-13, 298/07, STJ 14-2-12, 6823/09 e STJ 16-12-10, 170/06). Cf. ainda Luís Filipe Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, pp. 187-189, no sentido de que a Relação pode fazer uso de presunções judiciais que o Tribunal de 1ª instância não utilizou, bem como que alterar a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida com base em presunções judiciais”[3].    
Deste modo, “a livre convicção da Relação deve ser assumida em face dos meios de prova que estão disponíveis, impondo-se que o Tribunal de recurso sustente a sua decisão nesses mesmos meios de prova, descrevendo os motivos que o levaram a confirmar ou infirmar o resultado fixado em 1ª instância[4], sendo que “a Relação goza dos mesmos poderes atribuídos ao tribunal a quo, sem exclusão dos que decorrem do princípio da livre apreciação genericamente consagrado no art. 607º, nº5, e a que especificamente se alude no arts. 349º (presunções judiciais), 351º (reconhecimento não confessório), 376º, nº3 (certos documentos), 391º (prova pericial) e 396º (prova testemunhal), todos do CC, bem assim nos arts. 466º, nº3 (declarações de parte) e 494º, nº2 (verificações não qualificadas) do CPC”[5].
Cumpre referir que o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, deve obedecer ao seguinte: i) o Tribunal da Relação só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente (a menos que se venha a revelar necessária a pronúncia sobre facticidade não impugnada para que não haja contradições); ii) sobre essa matéria, o Tribunal da Relação tem que realizar um novo julgamento; iii) nesse novo julgamento, o Tribunal da Relação forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes). E dentro destes parâmetros, o Tribunal da Relação, como verdadeiro Tribunal de Substituição, que é, está habilitado a proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, e, neste âmbito, a sua atuação é praticamente idêntica à do Tribunal de 1ª Instância, apenas se distinguindo dele quanto a fatores de imediação e de oralidade.
Assim, deve ser efetuada alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação a, após audição da prova gravada e da reanálise de toda a prova convocada para a decisão dos concretos pontos impugnados, concluir, com a necessária segurança, no sentido de os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova, apontarem para direção diversa e justificarem, objetivamente, outra conclusão, que não aquela a que chegou o Tribunal de 1ª Instância.
E cada elemento de prova tem de ser ponderado por si, mas, também, em relação com os demais, sendo que o julgamento da matéria de facto é o resultado da ponderação de toda a prova produzida, pelo que toda ela tem de ser revisitada e sopesada.

Ponderando os critérios e balizas que deverão conduzir o julgamento da Relação, os argumentos apresentados pelo apelante e debruçando-nos sobre a parte da sentença onde vem motivada a decisão de facto entendemos ser, efetivamente, de alterar a decisão de facto nos termos e pelas razões que se passam a expor.


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Das alterações ao decidido pelo tribunal de primeira instância.

Impugna o Réu a decisão da matéria de facto constante da decisão recorrida pretendendo seja alterada a decisão quanto aos seguintes pontos dos factos provados: “10) Desde pelo menos 2016 que o prédio e de modo particular a fração da A. passou a evidenciar problemas de infiltrações e humidades, decorrentes de falta de manutenção das partes comuns, ou, pelo menos, de problemas existentes nessas mesmas partes comuns;” “28) Em virtude da infiltração de humidades no tecto e paredes, a A. ficou impedida de utilizar normal e regularmente a fração para o fim a que estava destinada;”, “30) Perante a situação concreta da fração A, a A. ponderou a sua alienação;”, “32) Ainda assim, em 19 de Maio de 2019, a A. acordou com a empresa B..., Lda., os termos de um contrato promessa de compra e venda, pelo preço de €129 000,00 (valor fixado considerando a depreciação da fração por virtude das infiltrações de humidade);”, “51) O espaço mostra-se encerrado e nem sequer pode ser arrendado, uma vez que o seu estado afasta qualquer interessado em exercer ali a sua actividade;” e “52) A A. já alienou a fracção descrita em 1), mas por valor inferior ao obteria caso a mesma não apresentasse as anomalias referidas em 33)”, nos termos e pelas razões que refere nas conclusões das alegações acima citadas.
Constata-se existir lapso na indicação dos pontos dos factos provados, sendo que, como resulta da matéria que se acabou de citar, o mesmo pretende alteração da redação dos pontos 10, 31 e 50 e que sejam considerados não provados os pontos 27, 29 e 49, contendo eles a seguinte redação: “10) Desde pelo menos 2016 que o prédio e de modo particular a fracção da A. passou a evidenciar problemas de infiltrações e humidades, decorrentes de falta de manutenção das partes comuns, ou, pelo menos, de problemas existentes nessas mesmas partes comuns;”; “27) Em virtude da infiltração de humidades nos tectos e paredes, a A. ficou impedida de utilizar normal e regularmente a fracção para o fim a que estava destinada;”;“29) Perante a situação concreta da fracção A, a A. ponderou a sua alienação;”;“31) Ainda assim, em 19 de Maio de 2019, a A. acordou com a empresa B..., Ldª., os termos de um contrato promessa de compra e venda, pelo preço de € 129 000,00 (valor fixado considerando a depreciação da fracção por virtude das infiltrações de humidade);”;“49) O espaço mostra-se encerrado e nem sequer pode ser arrendado, uma vez que o seu estado afasta qualquer interessado em exercer ali a sua actividade;” e “50) A A. já alienou a fracção descrita em 1), mas por valor inferior ao obteria caso a mesma não apresentasse as anomalias referidas em 33)”.
Conhecendo.
Fundamenta o Tribunal a quo: "Relativamente aos factos … 27) a 31), … e 47) a 50), o tribunal considerou, como decorre dos resumos dos depoimentos acima transcritos, o relatado pelas testemunhas BB, CC e FF, conjugados com o orçamento junto aos autos em 25/02/2022 e com o documento junto aos autos em 15/06/2022”. Mais motiva:
“A testemunha BB, que é marido da autora, referiu que desenvolvia a actividade de comercialização de corantes para a indústria no rés do chão do número 43 a 47 da Rua ... há 20 anos. Esta empresa encerrou no final do ano de 2019 e a testemunha reformou-se no ano de 2020.
Decidiu fechar actividade de venda de corante porque, com a humidade, o corante fica empedrado (e não em virtude da idade). Além disso não tinha eletricidade e não podia laborar sem ela. Não sabe o valor do prejuízo, mas pode dizer que o prejuízo foi muito.
Esclareceu ainda que a mulher já vendeu a fracção A descrita na petição inicial. Em 06/11/2018 a A. que fez o contrato de mediação imobiliária com a ERA, que avaliou a fracção em 160.000 € tendo já em conta as infiltrações. Depois tiveram uma oferta de 137.000 € e venderam.
Não chegaram a fazer as obras na fracção porque não tinham dinheiro.
As obras que o condomínio fez foram no telhado e nos dois terraços. Depois disso houve pequenas inundações porque as obras foram mal feitas. Há três tubos de quedas que entram pela fracção. As obras foram mal realizadas e houve em filtrações e inundações de água pelos tubos.
A fracção era a garagem. Quando a A. comprou a garagem existia ali uma tipografia. A garagem tem saída para a rua fica ao nível do rés do chão.
Os corantes não são tóxicos, é uma actividade que pode ser exercida na garagem.
Se houvesse uma inundação o corante ficava em pedra, não obstante estar dentro de uma caixa de papel e de um plástico selado e vedado.
O condomínio foi constituído há 3/4 anos. Até ser deliberado pelo condomínio, nunca tinham sido feitas obras nas partes comuns do prédio. confirma que o condomínio foi constituído e começou a funcionar a partir de 16/02/2018 como consta da acta número ... junta como doc. n.º 11 com a petição inicial.
A testemunha HH, que reside no prédio contiguo ao da fracção A. referiu que desde os anos 90 e o prédio não sofreu a obras. Houve obras numa das fracções há 2 anos atrás. Houve uma grande infiltração que provocou de danos, a água escorria pelas paredes e caía no chão. O 1.º R. reparou a fracção do 1º andar do prédio.
A fracção da A. está danificada com água e atrás tem infiltrações de humidades que provêm do telhado do prédio. Cai água desde há 3/4 anos desde que a obra foi feita. Depois da obra feita é que viu a água a cair. A água vem de cima, infiltra-se nas fachadas e atrás.
Referiu também que houve obras no telhado do prédio, que agora é novo. Os terraços parece que levaram uma tijoleira nova mas as infiltrações mantêm-se.
O valor da construção para habitação ali naquela zona é de 200 € por metro quadrado devido ao estado dos prédios e ao facto de ter ali um bairro.
Quanto à parte comercial, sabe que a fracção teria de ser vendida muito abaixo do valor do mercado mas desconhece tal valor.
Quando entrou pela primeira vez na loja funcionava lá um jornal e não havia infiltrações.
A A. AA referiu que as infiltrações de água na garagem ocorrem talvez desde 2014 e verificam-se no tecto e paredes. Essas infiltrações continuaram para pior, em maior quantidade e abrangência.
As paredes do tecto estão manchadas. Existem manchas de bolor nas paredes e tectos e água a jorrar dos tectos, nomeadamente dos tectos falsos onde estavam as secretárias e mesas.
Comunicou estas anomalias ao administrador do condomínio O condomínio foi constituído formalmente em 2017. Havia um senhor que se intitulava administrador, o Sr DD, que é condómino do prédio e vive no prédio.
Foram deliberada as obras externas no prédio mas não a reparação da fracção. Parte das obras foram realizadas. O telhado foi substituído. As outras obras não sabe.
O que sabe é que continuou a ter os mesmos problemas.
Houve uma melhoria há 2/3 anos mas entretanto um tubo fez com que os danos se continuasse a verificar. Comunicou à companhia de seguros, a D... seguros, e foi lá um perito que confirmou a degradação da fracção e referiu que a água provinha dos terraços do primeiro andar.
A garagem era um armazém de produtos químicos corantes para a indústria e eram comercializados pela empresa H... Lda. A empresa teve de fechar porque, com a humidade, o corante fica inutilizado, com um grau de humidade que não era compatível com a sua utilização. Tiveram de fechar a empresa sendo que esta empresa era dela e do marido. Os prejuízos são os lucros cessantes, que era de onde provinham os rendimentos do marido. O marido reformou-se, mas a actividade podia continuar com prejuízos ou lucros.
Entretanto vendeu a fracção. O contrato inicial de venda era de 160.000 € no estado em que se encontrava a fracção, mas tiveram de baixar o preço.
Não sabe se em 2014 pagava condomínio ou quando começou a pagar.
Não sabe quando apareceu o senhor DD e se o mesmo era contratado. Pagava condomínio desde que o mesmo foi constituído, mas nunca foi a qualquer reunião do condomínio. Em 2014 falou com outra pessoa que zelava pelo prédio mas não sabe como a mesma se chama. Não se recorda se em 2014 a carta que escreveu foi dirigida a todos os Condóminos.
A testemunha CC, diretora comercial da agência G..., referiu que conhece a A. desde 2018, altura em que a mesma quis vender a fracção autónoma onde tinha um armazém. A A. quis vender a fracção porque o prédio tinha alguns problemas. A fracção tinha infiltrações evidentes, designadamente água a correr pelas paredes. Quem comprasse tinha ali de fazer uma intervenção. Lembra-se de infiltrações na parede. No tecto não se lembra.
Se estas patologias não se verificassem, estando a fracção em bom ou em muito bom estado, pensa que o seu valor seria próximo dos 150.000 € ou 155.000 €. A fracção autónoma foi vendida por 137.000 € porque era necessário fazer obras e antecipava a necessidade de despesas extras do condomínio.
Tem quase a certeza de que em 2018 a loja não estava em funcionamento. A fracção tinha uma parte de armazém e uma parte de escritório com mesas cadeiras e computadores. No armazém existiam bidons e restos da actividade que ali se fazia, não lhe parecia que havia ali actividade. O processo negociação levou o comprador a subir o preço de 125.000 € para 137.000 €. A negociação e venda da fracção com o adquirente foi já em 2022.
Foi ela que ajudou a retirar os resíduos da actividade que ali havia para a reciclagem.
A testemunha DD, que reside na rua ..., referiu que trabalha para a empresa que administra actualmente, e desde Novembro de 2021, o condomínio. Esta testemunha relatou que o condomínio se constituiu em 2018. O Sr II é que administrava o condomínio. Antes disso era cada condomínio que individualmente contribuía para a manutenção das partes comuns do prédio. Cada fracção limpava as partes comuns do prédio durante uma semana. A electricidade era paga por todos, mas era o avô dele que avisava os condóminos do montante a pagar.
A fracção da autora não consumia eletricidade e por isso não contribuía para esta despesa, mas fazia a limpeza das partes comuns nos moldes referidos.
A entrada do Sr II foi uma estratégia para encaminhar a administração do prédio porque havia vários problemas no prédio, nomeadamente porque precisava de obras.
No 1º ano do condomínio não havia dinheiro pelo que não se fez obras. No 2º ano os condóminos deliberaram fazer obras e escolheram de entre três um orçamento para as obras. O pagamento das obras seria faseado. A autora nunca esteve em qualquer Assembleia.
No que respeita ao funcionamento do armazém existente na fracção da autora, referiu que a filha era pequena quando o armazém deixou de ter funcionário, sendo que a filha tem agora 12 anos. O armazém está fechado há 9/10 anos, pelo que não estava e não está a laborar. Estava encerrado desde essa altura
A obra, a determinada altura parou, porque o valor que faltava para fazer a obra na parte frontal era o valor que era devido pela fracção da autora 11 ou 12.000 €. O condomínio enviou à autora avisos de cobrança
Quanto ao documento 9 junto com requerimento de 15/09/2022 referiu que não recebeu a carta. Em 2014 não havia condomínio.
Havia Infiltrações no prédio. Todas as fracções tinham problemas.
Da acta número ... do condomínio junta com a petição inicial consta a calendarização das obras. Em primeiro lugar seriam os telhados e os terraços, depois a fachada traseira seguida da fachada frontal.
As obras já realizadas foram no telhado depois nos terraços e na fachada traseira.
Só a partir de novembro de 2021 está por dentro do que se passa na Administração do condomínio
A testemunha FF, perito averiguador da companhia de seguros I..., referiu que fez uma peritagem na Rua ..., no Porto, na sequência de participação feita pela D. AA.
Quando lhe foi exibido o documento junto em 15/06/2022 referiu que já se lembrava do caso esclarecendo que existiam danos no tecto e paredes a partir da cobertura. acha que só foi lá uma vez.
Quantos aos documentos juntos em 15/09/2022, referiu que os danos foram dados a conhecer aos condóminos, mas não sabe se a carta foi efectivamente remetida a todos os condóminos.
Os danos constantes do documento (orçamento) junto em 25/02/2022 correspondem grosso modo ao resultado da peritagem.
Quanto ao documento junto em 15/06/2022, referiu que, quando foi à fracção, a mesma estava ocupada. Não tem ideia que estivesse em funcionamento, servia de armazenamento. Pelas infiltrações não teria condições para funcionar. As infiltrações já ocorriam antes de Janeiro de 2018 mas não consegue precisar desde quando.
Quando confrontado com a carta de 10/01/2014 junta com requerimento de 15/09/2022 referiu que tudo indica que também esteve naquela fracção em 2014. Face ao teor desta carta pensa que em 2014 já se verificavam as infiltrações.
Fez uma estimativa dos valores necessários à reparação.
Não sabe se entre 2014 e 2018 o armazém esteve em funcionamento.
Como decorre do acima exposto, as testemunhas e a A. depuseram de forma essencialmente coincidente quanto aos factos controvertidos, nomeadamente quando à existência de problemas de infiltrações nas partes comuns do prédio e fracções autónomas (incluindo da A.), excepto no que diz respeito:
- à data do início das infiltrações, que os documentos juntos em 15/09/2022 revelam ser até anteriores a 2016, mas que seguramente já se verificavam nesta data [e daí se ter julgado provada a data referida em 10)];
- às obras já realizadas no prédio, que a testemunha DD de forma consistente e por isso também credível afirmou terem sido já realizadas, com excepção das referentes à fachada frontal por não ter sido ainda paga a quota da A., necessária à concretização das mesmas, o que nos pareceu credível e por isso se julgou provada tal factualidade [vertida nos pontos 35), 38) a 43)] e não provado o facto descrito em d);
- à data ou altura que o marido da A. deixou de exercer a sua actividade no armazém: na petição inicial, a A. alegou que foi em 2016, mas a testemunha BB disse que foi em 2019, sendo que a testemunha DD referiu que tal se verificava há 10 anos e a testemunha FF que, quando foi à fracção em 2018, ao parecia funcionar ali qualquer actividade; daí se ter julgado não provada tal factualidade [inserta b) e c)]”.

Revisitada toda a prova produzida e conforme entendimento deste coletivo de Juízes:

- Das declarações de parte da Autora resulta, essencialmente, o seguinte: Por várias vezes pediu “ao condomínio” que fossem realizadas obras por causa da infiltração de água na sua garagem, a qual se verifica desde há muitos anos, “talvez desde 2014”, “admito 2014”, no teto e nas paredes, continuando que, desde então, a infiltração foi piorando. Os danos que se verificaram foram as paredes e o teto manchados e com bolor e, ainda, água a jorrar dos tetos falsos na parte do escritório. Julga que o condomínio terá “sido constituído formalmente talvez em 2017”, sendo que antes disso comunicou as infiltrações ao “zelador” (DD) que vivia no prédio – que, normalmente, não lhe respondia “às queixas”. Disse que nada foi deliberado quanto a obras na sua fração, tendo sido realizadas obras na parte externa do edifício (telhado) mas não de reparação da sua fração e como continuou a ter infiltrações conclui que as obras não foram todas realizadas. Participou à sua companhia de seguros, agora “D...”, e o perito confirmou a degradação da fração e que era atribuível à entrada de água por causa dos terraços do primeiro andar, tendo a seguradora recusado responsabilidade. Na fração guardava produtos químicos, corantes, que eram comercializadas pela empresa “J..., Lda.” (que a A. e o marido fecharam o armazém porque os corantes deterioram-se com a humidade). Afirma que os prejuízos do encerramento foram lucros cessantes, não sabendo o valor e quanto a lucros da sociedade “havia anos em que sim e outros em que não”. Não esclareceu até quando foi exercida a atividade…. O marido reformou-se. Vendeu a fração “porque estava cansada de não se resolver o problema”. Teve muitas visitas, as pessoas “assustavam-se com o aspeto daquilo”; no âmbito da empresa “Era” houve um particularmente interessado, tendo feito um contrato-promessa de compra e venda. Lendo a ata da assembleia de condomínio 16 de fevereiro de 2018, resulta que se pediria orçamento para fazer as obras que o prédio necessita, outros proprietários de frações tinham feito obras no interior das suas frações e que a própria tinha enviado uma carta ao zelador DD a dizer que iria pedir uma indemnização. Que não sabe desde quando pagava “condomínio” e não sabe “quanto”. Antes da constituição formal do condomínio não se recorda como era a contribuição para as despesas (do prédio) nem desde quando o “zelador” agia como tal. Não sabe quando começou a pagar Quando a ação entrou em tribunal, em 2020, já pagava “condomínio” e que paga desde que o mesmo foi constituído. Que nunca foi a qualquer reunião de “condomínio”, afirmando que tinha pedido uma assembleia. Em 2014 falou com o zelador e com outra pessoa. Afirma ter escrito cartas ao zelador, não sabendo se enviou a mesma carta aos moradores do prédio.

As declarações da Autora foram prestadas de modo a revelar o interesse que tem no desfecho da causa a si favorável, pormenorizando uns factos e falando de modo evasivo sobre outros, revelando pretender responder, apenas, ao que, na sua perspetiva, lhe era favorável. Esquivando-se a questões, questionando perguntas e respondendo, mesmo, que não se recordava, bem se ficou a perceber que do que lhe era conveniente sabia e do que a poderia desfavorecer recusava, mesmo, respostas que não podia deixar de conhecer.

- BB, marido da A., disse que antes de se ter reformado (o que se verificou no ano de 2020) trabalhou para uma empresa que encerrou a atividade (em 2002) e, então, começou a atividade própria (de venda de corantes para a indústria). Afirma que tal se iniciou há cerca 20 anos, na garagem em questão, tendo cessado, formalmente, a atividade no ano de 2019. Houve infiltrações na fração em causa nos autos, sendo que já antes havia mas pequenas, e participaram ao seguro tais infiltrações em 2018. A água vinha do terraço, de cima, mas já não havia lá mercadorias. A água estragou as placas do teto e o material de escritório. Depois da peritagem em 2018 a “K....” considerou que não havia condições para o local ter eletricidade. Não soube quantificar danos. Não fizeram obras por não terem condições financeiras. Confirmou que só há cerca de quatro anos há condomínio, antes não havendo.

O depoimento desta testemunha além de interessado e confuso, contém contradições, como, por exemplo, a esposa ter decidido vender a fração porque (já) tinha cessado a atividade (em 2019) e as diligências da Autora para venda, designadamente o contrato com a imobiliária são de ano anterior (2018). Não foi convincente, incluindo quanto à data em que a atividade efetivamente cessou (e não apenas a declaração de fim de atividade). Referiu também que a imobiliária recomendou vender por os interessados descerem consecutivamente o valor da oferta (o que a testemunha CC contradisse, afirmando, até, ter havido subida). Ficou o Tribunal convencido, pelo que referiu e pelo modo lacónico como falou, de a causa do encerramento do armazém se prender com a já avançada idade do marido da Autora, que era quem se ocupava do negócio em causa. 

- A testemunha CC, diretora comercial que, em 2018, celebrou o contrato de mediação imobiliária (da “Era”) com a A., para comercialização da fração “A”, e que referiu que esta quis vender a fração porque era um ativo vazio, que dava despesa, que o edifício tinha problemas e precisava de obras que criariam despesa. Nada sabia quanto à degradação do imóvel e a sua relação com a atividade. A parte de trás do armazém era bastante húmida e escura, às vezes com água a escorrer pela parede, sendo que quem comprasse teria de fazer uma intervenção. A degradação não condicionou o negócio de compra e venda, o valor é que foi mais negociado por causa da necessidade de haver obras no espaço e o próprio prédio dar sinal de algumas patologias e, quando é assim, os clientes tentam proteger-se. Acha que, não havendo necessidade de obras e estando o imóvel sem necessitar de conservação, o imóvel poderia ser vendido por 150.000,00€ ou 155.000,00€ (nunca tiveram um cliente para os 160.000,00€ por que estava à venda), tendo a fração sido vendida, em 2022, por 137.000,00 Euros (a proposta ao início, deste comprador, cerca de um mês antes da compra, era de 125.000,00 Euros) porque o comprador, arquiteto, dizia que teria de gastar dinheiro para colocar o espaço impecável e que teria de contribuir para as obras do prédio. A perceção que teve, em 2018, é que a loja estava encerrada, sem atividade. Estava lá uma mesa, cadeiras, computadores antigos, mobiliário de arquivo (no escritório) e bidões, resto de atividade (no armazém propriamente dito). Nunca viu lá qualquer atividade após. Ajudou a fazer a retirada dos produtos que lá estavam, antes da escritura.

- Do depoimento da testemunha DD (o “zelador”, que vive, há 36 anos, no 2.º andar direito do prédio e que trabalha para a firma de condomínio que administra o condomínio desde outubro de 2021) resulta que o condomínio foi constituído a partir de 2018. Antes nunca recebeu qualquer carta da A. a dizer que tinha infiltrações. Confrontado com o doc. n.º 9 disse que não a recebeu, por ter sido endereçada à administração do condomínio, mas que na assembleia de condomínio tal carta foi tida em consideração (após ter sido confrontado com a ata), que tinha havido uma reclamação da fração A. Anteriormente os moradores do prédio faziam uma “administração interna”, ou seja, cada morador contribuía com o que fosse necessário, por exemplo, a limpeza semanal calhava uma semana a cada; outros custos (luz) eram divididos por todos, exceto pela fração da A., que era uma garagem. A A. nunca contribuiu para essas despesas. Nunca houve obras antes da constituição do condomínio. As obras foram aprovadas (na segunda assembleia) aquando da primeira administração, porque havia vários problemas no prédio que tinham de ser resolvidos, fazendo-se as obras por etapas de modo a que os condóminos pudessem pagar as suas contribuições. A A. nunca esteve presente em nenhuma assembleia. A atividade na garagem (armazém) foi desenvolvida até uns anos antes, ou seja, há 9 ou 10 anos atrás encerrou (a sua filha tem 12 anos e quando fechou era pequenina). A placa para venda foi colocada cerca de 5 anos antes do momento em que prestou depoimento. A obra começou pelo telhado e pela fachada traseira e quatro terraços, depois fachada lateral e interior de escadas e depois parou porque o valor que tinha entrado na conta do condomínio para obras já estava gasto. Todos tinham pago o que tinham a pagar, exceto a Autora. Faltava dinheiro para continuar a obra na fachada frontal, 100% do orçamento era o equivalente à contribuição da fração da A., cerca de 11 ou 12000 Euros. As cartas de cobrança à A. foram enviadas.

- A testemunha FF, perito averiguador, afirmou que fez uma peritagem em fevereiro de 2018 (pela seguradora) na fração “A”, tendo referido, também, que já lá tinha estado em 2014 mas que não sabe se a carta referindo os danos foi enviada aos “condóminos”). O local estava a servir de armazém e não tem ideia que estivesse em funcionamento. Afirmou que não tem ideia que estivesse lá uma empresa em funcionamento, e isto já há algum tempo, que “as fotografias falam por si”.

 Como resulta da reapreciação da globalidade da prova - mormente do depoimento das testemunhas sem interesse direto na decisão da causa (CC, DD e FF), estas testemunhas, que apresentam uma visão diferente da Autora e do seu marido -, no ano de 2014 já havia infiltrações na fração, e bem resulta que em 2018 já não havia atividade desenvolvida no local. Quanto ao ano em que já lá não havia atividade, DD refere há 9 ou 10 anos (por referência ao momento em que depôs, em 2022), CC afirma antes de 2018, ano em que lá foi e viu como tudo se encontrava, e FF refere que já lá tinha ido ver a fração em 2014 (por já então se verificarem infiltrações) e que em 2018, quando lá voltou, não viu atividade e que as fotografias falam por si, sendo armazém). Resultou, pois, da análise conjunta e conjugada de toda a prova que, seguramente em 2014 as infiltrações já existiam e que os estragos já se verificavam, todos eles, no início de 2018.

Assim, e por ter resultado de toda a prova produzida remontarem os problemas das infiltrações, pelo menos, ao ano de 2014, se desconhecer se a A. ficou impedida de utilizar a fração para o fim a que estava destinada em virtude da infiltração de humidades nos tetos e paredes e, mesmo a concreta origem/causa das infiltrações e humidades, como bem conclui o Apelante, tem de ser alterada a decisão de facto como solicitado.

Com efeito:

- O ponto 10 dos factos provados – “10) Desde pelo menos 2016 que o prédio e de modo particular a fracção da A. passou a evidenciar problemas de infiltrações e humidades, decorrentes de falta de manutenção das partes comuns, ou, pelo menos, de problemas existentes nessas mesmas partes comuns” - passa a ter a seguinte redação:

10- Desde pelo menos 2014 que o prédio passou a evidenciar infiltrações e humidades.
Elimina-se a parte restante – “decorrentes de falta de manutenção das partes comuns, ou, pelo menos, de problemas existentes nessas mesmas partes comuns” – por se tratar de matéria conclusiva e de direito e não dever figurar, como adiante melhor se explicitará, do elenco dos factos da sentença, que como o nome indica, é composto por factos e não por juízos ou conclusões (seja de facto seja de direito).
- O ponto 27 dos factos provados - “27) Em virtude da infiltração de humidades nos tectos e paredes, a A. ficou impedida de utilizar normal e regularmente a fracção para o fim a que estava destinada” – é eliminado dos factos provados, por falta de prova, sendo acrescentado, numa nova alínea, aos factos não provados. Com efeito, e como vimos, nenhuma prova minimamente segura foi feita de que tal se tenha verificado. 

- O ponto 29 dos factos provados -“29) Perante a situação concreta da fracção A, a A. ponderou a sua alienação;”-, nenhuma prova credível e convincente tendo sido, como vimos, produzida, que permita dar uma resposta positiva, é eliminado dos factos provados, por falta de prova, sendo acrescentado, numa nova alínea, aos não provados. Não resultou provado que a Autora tenha ponderado a alienação da fração pelos factos que alega nos presentes autos como fundamento dos direitos que se apresenta a exercer. Assim sucede, na verdade, bem esclarecendo a testemunha CC, que a degradação, pelas infiltrações e humidades, não condicionou a ponderação de decisão de venda, antes a vetustez e as patologias que o prédio apresentava e a necessidade de obras de conservação. Ficou claro, também, que as obras poderiam ter sido acabadas, em conformidade com o orçamentado, a ter a Autora pago o que foi deliberado pelo Condomínio, que passou a existir a partir de 2018, tendo os moradores custeado as reparações das suas frações, exceto a Autora, que optou por nada reparar e nada custear, antes tendo posto à venda a sua fração, em 2018, como bem esclareceu a testemunha CC, que bem referiu que a Autora quis vender a sua fração porque era, já então, um ativo vazio e a dar despesa, sendo que o edifício tinha problemas e precisava de obras, que criariam despesa.

Ficou este Tribunal convencido, pela análise conjunta e conjugada de toda a prova produzida e com base nas regras da experiência comum, que a Autora ponderou a venda por haver já decidido não continuar com o armazém e encerrar a atividade da empresa que lá havia exercido a sua atividade, que já não era exercida em 2018,  sendo, então, a fração mero armazém, sendo que a empresa, que lá esteve, vinha a não ser lucrativa, pois, como a Autora esclareceu, uns anos dava lucro outros não e o marido desta, que era quem se ocupava da atividade da empresa que lá havia desenvolvido a sua atividade, estava na idade da reforma, como, efetivamente, se veio a reformar (em 2020).

- Quanto ao ponto 31 dos factos provados - "31) Ainda assim, em 19 de Maio de 2019, a A. acordou com a empresa B..., Ldª., os termos de um contrato promessa de compra e venda, pelo preço de € 129 000,00 (valor fixado considerando a depreciação da fracção por virtude das infiltrações de humidade);”, nenhuma prova foi produzida que permita ao Tribunal dar como provado que o referido valor foi fixado considerando a depreciação da fração por virtude das infiltrações de humidade, pelo que tal ponto passa a ter a seguinte redação:

31) Em 19 de maio de 2019, a A. acordou com a empresa “B..., Lda.” os termos de um contrato-promessa de compra e venda, pelo preço de € 129 000,00;

acrescentando-se a restante parte, por falta de prova, aos factos não provados.
- Quanto ao ponto 49 dos factos provados -“49) O espaço mostra-se encerrado e nem sequer pode ser arrendado, uma vez que o seu estado afasta qualquer interessado em exercer ali a sua actividade;”-, entende o recorrente dever tal matéria transitar para os factos não provados.
No entanto, trata-se tal matéria, como a constante do ponto 48 dos factos provados – “A Autora nenhuma atividade económica pode desenvolver na fração” -, de matéria conclusiva, nenhuns específicos factos sendo alegados e nenhuma concreta atividade sendo aí referida (bem podendo, até, ser configuradas atividades a poderem ser exercidas numa “garagem” (cfr. facto provado nº1) no R/C, ainda que com infiltrações de água. Assim, e por conterem matéria conclusiva, têm os pontos 48 e 49 dos factos provados de ser eliminados do elenco dos factos da causa.

Quanto ao ponto 50 dos factos provados – “50) A A. já alienou a fracção descrita em 1), mas por valor inferior ao obteria caso a mesma não apresentasse as anomalias referidas em 33)” -, entende o Apelante dever ser alterada a redação deste ponto dado não resultar ter valor de venda sido inferior devido às mencionadas anomalias.

Ora, no item 50 dos factos provados consta facto que não foi alegado e que o Tribunal aditou sem explicitar a razão de ser de tal aditamento. Nos termos do nº1 e 2, do artigo 5º, o Tribunal só pode considerar, além dos alegados pelas partes, os instrumentais, complementares ou concretizadores que resultem da instrução da causa, desde que sobre eles as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciar, e, ainda, os factos notórios. Como é manifesto, a alienação do imóvel na pendência da ação por valor inferior ao que a Autora obteria se não fossem as anomalias referidas em 33 é facto essencial à sua pretensão que não podia ter sido conhecido pelo Tribunal. Nenhuma das partes o alegou, nem em articulado superveniente. Acresce que a compra e venda de imóveis está sujeita a forma obrigatória devendo ser celebrada por “escritura pública ou por documento particular autenticado” como previsto no artigo 875º, do Código Civil, e, face ao disposto no artigo 364º do mesmo Diploma, tal documento não pode ser substituído por qualquer outro meio de prova a não ser que tenha força probatória superior. Não foi junto aos autos qualquer documento comprovativo da referida alienação do imóvel, ainda que fosse mera cópia do documento que titulou a compra e venda ou do registo predial a favor de terceiro.

Donde, não pode tal facto ser dado por provado, pelo que se eliminará do elenco de factos provados.

Acresce salientar, ainda, que a referida alienação, além de não poder ser julgada provada para efeitos de fundar, a qualquer título, a decisão de mérito, não tinha que ser apurada pelo Tribunal por não ter qualquer reflexo no andamento dos autos em face do disposto no nº1, do artigo 263º.


*
Cumpre, ainda, deixar claro, que devendo o tribunal conhecer de todas as questões que lhe são submetidas (art. 608º, n.º 2 do CPC), isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e de todas as exceções de que, oficiosamente, lhe caiba conhecer, tinha, para o efeito, de proceder à seleção e recolha dos factos. E na decisão da matéria de facto, com concreta e especificada exposição de factos provados e não provados, o juiz deve garantir a recolha de todos os factos (cfr. art. 5º, do CPC) que mostrem relevância jurídica para a decisão da causa, de acordo com as diversas soluções plausíveis da questão de direito.
Ora, nenhuma relevância jurídica têm factos que não densificam a causa de pedir da ação, as exceções deduzidas e matéria relativa a questões de conhecimento oficioso do Tribunal (uma vez exercido o contraditório - art. 3º, nº3, do CPC), não sendo de fazer figurar da sentença factos inócuos para a decisão das questões de que cabe conhecer (o que deve ser aferido face ao pedido e respetiva causa de pedir e à matéria de exceção), factos que integrem impugnação motivada dos factos da causa (pois que os relevantes são os constitutivos que integram a causa de pedir) e matéria conclusiva e de direito (pois que, como o próprio nome indica, decisão da matéria de facto tem de versar sobre factos concretos e especificados).
Vedada está, também, a recolha de factos essenciais não alegados pelas partes nos, normais, articulados da causa destinados à alegação fáctica (ou em articulado superveniente, quanto a factos objetiva ou subjetivamente supervenientes) e é, sempre, de desatender pretensão de aditamento de factos neles não alegados pela parte que tem o ónus de alegação (a Autora, de factos constitutivos do seu direito e a Ré, de factos a densificar exceção).
Como tivemos já possibilidade de tomar posição - cfr. Ac. RP de 19/12/2023, proc. nº 4201/22.2T8PRT.P1, relatado pelo Senhor Desembargador Dr. Manuel Fernandes, em que a ora relatora foi adjunta, citando-se no lugar próprio as respetivas notas, para melhor perceção -, “importa não esquecer que o artigo 607.º, nº 4 do CPCivil[6] dispõe que na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
No âmbito do anterior regime do Código de Processo Civil, o artigo 646.º, nº 4 do CPCivil, previa, ainda, que: têm-se por não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documento, quer por acordo ou confissão das partes”.
Esta norma não transitou para o atual diploma, o que não significa que na elaboração da sentença o juiz deva atender às conclusões ou meras afirmações de direito.
Ao juiz apenas é atribuída competência para a livre apreciação da prova dos factos da causa e para se pronunciar sobre factos que só possam ser provados por documento ou estejam plenamente provados por documento, admissão ou confissão.
Compete ao juiz singular determinar, interpretar e aplicar a norma jurídica (artigo 607.º, nº 3 do CPCivil) e pronunciar-se sobre a prova dos factos admitidos, confessados ou documentalmente provados (artigo 607.º, nº 4).
Às conclusões de direito são assimiladas, por analogia, as conclusões de facto, ou seja, “os juízos de valor, em si não jurídicos, emitidos a partir dos factos provados e exprimindo, designadamente, as relações de compatibilidade que entre eles se estabelecem, de acordo com as regras da experiência”[7].
Antunes Varela considerava que deve ser dado o mesmo tratamento “às respostas do coletivo, que, incidindo embora sobre questões de facto, constituam em si mesmas verdadeiras proposições de direito[8].
Em qualquer das circunstâncias apontadas, confirmando-se que, em concreto, determinada expressão tem natureza conclusiva ou é de qualificar como pura matéria de direito, deve continuar a considerar-se não escrita porque o julgamento incide sobre factos concretos.
Como assim, e por os citados pontos conterem meras conclusões, não podem integrar o elenco dos factos provados”[9].
Deste modo, e por, efetivamente, estarmos perante meras conclusões de facto e de direito, cabe eliminar os pontos como supra se referiu.  
*
Acresce que, nos termos expostos, cumpre, ainda, eliminar a seguinte matéria não fáctica, mas conclusiva, que consta do ponto 28, dos factos provados: altamente” e, ainda, “e com elevado grau de deterioração provocado pelas condições das instalações”.
Mais se desconsidera o constante dos pontos 3 a 8, por a parte passiva nos autos ser, agora, o Réu Condomínio, tendo os demais Réus sido absolvidos da instância, por decisão transitada em julgado.

*
Neste conspecto, procede o recurso na vertente da impugnação da matéria de facto, cumprindo proceder às alterações que acabamos de referir.

*

Assim, e na procedência da impugnação da decisão da matéria de facto passa a ser o seguinte o compósito fáctico da causa (sendo de atentar a que os factos foram densificados no momento da sua alegação, sendo por referência a ele que é efetuada a exposição fáctica da causa):

Factos Provados:
1) A Autora é proprietária da fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente a uma garagem, situada no rés do chão, com entrada pelos números ... e ... da Rua ..., formada por uma ampla garagem, sanitários e chuveiro e um pequeno pátio, descrita na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº de registo ..., União de Freguesias ... e ... - Porto, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial nº. ... (fração “A”), da Freguesia ..., Porto, afeta a armazéns e atividade industrial;
2) O 1º R. é o Condomínio do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº de registo ..., União de Freguesias ... e ... – Porto, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial nº. ..., presentemente representado e administrado por A..., Ldª. Rua ..., ... Porto;
3 a 8) [10]
9) A referida fração “A” fica exatamente por baixo das frações “B” e “C”, sendo que os respetivos terraços (de uso exclusivo) e piso, servem de teto à fração “A”;
10) Desde, pelo menos, 2014 que o prédio passou a evidenciar problemas de infiltrações e humidades;
11) O que levou a que o assunto fosse discutido em assembleia de condomínio ocorrida em 16 de fevereiro de 2018, onde foi comunicado pelo presidente da mesa senhor DD que havia recebido uma carta da A. a dar conta de problemas de infiltrações na fração “A” e tendo sido comunicado, também, que futuramente, se iriam pedir orçamentos para realização das obras de que o prédio necessita.
12) Em 28 de setembro de 2018, ocorreu nova assembleia de condomínio, tendo em vista deliberar sobre as obras no edifício, apresentação, análise e votação dos orçamentos para as obras do edifício e deliberação sobre o pagamento das obras.
13) Nessa altura, foi dado conhecimento que a A. enviou uma carta à Administração a dar conta de infiltrações na sua garagem e que se nada for feito, irá exigir uma indemnização ao condomínio pelos danos causados.
14) Em consequência, foi deliberado por unanimidade dos presentes, acerca da necessidade de realização de obras no edifício, e escolhida a proposta apresentada pela Empresa C..., pelo valor de 84.854,81 €.
15) Também aí se estabeleceu a calendarização das obras, bem assim como os prazos para pagamento das obras da primeira fase (terraços e cobertura).
16) No dia 22 de fevereiro de 2019 ocorreu nova Assembleia de condomínio que se destinou, entre outros, a eleger a nova Administração, tendo sido reeleita para o cargo a sociedade A..., Lda. e a deliberar sobre o pagamento da segunda fase das obras do edifício (reparação da fachada frontal).
17) Nessa assembleia deliberou-se pelo pagamento da segunda fase da obra orçada em 36.000,00 €, em seis prestações mensais, de acordo com as respetivas permilagens, com início de pagamento de junho de 2019 e fim em novembro de 2019.
18)  Em fevereiro de 2020, ocorreu nova assembleia de condomínio, tendo, entre outros, como pontos da ordem de trabalhos, a eleição da administração do condomínio (tendo sido, de novo, reeleita a sociedade A..., Lda. para o exercício de tais funções) e a deliberação sobre outros assuntos de interesse geral.
19) Nessa reunião, foram informados os condóminos que já foi colocada a rede de abastecimento de água, devido a uma rutura da mesma, obra que deveria ser efetuada na 3ª fase, e que o empreiteiro vai continuar as obras nos terraços e na fachada traseira.
20) Executaram obras da 3ª fase, sem que as da primeira fase ainda estivessem concluídas (terraços), pagando ao empreiteiro com verbas que se destinavam a suportar os custos com as obras da primeira fase.
21) Não obstante não estarem concluídas as obras da primeira fase, foi deliberado fracionar o pagamento das obras referentes à 3ª fase (10.075 €) em seis prestações mensais, com início em março de 2020.
22) Uma vez que as infiltrações de humidade na fração A. se mantinham, a A. deu nota, na aludida Assembleia, que terá de recorrer a Tribunal, pedindo uma indemnização pelos danos que estão a ser causados na sua fração.
23) A A. participou à sua seguradora as infiltrações de humidade ocorridas na (então) sua fração, sendo que, “em sede de peritagem, foi possível verificar que a origem dos danos deve-se à falta de manutenção do terraço, bem como a deficiente impermeabilização do mesmo”, pelo que a D... declinou o sinistro.
24) Aquela Seguradora, através da E..., interpelou a Administração do Condomínio no sentido de saber se a 1ª R. estava disponível para indemnizar a A. pelos danos causados na sua fração, ao que a aludida R. respondeu, em 23 de julho de 2018, nos termos que constam da correspondência junta com a petição inicial como docs. 16 a 18.
25) A A., por seu turno, interpelou a 1ª R., dando-lhe conta do seu desagrado pelo atraso no início das obras programadas, designadamente da 1ª fase – a que mais afeta a fração A – ao que lhe foi respondido que seriam executadas a partir de 15 de maio de 2019, sendo que, em 8 de abril de 2020 apenas estaria concluída a obra do telhado e (à data) não se procedeu à reparação dos terraços.
26) A A. liquidou as prestações, no valor de 12.534,54 €, que lhe foram fixadas relativas às obras de beneficiação dos terraços e cobertura.
27)[11]
28) A atividade comercial exercida pelo marido da A. tinha como objeto a comercialização de corantes para a indústria, produtos vulneráveis à humidade.
29)[12]
30) Foram vários os pretendentes à aquisição do espaço em causa, alguns por intermediação da empresa F... e G... mas que desistiram dos seus intentos.
31) Em 19 de maio de 2019, a A. acordou com a empresa “B..., Lda.” os termos de um contrato-promessa de compra e venda, pelo preço de € 129 000,00.
32) A fração da A. tem 236 m2 de área e está inserida próxima de uma zona nobre da cidade do Porto – ... e zona ocidental da cidade.
33) Como consequência das aludidas infiltrações, foram danificados o teto falso do gabinete do escritório, bem assim como noutra divisão, danificação na pintura e paredes, painéis das divisórias em madeira, tetos e pavimentos, sendo necessário proceder à revisão da rede elétrica.
34) Os custos da reparação de tais danos foram orçamentados em € 8.278,67.
35) Assim que tomou conhecimento das queixas apresentadas pelos condóminos, o 1.º R. Condomínio diligenciou imediatamente pela realização de uma assembleia geral de condóminos para que pudessem ser apresentados orçamentos/empreiteiros para realização de todas as obras necessárias no edifício.
36) Tendo a escolha do empreiteiro/orçamento para realização das referidas obras sido deliberada e aprovada pelos próprios condóminos, na Assembleia realizada a 28/09/2018.
37) A A. não impugnou as deliberações tomadas na referida Assembleia.
38) A realização das obras para reparação das infiltrações estava dependente do bom pagamento das quotas relativas às mesmas por parte dos vários condóminos.
39) Conforme foi explicado na assembleia de condomínio realizada a 26/02/2020, a colocação da rede de abastecimento de água, que deveria apenas ser realizada na 3ª fase das obras, apenas foi antecipada porque ocorreu uma rutura na mesma, que levou à inundação do prédio de forma a evitar mais custos e transtornos para todos os condóminos, inclusive para a A.
40) Caso a A. não pague a sua quota parte das despesas das obras, estas dificilmente conseguirão ser realizadas, uma vez que o condomínio deixa de ter cerca de 1/3 do valor necessário, e aprovado em assembleia de condomínio, para a realização das obras.
41) Neste momento, já se encontram realizadas todas as obras orçamentadas e aprovadas em assembleia de condomínio, com exceção das obras na fachada frontal.
42) O valor das obras que ainda falta realizar ronda os dezassete mil euros, quando o valor da quota parte da A. que ainda se encontra por pagar ronda os doze mil euros.
43) As obras no imóvel não foram concluídas por a A. não pagar a sua quota parte (maioritária) nas mesmas.
44) A A. não participou nas assembleias de condomínio, acima referidas, em que foram deliberadas e aprovadas realização de obras necessárias à manutenção das partes comuns do edifício e ao suprimento das infiltrações e danos alegadamente ocorridos na sua própria fração.
45) A cobrança coerciva dos montantes devidos ao 1.º R. relativos às identificadas obras encontra-se a ser dirimida no Juiz 7, do Juízo de Execução do Porto, desta Comarca.
46) Sendo que, no pretérito dia 09/07/2021, foi já penhorada a quantia de 14.400,00€ à Autora (cfr. doc. nº2, junto com a contestação do Réu condomínio).
47) O 1º R. apenas foi constituído e iniciou a sua 1ª administração em 16/02/2018.
48), 49) e 50[13] .

*
B) - Factos não provados:
Não resultaram provados outros factos com relevo para a boa decisão da causa, designadamente que:
a) As infiltrações de humidade na fração “A” sejam oriundas dos terraços e das partes comuns do prédio e tenham continuado depois da conclusão a 1.ª fase das obras.
b) A situação em que se encontra a fração tenha impedido o marido da A. de ali continuar a exercer atividade comercial.
c) O espaço se mostre encerrado desde 2016.
d) As obras de beneficiação dos terraços e cobertura não tenham sido executadas.
e) Dado o seu estado e falta de perspetiva quanto ao momento da sua requalificação, com eliminação das causas das humidades, os pretendentes à aquisição do espaço tenham desistido dos seus intentos.
f) O contrato referido em 31) não se tenha vindo a efetivar por virtude do estado da fração;
g) A fração da A., em termos comerciais, tenha um valor que se estime entre € 1000 de € 1400/m2, o que determina que o seu valor, em bom estado de conservação, ascenda a um valor de € 236.000 a € 330.400.
h) A A. tenha, pelo menos, um prejuízo de € 107.000 a € 201.400 correspondente à depreciação da fração.
i) Persista a entrada de humidades, junto ao tubo de queda das águas pluviais do prédio que percorre o interior da fração “A”, o que continua a degradar a fração em causa.
j) A presença do tubo de queda das águas pluviais do prédio que passa no interior da fração “A”, bem assim como as caixas ali instaladas, sejam fonte de sucessivas infiltrações, o que aconselha à sua imediata remoção.
k) O empreiteiro tenha interrompido as obras e as mesmas se tenham atrasado em virtude quer da situação de pandemia que o país viveu, quer do mau tempo que se verificou, principalmente nos meses de inverno, e que dada a natureza das intervenções a realizar, impediu que as obras pudessem ser realizadas durante várias semanas.
l) E visto que com tempo de chuva intensa as obras de reparação nos terraços e fachadas, com vista à eliminação das infiltrações e humidades, não poderiam ser realizadas, uma vez que necessitam de tempo seco para que sejam executadas na perfeição.
m) Com os presentes autos, a A. pretendesse única e exclusivamente tentar impedir estrategicamente algo que sabia ser inevitável, isto é, a cobrança coerciva dos montantes devidos ao 1.º R. relativos às identificadas obras.
n) Os danos na fração “A” provenham do mau uso, falta de manutenção, desgaste natural e falta de limpeza da A..
o) Em virtude da infiltração de humidades nos tetos e paredes, a A. tenha ficado impedida de utilizar normal e regularmente a fração para o fim a que estava destinada.
p)  Perante a situação concreta da fração “A”, a A. tenha ponderado a sua alienação.
q) O valor referido no facto provado 31 tenha sido fixado considerando a depreciação da fração por virtude das infiltrações de humidade.

*

2. Da decisão de mérito:

- Da verificação dos pressupostos de responsabilidade civil do obrigado a conservar o edifício.
Formula a Autora, na ação, a pretensão de condenação do Réu a:
i) promover as obras de beneficiação/manutenção das partes comuns e de reparação dos danos causados na sua fração, por virtude das infiltrações de humidade (e a indemnizá-la, em sanção diária, por cada dia de incumprimento do que vier a ser decidido quanto a tal);
ii) indemnizá-la pelos danos causados na sua fração que determinaram a impossibilidade da a utilizar, em virtude da infiltração das humidades, e a indemnizá-la em montante correspondente aos prejuízos económico-financeiros decorrentes da recusa de potenciais compradores em adquirem a sua fração, face ao estado de degradação em que a mesma se encontra por virtude das infiltrações de humidades, a liquidar em execução de sentença;
iii) a não reclamar da A. quaisquer montantes que sejam devidos pelas despesas com encargos com as partes comuns, enquanto não se mostrar cumprido o peticionado em i),
fundando a ação em responsabilidade do obrigado a conservar o edifício pelos danos que lhe foram causados pelas infiltrações de humidade na sua fração.
Proferida sentença, o Réu Apelante, pretendendo ser absolvido, apresentou-se a recorrer da decisão que o condenou a: a) promover as obras de beneficiação/manutenção das partes comuns, tendo em vista eliminar as causas/origem das infiltrações de humidade na fração descrita em 1), no prazo de 60 dias; b) reparar os danos causados na fração referida em 1) descritos em 33) dos factos provados, no prazo de 60 dias; c) pagar, a título de sanção pecuniária compulsória, prevista no art.º 829.º-A do Código Civil, a quantia de € 50,00 (cinquenta euros) por cada dia de atraso no cumprimento das obrigações impostas em a) e b); d) indemnizar a A. pelos danos causados na fração A. e que determinaram a impossibilidade da sua utilização, decorrentes das infiltrações de humidades, em montante a fixar em sede de liquidação; e) indemnizar a A. em montante correspondente à depreciação da fração descrita em 1), em virtude da infiltração das humidades, a fixar em sede de liquidação; f) nos juros de mora sobre as quantias em que vierem a ser fixadas, à taxa legal, desde a data da citação e até integral pagamento.

Decidiu o Tribunal a quo pelas referidas condenações, com base em responsabilidade civil extracontratual do Condomínio Réu, subsumindo o caso ao artigo 483º e nº1, do artigo 493º, do Código Civil, abreviadamente CC, que cita, analisando o que a Doutrina e a Jurisprudência sobre eles manifesta, fazendo-o nos seguintes termos:

“Estatui o cit. art.º 483.º que “Aquele que, como dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.

Por seu turno, prescreve o n.º 1 do aludido art.º 493.º que “Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.”

O art.º 493.º, n.º 1, do CC estabelece uma modalidade especial de responsabilidade delitual fundada numa presunção de culpa em relação a quem tem poder de facto sobre a coisa e o dever de a vigiar.

Esta presunção é, contudo, ilidível mediante a prova da falta de culpa ou de que os danos se teriam igualmente verificado (art.º 350.º, n.º 2, do CC).

Nos termos do art.º 350.º, n.º 1, do CC quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz,

Como se refere no Ac. do STJ de 30/09/2014 (Rel. Cons. Maria Clara Sottomayor, disponível para consulta em www.dgsi.pt), embora a responsabilidade baseada em presunções de culpa se integre no âmbito da responsabilidade subjectiva, distinguindo-se da responsabilidade objectiva ou pelo risco, até porque as presunções são ilidíveis mediante prova em contrário (art.º 350.º, n.º 2), as dificuldades de prova do lesante no afastamento das presunções de culpa tornam a obtenção de uma indemnização muito mais segura para o lesado e fazem com que a finalidade reparatória da responsabilidade civil se sobreponha à finalidade sancionatória.

Segundo Rui Ataíde (Responsabilidade civil por violação de deveres no tráfego, Almedina, pág. 356), a razão de ser da norma reside numa máxima de experiência comum: quando uma coisa, estando sob a custódia de alguém, provoca danos, a respectiva causa assenta, em regra, na falta ou deficiente vigilância por parte da pessoa encarregue de a guardar. Ao encarregado da vigilância compete, por seu turno, ilidir essa presunção, demonstrando o correcto cumprimento dos respectivos deveres de guarda, uma vez que, estando a coisa à sua disposição, está em melhor situação para comprovar que foi cauteloso na sua custódia.

Na alçada do art.º 493.º, n.º 1, caiem, segundo o mesmo autor, todas as coisas, por mais inócuo que seja o seu potencial danoso, que fazem parte do tráfego e que estejam em poder do sujeito comum.

No que concerne ao âmbito subjectivo de aplicação daquela norma, o responsável é a pessoa que tiver em seu poder a coisa imóvel e que, por isso, está obrigado a vigiá-la, podendo ser, ou não, proprietário – o que releva é que tenha o controlo material da coisa, o corpus possessório (aut. e ob. cit., pág. 388), o poder de facto sobre a coisa que dure o tempo suficiente para viabilizar a efectiva constituição duma posição de domínio (ob. e aut. cit., pág. 396), mas com exclusão das situações de mero contacto físico ocasional com a coisa (aut. e ob. cit., pág. 388.). Quanto ao seu âmbito objectivo, estão unicamente abrangidas: a) as coisas que, podendo ser objecto de custódia, podem, por via das mais diversas forças, incluindo a da gravidade, adquirir um dinamismo próprio susceptível de causar danos; e b) os danos que a coisa causar, no sentido em que estão afastados do âmbito da norma os danos causados com a coisa, ou seja, quando esta funcionou simplesmente como instrumento parcial da acção danosa empreendida pelo sujeito (cfr. aut. e ob. cit., pág. 362).

No âmbito da previsão do n.º 1 do art.º 493.º do CC estão abrangidas as coisas, móveis e imóveis, mesmo que não sejam por natureza perigosas, mesmo que sejam inertes (estando, portanto, afastada uma interpretação segundo a qual o dano tem de ser causado pelo dinamismo congénito da coisa), susceptíveis de causar danos a terceiros, se não forem observados deveres de controlo destinados a impedir ou, ao menos, a reduzir, a probabilidade de eventos danosos, motivo pelo qual, para evitar a sua ocorrência, manda o art.º 493º n.º 1 do CC que devem ser vigiadas. Ou seja, o eixo de imputação não reside (…) na presença ou falta de um congénito potencial lesivo das coisas, mas no (in)cumprimento dos deveres de vigilância que ao caso couberem, uma vez que, mesmo quando as coisas estão privadas de um dinamismo próprio, subsistem deveres de controlo destinados a impedir ou, ao menos, a reduzirem a probabilidade de factores externos, fortuitos ou não, intervirem como causa ou concausa de eventos danosos (aut. e ob. cit. pág. 364). Os prejuízos causados pelas coisas tanto podem ser fruto de processos degenerativos puramente internos como de factores externos que as degradem, obstando ou diminuindo o gozo das suas normais utilidades (aut. e ob. cit., pág. 373).

Tem sido entendido pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores que a presunção de culpa é também uma presunção de ilicitude: perante o dano, presume-se ter havido incumprimento do dever de vigiar.

Neste sentido, veja-se o Ac. do STJ de 10/12/2013 (Rel. Cons. Nuno Cameira), em cujo sumário se refere o seguinte: «A norma do art.º 493.º, n.º 1, do CC estabelece uma presunção de culpa que, em bom rigor, é, simultaneamente, uma presunção de ilicitude, de tal modo que, face à ocorrência de danos, se presume ter existido, por parte da pessoa que detém a coisa, incumprimento do dever de vigiar».

E, revertendo para o caso, considera o Tribunal a quo verificado que a fração “A”, passou a evidenciar problemas de infiltrações e humidades, decorrentes de falta de manutenção das partes comuns, ou, pelo menos, de problemas existentes nessas mesmas partes comuns e que, em virtude de tais infiltrações e humidades, foram danificados o teto falso do gabinete do escritório, bem como, noutra divisão, danificação na pintura e paredes, painéis das divisórias em madeira, tetos e pavimentos, sendo necessário proceder à revisão da rede elétrica. Considera: “são os condóminos, no seu conjunto, sob a veste de condomínio – ao qual a lei atribui personalidade judiciária (art.º 12.º, al. e), do CPC) – que detêm o poder de facto sobre o telhado, terraços (existentes nas  fracções do 1.º andar) e fachadas do prédio, por se tratar de partes comuns do edifício e que, portanto, têm o dever de a vigiar”, entendendo que cabia “ao condomínio ilidir a presunção de culpa (e, como vimos, também de ilicitude) que sobre si recai, nos termos do cit. art.º 493.º, n.º 1, provando que nenhuma culpa houve da sua parte na produção dos danos ocorridos a fracção A , ou demonstrar que esses danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua” e que “O R. não conseguiu ilidir a presunção de culpa (e de ilicitude) que sobre si recaía, provando que cumpriu o dever de vigiar as indicadas partes comuns do prédio, procedendo à realização das obras nas partes comuns antes de ocorrer qualquer dano, mormente na fracção A, e que portanto nenhuma culpa houve da sua parte, ou demonstrar que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”.

Mais considera que “O R. apenas iniciou, como ficou provado, obras de manutenção e de reparação das partes comuns quando a fracção A já tinha infiltrações e humidades causadas pelas partes comuns mas tais obras ainda não estão concluídas, faltando realizar as obras na fachada frontal” e assim sendo, “além da obrigação de realizar as obras na fachada frontal, o R. terá de responder pelos danos que tenham resultado na fracção A das infiltrações e humidades provenientes da falta de manutenção das partes comuns, pelo que deve ser condenado, como peticiona a A., a promover as obras de beneficiação/manutenção das partes comuns, tendo em vista eliminar as causas/origem das infiltrações de humidade na fracção e a reparar os danos”.

Ora, apesar de resultar dos factos provados para o Réu o dever de realizar as obras deliberadas, orçamentadas e aprovadas, como considerou o Tribunal a quo, certo é que o Réu se mostra a cumprir tal dever e não resulta impender sobre o mesmo, evidentemente, qualquer dever de vigiar as partes comuns do edifício em data anterior à da sua própria constituição.

Não se constituiu o Réu em obrigação de indemnizar a Autora, pois que os danos sofridos por esta não resultaram de atuação do Réu, seja por ação seja por omissão.

Cumpre, mesmo, acrescentar que os danos se foram produzindo ao longo de anos (pelo menos desde 2014 ao início de 2018) sem que o Réu estivesse, ainda, constituído (tendo-o sido em 16/2/2018). E, mais do que isso, apesar de verificadas as infiltrações e as humidades e da reconhecida necessidade de obras no edifício, certo é que não foi alegada a concreta/especificada causa das infiltrações na fração “A”.

Na verdade, sendo conclusiva e de direito a matéria alegada, referente às infiltrações e humidades - decorrentes de falta de manutenção das partes comuns, ou, pelo menos, de problemas existentes nessas mesmas partes comuns” -, não permite a mesma determinar a causa/origem das concretas infiltrações na fração da Autora e, como tal, não se pode concluir pelo preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Réu.
Neste conspecto, resultando provado que o Réu Condomínio apenas foi constituído e iniciou a sua 1ª administração em 16/02/2018 (cfr. f. p. nº47), não pode, por isso, ser responsabilizado por factos que lhe não são imputáveis e por danos verificados em momento anterior à sua constituição.
Não foi efetuada prova de concretas infiltrações verificadas na fração da Autora com origem em parte comum do edifício serem imputáveis ao Réu, antes logrou este afastar a ilicitude e a culpa, pois demonstrou inexistir atuação sua, por ação ou omissão, na origem dos danos verificados (nenhum nexo de causalidade se podendo configurar entre estes e facto imputável ao Réu).
Constata-se apenas se encontrar provado, com relevância para a decisão da questão:
- A fração “A”, propriedade da Autora à data da propositura da ação, fica por baixo das frações “B” e “C”, sendo que os respetivos terraços (de uso exclusivo) e piso, servem de teto à fração “A”;
- Desde, pelo menos, 2014 que o prédio passou a evidenciar problemas de infiltrações e humidades;
- A A. participou à sua seguradora as infiltrações de humidade ocorridas na (então) sua fração, sendo que, “em sede de peritagem, foi possível verificar que a origem dos danos deve-se à falta de manutenção do terraço, bem como a deficiente impermeabilização do mesmo”, pelo que a D... declinou o sinistro.
- Como consequência das aludidas infiltrações, foram danificados o teto falso do gabinete do escritório, bem assim como noutra divisão, danificação na pintura e paredes, painéis das divisórias em madeira, tetos e pavimentos, sendo necessário proceder à revisão da rede elétrica.
Ora, apesar de o edifício padecer de infiltrações e da conclusão a que chegou a seguradora, certo é que não resultou provado o que causou a humidade e as infiltrações na fração “A”. Não pode este Tribunal, com segurança, afirmar se a origem das mesmas e dos danos, verificados em data anterior à constituição do Condomínio, está na falta de manutenção de terraço de uso exclusivo, em deficiente impermeabilização de algum deles, na junta de dilatação, em fuga de água verificada na canalização da própria Autora ou de outra fração autónoma, nas fachadas do edifício, no telhado ou em outra qualquer causa.
Imputa a Autora ao Réu, Condomínio, a responsabilidade pelos danos por si alegadamente sofrido com as infiltrações que se verificaram na sua fração sem que, contudo, tenha logrado efetuar prova da existência de nexo de causalidade entre facto que possa ser imputado ao condomínio e os invocados danos, tendo o facto de constituir a causa do dano para que se possa configurar responsabilidade e, consequentemente, obrigação de indemnizar.
Efetivamente, na responsabilidade extracontratual incumbe ao lesado o ónus de provar todos os referidos pressupostos consagrados no nº1 do art. 483º, do Código Civil, entre eles, como vimos, a culpa do autor da lesão, nos termos dos artigos 487º, nº 1 e 342º, nº 1, ambos daquele Código, salvo existindo presunção especial de culpa, já que a obrigação de indemnizar, independentemente de culpa, só existe nos casos especificados na lei - v. nº 2 do artigo 483º do Código Civil, contando-se, na verdade, entre tais casos, o consagrado no nº1, do artigo 493º, do Código Civil, como analisou o Tribunal a quo.
 Ora, não tendo ficado provada a causa das infiltrações, não tendo a Autora logrado provar qualquer facto ou omissão imputáveis ao Réu, dada a não verificação dos pressupostos da responsabilidade civil do Condomínio Réu, não se constituiu o mesmo em obrigação de indemnizar/reparar, tendo os pedidos formulados pela Autora, todos eles com fundamento em violação do Réu do dever de vigiar, para evitar infiltrações na sua fração “A”, que se não verificou, de improceder.
E assim cabe decidir, mesmo com relação à peticionada condenação em promoção de obras na fachada frontal, pois que não logrou a Autora obter prova de infiltrações e humidades na sua fração terem continuado depois da conclusão da 1ª fase das obras já executadas (cfr. facto não provado da al. a)). 

*
Uma palavra para se expressar que, assim, mesmo que fosse possível uma decisão de forma que, de todo, se não concebe, sempre o nº 3, do art. 278º, impõe a de mérito. Ante a verificação de inviabilidade da pretensão formulada, visando exceção dilatória (que pudesse ser configurada a conduzir à absolvição da instância, o que se não concebe) tutelar interesses do sujeito passivo que beneficiado sai com uma decisão de absolvição do pedido (na medida em que impedirá a repetição da causa por força do caso julgado), o desfecho da causa é de mérito, com a desejada e imposta, prevalência da substância sobre a forma, consagrada no referido preceito.

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3. Da responsabilidade processual da Autora

Consagrando o legislador o direito de acesso aos Tribunais, a lei não reserva tal acesso aos detentores da razão, aos que fazem a adequada subsunção jurídica dos casos, estabelecendo, contudo, entraves à introdução em juízo de pretensões e cominando certas atuações como litigância de má-fé.

E, na verdade, “não deve confundir-se a litigância de má-fé com:

a) A mera dedução de pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da sua prova, por a parte não ter logrado convencer da realidade por si trazida a juízo;

b) A eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar;

c) A discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos, a diversidade de versões sobre certos factos ou a defesa convicta e séria de uma posição, sem, contudo, a lograr impor (RP 2-3-10, 6145/09)[14].

Assim, mesmo, até, resultando não ter a parte razão, não se segue, como consequência necessária, a condenação como litigante de má-fé. 

A condenação de uma parte como litigante de má-fé traduz um juízo de censura sobre a sua atitude processual, visando alcançar o respeito pelos Tribunais, a moralização da atividade judiciária e o prestígio da justiça.

Segundo o dever da boa-fé processual estabelecido no artigo 8.º, as partes têm o dever de, conscientemente, não formular pedidos injustos, não articular factos contrários à verdade, não requerer diligências meramente dilatórias.

A violação deste dever dá lugar a sanção pecuniária: indemnização e multa.

Analisemos da responsabilidade processual da Autora, por litigância de má-fé, atentando na sua conduta processual, para se aquilatar da sua atuação de má-fé.

Impendendo sob as partes o dever de pautar a sua atuação processual por regras de conduta conformes à boa-fé - cfr. art. 8º -, caso não o observem podem incorrer em responsabilidade processual.

O instituto da má-fé processual, regulado nos artigos 542º a 545º, de tal diploma legal, visa sancionar a parte que preencha, com a sua atuação processual, a respetiva previsão.

Ao contrário do que sucedia antes da revisão do Código de Processo Civil operada pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de dezembro, atualmente as condutas passíveis de integrar má-fé não têm de ser, necessariamente, dolosas, já que o instituto passou a abranger, também, a negligência grave. Atingiu-se uma maior responsabilização das partes. Como resulta do preâmbulo do referido diploma, o atual Código de Processo Civil, com a nova filosofia de colaboração que lhe está ínsita, consagrou "expressamente o dever de boa-fé processual, sancionando-se como litigante de má-fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos". Na reforma processual introduzida por este DL houve uma substancial ampliação do dever de boa-fé processual, alargando-se o tipo de comportamentos que podem integrar má-fé processual - quer a substancial quer a instrumental -, tanto na vertente subjetiva como na objetiva. A condenação por litigância de má-fé pode agora fundar-se em negligência grave, para além da situação de dolo já anteriormente prevista.

Alberto dos Reis distinguia, em matéria de conduta processual das partes, quatro tipos de lide: lide cautelosa (aquela em que a parte esgota todos os meios para se assegurar de que tem razão e apesar disso vê inviabilizada a sua pretensão (ou oposição)), lide imprudente (aquela em que a parte comete imprudência leve ou levíssima), lide temerária (aquela em que a parte, embora convencida que tem razão, incorre em culpa grave ou erro grosseiro, indo a juízo sem tomar em consideração as razões ponderosas (de facto ou de direito) que devia empregar para desfazer o seu erro, comprometendo a sua pretensão) e lide dolosa (aquela em que a parte, apesar de ciente de que não tem razão, litiga e deduz pretensão (ou oposição) conscientemente infundada)[15].

Ao sancionar, atualmente, a litigância com negligência grave a lei está a proibir, para além da lide dolosa, a lide temerária, a qual pressupõe culpa grave ou erro grosseiro[16].
Na verdade, de acordo com o nº2, do art. 542º:
“Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”.
“Segundo o nº2, constituem atuações ilícitas da parte: a dedução de pretensão ou oposição com manifesta falta de fundamento, por inconcludência ou inadmissibilidade do pedido ou da exceção (alínea a));  a apresentação duma versão dos factos, deturpada ou omissa, em violação do dever de verdade (alínea b)); a omissão do dever de cooperação (alínea c)); em geral, o uso reprovável do processo ou de meios processuais, visando um objetivo ilegal, o impedimento da descoberta da verdade, o entorpecimento da ação da justiça ou o protelamento, sem fundamento sério, do trânsito em julgado da decisão (alínea d))”[17].
“Visa entorpecer a ação da justiça a parte que atua usando meios dilatórios”[18] – cfr exemplos citados in ob e pag. cit..
“Visa apenas protelar o trânsito em julgado da decisão a parte que recorre ou reclama sem fundamento sério, conseguindo assim atrasar o momento do trânsito em julgado e da exequibilidade da decisão”[19].
Destarte, a lei tipifica as situações objetivas de má-fé, exigindo-se, simultaneamente, um elemento subjetivo (dolo ou negligência grave) - cfr. referido nº2 - já não no sentido psicológico, mas ético-jurídico.
O juízo de censura que enforma o instituto radica na violação dos elementares deveres de probidade, cooperação e de boa-fé a que as partes estão adstritas, para que o processo seja “justo e equitativo”, e daí a designação, segundo alguns autores, de responsabilidade processual civil. Litiga de má-fé não apenas a parte que tem consciência da falta de fundamento da pretensão ou oposição, como aquela que, muito embora não tenha tal consciência, deveria ter agido com o dever de cuidado e prudência, bem assim com o dever de indagar a realidade em que funda a pretensão[20] ou em que sustenta a defesa.
Distingue-se entre má-fé material ou substancial e má-fé processual ou instrumental. A primeira tem a ver com o mérito da causa, a segunda com a conduta processual[21]. Na primeira “a parte, não tendo razão, atua no sentido de conseguir uma decisão injusta ou realizar um objetivo que se afasta da função processual. A segunda abstrai da razão que a parte possa ter quanto ao mérito da causa, qualificando o comportamento processualmente assumido em si mesmo. Assim, só a parte vencida pode incorrer em má-fé substancial, mas ambas as partes podem atuar com má-fé instrumental, podendo portanto o vencedor da ação ser condenado como litigante de má-fé” [22].
A má-fé a se reportam as supra referidas als. a) e b) é a má-fé material ou substancial, aquela que se refere à relação jurídica material[23]; as restantes alíneas contendem com a má-fé instrumental[24].

A litigância de má-fé surge como um instituto processual, de tipo público, com um sistema sancionatório próprio, especialmente regulado, não se tratando de uma manifestação de responsabilidade civil, que pretenda suprimir danos, ilícita e culposamente causados a outrem através de atuações processuais. A responsabilidade por litigância de má-fé está sempre associada à verificação de um ilícito puramente processual e constitui o “tipo central da responsabilidade processual”[25].

Atualmente, “considera-se sancionável a título de má-fé, a lide dolosa, tal como preconizava A. Reis, in Código de Processo Civil anotado, II volume, pg.280, e, ainda, a lide temerária baseada em situações de erro grosseiro ou culpa grave.

Como refere Menezes Cordeiro “alargou-se a litigância de má-fé à hipótese de negligência grave, equiparada, para o efeito, ao dolo.” (in “Da Boa-fé no Direito Civi”, Colecção Teses, Almedina ).

No dolo substancial deduz-se pretensão ou oposição cuja improcedência não poderia ser desconhecida – dolo directo – ou altera-se a verdade dos factos, ou omite-se um elemento essencial – dolo indirecto; no dolo instrumental faz-se dos meios e poderes processuais um uso manifestamente reprovável (v. Menezes Cordeiro, obra citada, pg.380).

Verifica-se a negligência grave naquelas situações resultantes da falta de precauções exigidas pela mais elementar prudência ou das desaconselhadas pela previsão mais elementar que devem ser observadas nos usos correntes da vida (Maia Gonçalves, C.Penal, anotado, pg.48).

O dever de litigar de boa-fé, com respeito pela verdade é corolário do princípio da cooperação a que se reporta o art.º 266º do Código de Processo Civil, e vem consignado no art.º 266º-A, do mesmo diploma legal.

Em qualquer caso, a conclusão pela  actuação da parte como litigante de má-fé será sempre casuística, não se deduzindo mecanicamente da previsibilidade legal das alíneas do art.º 456º do Código de Processo Civil e a responsabilização e condenação da parte como litigante de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça[26].

A questão da má-fé material não pode ser vista de forma linear, sob pena de se limitar o direito de defesa que é um dos princípios fundamentais do nosso direito processual civil, com foros de garantia constitucional, tendo de ser feita uma apreciação casuística, não cabendo a análise do dolo ou da negligência grave no processo civil em estereótipos rígidos.

 A má-fé processual não opera no domínio da interpretação e aplicação das regras do direito, mas tão só no domínio dos factos. A sustentação de posições jurídicas, mesmo que desconformes com a correta interpretação da lei, não basta à conclusão da litigância de má-fé de quem as propugna.

 Acresce, também, que, a conclusão no sentido da litigância de má-fé não se pode extrair, mecanicamente, da simples alegação de factos pessoais que não se provaram ou da negação de factos pessoais que vieram a provar-se. Na “base da má-fé está este requisito essencial, a consciência de não ter razão. Não basta, pois, o erro grosseiro ou a culpa grave; é necessário que as circunstâncias induzam o tribunal a concluir que o litigante deduziu pretensão ou oposição infundada"[27].
O que importa é que exista uma intenção maliciosa (má-fé em sentido psicológico) e não apenas imprudência (má-fé em sentido ético), não bastando a imprudência, o erro, a falta de justa causa, é necessário o querer e \o saber que se está a atuar contra a verdade ou com propósitos ilegais.
A condenação por litigância de má-fé, em qualquer das suas vertentes – material e instrumental – pressupõe sempre a existência de dolo ou de negligência grave (art. 456º, nº2, do CPC) pelo que se torna necessário que a parte tenha procedido com intenção maliciosa ou com falta das precauções exigidas pela mais elementar prudência ou previsão, que deve ser observada nos usos correntes da vida”[28].
Emergente dos princípios da cooperação, da boa-fé processual e da probidade e adequação formal, a figura da litigância de má-fé pretende cominar quem, dolosamente ou com negligência grave, põe em causa tais princípios, que a eles tem subjacente a boa administração da justiça.
Quanto à sua aplicabilidade, é quase unânime entre a jurisprudência e a doutrina mais avisada, a exigência de um comportamento doloso e consciente no sentido de pôr em causa a boa administração da justiça, vindo aquela a ser restritiva na admissão da litigância de má-fé.
Esta interpretação impõe-se por ser a mais razoável e a que melhor compreende a realidade subjacente a um processo em que as partes estão em desacordo: não é humanamente exigível que elas sejam absolutamente objetivas, pois são elas que sentem os problemas e o litígio. O inadmissível surge apenas quando a parte, sabendo embora não ter razão, recorre ao processo (o que é ainda mais grave tratando-se de factos pessoais): provado isto, haverá litigância de má-fé. Esse é o limite à compreensão e aceitação, relativamente à posição vivida pelas partes.
O ensinamento do Prof. Alberto dos Reis que, quanto a esta matéria, vem incluído no CPC Anotado, é lapidar, assim escrevendo Não obstante o dever geral de probidade, imposto às partes, a litigância de má-fé pressupõe a violação da obrigação de não ocultar ao tribunal ou, melhor, de confessar os factos que a parte sabe serem verdadeiros. Não basta, pois, o erro grosseiro ou culpa grave; é necessário que as circunstâncias induzam o tribunal a concluir que o litigante deduziu pretensão ou oposição conscientemente infundada, de tal modo que a simples proposição da ação ou contestação, embora sem fundamento, não constitui dolo, porque a incerteza da lei, a dificuldade de apurar os factos e de os interpretar, podem levar as consciências mais honestas a afirmarem um direito que não possuem ou a impugnar uma obrigação que devessem cumprir; é preciso que a Autora faça um pedido que conscientemente sabe não ter direito, e que o Réu contradiga uma obrigação que conscientemente sabe que deve cumprir[29].
Exige-se para a condenação como litigante de má-fé que se esteja perante uma situação donde não possam surgir dúvidas sobre a atuação dolosa ou gravemente negligente da parte, demonstrando-se nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a ação da justiça, litigando de modo desconforme ao respeito devido ao tribunal e às partes[30].
À litigância de má-fé não se basta a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta. Exige-se ainda que a parte tenha atuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, que soubesse da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição e que se encontrasse numa situação em que se lhe impusesse esse conhecimento e um dever de agir em conformidade com ele. A aplicação do instituto da litigância de má-fé, à semelhança do instituto do abuso de direito, traduz uma aplicação do princípio da boa-fé no domínio processual civil, tendo de se ter em conta a tutela da confiança e a primazia da materialidade subjacente, através da análise global dos factos provados e não provados, e não apenas de um segmento desses factos[31].
Ora, vista a Doutrina e a Jurisprudência tendo-se em atenção a lição assim colhida, que em nosso entender plasma a interpretação mais avisada da figura jurídica do litigante de má-fé, e analisando a conduta processual da Autora não podemos deixar de considerar, além de que se não verifica situação de abuso de direito, que a Autora não pôs em causa os seus deveres como litigante, não se justificando qualquer condenação como litigante de má-fé. Bem resulta a inexistência de qualquer facto que permita concluir que a Autora litigue como tal.

Inexistem, pois, elementos que permitam subsumir a atuação processual da Autora aos quadros da litigância de má-fé, não se podendo concluir pelo preenchimento dos requisitos da litigância de má-fé supra analisados que se têm por não verificados.


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Procedem, pois, as conclusões da apelação, devendo, por isso, a sentença recorrida ser revogada, salvo na parte referente à questão da litigância de má fé.

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Responsabilidade tributária

As custas do recurso e as da ação são da responsabilidade da recorrida dada a total procedência da pretensão recursória (nº1 e 2, do artigo 527º, do Código de Processo Civil).


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III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em, na procedência da apelação, revogar a sentença recorrida, julgando o pedido formulado pela Autora, totalmente, improcedente e absolvendo o Réu do pedido formulado, mantendo-se, contudo, a decisão quanto à litigância de má-fé.

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Custas em ambas as instâncias pela Autora/Recorrida, pois que ficou vencida – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.

Porto, 20 de maio de 2024

Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Juíza Desembargadora Relatora ao abrigo do art. 663º/3 CPC
Ana Olívia Loureiro
1º Adjunto Juíza Desembargadora
Jorge Martins Ribeiro
2º Adjunto Juiz Desembargador [– COM VOTO DE VENCIDO
Voto de vencido – art.º 663.º, n.º 1, in fine, do C.P.C.: sucinta menção das razões pelas quais o subscritor, anterior relator, ficou vencido.
Quanto à alteração da matéria de facto, o R. pretendia alterar a redação dos factos número 10, 31 e 50 e pretendia que fossem considerados não provados os números 27, 29 e 49.
No projeto de acórdão, o subscritor alterou o ano do facto n.º 10 para 2014, no 31.º eliminou a referência à depreciação da fração pelas humidades e no 50.º alterou a redação, no sentido de clarificar que a autora já o tinha alienado “a um arquiteto, que ofereceu inicialmente 125000 Euros e depois subiu o preço para 137000 Euros, sabendo que teria de fazer obras e que o prédio tinha problemas”; considerou não provados o facto n.º 27, o n.º 29 e eliminou o n.º 49 porque, à data da prolação da decisão na primeira instância, a fração já tinha sido vendida.
Ou seja, em termos factuais, o subscritor, ao abrigo do disposto no art.º 5.º, n.º 2, alíneas a) e b) do C.P.C., teria considerado provada a venda do imóvel fração A, pois considera-a relevante para a boa decisão da causa e resultou claramente da instrução da mesma (sendo esta a principal divergência quanto à matéria de facto).
No caso de o dono de uma fração num prédio a alienar no decurso da ação, sem que tenha havido qualquer incidente de modificação subjetiva da instância, impõe-se ao tribunal aferir se, supervenientemente, não ocorre a falta de um pressuposto processual, conducente à absolvição da instância, sob pena de o tribunal estar a proferir uma sentença que, intoleravelmente, poderia produzir efeitos na esfera jurídica de terceiro… – o atual proprietário.
Assim, considerámos que, no tocante aos pedidos formulados contra o R. sob as alíneas a), b), c) – e, no aplicável, em h) –, estava em falta (por ocorrência superveniente), por parte da autora, o interesse em agir, enquanto pressuposto processual inominado, que é distinto do interesse processual; faltando ambos, à semelhança do que sucede com os pressupostos processuais de personalidade judiciária, capacidade judiciária e legitimidade, teria absolvido o réu da instância.
De todo o modo, também supervenientemente, ocorreu a ilegitimidade substantiva da autora para que aqueles pedidos pudessem ser julgados procedentes.
Na demanda com vista à indemnização por danos (desde que comprovados) emergentes de defeitos nas partes comuns têm de se verificar todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual. Considerando que não existe um facto ilícito culposo (porque as obras necessárias nas partes comuns não foram efetuadas por não haver dinheiro para as fazer, sobretudo num caso em que quem demanda é quem não pagou as contribuições extraordinárias para a realização dessas obras), não seria necessário abordar-se o pressuposto nexo de causalidade.
Não concordamos, in casu, com a asserção atinente à prevalência de uma decisão de substância sobre uma de forma, mormente no atinente ao instituto do caso julgado, pois que este patentemente não poderia vir a verificar-se na medida em que jamais poderia vir a ocorrer ação idêntica, desde logo quanto aos sujeitos, pois que a fração foi vendida.
Assim, mas pelos motivos expostos, os pedidos formulados pela autora teriam sido julgados improcedentes (ou seja, e tal como acabou por suceder, o recurso seria julgado procedente – exceto no tocante ao pedido de condenação da autora como litigante de má-fé).]
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[1] Com efeito, fixada foi, até, já, jurisprudência no sentido de “Nos termos da alínea c), do nº1, do artigo 640º, do Código de Processo Civil, o recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, nas alegações” - AUJ de 17/10/2023, proc. 8344/17.6T8STB.E1-A.S1 e v., ainda, Decisão do STJ de 27/9/2023, proferida no proc. nº2702/15.8T8VNG-C.S1.
[2] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2ª Edição, Almedina, pág. 823 e seg.
[3] Ibidem, págs 824 e seg.
[4] Ibidem, pág, 825.
[5] Ibidem, pág, 825.
[6] No que diz respeito aos factos conclusivos cumpre observar que na elaboração do acórdão deve observar-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º CPCivil aplicáveis ex vi artigo 663.º, nº 2 do mesmo diploma legal.
[7] José Lebre de Freitas e A. Montalvão Machado, Rui Pinto Código de Processo Civil – Anotado,Vol. II, Coimbra Editora, pág. 606.
[8] Antunes Varela, J. M. Bezerra, Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição Revista e Atualizada de acordo com o DL 242/85, S/L, Coimbra Editora, Lda. 1985, pág. 648.
[9] Ac. RP de 19/12/2023, proc. nº 4201/22.2T8PRT.P1 (que não vimos publicado).
[10] Desconsiderados, dado ser Réu o Condomínio.
[11] Eliminado dos factos provados, passando a não provado.
[12] Eliminado dos factos provados, passando a não provado.
[13] Eliminados.
[14] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol.I, Almedina, pág. 593
[15] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 3ª Ed. 1981, p. 262 e seguintes
[16] Ac. do STJ, de 20/3/2014: Processo 1063/11.9TVLSB.L1.S1,in dgsi.net, citado in Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª Edição Revista e Ampliada, Março de 2017, pág 703, onde se decidiu que “a condenação como litigante de má-fé pode ser imposta tanto na lide dolosa como na lide temerária, constituindo lide temerária aquela em que o litigante deduz pretensão ou oposição “cuja falta de fundamento não devia ignorar”, ou s eja, não é agora necessário, para ser sancionada a parte, como litigante de má-fé, demonstrando-se que o litigante tinha consciência “de não ter razão”, pois é suficiente a demonstração de que lhe era exigível essa consciencialização”.
[17] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, 2º Volume, 3ª Edição, Almedina, pág 457
[18] Ibidem, pág 457
[19] Ibidem, pág 457
[20] Ac. da Relação de Coimbra de 16/12/2015, processo 298/14.7TBCNT-A.C1, in dgsi.net, onde se escreve “O juízo de censura que enforma o instituto radica na violação dos elementares deveres de probidade, cooperação e de boa-fé a que as partes estão adstritas, para que o processo seja “justo e equitativo“, e daí a designação, segundo alguns autores, de responsabilidade processual civil.
O âmbito da má-fé abrange hoje não apenas o dolo, como a “negligência grave“, introduzida com a alteração ao CPC pelo DL nº 329-A/95, de 12 /12, concebida como erro grosseiro ou culpa grave, sem que seja exigível a prova da consciência da ilicitude da actuação do agente.
Por conseguinte, a lei tipifica as situações objectivas de má-fé, exigindo-se simultaneamente um elemento subjectivo, já não no sentido psicológico, mas ético-jurídico. (…) Importa ter presente que actua de má-fé não apenas a parte que tem consciência da falta de fundamento da pretensão ou oposição, como aquela que, muito embora não tenha tal consciência, deveria ter agido com o dever de cuidado. Além disso, o dever de verdade processual (alínea b)) pressupõe que a parte tem a obrigação de indagar a realidade em que funda a sua pretensão (dever de pré-indagação)”.
[21] Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 2008, p. 220/221
[22] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 457
[23] Alberto dos Reis, CPC Anotado, II, 3ª ed., p. 264).
[24] Ac. da Relação de Coimbra de 16/12/2015, processo 298/14.7TBCNT-A.C1, in dgsi.net
[25] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 461
[26] Ac. da Relação de Guimarães de 10/11/2011, Proc. 387645/09.9YIPRT.G1, in dgsi.net
[27] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, II, Coimbra Editora, 1982, pág. 263.
[28] Ac. do STJ, de 3/2/2011, Ver. 351/2000: Sumários, 2011, p. 77, citado in Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª Edição Revista e Ampliada, Março de 2017, pág 703
[29] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, 2º, Coimbra Editora, pag. 263
[30] Ac. da Relação de Guimarães de 15/10/2015, processo 3030/11.3TJVNF.G1, in dgsi.net
[31] Ac. do STJ de 10/12/2015, Processo551/06: Sumários, 2015, pág 692, citado in Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª Edição Revista e Ampliada, Março de 2017, pág 706