Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | FRANCISCA MOTA VIEIRA | ||
Descritores: | PROPRIEDADE HORIZONTAL OBRAS DE REPARAÇÃO PARTES COMUNS DANOS FRAÇÃO AUTÓNOMA PRAZO DE PRESCRIÇÃO | ||
Nº do Documento: | RP202407041199/21.8T8AMT.P1 | ||
Data do Acordão: | 07/04/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - A qualificação da obrigação que recai sobre o condomínio de providenciar pela reparação como obrigação propter rem que inegavelmente é, tem inúmeras consequências ao nível do seu regime jurídico. II - Uma delas, que se consubstancia num importante desvio em relação à disciplina geral dos vínculos de natureza creditória é não estarem as obrigações propter rem sujeitas a prescrição III - E isto essencialmente porque a obrigação nasce por mero efeito do estatuto de um direito real– in casu do direito de propriedade sobre uma fracção autónoma – pelo que mantendo-se a necessidade da reparação do objecto desse direito , a obrigação como que se renova a cada instante , e por conseguinte, a cada instante se renova o prazo em que pode ser exigido o respectivo cumprimento. IV - Relativamente a danos causados pelos vícios de uma parte comum de edifício constituído em regime de propriedade horizontal nas fracções dos condóminos impõe -se convocar o regime da responsabilidade civil extra-contratual, previsto nos arts 483º do C Civil. V - E nesta parte, impõe-se convocar, o regime do artigo 493º, nº 1, do Código Civil e o art 498º do CC no tocante à prescrição. VI - Da conjugação do art 498º do CC com a norma vertida no nº1 do art 306º CC resulta que esse prazo começa a correr quando o direito puder ser exercido, a significar que o início do prazo de contagem não está dependente do conhecimento jurídico, pelo lesado, do respectivo direito, antes pressupondo apenas que o lesado conheça os factos constitutivos desse direito, isto é, que saiba que o ato foi praticado ou omitido por outrem- saiba ele ou não o seu carácter ilícito-e desta prática ou omissão resultarem danos para si. VII - A propósito da determinação do dies a quo do respectivo prazo prescricional, se relativamente a atos instantâneos, em princípio se inicia logo a partir do cometimento da infracção, já relativamente a factos ilícitos continuados, porque o processo de violação do direito de outrem se mantém em aberto pelo comportamento ( positivo ou omissivo) ilícito do infractor, o Código Civil não consagra uma regra. VIII - Assim, relativamente a danos resultante de facto continuado, para operar a prescrição, compete ao réu - em conformidade com os critérios gerais de repartição de prova estabelecidos no art 342º do C.Civil - a demonstração dos factos reveladores que um concreto dano (resultante de facto continuado) ocorreu e chegou ao conhecimento dos autores-lesados em determinada data. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Processo: 1199/21.8T8AMT.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este-Juízo Local Cível de Amarante
Acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto
I.RELATÓRIO
1.Os autores AA e mulher BB intentaram a presente acção contra o réu “Condomínio ..., ...”, pedindo a condenação do réu a: Em arrimo da sua pretensão, traçaram os autores a seguinte narrativa fáctica:
- Os autores AA e mulher BB são donos da fracção autónoma identificada pela letra I, destinada a habitação, correspondente a uma habitação do tipo T-2 situada no 1.º andar direito frente, com terraço, garagem e arrecadação, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal denominado Edifício ..., sito na Rua ..., ..., freguesia ..., Amarante, inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito sob o n.º ...... registado a seu favor, pela Ap. ... de 02/06/2014, por compra a CC e DD. - Por carta registada datada de 20 de Julho de 2020, os autores alertaram o réu, para a necessidade de obras no terraço. - Em assembleia de condóminos realizada a 11 de Março de 2019, foi deliberado que, numa reunião posterior, seriam propostos e discutidos orçamentos, para se proceder às reparações/obras necessárias. - No dia 3 de Agosto de 2020, na assembleia de condóminos, os autores advertiram a administração do condomínio e condóminos presentes para o avançar dos danos na habitação dos Autores e as constantes infiltrações ficando decidido que as obras se iriam iniciar rapidamente no terraço. - Em finais de 2018, surgiram infiltrações de água na fracção dos autores, provindas do terraço de cobertura; - Em consequência da entrada de água na fracção, o soalho, as tijoleiras, das soleiras das portas, os caixilhos das portas e janelas e a tinta das paredes levantaram e descolaram; - As paredes ficaram cobertas de bolor e fungos, descascando e abrindo fissuras e exalando cheiro a mofo; - O mesmo sucedendo com os móveis; - Incluindo as áreas circundantes das tomadas elétricas podendo ocasionar curto-circuitos; - Em consequência das infiltrações, as lâmpadas fundem várias vezes: - Os autores têm procedido a lavagens com lixívias, amoníaco, e produtos afins e a pinturas (que logo “descascam”), o que lhes causa desgaste físico e emocional; - As roupas que estão guardadas nos armários ficam com cheiro a caruncho, procedendo os autores, ainda que não a usando, a lavagens consecutivas; - A fracção tornou-se fria e húmida, ocasionando estados gripais aos autores; - A reparação dos estragos importa em € 3.985 euros; - E os réus não a podem obter sem a prévia eliminação dos focos de entrada da água pelo terraço; - Os autores evitam permanecer nos quartos e sala de estar face à humidade, cheiro a mofo e descolamento do chão e paredes, privando-se de receber amigos e familiares, o que lhes causa tristeza, desânimo, desgaste emocional e desgosto; - O réu sempre reconheceu aos autores que as obras no terraço e no interior da fracção teriam de ser feitas a expensas do condomínio.
2.Citado o réu, o mesmo defendeu-se por excepção, esgrimindo a excepção peremptória de prescrição, alegando que as infiltrações do prédio ocorreram antes de Setembro de 2018 com o que tendo o réu sido citado em 3 de Setembro de 2021, o prazo de prescrição do art. 498 n.º 1 do CC já se teria excutido e no mais defendeu-se por impugnação, invocando desconhecimento quanto à origem das infiltrações nas partes comuns, embora reconheça que todas fracções padecem de entrada de água e humidade, devido à má construção do edifício e preconizando que os autores poderiam ter usado da faculdade de serem eles a realizar as obras urgentes nas partes comuns, nos termos do art. 1427 do CC, em ordem a minorar os estragos no interior da sua fracção autónoma. 3. Os autores pronunciaram-se.
4.Efectuou-se audiência prévia.
5.Realizou-se audiência de julgamento e foi proferida sentença que julgou a presente acção parcialmente procedente, por provada e, por conseguinte, condeno o réu Condomínio ..., ...”, a: a)Reconhecer a existência das patologias verificadas nas partes comuns do prédio; b)Eliminar e reparar definitivamente as patologias existentes nas partes comuns e os danos que estas provocaram na fracção dos autores e referidos nos arts. 21 e 41 da petição: Absolvendo o réu do restante pedido.
6.Inconformado, o réu interpôs recurso de apelação e concluiu nos termos que a seguir se reproduzem:
1. Vem o presente recurso interposto por discordar o Recorrente do sentido da Douta sentença. 2. É convicção do Recorrente que a sentença enferma de erro de julgamento, o que decorre da incorreta apreciação de toda a prova junta e produzida nos autos e daí o inconformismo do mesmo. 3. Sem embargo da muita consideração pelo Tribunal “a quo”, entende e defende o Recorrente que a Sentença ora em crise é nula por falta de fundamentação de facto e de direito. 4. Com efeito, do teor da decisão recorrida não possível alcançar o quadro factual e jurídico subjacente ao sentido decisório contido na mesma decisão, nomeadamente não é possível alcançar que a Juiz a quo tenha definido concretamente a matéria de facto relevante para a decisão da causa, discriminando ainda a factualidade não considerada provada, apreciando ainda os meios probatórios produzidos, designadamente do ponto de vista documental, pericial e testemunhal. 5. Ora, conforme se pode aferir na sentença em crise, o Tribunal a quo na “fundamentação” de facto e análise crítica da prova limitou-se, tão só, a transcrever os depoimentos das testemunhas e dos Autores, bem como limitou-se a transcrever as respostas aos quesitos do Relatório de Peritagem. 6. Ficando por se efetuar uma verdadeira análise crítica da prova produzida e junta aos autos, não sendo possível ao Recorrente, como se impunha, a perceção das razões que, de facto, estiveram na base da decisão recorrida. 7. Subsequentemente, na mesma decisão, não se subsumiu a factualidade assente ao Direito, não se tendo, na opinião do Recorrente, fundamentando juridicamente a decisão em causa. 8. Com efeito, quando se confrontado, por exemplo, com a decisão de direito quanto à matéria de exceção, percebe-se que o Tribunal a quo se limitou a transcrever jurisprudência naquele sentido, não tendo efetuado a inerente subsunção do enquandramento doutrinário e jurisprudencial ao caso sub judice, nomeadamente à prova produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento. 9. Porque tal não ocorre, e nesta perspetiva, ainda que se equacione que existe fundamentação – que na realidade não existe - , a realidade é que o contido na sentença é bastante parco para a decisão que ali era suposto ser proferida, sendo certo que não é claro o enquadramento factual tido por assente, assim como o quadro normativo aplicável e subjacente à decisão, não permitindo, pois, aos respetivos destinatários exercer, de forma efetiva e cabal, a sua análise e a sua crítica. 10. Veja-se que, o tribunal a quo apenas se limitou, no que concerne ao depoimento das testemunhas e às declarações dos Autores, a transcrever parte dos seus depoimentos, sem sequer tecer quaisquer considerações relativamente aos seus depoimentos e à valoração dos mesmos. 11. Em boa verdade, o Tribunal a quo nem sequer logrou concretizar qual a motivação que o levou a considerar como provados os factos dados como provados e não provados os factos dados como não provados. 12. Deste modo, conclui o Recorrente que tal existe uma absoluta ausência de fundamentação, tanto de facto como de direito, sendo, assim, a decisão em crise nula por falta de fundamentação. 13. Por outro lado, entende ainda o Recorrente existe nulidade da sentença por a sua fundamentação estar em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível. Com efeito, 14. Tendo o tribunal a quo provado que: “Anteriormente a 2018, e com início em 2015, surgiram infiltrações de água na fracção dos autores, provindas do terraço de cobertura”, sempre teria a exceção da caducidade do direito ter sido julgada procedente; 15. Sem prescindir, no caso em apreço, resulta dos factos provados nos autos que, “Anteriormente a 2018, e com início em 2015, surgiram infiltrações de água na fracção dos autores, provindas do terraço de cobertura;” 16. Assim, tendo os Recorridos denotado as infiltrações no seu apartamento em 2015, as quais foram relatadas ao condomínio desde logo, conforme alegado pelo Recorrido marido, porquanto derivavam do terraço, parte comum do prédio, o prazo de três anos contava-se a partir dessa data. 17. Pelo que, à data da citação do Recorrente, isto é, em 3 de Setembro de 2021, o prazo de prescrição do artigo 498º, n.º 1 do Código Civil, já se encontrava prescrito. 18. Sendo que, ainda que se equacione que estamos perante um facto ilícito (ativo ou omisso) continuado, a verdade é que da prova produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, bem como da prova junta aos autos, não resulta que com o decorrer dos anos tenham surgidos novos danos e, nem tão pouco, que os danos existentes tiveram um agravamento ou que os mesmos resultam de um processo evolutivo. 19. Em momento algum foi referido pelos Autores, que os danos existentes na sua fração têm vindo a sofrer qualquer agravamento com o passar dos anos ou que, os mesmos, foram ficando notórios progressivamente. 20. Ademais, contrariamente ao que se pretende fazer crer, quando a testemunha EE refere que a humidade passou a ser notória com o passar dos anos, a mesma referia-se, tão só, às infiltrações existente no soalho da fração dos Autores, o qual estava a levantar. 21. Sucede que, a testemunha EE concretiza e limita a expressão que utilizou - “passar dos anos” - até 2016/2017, anos em que, segundo a mesma, os danos na fração dos Autores ficaram notórios. 22. O recorrente logrou fazer prova de que, pelo menos desde 2017, os danos sofridos no interior da fração dos Autores são os mesmos que se encontram a ser atualmente reclamados, inexistindo qualquer suporte probatório nos autos que permita concluir que esses mesmos danos tenham sofrido qualquer agravamento. 23. desde a entrada da Petição Inicial que nunca os Recorridos vieram reclamar em juízo quaisquer novos danos ou, tão pouco, pugnar pela existência de qualquer agravamento aos já existentes àquela data (16 de Agosto de 2021). 24. Em face do supra exposto, sempre seria de concluir que o último dano existente na fração dos Recorridos surgiu em 2017, pelo que, à data da citação do Recorrente, o prazo de prescrição do artigo 498º, n.º 1 do Código Civil, já se encontrava ultrapassado. 25. Acresce que, contrariamente ao fundamentado na Sentença em crise, entende e defende o Recorrente que logrou fazer correspectividade cronológica e temporal entre as omissões de realização das obras necessárias e os danos ocorridos. 26. Sendo que, provando-se que os danos reclamados pelos Autores surgiram entre os anos de 2015 e 2017 e inexistindo nos autos qualquer elemento que permita concluir que ocorreu um agravamento desses mesmos danos, sempre será de concluir que, à data da citação do Recorrido, já tinha decorrido o prazo de 3 anos e, como tal, já havia decorrido a prescrição do direito indemnizatório reclamado. Sem prescindir, 27. da factualidade revelada nos autos não resulta que, na assembleia de condóminos realizada no dia 3 de Agosto de 2020, os autores tenham advertido a administração do condomínio e os condóminos presentes para o avançar dos danos na habitação dos Autores, pelo que, sempre terá o facto C dado como provado alterado, por diferente subsunção do jurídica aos factos. 28. Ademais, da factualidade revelada nos autos não resulta que as paredes da fração dos Autores ficaram cobertas de bolor e fungos, descascando e abrindo fissuras e exalando cheiro a mofo. 29. Acresce que, da prova produzida e junta aos presentes autos, não surge como provado que os danos constantes dos factos dados como provados em 3 parcialmente (As paredes ficaram cobertas de bolor e fungos), 4, 5 e 6, provêm das infiltrações provindas do terraço de cobertura e/ou das partes comuns do edifício. 30. Consequentemente, para que pudesse ser imputada responsabilidade civil ao Recorrente, impunha-se que se tivesse comprovado que existe uma ligação (nexo) entre a conduta do lesante (Réu) e o dano sofrido pelo lesado 31. neste caso, entende o Recorrente que os factos dados como provados em 3 a 7, só ocorreram por circunstâncias excecionais/extraordinárias e alheias às infiltrações provindas das partes comuns. 32. Assim, os factos 3 a 7 deverão merecer uma resposta negativa, ou seja, dados como não provados, e em face dessa alteração, que julga conveniente e acertada, a revogação da decisão parcialmente procedente, por diferente subsunção jurídica aos factos que deveriam ter sido dados como NÃO PROVADOS! 33. Nestes termos, a considerar-se que o aqui Recorrente é responsável pela reparação dos danos existentes na fração dos Autores, o que apenas se equaciona por mera cautela, nunca poderá ser o mesmo condenado a efetuar a reparação dos danos elencados nos factos 3 a 7 dados como provados. Por todo o exposto, Deve ser julgado procedente o presente recurso e, em consequência: a) Ser a sentença em crise nula por falta de fundamentação de facto e de direito que a justificam; b) Ser a sentença em crise nula por a sua fundamentação direito estar em oposição com a decisãoouocorraalguma ambiguidadeou obscuridade que torna a decisão ininteligível; Ou, c) Ser julgada procedente, por verificada, a exceção da prescrição do direito; Ou, d)Ser reapreciada a prova produzida em audiência e junta aos autos, e, em face disso, modificado o douto acórdão no que respeita à responsabilidade pelos danos na fração dos Autores, tudo nos termos alegados, de modo a ser feita sã, serena e objetiva justiça!
7.Foram apresentadas contra–alegações. 8.Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II.DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO.
As questões suscitadas nas conclusões recursórias são as seguintes:
A) Da Nulidade da Sentença Da nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto e de direito que a justificam Da nulidade da sentença por a sua fundamentação estar em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível.
B) Da Impugnação da Decisão de Facto
C) Da prescrição;
III.FUNDAMENTAÇÃO.
3.1.Das alegadas Nulidades da Sentença. O recorrente afirma que a sentença recorrida é nula por falta de fundamentação de facto e de direito que a justificam. Para tanto alega que do teor da decisão recorrida não é possível alcançar o quadro factual e jurídico subjacente ao sentido decisório contido na mesma decisão, que o juiz do tribunal recorrido não fez a análise crítica da prova limitando-se, tão só, a transcrever os depoimentos das testemunhas e dos Autores, bem como limitou-se a transcrever as respostas aos quesitos do Relatório de Peritagem, ficando por se efetuar uma verdadeira análise crítica da prova produzida e junta aos autos, não sendo possível ao Recorrente, como se impunha, a perceção das razões que, de facto, estiveram na base da decisão recorrida e alega que o julgador do tribunal a quo não subsumiu a factualidade assente ao Direito, não se tendo, na opinião do Recorrente, fundamentando juridicamente a decisão em causa. Mais alega que existe nulidade da sentença por a sua fundamentação estar em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível. Para tanto, alega que tendo o tribunal a quo provado que: “Anteriormente a 2018, e com início em 2015, surgiram infiltrações de água na fracção dos autores, provindas do terraço de cobertura”, sempre teria a exceção da caducidade do direito ter sido julgada. Apreciando e decidindo: As causas de nulidade da sentença encontram-se enumeradas, de forma taxativa, no artigo 615º do Código de Processo Civil, dispondo esse preceito, aplicável aos acórdãos proferidos pela Relação, por força do n.º 1 do artigo 666.º do mesmo Código, que, para além das demais situações contempladas nesse normativo, é nula a sentença quando não especifique ao fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (alínea b), e os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (nº 1, al. c). É, desde há muito, entendimento pacífico, que as nulidades da decisão não incluem o erro de julgamento seja de facto ou de direito: as nulidades típicas da sentença reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de actividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal. Resulta do disposto no artigo 607º, n.º 3, do Código de Processo Civil que, na elaboração da sentença, e após a identificação das partes e do tema do litígio, deve o juiz deduzir a fundamentação do julgado, explicitando “os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.” Por seu turno, sancionando o incumprimento desta injunção, prescreve o artigo 615º, n.º 1, al. b), do CPC que é nula a sentença que “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”. Como é sabido e é salientado na doutrina (A. Varela, M. Bezerra e S. Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, p. 687) a nulidade da sentença a que se refere a al. b) do citado normativo refere-se apenas à falta absoluta de motivação de facto ou de direito. É preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito. De resto, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.” O Prof. José Alberto Reis, (Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1981, Vol. V, pág. 140), a propósito da especificação dos fundamentos de facto e de direito na decisão, salientava que importa proceder-se à distinção cuidadosa entre a “falta absoluta de motivação, da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.” Quanto à alegada nulidade da sentença por alegada oposição entre os fundamentos e a decisão, importa assinalar que causa de nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. c), ocorre quando “há um vício real de raciocínio do julgador em que a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente.” De resto, saber se o enquadramento jurídico feito no acórdão e a conclusão a que nele se chegou são, ou não, acertados ou injustos, constitui matéria de que não cabe curar em sede de nulidade de sentença/acórdão. Trata-se de questão a envolver eventual erro de julgamento e nunca fundamento de nulidade do acórdão, que se prende tão só com a estrutura formal da decisão. (neste sentido acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 26.1.2017, Procº nº 8838/12.0T8BVNG.P2.S1)
.Posto isto, analisada a sentença recorrida, no segmento da decisão de facto que inclui a motivação, e no segmento da análise jurídica das questões jurídicas, resulta para nós que não assiste razão ao recorrente. Efectivamente, independentemente do estilo próprio do julgador da 1ª instância na abordagem das questões que lhe foram colocadas, com recurso a citações extensas de arestos de Tribunais Superiores, verificamos que a sentença recorrida está fundamentada. Assim, no segmento da decisão de facto, a sentença recorrida contém a descrição dos factos provados e não provados e motivação respectiva, bem como, a análise jurídica das questões suscitadas na presente ação, resultando da análise da motivação de facto os meios de prova que relevaram para o jugador a quo julgar provados e não provados os factos enunciados na decisão de fato. No segmento da fundamentação jurídica, o julgador a quo, enunciou nas alíneas A), B) e C) as questões que importava abordar e decidir, convocou a jurisprudência que entendeu pertinente e decidiu as questões de modo que resultaram percetíveis para nós os argumentos jurídicos utilizados. Assim, sem necessidade de mais considerações, afigura-se-nos que não esta verificada a alegada nulidade da sentença por alegada falta de fundamentação de facto e jurídica. Quanto à alegada nulidade da sentença por alegada oposição entre a fundamentação e decisão, reportando-nos ao caso dos autos, resulta para nós que não assiste razão ao recorrente na parte em que alega que o facto vertido no item 1º dos factos provados( Anteriormente a 2018, e com início em 2015, surgiram infiltrações de água na fracção dos autores, provindas do terraço de cobertura”,) sempre conduziria à procedência da exceção da prescrição ( aqui corrigimos a alegação do recorrente, uma vez que não se trata de caducidade mas sim de prescrição). Como resulta da fundamentação da sentença a causa das infiltrações de água na fracção dos autores, provindas do terraço de cobertura, reside na omissão ilícita e continuada por parte do réu-recorrente da execução de obras de reparação do terraço da cobertura, parte comum do edifício em propriedade horizontal, com o natural agravamento dos danos verificados na fracção dos autores. Nesse contexto, como resulta da fundamentação da sentença, para operar a prescrição, competiria à ré-recorrente- em conformidade com os critérios gerais de repartição dos ónus da prova estabelecidos no art 342º do CC- a alegação e prova que um concreto dano ( resultante daquele facto continuado) ocorreu e chegou ao conhecimento do lesado em determinada data e que entre essa data e a data da citação para esta ação já haviam decorrido mais de três anos. E como refere a sentença, porque o réu nada alegou nem demonstrou nesse sentido, não poderia proceder a referida exceção perentória da prescrição. Em consequência do exposto, a sentença recorrida também não padece da nulidade a que alude a al. c) do art 615º CPC.
3.2.Na 1ª instância foram julgados provados e não provados os seguintes factos: FACTOS PROVADOS Provenientes do Saneador A Os autores AA e mulher BB são donos da fracção autónoma identificada pela letra I, destinada a habitação, correspondente a uma habitação do tipo T-2 situada no 1.º andar direito frente, com terraço, garagem e arrecadação, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal denominado Edifício ..., sito na Rua ..., ..., freguesia ..., Amarante, inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito sob o n.º ...... registado a seu favor, pela Ap. ... de 02/06/2014, por compra a CC e DD. B Por carta registada datada de 20 de Julho de 2020, os autores alertaram o réu, para a necessidade de obras no terraço. C Em assembleia de condóminos realizada a 11 de Março de 2019, foi deliberado que, numa reunião posterior, seriam propostos e discutidos orçamentos, para se proceder às reparações/obras necessárias. No dia 3 de Agosto de 2020, na assembleia de condóminos, os autores advertiram a administração do condomínio e condóminos presentes para o avançar dos danos na habitação dos Autores e as constantes infiltrações ficando decidido que as obras se iriam iniciar rapidamente no terraço.
Provenientes da audiência de julgamento 1-Anteriormente a 2018, e com início em 2015, surgiram infiltrações de água na fracção dos autores, provindas do terraço de cobertura; 2-Em consequência da entrada de água na fracção, o soalho, as tijoleiras, das soleiras das portas, os caixilhos das portas e janelas e a tinta das paredes levantaram e descolaram; 3-As paredes ficaram cobertas de bolor e fungos, descascando e abrindo fissuras e exalando cheiro a mofo; 4-O mesmo sucedendo com os móveis; 5-Incluindo as áreas circundantes das tomadas elétricas podendo ocasionar curto-circuitos; 6-As roupas que estão guardadas nos armários ficam com cheiro a caruncho, procedendo os autores, ainda que não a usando, a lavagens consecutivas; 7-A fracção tornou-se fria e húmida; 8-A reparação dos estragos referidos em 2 a 5 importa em € 3.985 euros (com base no relatório pericial); 9-E os réus não a podem obter sem a prévia eliminação dos focos de entrada da água pelo terraço; 10-Os autores evitam permanecer nos quartos e sala de estar face à humidade, cheiro a mofo e descolamento do chão e paredes, privando-se de receber amigos e familiares, o que lhes causa tristeza, desânimo, desgaste emocional e desgosto; 11-O réu sempre reconheceu aos autores que as obras no terraço teriam de ser feitas a expensas do condomínio:
Factos não provados: 1 parte (que as infiltrações no interior da fracção dos autores emergissem só em finais de 2018), 6 e 7 (ninguém fez qualquer alusão a lâmpadas fundidas, lavagens com lixívia e amoníaco e pinturas), 9 parte (ninguém referiu estados gripais ocasionados aos autores), 13 parte (o réu sempre reconheceu aos autores que as obras no terraço teriam de ser feitas a expensas do condomínio, mas, ao invés, jamais aceitou ou reconheceu que as obras no interior da fracção dos autores pudessem ser feitas a expensas do condomínio), 14.No que tange à longevidade e antiguidade das infiltrações no interior da fracção dos autores, note-se que é a própria sobrinha dos autores que vai ao apartamento arejar a casa, limpar os roupeiros e ligar os desumidificadores que situa a entrada de humidade, logo a seguir à compra em 2014, tendo a pintura começado a descolar logo em 2015 “tudo se tendo agravado com o decurso dos anos”.
3.3 Da impugnação da decisão de facto:
Nas conclusões recursórias o recorrente indica como factos impugnados os factos vertidos na al C) e nos itens 3 a 7 dos factos provados, pugnando pela alteração do facto vertido na al C) e pelo julgamento dos factos vertidos nos itens 3º a 7º dos fatos provados como não provados.
Reproduzem-se aqui as conclusões recursórias que indicam os itens da decisão de facto que estão impugnados.
“27. da factualidade revelada nos autos não resulta que, na assembleia de condóminos realizada no dia 3 de Agosto de 2020, os autores tenham advertido a administração do condomínio e os condóminos presentes para o avançar dos danos na habitação dos Autores, pelo que, sempre terá o facto C dado como provado alterado, por diferente subsunção do jurídica aos factos. 28. Ademais, da factualidade revelada nos autos não resulta que as paredes da fração dos Autores ficaram cobertas de bolor e fungos, descascando e abrindo fissuras e exalando cheiro a mofo. 29. Acresce que, da prova produzida e junta aos presentes autos, não surge como provado que os danos constantes dos factos dados como provados em 3 parcialmente (As paredes ficaram cobertas de bolor e fungos), 4, 5 e 6, provêm das infiltrações provindas do terraço de cobertura e/ou das partes comuns do edifício. 30. Consequentemente, para que pudesse ser imputada responsabilidade civil ao Recorrente, impunha-se que se tivesse comprovado que existe uma ligação (nexo) entre a conduta do lesante (Réu) e o dano sofrido pelo lesado”
Para o efeito o recorrente alegou: Relativamente à al. C): convocou O documento n.º 52 junto com a Petição Inicial, o qual corresponde à Ata n.º ..., nomeadamente o ponto n.º 4 da ordem de trabalhos. Alega que desse documento apenas resulta que a Administração apenas informou os condóminos presentes na Assembleia de Condomínio que, mais uma vez, havia sido notificada pela Advogada da fração “I” (propriedade dos Autores), onde reclama os danos na fração. Conclui, pedindo a alteração da redacção dessa al C) passando a mesma a ter a seguinte redação: “C. Em assembleia de condóminos realizada a 11 de Março de 2019, foi deliberado que, numa reunião posterior, seriam propostos e discutidos orçamentos, para se proceder às reparações/obras necessárias. No dia 3 de Agosto de 2020, na assembleia de condóminos, os autores, representados pela sua Mandatária, advertiram, mais uma vez, a administração do condomínio e condóminos presentes para os danos existentes na habitação dos Autores e as constantes infiltrações ficando decidido que as obras se iriam iniciar rapidamente no terraço.”
No tocante aos itens 3º a 7º dos fatos provados o recorrente convocou as declarações de parte da autora, BB, as declarações de parte do autor, AA, , ambas prestadas a 12.09.2022, depoimento de EE, sobrinha do autor, prestado a 12.09.2022, alegando que desses meios de prova resulta que a humidade e o frio sentidos na fracção dos recorridos tem como causa o facto da casa não ser habitada e estar fechada durante quase todo o ano e sobretudo durante o inverno.
.Porque os requisitos do art 640º do CPC estão minimamente satisfeitos admitimos a impugnação da decisão de facto com respeito aos itens indicados.
Assim, procedemos à reprodução da gravações daqueles meios de prova e no essencial registamos que o relato que a propósito se faz na motivação da decisão de facto retracta de modo fidedigno o conteúdo dessas declarações e depoimento.
E da reapreciação desses meios de prova este colectivo de juízes formou um juízo probatório acerca dos factos vertidos nos itens 3º a 7º dos factos provados idêntico àquele que foi alcançado pelo julgador da primeira instância, assinalando-se que, contrariamente à pretensão do recorrente não nos convencemos que os danos descritos nos itens 3º a 7º dos factos provados só ocorreram por circunstâncias excecionais/extraordinárias e alheias às infiltrações provindas das partes comuns.
Assim, quanto aos itens 3º a 7º dos fatos provados a impugnação da decisão de facto não merece provimento.
Todavia, por forma a revelar de forma clara a existência de um nexo causal verificado pelo tribunal de comarca e por nós entre as infiltrações provindas do terraço de cobertura e os danos no interior da fracção dos autores descritos nos ites 2º a 7º, determinamos que os itens 2º a 7º dos factos provados passam a ter a seguinte redacção:
«2.A entrada de água na fracção dos autores a provinda do terraço da cobertura provocou na fracção os seguintes danos: . o soalho, as tijoleiras, das soleiras das portas, os caixilhos das portas e janelas e a tinta das paredes levantaram e descolaram; .as paredes ficaram cobertas de bolor e fungos, descascando e abrindo fissuras e exalando cheiro a mofo; .o mesmo sucedendo com os móveis; .incluindo as áreas circundantes das tomadas elétricas podendo ocasionar curto-circuitos; .as roupas que estão guardadas nos armários ficam com cheiro a caruncho, procedendo os autores, ainda que não a usando, a lavagens consecutivas; .a fracção tornou-se fria e húmida;»
Relativamente aos factos vertidos na al. C) dos factos provados, reapreciamos o documento junto à petição inicial como nº52, correspondente à ATA nº..., relativa à Assembleia Geral de Condóminos do edifício ..., ..., realizada no dia 3.08.2020.
E dessa reapreciação resulta que, fazia parte da ordem de trabalhos a apresentação e discussão de orçamento para a reparação de terraços e varandas e que nessa ata foi escrito entre o mais o seguinte :antes de discutir este ponto foram informados os presentes que a administração do condomínio foi notificada uma vez mais, pela advogada da fracção I ( dos autores ) onde reclama os danos da fracção. Resulta desse documento também que por unanimidade dos condóminos presentes, ficou decidido fazer uma participação ao seguro do condomínio para que seja feita uma peritagem ao interior da fracção em questão e fazer recolha de orçamentos para execução dos trabalhos para reparação de terraços e varandas.
Assim, concedemos parcial provimento a esta parte da impugnação da decisão de facto e determinamos com fundamento na reapreciação desse documento que a al. C) dos fatos provados passa a ser a seguinte: “C - Em assembleia de condóminos realizada a 11 de Março de 2019, foi deliberado que, numa reunião posterior, seriam propostos e discutidos orçamentos, para se proceder às reparações/obras necessárias. No dia 3 de Agosto de 2020, na assembleia de condóminos, os autores, representados pela sua Mandatária, reclamaram, mais uma vez, perante a administração do condomínio e condóminos presentes dos danos existentes na habitação dos Autores e por unanimidade dos condóminos presentes , ficou decidido fazer uma participação ao seguro do condomínio para que seja feita uma peritagem ao interior da fracção em questão e fazer recolha de orçamentos para execução dos trabalhos para reparação de terraços e varandas.”
3.4 Factos provados e não provados após apreciação da impugnação da decisão de facto: Provenientes do Saneador. A.Os autores AA e mulher BB são donos da fracção autónoma identificada pela letra I, destinada a habitação, correspondente a uma habitação do tipo T-2 situada no 1.º andar direito frente, com terraço, garagem e arrecadação, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal denominado Edifício ..., sito na Rua ..., ..., freguesia ..., Amarante, inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito sob o n.º ...... registado a seu favor, pela Ap. ... de 02/06/2014, por compra a CC e DD. B Por carta registada datada de 20 de Julho de 2020, os autores alertaram o réu, para a necessidade de obras no terraço. “C - Em assembleia de condóminos realizada a 11 de Março de 2019, foi deliberado que, numa reunião posterior, seriam propostos e discutidos orçamentos, para se proceder às reparações/obras necessárias. No dia 3 de Agosto de 2020, na assembleia de condóminos, os autores, representados pela sua Mandatária, reclamaram, mais uma vez, perante a administração do condomínio e condóminos presentes dos danos existentes na habitação dos Autores e por unanimidade dos condóminos presentes , ficou decidido fazer uma participação ao seguro do condomínio para que seja feita uma peritagem ao interior da fracção em questão e fazer recolha de orçamentos para execução dos trabalhos para reparação de terraços e varandas.”
Provenientes da audiência de julgamento 1-Anteriormente a 2018, e com início em 2015, surgiram infiltrações de água na fracção dos autores, provindas do terraço de cobertura; «2.A entrada de água na fracção dos autores a provinda do terraço da cobertura provocou na fracção os seguintes danos: . o soalho, as tijoleiras, das soleiras das portas, os caixilhos das portas e janelas e a tinta das paredes levantaram e descolaram; .as paredes ficaram cobertas de bolor e fungos, descascando e abrindo fissuras e exalando cheiro a mofo; .o mesmo sucedendo com os móveis; .incluindo as áreas circundantes das tomadas elétricas podendo ocasionar curto-circuitos; .as roupas que estão guardadas nos armários ficam com cheiro a caruncho, procedendo os autores, ainda que não a usando, a lavagens consecutivas; .a fracção tornou-se fria e húmida;» 3-A reparação dos estragos referidos em 2 importa em € 3.985 euros (com base no relatório pericial); 4-E os réus não a podem obter sem a prévia eliminação dos focos de entrada da água pelo terraço; 5-Os autores evitam permanecer nos quartos e sala de estar face à humidade, cheiro a mofo e descolamento do chão e paredes, privando-se de receber amigos e familiares, o que lhes causa tristeza, desânimo, desgaste emocional e desgosto; 6-O réu sempre reconheceu aos autores que as obras no terraço teriam de ser feitas a expensas do condomínio.
3.5.Do Mérito da Sentença recorrida.
3.5.1.Da Prescrição.
Invocou o Réu a prescrição do direito dos Autores.
A prescrição é uma forma de extinção de direitos (e dos correspondentes deveres) em consequência do seu não exercício durante um determinado período de tempo. Encontra-se referida no n.º 1 do artigo 298.º e regulada, enquanto instituto geral, nos artigos 300.º a 327.º do Código Civil. O regime jurídico da prescrição é um regime injuntivo que não pode ser afastado ou modelado pelas partes no negócio jurídico. O beneficiário da prescrição tem a faculdade de se opor ao exercício do direito prescrito. No entanto, se ultrapassado o prazo da prescrição o beneficiário cumprir a obrigação prescrita, com ou sem conhecimento do decurso do prazo de prescrição, não poderá mais tarde vir alegar que cumpriu indevidamente. A prescrição é uma exceção perentória cuja verificação determina a absolvição do pedido nas ações judiciais. No entanto, não pode ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, já que carece de ser invocada por aquele a quem aproveita, como decorre do artigo 303.º do Código Civil.
Cumpre apreciar e decidir.
E antes do mais, porque releva para a solução a adoptar, importa referir que os autores vieram exigir do Condomínio, por um lado, o cumprimento da obrigação legal que sobre este impende de realizar nas partes comuns do prédio sujeito ao regime da propriedade horizontal as obras de reparação e eliminação das causas de infiltrações das águas e, por outro, o direito dos autores à reparação/indemnização pelos danos que aquelas infiltrações causaram na sua fracção e aos bens nela existentes.
1..Assim, na primeira situação “está em causa o (in) cumprimento de uma obrigação do condomínio, composto pelo conjunto dos condóminos, de custear as despesas de conservação e fruição das partes comuns do edificio[1], obrigação que tanto abrange as obras necessárias à estrita manutenção do estado de conservação das partes comuns do prédio, como as obras necessárias à estrita manutenção do estado de conservação das partes comuns. Essa obrigação deve ser concretizada mediante a intervenção dos órgãos próprios do condomínio, isto é, a assembleia de condóminos e o administrador, dentro do âmbito das respectivas competências- cfr, designadamente, o art 1430º nº1 e art 1436º, al. f), ambos do C.Civil. E trata-se de uma obrigação legal inerente ao regime específico da propriedade horizontal previsto nos artigos 1414º e SS do Código Civil. Esta obrigação configura-se como obrigação propter rem. “O estatuto do direito real fixa os poderes que ao titular é permitido exercer sobre a res e as restrições ou limites a que esse exercício fica sujeito. Mas, a par disto, o estatuto do direito também pode impor ao titular, e impõe com frequência, deveres de conteúdo positivo. (...) É precisamente em relação a estes últimos que deve falar-se de obrigações reais, ob rem ou propter rem. Trata-se de vínculos jurídicos por virtude dos quais uma pessoa, na qualidade de titular de um direito real, fica adstrita para com outra, titular ou não por sua vez de um ius in re, à realização de uma prestação de dare ou de facere”.[2] As obrigações propter rem funcionam como a carga passiva ou o preço de que a lei faz depender para protecção de interesses vários, a atribuição da soberania. Estará nessas circunstâncias a obrigação de reparar a coisa comum ou as partes comuns do edifício que constitua objecto da propriedade horizontal.[3] A qualificação da obrigação que recai sobre o condomínio de providenciar pela reparação como obrigação propter rem que inegavelmente é, tem inúmeras consequências ao nível do seu regime jurídico. Uma delas, que se consubstancia num importante desvio em relação à disciplina geral dos vínculos de natureza creditória é não estarem as obrigações propter rem sujeitas a prescrição[4] E isto essencialmente porque a obrigação nasce por mero efeito do estatuto de um direito real– in casu do direito de propriedade sobre uma fracção autónoma – pelo que mantendo-se a necessidade da reparação do objecto desse direito , a obrigação como que se renova a cada instante , e por conseguinte, a cada instante se renova o prazo em que pode ser exigido o respectivo cumprimento.
Trata-se de uma obrigação legal, inerente ao regime específico da propriedade horizontal previsto nos arts 1414º e ss do C.Civil, cujo cumprimento pode ser exigido a qualquer momento, se e enquanto as obras de conservação/ reparação não tiverem tido lugar e mesmo se essas obras já tiverem sido realizadas mas não se mostrarem eficazes para assegurar os objectivos de conservação e fruição da partes comuns do edifício.
Posto isto, reportando-nos ao caso dos autos resulta que relativamente a esta obrigação do condomínio, estamos perante um facto ilícito continuado por parte do Réu-condomínio que permanecia à data da propositura da ação e permanece, pelo que, a obrigação de reparação das partes comuns tem -se vindo a renovar perante a continuidade daquele facto facto ilícito.
Assim, relativamente a esta obrigação do condomínio o direito dos autores não prescreveu, porquanto, não tendo cessado o facto ilícito traduzido na omissão de reparação das partes comuns renova-se a cada instante o direito dos autores-recorridos à reparação da parte da parte comum onde tem origem as infiltrações. Concluímos assim nesta parte pela improcedência da arguida exceção da prescrição, confirmando neste segmento a sentença recorrida.
2.Relativamente aos danos da segunda espécie, concretizados nos danos que as infiltrações de água causaram na fracção dos autores-recorridos indicados nos artigos 21º e 41 da petição a situação é distinta porquanto aqui o pedido funda-se na responsabilidade civil extra-contratual, cujo regime convoca os arts 483º do C Civil. E nesta parte, impõe-se convocar, [5] o regime do artigo 493º, nº 1, do Código Civil, pelo qual se responsabiliza “quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar” relativamente aos danos causados na coisa, “salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que houvesse culpa sua”. No que se refere às partes comuns do edifício, o dever de vigilância incide naturalmente sobre o R. condomínio”. O que, em matéria de prescrição convoca a aplicação do art 498º do CCivil, que, no seu nº1 preceitua que “ O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.”
Acresce que da conjugação desta norma com a norma vertida no nº1 do art 306º CC resulta que esse prazo começa a correr quando o direito puder ser exercido, a significar que o início do prazo de contagem não está dependente do conhecimento jurídico, pelo lesado, do respectivo direito, antes pressupondo apenas que o lesado conheça os factos constitutivos desse direito, isto é, que saiba que o ato foi praticado ou omitido por outrem- saiba ele ou não o seu carácter ilícito-e desta prática ou omissão resultarem danos para si.
O lesado terá conhecimento do direito que lhe compete quando se torne conhecedor da existência, em concreto, dos elementos/pressupostos que condicionam a responsabilidade civil como fonte da obrigação de indemnizar, sabendo ter direito à indemnização pelos danos que sofreu (neste sentido, entre outros, o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.03.1996, in BMJ n.º 455, pág. 447; MENEZES CORDEIRO, in “Direito das Obrigações”, 2º vol., 1994, pg. 431; e A. VARELA, in “Das Obrigações em Geral”, I Volume, pág. 649) .
Todavia, a propósito da determinação do dies a quo do respectivo prazo prescricional, se relativamente a atos instantâneos, em princípio se inicia logo a partir do cometimento da infracção, já relativamente a factos ilícitos continuados, porque o processo de violação do direito de outrem se mantém em aberto pelo comportamento (positivo ou omissivo) ilícito do infractor, o Código Civil não consagra uma regra.
E para situações desta natureza vêm sendo defendidas teses na casuística que, no essencial, ora defendem que não se inicia a contagem do prazo prescricional enquanto não cessar a violação [6], ora sustentando que na medida em que o facto só se torna danoso quando o dano se produz, em relação aos danos não verificados à data em que ocorre o facto ilícito continuado o prazo de prescrição somente começa a contar-se a partir do momento em que se tomou efectivo conhecimento da produção desses novos danos[7].
.Isto posto, reportando –nos ao caso dos autos, resultaram provados os segiintes factos:
1-Anteriormente a 2018, e com início em 2105, surgiram infiltrações de água na fracção dos autores, provindas do terraço de cobertura. 2.A entrada de água na fracção dos autores provinda do terraço da cobertura provocou na fracção os seguintes danos: . o soalho, as tijoleiras, das soleiras das portas, os caixilhos das portas e janelas e a tinta das paredes levantaram e descolaram; .as paredes ficaram cobertas de bolor e fungos, descascando e abrindo fissuras e exalando cheiro a mofo; .o mesmo sucedendo com os móveis; .incluindo as áreas circundantes das tomadas elétricas podendo ocasionar curto-circuitos; .as roupas que estão guardadas nos armários ficam com cheiro a caruncho, procedendo os autores, ainda que não a usando, a lavagens consecutivas; .a fracção tornou-se fria e húmida; 3.A reparação dos estragos referidos em 2 a 5 importa em € 3.985 euros (com base no relatório pericial); 4.E os réus não a podem obter sem a prévia eliminação dos focos de entrada da água pelo terraço; 5.Os autores evitam permanecer nos quartos e sala de estar face à humidade, cheiro a mofo e descolamento do chão e paredes, privando-se de receber amigos e familiares, o que lhes causa tristeza, desânimo, desgaste emocional e desgosto;
Assim, o que resulta da materialidade provada no item 1º dos factos provados é que as infiltrações de água na fracção dos autores provindas do terraço de cobertura tiveram o seu início em 2015, e continuaram a registarem- se até aos dias de hoje no interior da fração, sendo que, convocando as regras da experiência comum, não estando reparada a causa das infiltrações seria e é expectável que nas épocas de chuva nos anos que se vão seguindo ocorram novas e sucessivas infiltrações.
De resto, o uso da expressão “Em consequência de” no item 2º dos factos provados revela que os prejuízos verificados na fracção dos autores são o resultado de infiltrações ocorridas ao longo dos anos.
É certo, conforme se referiu, que o processo continuado de degradação da fracção iniciou-se no ano de 2015, desconhecendo-se quais os concretos danos no interior da fracção que se foram registando nos anos que se sucederam.
Assim, porque o facto só se torna danoso quando o mesmo se produz, conforme art 562º do C. Civil, resulta que em casos como o dos autos em que o facto ilícito é continuado com contínua produção de novos danos, o referido prazo trienal só começa a contar a partir do momento em que o lesado tomou conhecimento da produção efectiva dos danos, porquanto, como assinalado no acórdão do STJ de 18.04.2022, as obrigações futuras só prescrevem no prazo de três anos contados do momento em que cada uma seja exigível ( ou conhecida) pelo lesado.
Partindo deste contexto, no caso dos autos, para operar a prescrição, competiria à ré- em conformidade com os critérios gerais de repartição de prova estabelecidos no art 342º do C.Civil, a demonstração dos factos reveladores que um concreto dano ( resultante de facto continuado) ocorreu e chegou ao conhecimento dos autores-lesados em determinada data.
Todavia, nada ficou provado a esse propósito, desconhecendo-se, quais os concretos danos no interior da fracção dos autores que se registaram antes dos três anos anteriores à citação do réu (2021), qual a extensão dos que se verificaram em data posterior e qual o momento em que os autores tomaram conhecimento.
Como assim, à luz do enquadramento normativo descrito e critérios seguidos na jurisprudência dos tribunais superiores, julgamos improcedente a exceção perentória da prescrição invocada, confirmando também nesta parte a sentença recorrida.
.Por último, relativamente às conclusões 29ª a 33ª [8], importa referir que a impugnação da decisão de facto nessa parte não mereceu provimento. ……………………………… ……………………………… ………………………………
IV.DELIBERAÇÃO: Nestes termos, os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, acordam em julgar improcedente o recurso de apelação interposto, e, assim, confirmam a sentença recorrida. Custas a cargo do recorrente. |