Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JUDITE PIRES | ||
Descritores: | GRAVAÇÃO DA PROVA DISPONIBILIZAÇÃO DA GRAVAÇÃO ÀS PARTES RECLAMAÇÃO PARA O JUIZ | ||
Nº do Documento: | RP202406201517/16.0T8FIG.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/20/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | .. | ||
Sumário: | I - A gravação da prova deve ser disponibilizada às partes no prazo de dois dias, a contar do respectivo acto. II - Esta disponibilização constitui um acto da secretaria que, no referido prazo legal, coloca à disposição da parte nisso interessada a gravação, com a entrega do respectivo suporte, se ela o requerer. III - Omitindo a secretaria tal diligência ou não o fazendo no prazo de dois dias, pode a parte interessada na obtenção da gravação reclamar para o juiz. IV - Sendo-lhe desfavorável a decisão proferida na sequência de tal reclamação, pode a parte recorrer, nos termos gerais, dessa decisão, através de apelação autónoma, ao abrigo do disposto no artigo 644.º, n.º 2, g) do Código de Processo Civil. V - Litiga com má fé a parte que deduz pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar, alegando factos que sabia não serem verdadeiros. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Processo n.º 1517/16.0T8FIG.P1
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I. RELATÓRIO O Ministério Público instaurou processo judicial de promoção e proteção a favor das menores: 1. AA, nascida em ../../2016, filha de BB e de CC; 2. DD, nascida em ../../2018, filha de BB e de CC; 3. EE, nascida em ../../2020 e filha de BB e de FF; e 4. GG, nascida em ../../2022 filha de BB e de FF; estando as menores AA, DD e EE acolhidas desde 3 de Março de 2022 na Casa de Acolhimento “A...”, e a menor GG desde 5 de Setembro do mesmo ano. Recebido o requerimento inicial apresentado pelo Ministério Público, foi declarada aberta a fase de instrução, e em 21.9.2016 (fls. 38 e 39) foi aplicada à menor AA a medida cautelar e provisória de acolhimento residencial (ref. 72508291), a qual só foi executada com a intervenção policial em 14.11.2016. Seguidamente, foi designada data para tomada de declarações aos progenitores, assim como à Sra. Técnica de Segurança Social, diligência essa que se realizou em 13.12.2016 (ref. 73421656), e na qual foi obtido acordo para aplicação à referida menor da medida de apoio junto dos pais, com a co-responsabilização dos avós maternos, pelo período de 1 ano, e sujeita a determinados compromissos (ref. 73416248, fls. 112 ss). Por decisão datada de 8.01.2019 (ref. 79059367) foi prorrogada por mais 6 meses a medida de apoio junto dos pais, com a co-responsabilização dos avós maternos, relativamente à menor AA e estendida também à irmã DD, entretanto nascida. Mais tarde, em 21.05.2020 (ref. 82803492), procedeu-se novamente à audição dos progenitores e dos avós maternos, prorrogando-se a medida aplicada por mais 6 meses, com a assunção de novos compromissos e obrigações (fls. 215). Por decisão de 19.02.2021 (ref. 84795885) foi prorrogada a medida de apoio junto da mãe, não só em relação às menores AA e DD, mas também estendida à irmã uterina EE, entretanto nascida, filha de FF, pelo prazo de 1 ano (fls. 254). Em 19.10.2021, o SATT informou que o agregado familiar das menores mudou de residência nesse mês de Outubro, tendo a mãe comunicado a mudança de morada à técnica do SATT, que passou a ser na Rua ... - Acampamento, ..., ... .... Após o SATT propor nova prorrogação de medida, no relatório de 7.02.2022, veio informar em 3.03.2022 que havia entretanto tomado conhecimento, através da equipa do Protocolo de RSI- Centro Social ... de ..., de uma situação de grave risco quer para a AA e para a DD, como para a irmã destas, a menor EE, de um ano de idade. Perante tal situação, a Equipa do Protocolo solicitou a presença da GNR ..., que ao constatar a situação em que se encontravam as três crianças, ao abrigo do art.º 91.º da LPCJP, procedeu à proteção das mesmas, conduzindo-as primeiro à esquadra e, posteriormente, à CAT- A..., sito na Rua ..., ..., Matosinhos, para vagas de acolhimento de emergência disponibilizadas (fls. 289 a 300). A Associação “A A...” veio seguidamente informar que no dia 3.03.2022 recebeu as crianças para os fins em vista (fls. 304). Face a tais factos, por decisão de fls. 307 e seguintes, com a ref. 87951467, foi aplicada às três menores a medida provisória e cautelar de acolhimento residencial, por 6 meses. Nessa mesma decisão foi determinada a remessa dos autos ao Juízo de Família e Menores de Vila Nova de Gaia, por ser o territorialmente competente atendendo à alteração de morada supra referida. No dia 21.04.2022 (ref. 435595280, de fls. 326) procedeu-se a nova audição dos progenitores e foi aplicada, por acordo, medida de acolhimento residencial, por 1 ano, a qual foi revista e mantida em 12.10.2022, a fls. 348, com a ref. 440873525, sendo novamente prorrogada em 5.04.2023, a fls. 351 (ref. 447212694), por mais 6 meses. Entretanto, no apenso B, inicialmente respeitante à menor GG, nascida a ../../2022, por acordo homologado por decisão de 26.09.2022 (ref. 443246792) foi aplicada, a medida de acolhimento residencial (fls. 62), a qual foi sendo revista e prorrogada. Em 14.12.2023 (ref. 454993894) procedeu-se a nova audição dos progenitores, com vista a tentar alcançar acordo quanto à medida de confiança a instituição com vista a futura adoção, sugerida pela EMAT e promovida pelo Ministério Público, o que não foi possível, pois, apesar de o progenitor da AA e da DD, CC, ter prestado o seu consentimento, a progenitora e o progenitor da EE e da GG, entretanto nascida, recusaram tal medida. Face à posição assumida pelos progenitores na referida diligência foi ordenado o cumprimento do disposto no artigo 114.°, n.° 1 da LPCJP. Por despacho de 30.01.2024 (ref. 456414438, no apenso B), foi determinada a incorporação do apenso B no processo principal, por forma a permitir a apreciação, de forma conjunta, os factos relativos às quatro irmãs, e a realização de um único debate judicial. O Ministério Público alegou, nos termos que constam da ref. 37660965, pugnando pela aplicação da medida de promoção e proteção de confiança a instituição com vista a futura adopção, prevista no artigo 35.° n.° 1 al. g) da LPCJP. Também as menores, através da respetiva Defensora nomeada, apresentaram as alegações com a ref. 37672460, concordando com a medida proposta pelo Ministério Público. Após realização do debate judicial, foi proferido acórdão com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, as Juízes que constituem este Tribunal Coletivo Misto, ao abrigo do disposto no art. 1978.° CC, art. 3.°, 4.°, 35.°, n.° 1, al. g), 38.° A e 62.° - A, todos da LPCJP, e de acordo com a promoção do Ministério Público, decidem aplicar às menores: 1. AA, nascida em ../../2016, filha de BB e de CC; 2. DD, nascida em ../../2018, filha de BB e de CC; 3. EE, nascida em ../../2020 e filha de BB e de FF; 4. GG, nascida em ../../2022 filha de BB e de FF; a medida de promoção e de proteção de confiança a instituição com vista a futura adoção, a qual durará até ser decretada a adoção, sem necessidade de revisão. Tal medida será executada na CAR “A...”. Nos termos do art. 62.°- A, n.° 3 e 5 da LPCJP, nomeia-se curador(a) provisório(a) às menores o(a) Diretor(a) da CA supra identificada, que exercerá funções até ser decretada a adoção. Não há lugar a visitas por parte da família natural, conforme resulta do disposto no art. 62.° A, n.° 6 LPCJP. Os progenitores ficam inibidos do exercício das responsabilidades parentais, nos termos do disposto no art. 1978.°- A do CC, pelo que deverá ser remetida certidão da sentença à Conservatória do Registo Civil, para efeitos de averbamento ao assento de nascimento do menor Notifique os progenitores, os Ilustres Advogados, a Segurança Social (com indicação de que a decisão ainda não transitou em julgado), a CAR e o Ministério Público. Isento de custas (art. 4.°, n.° 2, al. f) RCP). Registe e notifique. Após trânsito, informe o núcleo de adoções de tal trânsito” Os progenitores BB e FF, não se conformando com tal decisão dela vieram interpor recurso de apelação, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: I BB E FF, Progenitores dos menores, AA, DD, EE, GG melhor id a fls. nos autos de processo à margem supra identificados, oportunamente notificados do Acórdão proferido e não se conformando com o mesmo, vêm dele interpor Recurso para o Tribunal da Relação do Porto. II O Acórdão proferido padece de nulidade que, aqui expressamente se argui, nomeadamente, por violação do nº 3 e 4 do artigos 155º e nºs 1, 2, 3 e 6 do artigo 157º todos do Código do Processo Civil, artigos 6º, 7º, 8º, 13º, 14º, 17º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e nºs 1, 5, 6 e 7 do artigo 36º da Constituição da República Portuguesa. III Em 18 desse mesmo mês de Março, foram os Mandatários dos recorrentes notificados do douto Acórdão. IV Em 20 de Março, os ora Recorrentes, não se conformando com o douto Acórdão pretendendo dele recorrer, por intermédio dos seus Ilustres mandatários, requereram ao tribunal a quo a disponibilização das gravações das Audiências de Julgamento realizadas. V Em 26 de Março, a Mmª Senhora Juíz do Tribunal a quo, despachou, ordenando à Secretaria, a disponibilização das gravações requeridas, não tendo a Secretaria dado cumprimento a tal douto Despacho, (que já tardiamente foi deferido pela Mmª Senhora Juíz – veja-se mais de 6 dias após o requerido). VI Os Ilustres mandatários dos recorrentes não tendo recepcionado as requeridas gravações na plataforma CITIUS, decidiram-se, dada a natureza de processo urgente, por se deslocarem ao Tribunal a quo, pedindo à Senhora Funcionária de Justiça as referidas gravações. VII Pela mesma foi dito que, não poderia facultar as mesmas, uma vez que, se trava de um processo confidencial e sujeito a Segredo de Justiça. VIII Não se conformando com tal resposta, os Ilustres Mandatários, insistiram no Direito ao acesso a tais gravações, tendo a referida Senhora Funcionária Judicial pedido a uma sua Colega que o fizesse. Sucede que, IX pela Senhora Funcionária que se prestou a tal facto, a mesma apesar da sua boa vontade não conseguiu facultar as ditas gravações, pelo que solicitou aos Ilustres mandatários que, até ao final do dia verificassem se, as mesmas estariam disponíveis, facto que não ocorreu, surgindo apenas na plataforma CITIUS a informação de: “Esta sessão de gravação ainda não foi disponibilizada pela secretaria. Solicite a sua disponibilização em requerimento ao processo, indicando a data da sessão pretendida. “ X Nesse sentido, consideram os Recorrentes que, ao não serem disponibilizadas as requeridas gravações, quer na secretaria judicial, quer na plataforma CITIUS, houve uma clara violação do artigos 155º e nºs 1, 2, 3 e 6 do artigo 157º todos do Código do Processo Civil, culminando, numa patente violação do Direito de Defesa e do Direito ao Recurso previsto no nº 1 do artigo 627º do CPC. Em consequência; XI consideram os Recorrentes, estarem perante uma Nulidade Processual que, aqui se argui. XII Não se trata de arguir uma nulidade no âmbito de deficiências na gravação da prova produzida, não é disso que se trata. XIII O que se trata é de uma total recusa da Secretaria, em disponibilizar as referidas gravações, quer presencialmente no Tribunal, quer na plataforma CITIUS, impedindo, desta forma, que fosse possível exercer cabalmente o Direito ao Recurso. XIV Convém realçar o facto de que, tudo fizeram os Ilustres Mandatários para que lhes fossem facultadas as gravações das Audiências, por forma a cumprir os requisitos obrigatórios do Recurso. XV A audiência final (ou de julgamento) das acções judiciais, respectivos incidentes e procedimentos cautelares é sempre gravada, sendo a gravação efectuada através de sistema vídeo ou sonoro. XVI Não concordando com a decisão e muito concretamente, com a apreciação dos meios de prova gravados, as partes vencidas têm o direito de recorrer, devendo o recurso obedecer a critérios muito apertados. XVII Na maior parte dos casos, a discordância relativamente a s decisões judiciais finais, não se prende com a decisão da matéria de Direito, isto é, com a interpretação e/ou aplicação da Lei, pois, embora se admita como sempre possível o erro na aplicação do direito, regra geral este é mais raro. XVIII Na maior parte das situações, a discordância situa-se a montante, na própria decisão da matéria de facto, ou seja, nos factos que o Tribunal julgou provados e não provados, porque é aqui que reside o núcleo fundamental da matéria que determinará a solução do litígio. XIX Não concordando com a decisão da matéria de facto, a parte vencida pode impugná-la perante os Tribunais da Relação (hierarquicamente superiores), mas neste caso o recurso tem necessariamente de cumprir requisitos muito apertados, sob pena de imediata rejeição sem convite a aperfeiçoamento. XX Para se convencer o(s) destinatário(s) do recurso do desacerto da decisão de facto, é muitas vezes necessário requerer a reapreciação dos meios de prova gravados (os depoimentos de testemunhas, declarações e depoimentos das partes, esclarecimentos orais de peritos, acareações, etc.). XXI Mas não basta afirmar-se que o Juíz errou na apreciação ou interpretação da prova, é necessário cumprir as seguintes regras: a-) Indicar os concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados; b-) Indicar os concretos meios probatórios, constantes da gravação, que impunham decisão diversa da recorrida; c-) Indicar a decisão que, no entender do recorrente, deveria ter sido proferida sobre as questões de facto impugnadas. XXII Para o efeito e tentando concretizar, o Recorrente (ou melhor, o seu Advogado) tem de indicar, de entre o elenco dos factos provados e não provados, quais aqueles com os quais não concorda. XXIII Depois, tem de ouvir a gravação e indicar aos Senhores Juízes Desembargadores o minuto em que se encontram gravadas as declarações em que funda a discordância, podendo, se o entender, proceder a transcrição daquilo que as testemunhas, partes ou peritos afirmaram em Tribunal. XXIV Ainda, tem de explanar as razões pelas quais tais excertos da prova gravada impunham decisão diversa. E finalmente; XXV tem de indicar a redacção que deverá ser dada a s questões de facto impugnadas, isto é, concretizar que determinados factos deveriam ser dados como provados (propondo a redacção de tal facto) e outros deveriam ter sido dados como não provados. XXVI Podemos concluir que, sem gravação da prova, não é possível exercer um efectivo direito ao recurso. XXVII Na tarefa de apreciação da prova, é manifesta a diferença entre o Juíz da 1ª Instância e os Juízes Desembargadores dos Tribunais da Relação pois, enquanto aquele beneficia da imediação e da oralidade, estes estão limitados a uma gravação áudio, muitas vezes de má qualidade. Porém, XXVIII urge dotar os nossos Tribunais de meios de documentação / gravação da prova produzida em audiência de julgamento que, verdadeiramente garantam um duplo grau de jurisdição a todos os que se considerem injustamente prejudicados pelas decisões judiciais, designadamente, de meios de gravação audiovisuais, com alta definição, que tornem acessível aos Juízes Desembargadores as tais reacções humanas dos depoentes que, de outra forma, lhes estão vedadas. XXIX Dessa forma, estamos convictos, muitas injustiças e arbitrariedades se poderão evitar. XXX A falta da gravação, equivalente à impossibilidade de audição, é mais do que uma mera irregularidade, tratando-se de uma Nulidade. Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Excelências doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser considerado totalmente procedente e em consequência, declarada a nulidade do acórdão, fazendo-se desta forma inteira e sã Justiça...”. O Ministério Público contra-alegou, argumentando no sentido da improcedência do recurso. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar.
II.OBJECTO DO RECURSO A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito. B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelos recorrentes, no caso dos autos cumprirá apreciar se algum vício de nulidade afecta o acórdão recorrido.
III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO. III-A. O tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos: 1. A progenitora das quatro crianças, BB, nascida em ../../1997, tem presentemente 27 anos. 2. A Associação ... - Centro de Apoio à Vida Doutora Natércia Crisanto (CAV) iniciou o acompanhamento a BB, nas vertentes de apoio psicossocial, psicológico; educação parental e incluindo atividades de inclusão em 12/05/2012, altura em que aquela se encontrava grávida pela primeira vez, tendo o acompanhamento cessado e retomado inúmeras vezes. 3.BB foi mãe de HH, nascido ../../2012 e de II, nascida em ../../2014, filhos de pais diferentes, os quais foram confiados para futura adoção, no âmbito dos processos 314/09.4TBMMV-B e 314/09.4TBMMV. 4.A criança AA, nascida em ../../2016, em ..., é filha de BB e de CC. 5.Em 20/9/2016 os progenitores da AA dedicavam-se à mendicidade utilizando a bebé para o efeito. 6.CC, tinha 15 anos e beneficiava de medida de apoio junto da avó, residente em ..., no âmbito do P.P.P. n.° 288/16.5T8OBR, pendente no Juízo de Família e Menores de Oliveira do Bairro, por absentismo escolar. 7.Na referida data (Setembro de 2016) BB e CC viviam em casa dos avós maternos no acampamento cigano em volta da ..., ..., em manifesta violação da medida de P.P.P. de que beneficiava CC, que impunha que o mesmo residisse em casa da avó em .... 8.BB e CC viviam num ambiente onde os adultos mais velhos não valorizavam a frequência da escola, nem as regras básicas de convivência social nas crianças. 9.BB e CC, enquanto casal, não tinham qualquer suporte familiar consistente e estruturante, capaz de zelar pela satisfação das suas necessidades básicas, nem da bebé, e era pressionado por elementos do agrupamento para exercerem a mendicidade. 10. BB e CC não tinham, nem exerciam qualquer atividade profissional e passavam por grandes dificuldades económicas. 11. BB e CC não tinham maturidade nem consciência crítica da instabilidade em que viviam, não conseguindo prover as necessidades de uma criança pequena. 12. Eram incapazes de se responsabilizar e autonomizar em relação aos cuidados básicos com a bebé, ao nível da alimentação, higiene e segurança, nem revelavam capacidade para cuidar da criança e promover um bom desenvolvimento desta, mormente de lhes prestar os estímulos adequados à sua faixa etária. 13. Não existia, pois, no agregado familiar composto pelos progenitores ou pela família alargada destes, uma alternativa sólida, que pudesse acolher a criança e proporcionar-lhe um crescimento saudável e em segurança. 14. Desde o nascimento da AA até à data da denúncia de que os progenitores da criança a usavam para a prática da mendicidade, que BB recusava a colocação de implante subcutâneo como método contracetivo. 15. Em 21/9/2016, a criança AA foi sujeita, provisoriamente, à medida de acolhimento residencial, mas a medida só foi executada com a intervenção policial em 14/11/2016, momento em que BB reagiu de forma muito exaltada, agressiva para com os agentes de autoridade, tendo inclusive puxado pelos colarinhos da camisola do agente da GNR, anunciado que o matava e com gesticular agressivo provocado escoriações na mão do agente. 16. Em 9/12/2016 as técnicas efectuaram visita domiciliária a casa de BB e CC e verificaram que aqueles residiam em casa de construção de tijolo e cimento, com cobertura de telha e placas de metal, situada nos extremos do acampamento cigano; dispunha de bomba de água proveniente de furo de água; casa de banho e cilindro eléctrico e todos os eletrodomésticos necessários. 17. JJ e FF, avós maternos da criança AA, eram beneficiários do RSI e exerciam pontualmente atividades de venda de cestas e recolha de sucata e manifestaram disponibilidade para supervisionar a criança AA e os pais desta. 18. A 13/12/2016 foi a criança AA sujeita a medida de apoio junto dos pais, com a co-responsabilização dos avós maternos, tendo sido para o efeito celebrado acordo de promoção e proteção pelo período de 1 ano, com as seguintes obrigações: a) os pais comprometem-se a integrar a menor em creche e assumir com assiduidade e responsabilidade a respetiva frequência diária, bem como as obrigações que são inerentes à frequência de creche; assegurar a comparência da criança em todas as consultas ou serviços de enfermagem que venham a ser marcados nos serviços de saúde; respeitar todas as orientações que lhes forem transmitidas; seguirem o plano de saúde que for determinado no Centro de Saúde ..., nomeadamente no âmbito das consultas de planeamento familiar e seguir as orientações médicas prescritas; aceitar a intervenção e colaborar com o projeto ... de ..., devendo a mãe procurar emprego/formação e o pai cumprir a escolaridade/formação. b) os avós devem assegurar a supervisão e o cumprimento das orientações que forem dadas em relação à criança, cumprindo os pais e os avós maternos as orientações que foram transmitidas no âmbito da intervenção que for feita. 19) Em 2/3/2017 a criança AA estava a frequentar a creche ..., usufruindo do transporte diário da instituição na ida e no regresso no final da tarde; continuava a vigorar uma economia doméstica conjunta continuando os avós maternos da criança, a beneficiar do RSI e a progenitora encaminhada para ação de formação e o pai da criança orientado para frequentar 8.° ano no Agrupamento de Escolas ...; BB comparecia com a criança nas consultas na Unidade de Saúde Familiar ... e assegurava a assiduidade da criança na creche e a sua apresentação em condições de higiene e vestuário razoáveis. 20) Nessa data, à progenitora da AA foi colocado implante subcutâneo, como método de contraceção. 21) Em Março de 2018 o agregado familiar não apresentava alterações significativas e a criança AA continuava a viver com os pais no mesmo local, integrados no agregado familiar dos avós maternos. Não haviam ocorrido alterações a nível das condições habitacionais, que se apresentavam limpas, organizadas e arrumadas, não obstante nos períodos de tempo chuvoso os acessos à habitação serem feitos por caminhos de terra através do pinhal e dos campos circundantes, onde existia abundante água ao nível do subsolo, o que tornava as casas húmidas. 22) O agregado familiar beneficiava também do apoio do programa operacional de apoio às pessoas mais carenciadas, recebendo regularmente géneros alimentares. 23) A AA continuava integrada na creche .... 24) A progenitora comparecia com a AA nas consultas de saúde e a criança tinha a situação de vacinas atualizada. 25) A 4/9/2018 nasceu DD, irmã da AA. 26) Em Novembro de 2018, a Escola reportou à TGP, faltas pontuais da criança AA, justificadas pela mãe sem atestados médicos. 27) O pagamento da creche era efetuado com irregularidades. 29) Aquando do nascimento da DD, à BB foi novamente colocado implante subcutâneo como medida de contraceção. 30) Não obstante o agregado familiar continuar a beneficiar do contracto de IRS, ocorreu o incumprimento do pagamento de duas mensalidades da creche da AA e a frequência da criança foi suspensa. 31) Por decisão judicial de 8/1/2019 a medida de processo de promoção e proteção de apoio junto dos pais aplicada à criança AA foi prorrogada por mais 6 meses e estendida também à menor DD, entretanto nascida. 32) A 21/2/2020 a TGP teve conhecimento de que BB e CC haviam terminado o relacionamento conjugal; que BB havia iniciado um novo relacionamento com o FF, nascido em ../../2001 que passou a viver com aquela e as crianças no novo espaço habitacional, próximo dos avós maternos e que BB se encontrava grávida do novo companheiro. 33) O agregado familiar das crianças continuou a ser acompanhado no âmbito da prestação do RSI e a serem pagas as prestações de abono de família. 34) A criança AA foi escrita no jardim de infância ... e iniciou a frequência com faltas pontuais e na parte final do primeiro período até que deixou de frequentar por completo as atividades, alegadamente por ter acompanhado a mãe, o companheiro desta para junto de outros familiares em localidade distinta. 35) A criança AA começou a revelar um desenvolvimento abaixo do esperado para a idade, sendo que não existiam motivos para que a mesma não frequentasse o infantário, uma vez que a progenitora ficou isenta do pagamento do mesmo. 36) BB recebeu aconselhamento ao nível da prestação de cuidados das crianças e mostrou colaboração. 37) CC, progenitor das menores AA e DD, residente na ... em ... e beneficiário da prestação de RSI, não mais visitou as crianças, nem contribuiu para o sustento das mesmas. 38) Em 21/5/2020, foi celebrado novo acordo de promoção e proteção, sujeitando novamente as crianças AA e DD à medida de apoio junto da mãe com a responsabilização dos avós maternos pelo período de seis meses e com as seguintes obrigações: a) a AA deverá continuar a frequentar o jardim de infância com assiduidade e pontualidade, tal como, oportunamente, a DD, sem faltas injustificadas e com monitorização mensal pelo Tribunal; b) a DD será inscrita em jardim de infância, assim que possível, devendo a técnica do S.A.T.T. da Segurança Social ... articular-se com a progenitora e com os avós maternos para o efeito, tendo sido autorizado apoio económico para esse efeito específico, se necessário; c) as crianças AA e a DD deverão frequentar as consultas de saúde infantil e manter o plano de vacinação atualizado; d) a progenitora e as meninas serão acompanhadas pela Associação ... no sentido de melhorar a capacitação parental; e) mãe deverá cumprir as exigências decorrentes de ser beneficiária do R.S.I. 39) Em Junho de 2020 o Centro de Apoio à Vida - Dra. KK passou a acompanhar a progenitora, com o propósito de promover as suas competências parentais. Porém, quando convocada a progenitora não compareceu e enviada nova convocatória a carta veio devolvida. Estabelecido novo contacto, a progenitora veio informar que não tinha meios de transporte para se deslocar à ..., pelo que foi proposta uma entrevista na Junta de Freguesia ..., o que não aconteceu, sendo que apenas em 13/8/2020 teve lugar a entrevista da BB. 40) Só em Agosto de 2020 é que BB informou as técnicas da nova gravidez, e já com 35 semanas; que vivia com o FF, a AA e a DD numa casa de tipologia T2 no acampamento, explicando que todos dormiam no mesmo quarto e que era aí que também tinha intenção de fazer pernoitar a bebé quando esta nascesse. A higiene pessoal de todos era feita na casa dos avós maternos das crianças. 41) A 9/09/2020 nasceu a EE. 42) No dia 2/10/2020 BB fez-se transportar, num motociclo, da sua residência até à Junta de Freguesia ..., com a bebé EE, num marsúpio. 43) BB foi alertada pela técnica da Associação para os perigos de se fazer transportar com a criança no veículo ciclomotor, tendo a progenitora explicado que na data não tinha quem pudesse cuidar da bebé, sendo que também tinha de a amamentar de duas e duas horas e explicou que lhe dava banho de dois em dois dias. 44) Nessa entrevista a progenitora ainda informou que a AA não se encontra a frequentar o jardim de infância devido aos receios manifestados pela avó materna em relação à Pandemia Covid-19 e não querer desrespeitar a vontade da avó materna da criança. Nesse momento foram abordadas questões como a importância da sesta e da higiene diária das crianças, especialmente a higiene dentária, sendo que a progenitora admitiu que as filhas não tinham o hábito de lavar os dentes. Também foram exploradas questões relacionadas com regras e limites na educação das crianças. Nessa altura foi agendada visita domiciliária a 25/11/2020. Porém, a visita foi posteriormente desmarcada pela progenitora que informou a técnica de que nessa data estaria no Porto em visita aos familiares do companheiro FF. 45) No final do ano de 2020 foi efetuada visita domiciliária programada e verificado que as crianças continuavam a viver em espaço habitacional próprio, próximo dos avós maternos, numa casa de tijolo com telhado de chapas de metal, de construção simples, constituída por duas divisões, uma divisão de entrada que é a cozinha/sala e uma divisão interior que é o quarto do casal e das três crianças, mobilado com uma cama de casal num dos cantos e três caminhas de grades, uma para cada uma das crianças. O espaço habitacional apresentava condições de organização, arrumação, higiene, razoavelmente adequadas. A habitação continuava sem casa de banho e o agregado familiar utilizava a casa de banho dos avós maternos. A casa dispunha de eletricidade, mas não tinha água canalizada. O abastecimento da água continuava a provir de furo/poço, utilizando a água engarrafada para confeção de refeições, ora comprada ou proveniente de fonte pública. O agregado continuava a ser abrangido no âmbito da prestação de RSI e a beneficiar das prestações do abono de família das três menores, bem como a prestação de subsídio parental da mãe. O FGADM estava a pagar a pensão de alimentos em substituição do progenitor das crianças AA e DD, no montante de 200 €. 46) Passou a ser conhecido pelas técnicas que a avó materna das crianças, padecia de problemas de saúde de foro cardíaco e que havia necessitado de alguns internamentos de curta duração no Centro Hospitalar ..., estando sujeita a toma diária de medicação e ao apoio de dispositivo para reforço do funcionamento do coração. A saúde da avó materna representava já uma preocupação acrescida para todos os familiares. 47) Nesta altura foi proposta à progenitora a colocação do implante subcutâneo como método de contraceção e a mesma aceitou. 48) A AA estava matriculada no jardim de infância ..., mas não havia iniciado as atividades por motivo de medo e preocupação da família relacionadas com a pandemia de Covid-19, mas beneficiava do apoio em leite e alimentos garantidos pelo infantário. A criança DD ainda não havia sido integrada na creche por preocupações também relacionadas com a pandemia. 49) Por decisão proferida em 19/2/2021 a medida de PPP de apoio junto da mãe aplicada as crianças AA e DD foi prorrogada por mais um ano e estendida a medida à irmã uterina EE com as obrigações dos avós maternos da sua co- responsabilização no cumprimento da medida relativamente as netas AA e DD. 50) No dia 18/10/2021, em resultado, entre outros fatores, da fragilidade de saúde da avó materna, ocorreu um grave desentendimento familiar no local de residência das crianças, entre os avós maternos e a progenitora e esta, juntamente com o companheiro e as crianças AA, LL e DD, saíram do acampamento, com as vestes do corpo e deixando para trás todos os seus haveres e mudaram de residência para o acampamento cigano em ..., concretamente situado na Rua .... 51) No acampamento de ... a progenitora assegurou à técnica que se estava a organizar e que beneficiava do apoio da mãe do companheiro. 52) A família continuou a beneficiar da prestação de RSI e passou a ser acompanhada pela técnica do Centro Social .... 53) Em data concretamente não apurada, no último semestre do ano de 2021, BB, apesar do aconselhamento médico e de ter três filhas pequenas ao seu encargo, procedeu a remoção do implante subcutâneo que utilizava como método contracetivo, o que possibilitou que aquela engravidasse novamente. 54) No acampamento de ..., BB, o companheiro e as três crianças passaram a viver num barraco, alegadamente construído pelo próprio casal, de forma rudimentar e que foi sujeito a melhorias nas suas condições, ao nível do espaço e algum conforto. 55) Nas visitas domiciliárias programadas entres as técnicas e a BB, as primeiras começaram a verificar que as crianças nem sempre apresentavam uma aparência cuidada, mas tal facto era sempre justificado pela progenitora pela circunstância de a sujidade provir do facto de as crianças brincarem o exterior, onde os caminhos são em terra e ficam lamacentos com a chuva. 56) Nesse momento temporal, a criança AA foi integrada no ensino pré-primário, mas não foi encontrada vaga para a criança DD e foi constatado pela Técnica que o agregado familiar não dispunha, no acampamento em ..., de uma estrutura familiar de apoio consistente e que a BB e o FF tinham acentuadas dificuldades quanto ao exercício da parentalidade responsável, nas vertentes da educação diária, escolar e saúde das três crianças. 57) Em 15/02/2022, no âmbito do acompanhamento social efetuado pela equipa -TGP e Ajudantes de Ação Direta, foi negociado e acordado com o agregado - BB e FF um plano de intervenção, que incidia sobre as seguintes ações: a) higiene habitacional; alimentação saudável; gestão do tempo e do espaço doméstico; economia familiar; b) assegurar a frequência as aulas e outras atividades promovidas pela escola; c) aceitar o acompanhamento; d) interessar pelo desenvolvimento das tarefas propostas; assegurar cuidados básicos de saúde das crianças; e) sensibilização para a prevenção de acidentes; orientação na correta administração de medicação; f) acompanhamento em situações de gravidez, alcoolismo, violência doméstica; higiene pessoal; g) manutenção de um bom relacionamento na família e com a vizinhança; h) sensibilização para a melhoria na comunicação comportamentos e atitudes; i) colaborar com interesse nas ações que sejam propostas seguindo as orientações dos técnicos e profissionais envolvidos no plano; j) comunicar com a equipa do RSI quando se sentir incapaz de cumprir com a sua parte no plano ou necessitar de algum esclarecimento. 58) No final de Fevereiro e início de Março de 2022, a professora da escola da AA reportou à Técnica Dra. MM que a AA se apresentava descuidada na sua apresentação, indiciando negligência nos cuidados com a criança e que existiam suspeitas de que a progenitora lhe batia. 59) No dia 3/3/2022, a técnica MM, tendo recebido informação da Escola de que a criança AA não havia comparecido, deslocou-se ao acampamento de ... e efetuou uma visita domiciliária não programada. Foi aí que a técnica se deparou com uma grande discussão entre o casal, sendo que BB se encontrava em estado avançado de gravidez no exterior da casa aos gritos e o companheiro ainda deitado na cama. 60) Na presença da técnica, a BB destratou e acusou o companheiro de a agredir e de se interessar por ela apenas por sexo, bem como de não aceitar as suas filhas AA e DD. 61) No decurso desta discussão, as crianças AA, DD e EE encontravam-se junto à mãe, descalças, sem roupa interior, sem roupa de agasalho, muito sujas e com vestígios de fezes e de urina, e choravam de forma continuada. 62) Simultaneamente, FF acusava a BB de maltratar as crianças, de lhes dar banho com água fria, de lhes bater e de não cuidar delas, bem como de o agredir, referindo ter apresentado queixa contra a BB. 63) Em face desta situação a equipa do Protocolo do RSI solicitou a presença da GNR ... e conduziu as crianças à esquadra e posteriormente à A... para acolhimento de emergência. 64) À chegada da GNR, a progenitora não havia feito nada para proteger as crianças do frio. A criança EE continuava descalça com os pés frios e a fralda cheia de fezes, não existindo em casa toalhitas para limpar a criança; a criança DD encontrava-se no chão com um pacote de leite de 1 litro aberto nas mãos, tinha uma sapatilha calçada, sem meias e com os pés frios; a criança AA continuava com roupa desadequada para o tempo, que estava húmido e frio e o chão molhado. 65) As crianças encontravam-se no exterior e o progenitor da EE, FF, ainda se mantinha deitado na cama e só depois de muito insistência é que se levantou. 66) A casa onde viviam as crianças, composta por quatro divisões, quartos, cozinha e os arrumos, encontrava-se imunda, sem qualquer tipo de higiene, limpeza ou organização. Existiam roupas espalhadas por todo lado; na cozinha e em todas as divisões existiam restos de comida/alimentos espalhados por todo o lado e o cheiro era nauseabundo. 67) Verificou-se, assim, que não existiam quaisquer rotinas de higiene diárias, nem organização de roupas e alimentação. 68) A progenitora não estava a cumprir as ações previstas no plano de intervenção, não obstante verbalmente acordar com tudo; aceitar as propostas, comprometer-se em melhorar, em apreender e em pôr em prática o que aprendia. 69) As técnicas reviram o plano de intervenção e, com a concordância da BB e do FF, foi decidido manter as ações já identificadas, alterando a periodicidade da intervenção para quinzenal, o que mantém até o presente momento. 70) Em 18/3/2022, foi proferido despacho a aplicar às três crianças a medida provisória de acolhimento residencial, em CAT. 71) Logo após o acolhimento das crianças, verificou-se uma melhoria das condições habitacionais, efetuadas pelo casal, desde a criação de espaços adequados às crianças até ao nível da limpeza e organização desses espaços, mas observou-se que a nível pessoal e familiar, o casal ainda não estará preparado para satisfazer as necessidades básicas de gestão de três crianças, com 7 anos, 5 anos e 3 anos ao nível afetivo, educativo e de organização. 72) No dia 30/8/2022, em visita domiciliária programada, à residência de BB e FF, no acampamento em ..., as técnicas verificaram que a habitação estava a ser limpa pelo Sr. FF e familiares deste, também residentes no .... 73) A criança GG nasceu em ../../2022 e em 5/9/2022 passou a beneficiar da medida de acolhimento residencial. 74) A 4/10/2023, em contexto de atendimento com as técnicas do RSI, FF declarou que não pretendia assumir a guarda das quatro menores, por estar consciente das dificuldades e porque tem preferência pelas suas filhas; alegou de forma reiterada gastar dinheiro para visitar as filhas e partilhou que a AA e DD não o respeitam. Só quando advertido pela BB é que FF alterou o seu discurso. Passou a explicar que precisava de “treinamento”, que havia declarado não querer as crianças AA e DD porque se tinha chateado com a BB. 75) Existem fortes indícios de que o casal BB e FF mantém um relacionamento instável e conturbado. 76) O casal BB e FF, desde que se mudou para ..., que não beneficia de suporte por parte dos familiares do último. Não obstante BB alegar que sempre teve o apoio da mãe do companheiro, FF, os elementos da equipa do RSI presenciaram em vários momentos insultos e ameaças à criança AA por ter denunciado os alegados maus tratos infligidos pela progenitora na escola. 77) Desde 3/03/2022 e até à presente data, em nenhum momento, qualquer elemento da família do FF procurou saber ou estar com qualquer das crianças. 78) A avó paterna das crianças EE e GG, para além do FF e do irmão NN, tem outros seis filhos com idades compreendidas entre os 20 e os dois anos de idade, sendo que o jovem de 20 anos que se encontra ao cuidado de outros familiares e os restantes filhos chegaram a beneficiar de medidas do PPP, tendo também, há cerca de três a quatro anos, sido integrados na casa de abrigo com a mãe, por a mesma ter sido vítima de violência doméstica. 79) Não existe na família alargada elementos válidos e seguros que possam ser considerados como como alternativa ao acolhimento residencial das quatro meninas, sendo que os progenitores ainda se encontram muito centrados nas condições habitacionais e nas melhorias significativas que efetuaram, entretanto. 80) Desde que as crianças se encontram acolhidas que a progenitora BB e o progenitor FF as visitam com regularidade e que estes recebem das técnicas orientações e ensinamentos sobre como lidar com os desafios das quatro crianças, com idades tão próximas. 81) Foram organizados convívios entre BB e FF com as quatro crianças e outros em que o convívio foi dividido, ora com as duas crianças mais novas, ora com as duas crianças mais velhas. Esta dinâmica teve como principal objetivo permitir uma interação mais ajustada e individualizada, dando aos pais maior disponibilidade para acompanhar as filhas. 82) Durante o período em que as visitas decorreram com divisão das crianças, os pais estiveram mais atentos e capazes de intervir junto das filhas, conseguindo desenvolver brincadeiras construtivas com elas, como por exemplo ler um livro, fazer jogos de tabuleiro, pintar ou participarem jogos de encaixe, mas mesmo nestes momentos surgiram situações de oposição e conflitos, que os pais não conseguiam gerir, dadas as suas dificuldades em interpretar e antecipar os comportamentos das meninas. 83) Nas visitas das quais participou todo o agregado em simultâneo, resultou patente que a BB e FF procuram dividir a atenção pelas quatro crianças, mas não conseguem gerir e conter os comportamentos de desafios. FF focaliza a sua atenção na criança GG e BB vai tentando assumir a dinâmica com as três filhas mais velhas, assumindo uma conduta passiva, isto é, permanecendo a maior parte do tempo sentada no mesmo espaço, sem conseguir desenvolver atividades de interesse para as meninas, capazes de estimular a atenção destas. FF revela-se mais ajustado na forma como intervém, mas quando existe conflito e todas as crianças requerem atenção, aquele fixa a sua atenção na bebé GG ou na EE, afastando-se com a bebé para longe das demais. 84) Ao longo de todo o período de acolhimento o casal tem vindo a beneficiar de apoio e orientação de toda a equipa técnica da casa de acolhimento, no âmbito das competências parentais, as quais sugerem e promovem junto do casal estratégias, no sentido de ir ao encontro das necessidades das crianças, e partilham um conjunto de conhecimentos para lidar com comportamentos mais desafiantes das crianças e, assim, serem capazes de impor regras e limites de forma ajustada e equilibrada. 85) Porém, durante todo este período, verifica-se que BB e FF ouvem e procuram pôr em prática algumas das estratégias partilhadas pelas Técnicas, mas deixam de o fazer sempre o(a) Técnico(a) sai da sala. 86) Quando BB e FF ficam sozinhos com as crianças a visita assume rapidamente um registo de grande agitação e desorganização. Nenhuma das crianças reconhece aos pais respeito e autoridade, assumindo comportamentos insultuosos e agressivos com eles e entre si, tais como chamar nomes, dar murros, gritar, deitarem-se no chão, saltar por cima das mesas, sofás, etc. Tais comportamentos têm “efeito dominó”, ou seja, uma faz e a outra repete o comportamento, tentando cada criança chamar a atenção dos pais pela negativa. 87) São também manifestas as relações preferenciais entre os progenitores e as crianças. BB mostra-se mais próxima e disponível para a DD e para EE e FF para a GG. Em relação a AA observa-se algum desprendimento quando comparadas as dinâmicas e interações que os pais estabelecem com as outras crianças. 88) As crianças AA de 7 anos, a DD de 5 anos, OO de 3 anos e a GG de 1 ano encontram-se acolhidas na Associação “A...”, as três primeiras desde 3/3/2022 e a GG desde 5/9/2022 e todas se encontram bem integradas e adaptadas ao contexto residencial. 89) As crianças AA e DD necessitam de acompanhamento específico constante e precisam de um ambiente estável, protetor, promotor e estimulante para o seu desenvolvimento, mas apresentam uma evolução favorável. 90) CC, progenitor da AA e da DD encontra-se ausente da vida das filhas há mais de cinco anos e no dia 14/12/2023 expressamente disse ao Tribunal concordar com a sujeição das filhas AA e DD à medida de promoção e proteção de confiança com vista à adoção. 91) Decorridos 1 ano e 9 meses sobre o acolhimento das crianças AA, DD e EE, e 1 ano e 3 meses do acolhimento da criança GG, não obstante todo o acompanhamento, orientação, aconselhamento de que BB e FF beneficiaram, verifica-se que estes não conseguiram em tempo útil, nem virão a conseguir em tempo adequado e necessário para as crianças, qualquer mudança necessária para virem a cuidar daquelas de forma autónoma. 92) Até ao momento BB e FF não indicaram qualquer elemento de família que os pudesse apoiar neste processo educativo e no desafio de cuidar de quatro crianças em simultâneo. 93) Não é, pois, possível o regresso das crianças para o seu meio natural de vida. 95) A progenitora recebe aconselhamento e orientações técnicas sobre os cuidados e educação das crianças desde a sua primeira gravidez em 2012. 96) A AA apresenta um atraso global do desenvolvimento com maior expressão na área da linguagem expressiva e compreensiva. A menina tem noção destas dificuldades, o que a deixa triste e frustrada, o que impacta de forma negativa o seu autoconceito. A AA é acompanhada em várias especialidades e terapias, tendo recentemente iniciado terapêutica medicamentosa, face à agitação motora e dificuldades de concentração. 97) A DD apresenta desenvolvimento abaixo do esperado para sua faixa etária, mas tem evoluído favoravelmente. Também beneficia de acompanhamento de várias consultas de especialidade a par das terapias de fala e ocupacional. 98) A EE já foi encaminhada para a terapia da fala. 99) O atraso no desenvolvimento verificado na AA e na DD pode estar associado à ausência de estimulação pelos seus cuidadores nos primeiros anos de vida. 100) BB e FF, eventualmente pelas suas personalidades e imaturidade cognitivas, continuam a evidenciar a instabilidade relacional, embora não assumam, nem reconheçam a existência de conflitos entre ambos. A perceção e crítica quanto às razões que motivaram acolhimento das filhas mantém-se inalterado, atribuindo como justificação as parcas condições habitacionais. Não obstante a progenitora apresentar um discurso socialmente desejável e adequado ao que os técnicos querem ouvir, em situações muito concretas não é capaz de seguir as orientações das técnicas. 101) Desde 2012 que a progenitora tem rejeitado contracetivo subcutâneo, alegadamente por ter demasiadas hemorragias e a fazer engordar. Este pensamento não foi alterado e a progenitora, por sua iniciativa e sem vigilância médica, removeu ela própria diversas vezes o contracetivo e só com muita insistência, recentemente, acedeu ao agendamento na consulta de planeamento familiar na USF ... e, em consequência, iniciou contracetivo injetável. 102) Efetuados exames periciais (em 15/02/2023), na Delegação Norte do INML do Porto, ao progenitor FF, do relatório pericial consta que: a) O progenitor das crianças EE e GG, presentemente com 22 anos, nunca completou 7° ano de escolaridade; nunca trabalhou, nem frequentou quaisquer cursos de formação. b) No que diz respeito ao funcionamento psicológico, apresenta recursos cognitivos (relacionado com o processamento da informação adquirida através da aprendizagem; formas de perceção e de interpretação de si próprio, dos outros e dos acontecimentos) abaixo do esperado para sua faixa etária c) Quanto à sua capacidade de auto-regulação (capacidade de gestão das emoções e construção de respostas adequadas ao contexto) parece evidenciar algumas fragilidades e perante situações emocionalmente intensas poderá reagir de forma impulsiva e imatura, evidenciando fragilidades na sua autonomia e capacidade de autogestão. d) Demonstra algumas dificuldades na sua ressonância afetiva, na medida em que apresenta dificuldades em percecionar o impacto das suas fragilidades no desenvolvimento das suas filhas, uma vez que, pela sua frágil estimulação cognitiva e psicoafectiva, não possui os recursos necessários para manter uma adequada estimulação cognitiva, emocional e social das suas filhas. Não obstante não existirem indicadores de alterações ao nível da forma ou do conteúdo do pensamento, verificou a técnica que na análise de situações concretas FF parece evidenciar uma tendência a interpretar as situações de forma auto referente, demonstrando alguma imaturidade emocional e comportamental. e) Quando solicitado para analisar os seus comportamentos, frequentemente recorre a explicações que remetem para uma característica do seu funcionamento psicológico, Locus De Controlo Externo, isto é a tendência marcada para atribuir a responsabilidade das suas ações ao comportamento dos outros e as circunstâncias externas, desresponsabilizando-se pelas mesmas. O seu discurso pauta-se por uma concentração na responsabilização dos outros e menos na sua própria responsabilidade, o que também pode estar relacionado com alguma defensividade associada ao contexto de avaliação forense. f) Os dados da avaliação revelam um comprometimento cognitivo e uma frágil organização e funcionamento da personalidade, com dificuldade no controle dos impulsos, com alterações do pensamento que se agravam em situações de stress e angústia. g) Relativamente à esfera da socialização, os dados sugerem que o examinado exibe uma frágil autogestão (capacidade para garantir a sua segurança e dos seus bens, sem estar dependente de outra pessoa). h) Revela fragilidades na sua autoregulação emocional. i) A articulação e análise das fontes de informação sugerem, pois, que ao nível das relações que exigem o maior nível de intimidade (exemplo conjugais ou familiares) e em situações sociais quotidianas de maior exigência e/ou contrariedade, o examinado parece revelar dificuldades na regulação emocional, sendo que em situações de maior tensão ou exigência emocional poderá manifestar dificuldades na gestão comportamental, podendo agir de forma impulsiva e imatura. j) Em relação ao exercício da parentalidade, não obstante o desejo expresso em cuidar das suas filhas, existem na prática muitas fragilidades do examinado que necessitam de atenção de supervisão e treino parental, por entidade competente para o efeito. k) O examinado presenta algumas inconsistências na sua parentalidade, muito possivelmente pela sua imaturidade, que necessitam de apoio e supervisão. l) Salienta-se a precariedade profissional deste agregado, com dificuldades na sua autogestão (capacidade para garantir a sua segurança e dos seus bens) sem estar dependente de outra pessoa. m) Os laços afetivos são primordiais para o para o adequado desenvolvimento das crianças, no entanto, os adultos cuidadores deverão apresentar-se adequados e capazes de assegurar um vínculo seguro, situação em que atualmente o examinado não apresenta autonomia e necessita de uma estreita supervisão e treino parental, mais ainda pelas exigências inerentes ao cuidado de crianças da idade das suas filhas. 103) Do exame realizado à progenitora, BB, na Delegação Norte do INML do Porto em 15/02/2023, resulta que: a) Frequentou o 8º ano e em Outubro de 2022 frequentava um curso: “Duas vezes por semana, é para saber como se cuida das crianças. Sei ler e escrever.” b) Nunca exerceu qualquer atividade laboral. c) Os seus pais, com 48 e 56 anos, frequentam um curso. O pai vende sucata, cestos e águas e a mãe vende meias. Tem 5 irmãs e um irmão, sendo que a irmã mais nova tem 12 anos e irmão mais velho 32 anos, sendo que recentemente “saiu da cadeia por causa da filha, acho eu. Ele teve 3 anos na cadeia, mas saiu agora há 5 meses” d) Casou aos 12 anos “A lei cigana antigamente era assim e eu casei com 12 anos, o meu marido tinha 16 anos. Juntei-me com o rapaz e os meus pais foram-me buscar porque eu não ia à escola. E depois o meu pai foi-me buscar a casa do rapaz. O FF também é de etnia cigana. ” e) A examinada reside em casa dos sogros. f) Quanto ao motivo da avaliação, referiu que “Eu chateei-me com ele e veio a patrulha, eu tive uma discussão porque eu tinha ciúmes. E as crianças assistiram e a segurança social viu... mudei as condições, mas ainda não tenho condições e a minha mãe está disposta a ajudar. Eu vou mudar de vida e ele (FF) vai ter de tirar a carta. Vamos vê-las todas as segundas, mas é muito pouco. Elas estão diferentes. Ela antes era muito bruta, a AA, agora está melhor. ” g) Apresenta recursos cognitivos abaixo do esperado para a sua faixa etária. h) Da avaliação psicológica da personalidade, a articulação e análise das diferentes de informação sugerem que a examinada em situações de maior tensão ou maior exigência emocional, poderá exibir dificuldades na gestão dos afetos, centrando-se mais em si própria, com um padrão de labilidade emocional e com um padrão de processos de vinculação muito deficitários. i) Apresenta instabilidade afetiva por reatividade de humor marcada e que se traduzem muitas vezes em comportamentos apelativos e impulsivos. Apresenta um percurso vinculativo problemático e inseguro. j) Subsistem algumas dúvidas relativamente ao alegado relacionamento disruptivo entre a examinada e o progenitor das suas filhas, pelas fragilidades emocionais de cada um e pela sua imaturidade cognitiva. k) Relativamente à esfera da parentalidade, a examinada apresenta, do ponto de vista do conhecimento, muitas contradições nas suas práticas parentais, sendo de destacar que o mais provável é que estas contradições surjam associadas à desejabilidade social, isto é, a tendência para atribuir a si própria e ao seu companheiro comportamentos com valores socialmente desejáveis. Algumas pessoas tendem a responder de acordo com o que consideram ser o mais correto ou desejável para satisfazerem a sua necessidade de aprovação social e mostrarem que os seus comportamentos estão em conformidade com as normas e os valores da cultura vigente. l) Os dados da avaliação revelam um comprometimento cognitivo e revelam uma frágil organização e funcionamento da sua personalidade, e em situações de maior tensão ou maior exigência emocional, poderá exibir dificuldades na sua autonomia e na gestão dos afetos. m) A examinada manifesta, face a situações de contrariedade, ou face a obstáculos, imaturidade, com dificuldades quer ao nível da autonomia, na gestão dos afetos, na determinação de limites, no cumprimento de regras e na tolerância à frustração, que poderão desencadear reações desajustadas na resolução dessas mesmas situações. n) Relativamente às áreas envolvidas nas competências para o exercício da parentalidade (que não se reduzem à natureza dos afetos manifestados pelas crianças), a examinada apresenta, no plano do conhecimento, frágeis recursos, nomeadamente ao nível da conceptualização de condições para o adequado desenvolvimento cognitivo, social e emocional das crianças. o) Em relação ao exercício da parentalidade, é importante referir que não obstante o desejo expresso pela examinada em cuidar dos seus filhos, existem na prática muitas fragilidades da examinada que necessitam de supervisão e treino parental, por entidade competente para o efeito. A examinada apresenta inconsistências na sua parentalidade, muito possivelmente, pela sua imaturidade. p) Existe precaridade profissional deste agregado, com dificuldades na sua autogestão (capacidade para garantir a sua segurança e dos seus bens), sem estar dependente de outra pessoa). q) Os laços afetivos são primordiais para o adequado desenvolvimento das crianças, no entanto, os adultos cuidadores deverão apresentar-se adequados e capazes de assegurar um vínculo seguro, situação em que atualmente a examinada não apresenta autonomia e necessita de uma estreita supervisão e treino parental, mais ainda pelas exigências inerentes ao cuidado de crianças da idade das suas filhas. III.B. Com relevância para o conhecimento do mérito do recurso, resulta ainda documentalmente comprovado nos autos principais: a) Em 18.03.2024 foram os mandatários dos progenitores notificados do acórdão proferido nos autos (ref. Citius 458268024); b) Em 20.03.2024 os mandatários requereram ao Tribunal a disponibilização das gravações das sessões de julgamento (ref. Citius 48368558); c) Em 22.03.2024 foi ordenada à secção a disponibilização das gravações (cfr. ref. Citius 458387165); d) Em 26.03.2024 foram os mandatários notificados. e) Conforme informação da Sra. Escrivã de Direito, com ref. Citius 458626759, no dia 27.03.2024 o Sr. Dr. PP compareceu na secção de processos do J. 2, do Juízo de Família e Menores de Vila Nova de Gaia, solicitando a disponibilização das gravações na plataforma CITIUS, o que foi efectuado de imediato, e oferecido ao ilustre advogado gravação em CD –R, o que foi por ele recusado. f) Com data de 2.04.2024 consta dos autos a seguinte conclusão com informação da Sr.ª Escrivã de Direito: “CONCLUSÃO - 02-04-2024, com a informação a V. Exª., de que, face ao requerimento apresentado e junto aos autos pelo ilustre mandatário dos progenitores e salvo o devido respeito, não lhe subsiste razão, dado que pela Secretaria foi cumprido na íntegra os prazos previstos na lei: Conforme consta dos autos, a Secretaria, notificou electronicamente, em 18/03/2023, refª 458268024, o ilustre mandatário do acórdão proferido (dia 18 corresponde a segunda feira), a que acresce os 3 dias do correio (nas notificações, encontra-se estabelecido uma presunção ilidível da data de notificação: presumem-se efectuadas no 3.º dia útil posterior ao do envio, ou seja, no terceiro dos três dias úteis posteriores ao registo).Assim o ilustre mandatário dos progenitores, considera-se notificado em 21-03-2024 (quinta feira). Pelo Mandatário dos progenitores, foi segundo consta do seu requerimento solicitado em 20/03/2024, refª 48368558 que fosse colocado as gravações da audiência de julgamento realizada, na plataforma CITTIUS. Por despacho de 22/03/2024, (sexta feira) pelas 17: 52 horas refª 458387165, foi deferido o requerido (tendo em conta o carácter reservado do processo, nos termos do artº 88 da Lei 147/99, foram os autos conclusos e tendo ainda em conta o disposto no artº 155 do CPC). No dia 26/03/2024, (logo na 3ª feira) foi o mandatário dos progenitores notificado do douto despacho de disponibilização das gravações no CITIUS. No dia 27-03-2024, da parte da tarde, compareceu neste Tribunal o ilustre mandatário, pedindo que se lhe disponibilizasse as gravações no CITIUS, o que de imediato foi feito, tendo lhe sido dito que caso pretendesse ser-lhe –ia facultada a gravação, também por CD, caso pretendesse, ao que o mesmo disse que não queria CD. Nos termos do artº 124 da Lei 147/99 de 1 de Setembro – os recursos são processados e julgados como em matéria cível, sendo o prazo de alegações e de resposta de 10 dias. Assim, o prazo para interposição de recurso termina 10/04/2024, tendo em conta o disposto no nº 7 do artº 638 do CPC, sem a contagem do disposto no artº 139 do Código de Processo Civil). g) Em 3.04.2024, foi proferido o seguinte despacho (cfr. ref. Citius 458698037): “Os factos invocados, mesmo a resultarem provados, não acarretam qualquer nulidade quanto ao acórdão proferido. Assim, indefere-se a invocada nulidade. Notifique, sendo o Ilustre Advogado do teor da informação vertida pela Exma. Sra. Escrivã de Direito”. h) Nessa mesma data – 3.04.2024 - foram os mandatários dos progenitores notificados do referido despacho judicial e do conteúdo da informação da Sr.ª Escrivã de Direito (cfr. ref. Citius n.º 458719970).
IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO. 1. Do mérito do recurso. Em sede de alegações de recurso, insurgem-se os apelantes pelo facto de não lhes terem sido disponibilizadas as gravações da prova, quer presencialmente, quando para tanto o solicitaram, quer através da plataforma CITIUS, argumentando que tal circunstância os impediu de exercerem cabalmente o exercício do direito ao recurso, impossibilitando-os de impugnar a decisão de facto. Como começam por precisar os recorrentes – cfr. conclusões I e II -, os mesmos interpõem recurso do acórdão proferido pelo tribunal de primeira instância, alegando que o mesmo “padece de nulidade que, aqui expressamente se argui, nomeadamente, por violação do nº 3 e 4 do artigos 155º e nºs 1, 2, 3 e 6 do artigo 157º todos do Código do Processo Civil, artigos 6º, 7º, 8º, 13º, 14º, 17º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e nºs 1, 5, 6 e 7 do artigo 36º da Constituição da República Portuguesa”, pedindo, a final, que, julgado procedente o recurso, seja declarada a nulidade do acórdão, de que, conforme também alegam, foram notificados a 18 de Março de 2024. Dispõe, na parte que aqui releva, o artigo 155.º do Código de Processo Civil: 1 - A audiência final de ações, incidentes e procedimentos cautelares é sempre gravada, devendo apenas ser assinalados na ata o início e o termo de cada depoimento, informação, esclarecimento, requerimento e respetiva resposta, despacho, decisão e alegações orais. 2 - A gravação é efetuada em sistema vídeo ou sonoro, sem prejuízo de outros meios audiovisuais ou de outros processos técnicos semelhantes de que o tribunal possa dispor, devendo todos os intervenientes no ato ser informados da sua realização. 3 - A gravação deve ser disponibilizada às partes, no prazo de dois dias a contar do respetivo ato. [...]. Refere, a propósito, o acórdão da Relação de Guimarães de 30.11.2017[1]: “Como é sabido, o regime instituído no novo Código de Processo Civil teve por motivação próxima a divergência jurisprudencial que, na sequência da introdução da gravação dos depoimentos prestados em julgamento (artºs 522º-B, e 522º-C, do anterior Código), se gerou em torno da questão de saber como qualificar e qual o regime de arguição, conhecimento e consequências das deficiências notadas quando a parte pretendesse recorrer da matéria de facto e, para o efeito, utilizar aquele suporte. (2) E teve por finalidade, por um lado, potenciar as virtudes designadamente garantísticas do registo da prova, e, por outro, consagrar um regime claro, expedito e eficaz de modo a prevenir e a resolver os problemas (procedimentais) da gravação e a evitar que eles sobrassem para depois da decisão final e se projectassem nos recursos com as indesejáveis consequências daí derivadas. Assim, prevendo-se a gravação agora de toda a audiência final (incluindo requerimentos, respostas, despachos, etc.), seja de acções, seja de incidentes e procedimentos cautelares, e mantendo-se em vigor o espírito que inspirou a regra consagrada no artº 9º, do Decreto-Lei 39/95, de 15 de Dezembro, segundo a qual, no decurso daquela, “Se, em qualquer momento, se verificar que foi omitida qualquer parte da prova ou que esta se encontra imperceptível, proceder-se-á à sua repetição sempre que for essencial ao apuramento da verdade”, passou a ser dever da secretaria disponibilizar às partes a gravação “no prazo de 2 dias, a contar do respectivo acto” – nº 3, do artº 155º. Tal disponibilização não precisa de ser requerida. É oficiosa. Consiste, não na entrega, remessa, sequer notificação ou qualquer outra acção equiparada, mas tão só na colocação ao alcance das partes e para uso destas do suporte destinado às mesmas a fim de o procurarem, examinarem e utilizarem. Caso a Secretaria não cumpra pontualmente tal obrigação, a parte que lhe solicite a gravação e, ao pedi-la, seja confrontada com a sua indisponibilidade, pode reclamar para o respectivo juiz com fundamento na omissão, nos termos dos nºs 5 e 6, do artº 157º”. Tal como decorre do n.º 3 do artigo 155.º do Código de Processo Civil, a gravação deve ser disponibilizada às partes no prazo de dois dias, a contar do respectivo acto. Esta disponibilização, que não pode ser confundida com entrega, constitui um acto da secretaria que, no referido prazo legal, coloca à disposição da parte nisso interessada a gravação, com a entrega do respectivo suporte se ela o requerer. Omitindo a secretaria tal diligência ou não o fazendo no prazo de dois dias fixado no referido artigo 155.º, n.º 3, pode/deve a parte interessada na obtenção da gravação reclamar para o juiz, como lhe é facultado pelo n.º 5 do artigo 157.º do Código de Processo Civil. Sendo-lhe desfavorável a decisão proferida na sequência de tal reclamação, pode a parte recorrer, nos termos gerais, dessa decisão, através de apelação autónoma, ao abrigo do disposto no artigo 644.º, n.º 2, g) do Código de Processo Civil. Ora, da matéria factual elencada em III.2. resulta claramente demonstrado que as formalidades necessárias à disponibilização das gravações foram cumpridas, não se detectando qualquer nulidade processual – que equivocamente os recorrentes algumas vezes parecem confundir com nulidade do acórdão de que recorrem... E ainda que alguma nulidade processual decorrente da alegada falta de disponibilização das gravações tivesse ocorrido – e não é o caso -, sempre o vício teria de ser suscitado no processo e na instância onde o mesmo foi cometido, só cabendo à Relação a apreciação de recurso que viesse eventualmente a ser interposto da decisão que conhecesse da arguida invalidade processual. Como é de evidente clareza, a alegada falta de disponibilização das gravações não afecta o acórdão proferido, não se configurando nenhuma das circunstâncias taxativamente fixadas no n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil para a nulidade da sentença, que, de resto, os recorrentes se abstêm de convocar (conferir conclusão II). Improcede, consequentemente, o recurso. 2. Da litigância de má fé. Na resposta às alegações do recurso, pede o Ministério Público que os recorrentes sejam sancionados por má fé processual. Afirma-se, para tal: “...é completamente falso que os mandatários dos progenitores não tenham tido acesso às gravações das sessões de julgamento dentro do prazo de recurso, pois o tiveram de facto e por isso o prazo de recurso foi contado a partir dessa data, não prejudicando nenhum direito de defesa nem o exercício do direito de recurso da matéria de facto. Ao atestarem que a secretaria não disponibilizou as gravações, os mandatários dos progenitores, estão actuar com manifesta má fé processual. Salvo o devido respeito, parece-nos que os mandatários dos progenitores, estão a usar de manobras dilatórias, com o propósito conseguido de evitar que se declare o trânsito do acórdão, assim prejudicando o interesse das crianças. Importa, assim, aferir se, em concreto e em relação à actuação processual dos recorrentes, se mostram preenchidos os pressupostos da litigância de má fé. De acordo com o n.º 1 do artigo 542.º do Código de Processo Civil, “tendo litigado de má fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir”. Por sua vez, o n.º 2 do mesmo dispositivo legal delimita o conceito de litigante de má fé nos seguintes termos: “diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”. Os pressupostos da litigância de má fé acham-se, assim, regulados no artigo 542.º do Código de Processo Civil, podendo distinguir-se aqueles que têm natureza subjectiva daqueles que têm natureza objectiva. Há litigância de má fé quando estão simultaneamente reunidos pressupostos das duas mencionadas naturezas. Relativamente aos pressupostos subjectivos da litigância de má fé, exigia-se tradicionalmente a actuação dolosa de uma das partes para o seu preenchimento e para justificar a condenação a esse título. Depois de 1 de Janeiro de 1997 - e como corolário da maior relevância atribuída aos deveres de cooperação aquando das alterações introduzidas pela Reforma de 1995/1996 - os pressupostos subjectivos da litigância de má fé alargaram-se, passando a abarcar também a actuação a título de negligência grosseira. Como se afirma no Acórdão da Relação do Porto de 15.12.2010[2], “o regime instituído após a última reforma do direito processual civil traduz uma substancial ampliação do dever de boa fé processual, alargando-se o tipo de comportamentos que podem integrar má fé processual, quer substancial, quer instrumental, tanto na vertente subjectiva como na objectiva. A condenação por litigância de má fé pode fundar-se, além de, numa situação de dolo, em erro grosseiro ou culpa grave”. Quanto aos pressupostos objectivos da condenação por litigância de má fé, é de distinguir a má fé substancial da má fé instrumental: existe má fé substancial se "o litigante usa de dolo ou má fé para obter decisão de mérito que não corresponde à verdade e à justiça" e má fé instrumental se "a parte procura sobretudo cansar e moer o seu adversário, ou somente pelo espírito de fazer mal, ou na expectativa condenável de o desmoralizar, de o enfraquecer, de o levar a uma transacção injusta"[3]. Como elucidam Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto[4], “é corrente distinguir má fé material (ou substancial) e má fé instrumental. A primeira relaciona-se com o mérito da causa: a parte, não tendo razão, actua no sentido de conseguir uma decisão injusta ou realizar um objectivo que se afasta da função processual. A segunda abstrai da razão que a parte possa ter quanto ao mérito da causa, qualificando o comportamento processualmente assumido em si mesmo”. A litigância de má fé surge como um instituto processual, de tipo público que visa o imediato policiamento do processo. Não se trata de uma manifestação de responsabilidade civil, que pretenda suprimir danos, ilícita e culposamente causados a outrem, através de atuações processuais. Antes corresponde a um subsistema sancionatório próprio, de âmbito limitado e com objetivos muito práticos e restritos. No essencial, não relevam todas e quaisquer violações de normas jurídicas, mas apenas as atuações tipificadas nas diversas alíneas do citado art.º 542º, nº 2; não é requerido dano: a conduta é punida em si, independentemente do resultado; exige-se dolo ou grave negligência, e não culpa lato sensu, em moldes civis; as consequências são apenas multa e, nalguns casos, indemnização calculada em moldes especiais (art.ºs 542º, nº 1 e 543º). A litigância de má fé pode levar à aplicação de duas sanções: a multa e a indemnização. Dará lugar à aplicação de uma multa processual, que pode ser decidida oficiosamente ou a requerimento da contraparte. Tal multa deve ser fixada pelo juiz, ponderando, designadamente, os efeitos sancionatórios por ela prosseguidos em função da violação da lei na regular tramitação do processo, a situação económica do sujeito passivo e as repercussões da sanção no seu património. Por outro lado, a litigância de má fé pode também conduzir à condenação no pagamento de uma indemnização. Como consta da informação da Sr.ª Escrivã referida em III.B., alínea f) – notificada aos mandatários dos recorrentes, e cujo conteúdo estes não desmentem -, “no dia 27-03-2024, da parte da tarde, compareceu neste Tribunal o ilustre mandatário, pedindo que se lhe disponibilizasse as gravações no CITIUS, o que de imediato foi feito, tendo lhe sido dito que caso pretendesse ser-lhe –ia facultada a gravação, também por CD, caso pretendesse, ao que o mesmo disse que não queria CD”. * Síntese conclusiva: ……………………………… ……………………………… ……………………………… * Pelo exposto, acordam as juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando o acórdão recorrido. Por litigarem de má fé ao interporem o presente recurso, condenam-se os recorrentes em multa de valor correspondente a 5 UC´s As custas da apelação são da responsabilidade dos recorrentes: artigo 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. Notifique. |