Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3799/20.4T8VNG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR DE ARRESTO
PROBABILIDADE DA EXISTÊNCIA DO CRÉDITO
CESSÃO DE CRÉDITOS
Nº do Documento: RP202407103799/20.4T8VNG-A.P1
Data do Acordão: 07/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Não existe falta de fundamentação em termos de direito [cfr. artigo 615.º, nº 1 al. b) do CPCivil] se o tribunal recorrido, no âmbito de uma providência cautelar de arresto, conclui que os factos vertidos na petição inicial não preenchem a factie species dos artigos 391.º e 392.º do CPCivil, citando na parte dispositiva as referidas normas.
II - Da mesma forma que não existe omissão de pronúncia [cf. artigo al. d) do nº 1 do artigo 615.º do CPCivil], pois que, em retas contas, a questão colocada ao tribunal recorrido foi precisamente saber se, efetivamente, os factos alegados pela apelante e uma vez provados, levariam ao citado deferimento, sendo que, questões para efeitos do citado inciso não se confundem com “factos”, já que eles não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do citado normativo, antes se reconduzem a erros de julgamento.
III - O procedimento cautelar especificado do arresto depende da verificação cumulativa de dois requisitos: a probabilidade da existência do crédito e a existência de justo receio de perda da garantia patrimonial.
IV - Falha o primeiro dos apontados requisitos se a requerente alega que tem um direito de crédito sobre a requerida proveniente de um eventual direito de regresso consubstanciado numa cessão de créditos que o credor originário (cedente) celebrou com aquela (cessionária) e em que era devedora a requerente, por entre ambas ter sido celebrado um contrato de subempreitada, correndo ação declarativa de condenação intentada pelo dono da obra contra a requerente para a eliminação dos defeitos e em que a cedente e cessionária intervêm acessoriamente.
V - É que, ao contrário do que acontece na cessação da posição contratual (artigos 424.º e ss. do CCivil) na cessão de créditos (artigos 577.º e ss. do CCivil) apenas se opera-se a substituição do credor originário por outra pessoa, mantendo-se inalterados os restantes elementos da relação obrigacional, ou seja, as partes mantêm-se vinculadas ao que contratualizaram, à exceção do pagamento que se fará ao cessionário.
VI - Quando no artigo 582.º, nº 1 do CCivil se diz que a cessão de créditos importa a transmissão para o cessionário das garantias e outros acessórios do direito transmitido que não sejam inseparáveis da pessoa do cedente, isso apenas abarca as garantias associados ao crédito “tout court” (hipoteca, o penhor, a fiança e a consignação de rendimentos) e seus acessórios, juros vincendos e as cláusulas penais estipuladas para a hipótese de incumprimento, e não já as garantias as relativas à obra e empreitada, que possam ter sido prestadas pela cedente à requerente da providência.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 3799/20.4T8VNG-A.P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia-J5
Relator: Des. Dr. Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Teresa Sena Fonseca
2º Adjunto Des. Jorge Martins Ribeiro
Sumário:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I-RELATÓRIO
A..., S.A., com sede na Rua ..., em Vila Nova de Gaia, veio propor contra B..., UNIPESSOAL, LDA., com sede Rua ..., ..., Porto, o presente procedimento cautelar de arresto.
A requerente peticiona o seguinte:
Nestes termos e nos de direito, requer a V. Exª. que, depois de inquiridas as testemunhas a seguir relacionadas, se digne decretar o ARRESTO do valor de € 45.346,00, sem audiência da parte contrária, uma vez que tal audiência poderia inviabilizar a obtenção do efeito prático da providência requerida, seguindo-se os demais termos até final.”
Alega em resumo que:
- desempenha a atividade de construção civil e, no âmbito da mesma, fez várias obras e celebrou diversos contratos de subempreitada com uma sociedade terceira-C..., Lda.;
- Esta sociedade cedeu os seus créditos à aqui requerida, sendo que, no seu entender essa cessão de créditos nunca ocorreu verdadeiramente, tendo-se tratado de um negócio simulado;
- Entretanto corre termos uma ação declarativa na qual a requerente é ré, relacionada com anomalias numa obra de construção civil e em que a referida C..., Lda. atuou como subempreiteira;
- Nessa ação a aqui requerida e a C..., Lda. foram admitidas a intervir acessoriamente para acautelar um eventual direito de regresso da aqui requerente contra essas sociedades;
- Finalmente, alega que foi condenada, por mor da referida cessão de créditos, a pagar a aqui requerida a quantia de € 69.855,07 acrescida de juros vencidos, no valor de € 27.049,19, e vincendos, desde a citação até efetivo e integral pagamento,  sobre a qual pede o arresto como forma de assegurar o seu eventual direito de regresso, ou melhor, como forma de garantir que a requerida tem património no momento em que for condenada, no âmbito da tal ação de regresso, a pagar à requerente os valores que esta venha a ter direito por conta da reparação das anomalias.
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Conclusos os autos foi proferida decisão que indeferiu liminarmente a providência requerida.
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Não se conformando com o assim decidido veio a Requerente interpor o presente recurso concluindo da seguinte forma:
1. O tribunal recorrido, ao proferir decisão preliminar de indeferimento da providência cautelar de arresto apresentada, sustentando-a, na invocação de simulação do negócio de cessão de créditos já apreciada por tribunais superiores, não cuidou de analisar todas as questões relevantes invocadas e que serviram de suporte e fundamentação à petição inicial da providência cautelar de arresto;
2. Exemplos das questões relevantes não apreciadas são a invocação de (i) suspeitas–fundadas, complementadas com apresentação de documentação de suporte-de falta e esgotamento de património por parte da Requerida e (ii) de falta de atividade da Requerida, circunstâncias que podem resultar na falta de património suficiente para cautelar o direito da Requerente e numa insolvência próxima da Requerida;
3. Andou mal, assim, o tribunal recorrido, quando indeferiu liminarmente a providência cautelar de arresto, não cuidando da verificação de todos os pressupostos da providência cautelar;
4. O tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre questões que devia ter apreciado, pelo que, existe nulidade, por falta de pronúncia sobre as questões relevantes invocadas na providência cautelar, nos termos do art.º 615.º, n.º1, alínea d) do Código de Processo Civil;
5. Indica-se, a título de correspondência, o teor dos artigos 25.º, 26.º, 32.º, 33.º, 37.º, 43.º, 44.º, 45.º, 50.º, 51.º, 52.º, 53.º, 54.º, 55.º, 56.º e 57.º da p.i. de arresto, como alegações de questões relevantes que sustentam a apresentação de providência cautelar de arresto e que nada têm a ver com alegação de negócio simulado;
6. Não foram apreciadas questões relevantes invocadas (sabendo-se que é desnecessária a apreciação de todas as questões invocadas, todavia, aqui não foram apreciadas questões relevantes invocadas, questão que não são menores) para o resultado da lide;
7. A decisão de indeferimento liminar não pugnou pela indicação de quais as normas jurídicas violadas e que justificam o indeferimento liminar do requerimento inicial de arresto;
8. Tal constitui uma falta de fundamento de direito para o indeferimento liminar.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Foram dispensados os vistos.
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II- FUNDAMENTOS
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
No seguimento desta orientação são as seguintes as questões que importa apreciar e decidir:
a)- saber se a decisão padece das  nulidades por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia;
b)- se a providência devia, ou não, ter sido liminarmente indeferida.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A dinâmica factual que releva para apreciação da questão supra enunciada é a que resulta do relatório supra e que aqui se dá integralmente por reproduzida.
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III. O DIREITO
Tal como supra se referiu a primeira questão que cumpre apreciar e decidir prende-se com:
a)- saber se a decisão padece das nulidades por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia.

Nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 615.º do CPCivil, a sentença é nula “quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
Segundo as regras processuais a fundamentação da decisão é de facto ou de direito.
A fundamentação de facto consiste na especificação dos factos que o tribunal julgou provados e aos quais vai de seguida aplicar o direito para concluir pelo dispositivo. A fundamentação de direito consiste na indicação, interpretação e aplicação das normas e princípios de direito aos factos provados e na formulação ao silogismo judiciário que há de conduzir ao dispositivo.
O artigo 154.º do CPCivil estabelece o “dever de fundamentar a decisão”, prescrevendo que “as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”. O n.º 2 da mesma norma, sem concretizar o modo como essa fundamentação deverá ser feita estabelece, pela via negativa, que a fundamentação “não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade”.
É, depois, o artigo 607.º desse diploma que ao definir o conteúdo da sentença nos dá mais indicações sobre o âmbito da fundamentação.
Nos termos do n.º 3 do citado preceito, a sentença deve apresentar os respetivos “fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicaras normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final”.
Por sua vez o n.º 4, na parte dedicada à fundamentação da sentença estatui que o juiz deve declarar os factos que julga provados e os que julga não provados, “analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”.
Constitui entendimento doutrinário e jurisprudencial pacífico que só a absoluta falta de fundamentação produz a nulidade da sentença, devendo distinguir-se as situações em que a fundamentação existe, mas é insuficiente, lacunosa ou errada, e as situações em que a fundamentação foi pura e simplesmente suprimida (ou cujas deficiências atingem um nível tal que a situação deve ser tratada como falta de fundamentação) e que são as únicas que podem conduzir à nulidade da sentença.
De todo o modo, a Constituição da República Portuguesa consagra no artigo 205.º, n.º 1, o dever de fundamentação das decisões decorre ao estabelecer que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
O Prof. Gomes Canotilho[1], afirma que esta exigência constitucional é justificada pela necessidade de exercer o controlo da administração da justiça, excluir o carácter voluntarístico e subjetivo do exercício da atividade jurisdicional, permitir o conhecimento da racionalidade e da coerência argumentativa dos juízes, permitir o melhor exercício do direito ao recurso ao dar às partes um recorte mais preciso e rigoroso dos vícios das decisões judiciais recorridas.[2]
Postos estes breves considerandos e revertendo agora à análise da situação vertente, temos que, analisado despacho recorrido, não se divisa, ao contrário do que alega a apelante, que carece ele de falta de fundamentação no âmbito da vertente jurídica.
Com efeito, o tribunal recorrido é bem claro quando afirma: “No caso concreto não se encontra preenchido qualquer um dos motivos legais que poderiam levar ao arresto”, ou seja, o que está aí dito, de forma implícita, é que os factos vertidos na petição inicial, não preenchem a facti species dos artigos 391.º e 392.º do CPCivil, normas processuais que depois cita na parte dispositiva da decisão que é do seguinte teor: “Face ao exposto, e nos termos conjugados dos artigos 226º, n.º 4, alínea b), 391º e 392º do Código de Processo Civil, indefere-se liminarmente o presente procedimento cautelar de arresto”.

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E assim decidindo, nenhuma outra norma jurídica, se impunha que fosse pelo tribunal a quo, razão pela qual improcede a invocada nulidade.
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Vem depois a apelante alegar que a decisão recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia.
Nos termos do disposto da alínea d) do nº 1 do artigo 615.º do CPCivil a sentença é nula sempre que “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Estabelece-se nesta previsão legal a consequência jurídica pela infração ao disposto no artigo 608.º, nº 2, do mesmo diploma legal. Ou seja, a nulidade prevista na alínea d) está diretamente relacionada com o nº 2 do artigo 608.º, referido, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas, cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Conforme este princípio, cabe às partes alegar os factos que integram o direito que pretendem ver salvaguardado, impondo-se ao juiz o dever de fundamentar a sua decisão nesses factos e de resolver todas as questões por aquelas suscitadas, não podendo, por regra, ocupar-se de outras questões.
Mas, importa precisar o que deve entender-se por “questões” cujo conhecimento ou não conhecimento integra nulidade por excesso ou falta de pronúncia.
Como tem sido entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, apenas as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o “thema decidendum”, ou que dele se afastam, constituem verdadeiras “questões” de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade em causa.
Há, assim, que distinguir as verdadeiras questões dos meros “raciocínios, razões, argumentos ou considerações”, invocados pelas partes e de que o tribunal não tenha conhecido ou que o tribunal tenha aduzido sem invocação das partes.
Num caso como no outro não está em causa omissão ou excesso de pronúncia.
No que concerne à falta de pronúncia dizia Alberto dos Reis[3] que “são na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”.
Do que se conclui que apenas as questões essenciais, questões que decidem do mérito do pleito ou, convenhamos, de um problema de natureza processual relativo à validade dos pressupostos da instância, é que constituem os temas de que o julgador tem de conhecer, quando colocados pelas partes, ou não deve conhecer na hipótese inversa, sob pena de a sentença incorrer em nulidade por falta de pronúncia ou excesso de pronúncia.
Obviamente, sempre, salvaguardadas as situações onde seja admissível o conhecimento oficioso do tribunal.

Postos estes breves considerandos, volvamos de novo ao caso concreto que nos ocupa.
A apelante propôs a presente providência cautelar de arresto, alegando factos que, em seu entender e uma vez provados, levariam ao decretamento da providência requerida.
Ora, assim sendo e em retas contas, a questão colocada ao tribunal recorrido foi precisamente saber se, efetivamente, os factos alegados pela apelante e uma vez provados, levariam ao citado deferimento.
Acontece que, o tribunal recorrido entendeu que não, ou seja, não houve omissão de pronúncia.
Portanto, o alegado pela Ré/apelante, discordando do assim decidido, pode consubstanciar erro de julgamento da matéria factual, mas não inquina a decisão pelo vício invocado.

Alega a recorrente que o tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre o teor dos artigos 25.º, 26.º, 32.º, 33.º, 37.º, 43.º, 44.º, 45.º, 50.º, 51.º, 52.º, 53.º, 54.º, 55.º, 56.º e 57.º da p.i. de arresto, como alegações de questões relevantes que sustentam a apresentação de providência cautelar.

Acontece que, como ensina Alberto dos Reis[4], “as questões essenciais também não se confundem com “factos”: “Uma coisa é tomar em consideração determinado facto, outra conhecer de questão de facto de que não podia tomar conhecimento; o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão”.

Neste mesmo sentido, decidiu o Ac. do STJ de 23/07/2017[5]: “I. O não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC. II. Tais situações reconduzem-se antes a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aplicável aos acórdãos dos tribunais superiores por via dos artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC”.


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Improcede, assim, a nulidade arguida.

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A segunda questão que vem colocada no recurso prende-se com:
b)- se a providência devia, ou não, ter sido liminarmente indeferida.
Requerida a providência cautelar de arresto, dispõe o artigo 391º, nº 1, do Código de Processo Civil que “O credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor.”
 Por seu turno, o artigo 392º, nº 1, do diploma legal preceitua que “O requerente do arresto deduz os factos que tornam provável a existência do crédito e justificam o receio invocado (…)”.
Resulta do disposto nos citados incisos que compete ao requerente provar os factos constitutivos do direito de crédito de que se arroga e a existência de justo receio da sua lesão e de perda de garantia patrimonial desse crédito, tratando-se de requisitos de necessária verificação cumulativa.
Ora, pergunta-se: que direito de crédito tem a requerente/apelante sobre a requerida?
A resposta é simples: nenhum.
Analisando.
Alega a apelante que a probabilidade de existência do seu crédito é séria na ação que contra si foi instaurada pelo Condomínio ..., uma vez que foram alegados factos e junta prova de defeitos de construção levada a efeito pela subempreiteira “C..., Lda.” que, por sua vez cedeu a sua posição à aqui Requerida, sendo que nessa ação ambas foram admitidas a intervir acessoriamente para acautelar o sei direito de regresso.
É verdade que vem alegado que a referida sociedade “C..., Lda.”  cedeu o crédito que a mesma detinha sobre a apelante à ora requerida.
Também é certo que a apelante foi condenada por esta Relação em acórdão proferido em 09/03/2022 a pagar à aqui requerida a quantia de € 69.855,07 acrescida de juros vencidos, no valor de € 27.049,19, e vincendos, desde a citação até efetivo e integral pagamento, decisão essa depois confirmada pelo STJ em acórdão proferido em 14/05/2023, tendo a referida condenação assentada na mencionada cessão de créditos.
 Como assim, torna-se evidente, salvo o devido respeito, que a apelante confunde a figura jurídica da cessão de créditos prevista nos artigos 577.º e seguintes do CCivil, com a figura jurídica da cessão da posição contratual a que se referem os artigos 424.º do diploma legal.
Esta última figura (cessão da posição contratual), envolve uma substituição de sujeitos num dos lados da relação contratual, uma modificação subjetiva numa relação contratual que, todavia, permanece a mesma: a relação contratual que existia entre o utente e o cedido é a mesma de que passa a ser sujeito, após o novo negócio, o cessionário.
A definição legal põe a claro que, no instituto da cessão da posição contratual, há que distinguir dois contratos: o contrato-base ou contrato inicial, celebrado originariamente entre o cedente e o cedido, do qual resulta o acervo de direitos e obrigações que constitui o objeto da cessão; e o contrato-instrumento da cessão, o contrato de cessão, realizado posteriormente, através do qual se opera a transmissão de uma das posições derivadas do contrato-base.
Diferentemente na cessão de créditos opera-se a substituição do credor originário por outra pessoa, mantendo-se inalterados os restantes elementos da relação obrigacional.
Sublinhe-se que não se produz a substituição da obrigação antiga por uma nova, mas uma simples modificação subjetiva que consiste na transferência daquela pelo lado ativo.[6]
 Efetivamente, a substituição do credor originário não consubstancia uma novação, ou seja, com a novação criar-se-ia uma nova obrigação em substituição da primeira, pelo que se extinguiria a primeira obrigação e expressamente se faria um novo acordo, conforme art. 857º e ss. do CCivil. No caso concreto da cessão não se operam efeitos novatórios por se manter a obrigação original. Com a substituição do credor originário por outra pessoa, mantém-se inalterados os restantes elementos da relação obrigacional, ou seja, as partes mantêm-se vinculadas ao que contratualizaram, à exceção do pagamento que se fará ao cessionário.
Daqui resulta, sem margem para qualquer tergiversação, que a aqui requerida com a cessão de créditos celebrada com a “C..., Lda. assumiu apenas a posição de credora, na relação contratual de subempreitada celebrada entre aquela e a aqui apelante tendo, portanto, esta relação obrigacional permanecida ativa entre as duas, sendo a aqui requerida “res inter alios acta” em relação à mesma.
Significa, assim, que a apelante apenas poderá exercer o direito de regresso se for condenada na ação que lhe foi interposta pelo Condomínio ..., contra a cedente “C..., Lda., mas não contra a cessionária qui requerida provando-se, claro está, que os defeitos na obra são imputáveis àquela.
Alega depois a apelante que nos termos do art.º 582.º, n.º 1 do CCivil, a cessão de créditos importa a transmissão para o cessionário das garantias e outros acessórios do direito transmitido, razão pela qual responde então, a “B..., Unipessoal, Lda.” tal como responderia a “C..., Unipessoal, Lda.”.
Ora, não é assim, como já acima se referiu, a relação contratual de subempreitada existente entre a apelante e a C..., Unipessoal, Lda. permanece ativa.
Por outro lado, quando no artigo 582.º, nº 1 do CCivil se diz que a cessão de créditos importa a transmissão para o cessionário das garantias e outros acessórios do direito transmitido que não sejam inseparáveis da pessoa do cedente, isso apenas abarca as garantias associados ao crédito “tout court”, ou seja, a cessão visa, segundo a intenção das partes, transferir para cessionário o (mesmo) direito de que era titular o cedente (e não constituir apenas, ex novo, um crédito de conteúdo igual ao anterior), juntamente com o direito à prestação debitória, transmitem-se para o adquirente, salvo convenção em contrário, as garantias e os outros acessórios do crédito.
Os acessórios seguem, em princípio, o destino da coisa principal (accessorium sequitur principale), imprimem-lhe carácter, robustecem muitas vezes a sua consistência prática. Sem eles, o crédito não seria, em regra, o mesmo, perderia a sua identidade.
Entre as garantias que acompanham o crédito destacam-se a hipoteca, o penhor, a fiança e a consignação de rendimentos, a menos que o cedente as reserve para si ao consentir na cessão, sendo que, neste último caso, as garantias extinguir-se-ão, já que não ficaram a garantir qualquer crédito.
Para além das garantias transmitem-se para o cessionário outros acessórios do crédito, assim, se o crédito vence juros, parece claro que o crédito a juros vincendos se transmite para o cessionário[7], também as cláusula penais estipuladas para a hipótese de incumprimento são transmissíveis para este.[8]
Daqui decorre que, ao contrário do que alega a apelante (cf. artigo 20º da petição inicial), as referidas garantias nos termos sobreditos, não abrangem as relativas à obra e empreitada, que tenham sido prestadas pela empresa “C..., Lda.”–subempreiteiro, à apelante.
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Diante do exposto torna-se evidente, que a apelante nenhum direito de crédito tem sobre a requerida, falhando, assim, o primeiro dos pressupostos de que depende o decretamento da providência cautelar requerida.
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Improcedem, desta forma, todas as conclusões formuladas pelo apelante e, com elas, o respetivo recurso.
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IV-DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação interposta improcedente por não provada e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.

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Custas da apelação pela apelante (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 10/7/2024
Manuel Domingos Fernandes
Teresa Fonseca (dispensei o visto)
Jorge Martins Ribeiro (dispensei o visto)
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[1] In Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, Almedina, 4.ª Edição, 2000, pág. 65.
[2] Alguns autores acentuam, e bem, que “mais do que uma imposição constitucional, a exigência de fundamentação das decisões integra o elenco de princípios concretizadores do processo justo (muitas vezes designado “due process of law”), que tem como conteúdo fundamental a conformação do processo de forma materialmente adequada a uma tutela jurisdicional efetiva” (cfr. Diogo Cunha, in Da forma, conteúdo e eficácia da sentença arbitral, Themis, ano XV, n.ºs 26/27, 2014, pág. 218, Patrícia Pereira, in Fundamentos de anulação da sentença arbitral, O Direito, 142, 2010, V, pág. 1081).
[3] In “Código de Processo Civil”, Anotado, Volume V, pág. 143.
[4] In Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, 1984, p. 145
[5] Juiz Conselheiro Tomé Gomes, proc. nº7095/10.7TBMTS.P1.S1 disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[6] Cf. Mário Júlio de Almeida e Costa-Direito das Obrigações. 9ª ed. Revista e Aumentada, Coimbra Edições Almedina, 2004, p.755.
[7] Já em relação aos juros vencidos o artigo 561.º do CCivil determina a sua autonomia em relação ao crédito principal, designadamente para efeitos de cessão, pelo que parece não deve considerar-se abrangido pela cessão.
[8] Cfr. neste sentido Antunes Varela in Das Obrigações em Geral, Vol. II, Almedina 4ª Ed. págs. 311 e ss. e Menezes Leitão in Direito das Obrigações Vol. II, 2ª Ed. Vol. II, págs 25 e 26.