Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
13608/21.1T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISABEL SILVA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
MORA
INDEMNIZAÇÃO POR MORA
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO DO CONTRATO
Nº do Documento: RP2024041813608/21.1T8PRT.P1
Data do Acordão: 04/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Uma alteração de redação de factos deve traduzir algo de substancial, no sentido de, por via dela, se alterar a realidade que o facto traduz. Não são aceitáveis pedidos de alteração apenas por vocábulos idênticos ou por diferente construção da frase ou do discurso.
II - A mora significa apenas um retardamento da prestação, e não o seu incumprimento definitivo. A mora apenas confere ao credor o direito a ser indemnizado pelos prejuízos decorrentes da própria mora: art.º 804º nº 1 do CC.
III - Para se converter a mora em incumprimento definitivo, ou o credor demonstra a sua perda de interesse, ou interpela o devedor para o cumprimento, fixando-lhe um prazo razoável para o efeito, a dita interpelação admonitória.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 13608/21.1T8PRT.P1

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I – Resenha do processado
1. AA e BB intentaram a presente ação contra A... SA, CC e DD, pedindo a sua condenação:
a) Na restituição do sinal em dobro aos Autores, correspondente a €70,000,00 (setenta mil euros) acrescido de juros mora, desde 09-12-2019 até efetivo e integral pagamento.
b) No pagamento da indemnização dos danos não patrimoniais sofridos pelos Autores, nunca inferior a €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros); assim não se entendendo, e por cautela de patrocínio,
c) No pagamento do sinal em singelo aos Autores, acrescido de juros mora, à taxa legal, desde 09-12-2019 até efetivo e integral pagamento.
Como suporte dos pedidos alegaram ter celebrado contrato promessa de compra e venda com os Réus e que estes não cumpriram.
Em contestação, os Réus impugnaram a factualidade alegada e excecionaram com a ilegitimidade dos Réus pessoas singulares.
Deduziram ainda reconvenção, imputando o incumprimento aos Autores, e pedindo:
a) Declarar-se resolvido o contrato-promessa de compra e venda, com culpa exclusiva dos AA. Se assim não se entender;
b) condenarem-se os AA. a pagar à co-Ré a quantia de Euros 35.000,00, prestada a título de sinal.
Em sede de despacho saneador, a Autora BB e os Réus CC e DD foram declarados parte ilegítima para a ação e absolvidos da intância.
Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, que decidiu:
A- Absolver a ré A... SA, dos pedidos contra si formulados nesta ação pelo autor AA;
B- Declarar que a ré/reconvinte A... SA, tem direito a fazer sua a quantia de 35.000,00€ (trinta e cinco mil euros) que lhe foi entregue a título de sinal e princípio de pagamento pelo autor/reconvindo AA.

2. Para assim decidir, foi considerada a seguinte factualidade:
Factos provados
1- Com data de 24 de Outubro de 2017, o autor AA celebrou com a ré A... SA, contrato-promessa de compra e venda, relativa à fracção autónoma designada pelas letras “AM”, do empreendimento designado Quinta ..., sito na Rua ..., da União das freguesias ... e ..., do concelho do Porto, figurando o autor como promitente-comprador e a ré como promitente-vendedora (doc. nº 1 junto com a petição inicial, que se dá por integralmente reproduzido nos seus dizeres);
2- Com a assinatura desse contrato-promessa, o autor pagou à ré, nos termos contratuais, a quantia de €35.000,00 (trinta e cinco mil euros), a título de sinal e princípio de pagamento;
3- O referido contrato-promessa de compra e venda, previa que a escritura de compra e venda seria “outorgada até ao dia 31 de Julho de 2018”;
4- Com data de 23 de Março de 2018, o autor recebeu uma comunicação por parte da ré, a informar que “No início do passado mês de fevereiro, o nosso empreiteiro, B... S.A., suspendeu os trabalhos na “Quinta ...” por motivos de dificuldade financeira que originaram a adesão ao Processo Especial de Revitalização (PER).
(…)
A obra na “Quinta ...” foi retomada no início do presente mês, sendo que, a A... S.A. irá dirigir diretamente todos os trabalhos a efetuar no empreendimento, assumindo o papel de empreiteiro geral, para além de Dona da Obra” (doc. nº 3 junto com a petição inicial, que se dá por integralmente reproduzido);
5- Com data de 16.06.2019, o autor (por intermédio da sua cônjuge), enviou um e-mail à ré (dirigido a EE), solicitando actualização quanto ao estado da obra (doc. nº 4 da petição inicial, que se dá por reproduzido);
6- Por lhe ter sido comunicado em 23 de Setembro de 2019 que o imóvel se encontrava pronto a escriturar, nesse mês de Setembro, o autor indicou representante seu para visitar o local prometido-comprar, o que este fez (doc. nº 5 junto com a petição inicial e doc. nº 3 junto com a contestação);
7- Em Outubro de 2019, o autor apresentou à ré a proposta constante do doc. nº 6 da petição inicial, designadamente: (…)
Incumprimento esse que, de acordo com as cláusulas 4 nº5 e 5 do CPCV, assim como o artigo 442º nº1 e 2, concede ao meu Constituinte a prerrogativa de pedir o valor entregue a título sinal em dobro, que no presente caso será €70.000,00 (€35.000 x 2).
Por forma a equilibrar a posição das partes, e uma vez que os meus Constituintes não pretendem, para já, valer-se da prerrogativa anteriormente referida, e por forma a haver uma contrapartida pelo incumprimento da V. parte, venho propor que seja realizada uma adenda ao CPCV de onde conste:
a) Autorização expressa da V. parte para a cedência de posição contratual a terceiro; e
b) Prorrogação da data para a celebração da escritura de compra e venda, para um período nunca inferior a 6 meses, a contar do presente mês.
Consideramos que o pedido/proposta apresentado é justo e equitativo, considerando que os meus Constituintes tiveram prejuízos com o V. incumprimento, assim como viram as suas expectativas legitimas frustradas. (…)
8- Em 18.11.2029, a ré enviou ao autor o e-mail que se mostra junto como doc. nº 7 da petição inicial, declarando autorizar “a cedência da posição contratual a terceiro” e que a “data para e celebração da escritura de compra e venda, a mesma terá de acontecer, no máximo, até ao final do ano”;
9- Em 25 de Novembro de 2019, o autor recebeu a comunicação da ré que consta do doc. nº 8 junto com a petição inicial, em que a ré comunica a marcação da escritura de compra e venda para o dia 09.12.2019, “sob pena de não continuarmos interessados, irreversivelmente, na respectiva celebração” (referido doc. nº 8, que se dá por reproduzido);
10- Em 02 de Dezembro de 2019, o autor respondeu, além do mais, solicitando a celebração de uma adenda ao CPCV, autorizando a cedência de posição contratual e a prorrogação do prazo para realizar a escritura de compra e venda, para final de Março, início de Abril de 2020 (doc. nº 9 junto com a petição inicial, que se dá por reproduzido);
11- Em 06 de Dezembro de 2019, ao autor recebeu resposta da ré à comunicação anterior, em que a ré reitera “a vontade de celebrar a escritura, irreversivelmente, no dia, local e hora já designado” (doc. nº 10 junto com a petição inicial, que se dá por reproduzido);
12- Dou por reproduzido o doc. nº 11 junto com a petição inicial, “informação total” com data de 06.12.2019, relativo ao registo predial e respectivas fracções autónomas do imóvel aqui em causa, por onde se vê que as fracções se mostram inscritas em nome da ré, com cláusula de reserva de propriedade de terceira pessoa, algumas dessas “reservas” já canceladas;
13- O autor reside no Dubai;
14- Por e-mail de 9 de Dezembro de 2019, o autor declarou resolver o contrato, solicitando a devolução do sinal em dobro, conforme doc. nº 12 junto com a petição inicial, que se dá por reproduzido;
15- O atraso na conclusão das obras e não realização do contrato-prometido no prazo inicialmente acordado, causou desconforto e incómodos ao autor;
16- Em finais de Fevereiro de 2018, a ré tomou conhecimento que a sociedade adjudicatária da construção civil da fracção prometida comprar, havia suspendido as obras por questões relacionadas com dificuldades financeiras e que a levaram a requerer PER (Processo Especial de Revitalização);
17- O que levou a ré a denunciar o contrato de empreitada e posteriormente retomar, mediante terceiros, a obra de construção civil, disso dando conhecimento ao autor;
18- Em 23 de Setembro de 2019, a ré comunicou ao autor que o apartamento estava concluído e pronto a escriturar (doc. nº 3 junto com a contestação, que se dá por reproduzido);
19- Em resposta, o autor, por si e mediante representante, solicitou uma reunião em 24 de Setembro de 2019 na fracção habitacional, o que veio a acontecer (docs. nº 3 e 4 da contestação);
20- Em 25 de Novembro de 2019, a ré interpelou o autor mediante carta registada com aviso de recepção e para os endereços electrónicos, respectivamente da ilustre mandatária e do representante indicado por aqueles, comunicando-lhes a data, local e hora para a celebração do contrato de compra e venda (docs. nº 5, 6 e 7 juntos com a contestação, ou seja, o dia 9 de Dezembro de 2019, às 10h30m, na Rua ...;
21- Na data, hora e local designado naquela comunicação, os promitentes-compradores não compareceram nem se fizeram representar (doc. nº 8 junto com a contestação);

3. Inconformado com tal decisão, dela apelou o Autor, formulando as seguintes conclusões:
a. Vêm as presentes alegações sustentar o recurso da sentença que decidiu julgar ação improcedente, por não provada, e procedente a reconvenção, decidindo absolver a ré A... SA, dos pedidos contra si formulados nesta acção pelo autor AA; e Declarar que a ré/reconvinte A... SA, tem direito a fazer sua a quantia de 35.000,00€ (trinta e cinco mil euros) que lhe foi entregue a título de sinal e princípio de pagamento pelo autor/reconvindo AA.
b. O presente recurso, genericamente, tem por objeto: (1) Determinar quem incumpriu o contrato promessa de compra e venda e em que termos; (2) Se há lugar à devolução do sinal em dobro, singelo ou fazer sua a quantia paga a título de sinal.
c. Entende o Recorrente que, salvo melhor opinião, os supra pontos “6, 9, 18 e 19” dos factos provados foram incorretamente julgados, segundo o que resultou da prova produzida em audiência de julgamento e da prova documental junta aos autos, designadamente pela análise (documento nº3 e 4 da contestação e documento nº5 da petição inicial, do depoimento das testemunhas FF e EE,
d. A sendo essa matéria que deveria ser considerada como provada, mas com outra redação:
6- Em 23 de Setembro de 2019, em resposta ao email do Recorrente a pedir acesso ao seu representante para visitar o imove, foi comunicado pela Recorrida que o imóvel se encontrava pronto a escriturar. (doc. nº 5 junto com a petição inicial e doc. nº 3 junto com a contestação);
9- Em 25 de Novembro de 2019, o autor recebeu a comunicação da ré que consta do doc. nº 8 junto com a petição inicial, em que a ré comunica a marcação da escritura de compra e venda para o dia 09.12.2019, “sob pena de não continuarmos interessados, irreversivelmente, na respectiva celebração” (referido doc. nº 8, que se dá por reproduzido), mas sem eficácia contratual,
18- Em 23 de Setembro de 2019, a ré comunicou ao autor que o apartamento estava concluído e pronto a escriturar (doc. nº 3 junto com a contestação, que se dá por reproduzido);
19- Em resposta, o autor, por si e mediante representante, solicitou uma reunião em 24 de Setembro de 2019 na fracção habitacional, o que veio a acontecer (docs. nº 3 e 4 da contestação);
e. Se tivesse havido alguma informação sobre o estado das obras por parte da Recorrida ou de que o apartamento estivesse concluído, o pedido de informação sobre o estado do projeto ou de alguma informação relevante não era necessária nem fazia sentido!!
f. Pois durante o período que vai de 23 de março de 2018 até 21 de setembro de 2019, não houve qualquer comunicação da Recorrida ao Recorrente, apesar deste ter solicitado em 16 de junho de 2019, por intermédio da esposa do Recorrente. (documento nº4, junto com a petição inicial.
g. Pela análise dos documentos nº 1 a 11 juntos com a petição inicial, assim como dos depoimentos das testemunhas EE e FF, deve ser dado como provado que:
h. A Recorrida não prestou qualquer informação sobre o andamento das obras/apartamento, desde 23 de março de 2018 até 23 de setembro de 2019. (documento nº5 junto com a petição inicial).
i. A Recorrida não cumpriu com a data prevista para a celebração da escritura de compra e venda, constante do contrato promessa de compra e venda, que era 31 de julho de 2018.
j. Considerando ainda o referido pela douta sentença do tribunal a quo: Dúvidas não há de que foi excedido o prazo que as partes convencionaram para a realização do contrato prometido.
k. Em outubro de 2017, a Recorrida quando celebrou o contrato promessa de compra e venda não era a única dona e legitima proprietária da fração AM, objeto dos presentes autos, pela prova documental documento nº1, documento nº 11 e 15 juntos com a petição inicial;
l. A Recorrida não aceitou a proposta do Recorrente, nem celebrou qualquer Adenda escrita, com o intuito de equilibrar a relação contratual pelo seu incumprimento – pela troca de correspondência documento nº 6 a 10 da petição inicial e pelo facto de não ter celebrado nenhuma Adenda ao Contrato.
m. É normal para a Recorrida celebrar contratos de promessa de compra e venda de frações que não são de sua exclusiva propriedade – depoimento do empresado da Recorrida e do documento nº1 contrato promessa.
n. O Recorrente não podia requerer a execução especifica do contrato como não podia requerer o registo predial provisório da fração prometida vender, por aquela não se encontrar registada a favor da Recorrida documento nº1 e 11 e 15 juntos com a petição inicial.
o. O Recorrente não recebeu a missiva contendo a data da marcação da escritura de compra e venda, devendo a marcação não ser considerada válida e eficaz.
p. O Requerido, à data dos factos, vivia nos Emirados Árabes, não podendo comparecer presencialmente na escritura e não estava em Portugal em Dezembro de 2019;
q. O Recorrente não tinha representante legal com poderes bastantes para o representar na escritura de compra e venda.
r. A Recorrida, de forma reiterada agiu de má fé, quis e conseguiu, tirar vantagem contratual sobre o Recorrente
s. A Recorrida tudo fez para criar uma expectativa errada no Recorrente, sabendo e pretendendo não realizar a referida escritura de compra e venda com este, criando e obtendo uma vantagem patrimonial, no valor de €35.000,00 (trinta e cinco mil euros) – enriquecimento ilegítimo para si, o que criou no Recorrente um sentimento de desconfiança e de deslealdade, facto que surgiram por culpa da atuação da Recorrida.
t. Acresce referir que o imóvel prometido vender, ora em causa, foi sobejamente valorizado com a bolha imobiliária que se viveu a partir de 2017 em diante, pelo que a Recorrida podia muito facilmente duplicar o valor de venda inicialmente prometido.
v. Assim, conjugado com o artigo 442º nº2 do Código Civil, havendo incumprimento por parte dos Recorridos no Contrato Promessa de Compra e Venda, devem estes devolver o sinal em dobro, ou seja, €70.000,00 (setenta mil euros), nos termos e para efeitos do artigo 442º nº2 do Código Civil, acrescido de juros mora à taxa legal desde a resolução do contrato – 09-12-2019, até efetivo e integral pagamento.
w. Acresce ainda ao facto dos Recorridos terem, de forma intencional, ocultado na celebração e já no decurso do contrato promessa de compra e venda que não tinham legitimidade, para sozinhos, celebrarem o mesmo em virtude de serem apenas (com)proprietários de metade da fração.
x. Ora, nos termos do artigo 227º nº1 do Código Civil: Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.
y. Sem prescindir, Da atuação da Recorrida resulta que esta não agiu de boa fé na formação do contrato e que houve incumprimento por parte da mesma.
z. Equacionando-se que Recorrente também não compareceu na data da escritura – por não se encontrar em Portugal e considerando todos os motivos que o levaram a solicitar a resolução do contrato promessa, existe uma concorrência de culpas no incumprimento do mesmo, sendo que ponderadas as culpas que cada parte contribuiu para o incumprimento do contrato promessa de compra e venda, e pela ponderação que deverá ser determinada pelo artigo 570º do CC. e 801º do CC deve a culpa ser repartida e assim ser determinada a devolução do sinal em singelo ao Recorrente, no valor de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros), repondo a situação que existia antes de qualquer incumprimento das partes.
aa. Neste sentido, Vaz Serra (Anotação – Revista de L. e J., ano 104, n.º 3442 – pag. 11 e seg.), onde pode ler-se «... o direito de resolução dos contratos por não cumprimento da outra parte não tem lugar quando o não cumprimento seja também imputável ao contraente que pretende valer-se do direito de resolução ...» todavia, escreve mais adiante «... se a culpa do devedor (ou as suas consequências) for mais grave do que a do credor, este tem o direito de resolução do contrato, mas, se não o for, o credor não pode resolver o contrato ..... poderia também entender-se que, sendo iguais as culpas de ambas as partes, o promitente comprador não deixa de ter direito de resolução, pois sempre houve culpa do devedor e a deste não é inferior à do credor ...».
bb. Refere o Prof. Calvão da Silva (Sinal e Contrato Promessa – 12ª ed.) quando a respeito da indemnização em caso de incumprimento bilateral escreve: Quer-nos parecer que o caso de não cumprimento bilateralmente imputável do contrato deve ser resolvido, tendo por base as normas gerais, pela compensação de culpas concorrentes, verificados os respectivos pressupostos. (Art. 570º do Código Civil).
Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com Mui Douto suprimento dos Digníssimos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto, se requer que seja dado provimento ao presente recurso de Apelação, revogando-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo, substituindo a mesma por acórdão que julgue a presente ação procedente e, em consequência, declare:
a) O incumprimento do contrato por parte dos Recorridos e declare a restituição do sinal em dobro ao Recorrente, correspondente a €70,000,00 (setenta mil euros) acrescido de juros mora, desde 09-12-2019 até efetivo e integral pagamento); assim não se entendendo, e por cautela de patrocínio,
b) No pagamento do sinal em singelo ao Recorrente, acrescido e juros mora, à taxa legal, desde 09-12-2019 até efetivo e integral pagamento.

4. A Ré não contra-alegou.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO
5. Apreciando o mérito do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art.º 615º nº 1 al. d) e e), ex vi do art.º 666º, 635º nº 4 e 639º nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC).
No caso, são as seguintes as questões a decidir:
● Reapreciação da matéria de facto
● Em função do resultado obtido nessa primeira questão, se é de alterar a decisão em termos de direito.

5.1. Reapreciação da matéria de facto
Mostrando-se minimamente cumpridos os ónus impostos pelo art.º 640º do CPC, iniciemos a reapreciação pretendida.
Quanto à diferente redação dos factos nº 6, 9, 18 e 19:

Redação sentençaRedação pretendida
6- Por lhe ter sido comunicado em 23 de Setembro de 2019 que o imóvel se encontrava pronto a escriturar, nesse mês de Setembro, o autor indicou representante seu para visitar o local prometido-comprar, o que este fez (doc. nº 5 junto com a petição inicial e doc. nº 3 junto com a contestação);6- Em 23 de Setembro de 2019, em resposta ao email do Recorrente a pedir acesso ao seu representante para visitar o imove, foi comunicado pela Recorrida que o imóvel se encontrava pronto a escriturar. (doc. nº 5 junto com a petição inicial e doc. nº 3 junto com a contestação);
9- Em 25 de Novembro de 2019, o autor recebeu a comunicação da ré que consta do doc. nº 8 junto com a petição inicial, em que a ré comunica a marcação da escritura de compra e venda para o dia 09.12.2019, “sob pena de não continuarmos interessados, irreversivelmente, na respectiva celebração” (referido doc. nº 8, que se dá por reproduzido);9- Em 25 de Novembro de 2019, o autor recebeu a comunicação da ré que consta do doc. nº 8 junto com a petição inicial, em que a ré comunica a marcação da escritura de compra e venda para o dia 09.12.2019, “sob pena de não continuarmos interessados, irreversivelmente, na respectiva celebração” (referido doc. nº 8, que se dá por reproduzido), mas sem eficácia contratual,
18- Em 23 de Setembro de 2019, a ré comunicou ao autor que o apartamento estava concluído e pronto a escriturar (doc. nº 3 junto com a contestação, que se dá por reproduzido);18- Em 21 de Setembro de 2019, o autor, por si e mediante representante, solicitou uma inspeção à fração e que lhe fosse fornecida informação sobre o estado do projeto e qualquer outra informação relevante sobre o mesmo. A inspeção aconteceu no dia 24 de setembro de 2019. (docs. nº 3 e 4 da contestação
19- Em resposta, o autor, por si e mediante representante, solicitou uma reunião em 24 de Setembro de 2019 na fracção habitacional, o que veio a acontecer (docs. nº 3 e 4 da contestação);19 - Em 23 de Setembro de 2019, a ré comunicou ao autor que o apartamento estava concluído e pronto a escriturar (doc. nº 3 junto com a contestação, que se dá por reproduzido).
Uma alteração de redação de factos deve traduzir algo de substancial, no sentido de, por via dela, se alterar a realidade que o facto traduz. Não são aceitáveis pedidos de alteração apenas por vocábulos idênticos ou por diferente construção da frase ou do discurso.
A reapreciação da matéria de facto terá de comportar algum sentido para a sorte da ação, sob pena de se estar a incorrer na prática de atos inúteis, considerados ilícitos pelo art.º 130º do CPC. [1]
Assim, quando confrontado com a reapreciação duma matéria de facto sem nenhuma relevância para o mérito da causa, deve o Tribunal da Relação «abster-se de conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto quando os factos impugnados não interfiram de modo algum na solução do caso, designadamente por não se visionar qualquer solução plausível da questão de direito que esteja dependente da modificação que o recorrente pretende operar no leque de factos provados ou não provados». [2]
Nessa medida, cumpre assinalar que não se vê a pertinência da alteração pretendida quanto ao facto 6.
O mesmo se diga quanto aos factos 18 e 19; pese embora a alteração da numeração, o que releva é o que consta da sentença, e que a alteração pretendida em nada altera ou desvirtua: em 23/09/2019, a ré comunica ao autor que o apartamento estava concluído e pronto a escriturar; o autor solicitou uma reunião em 24/09/2019 na fração habitacional, o que veio a acontecer.
Já quanto ao facto 9, ele tem exatamente a mesma redação, exceto o acrescento de “mas sem eficácia contratual”.
Deveria saber-se que da matéria de facto não podem constar conclusões factuais ou de conceitos de direito. E a expressão “mas sem eficácia contratual” integra um conceito/conclusão de direito, um juízo significativo-normativo a extrair de factos.
Quanto ao aditamento de factos:
a) A Recorrida não prestou qualquer informação sobre o andamento das obras/apartamento, desde 23 de março de 2018 até 23 de setembro de 2019.
Trata-se de um facto inútil para a sorte da ação. Na verdade, em ponto algum se alegou que a Ré estava obrigada a informar sobre o andamento das obras, nem se alega que o Autor tenha solicitado essa informação.
b) A Recorrida não cumpriu com a data prevista para a celebração da escritura de compra e venda, constante do contrato promessa de compra e venda, que era 31 de julho de 2018.
Igualmente irrelevante e conclusivo. Que a escritura não foi realizada na data constante do contrato promessa retira-se dos factos provados 3, 6, 9, 20 e 21.
c) Em outubro de 2017, a Recorrida quando celebrou o contrato promessa de compra e venda não era a única dona e legitima proprietária da fração AM, objeto dos presentes autos.
Também aqui se trata de um facto irrelevante. Como decorre da possibilidade de venda de bens futuros (art.º 880º do CC), nada impede que a Ré não fosse titular exclusiva do direito de propriedade à data do contrato promessa. O que seria necessária era que o fosse na data da outorga da escritura, pois só nesse momento se opera a transferência da propriedade. No caso, sempre se trataria de um bem futuro, dado que a fração ainda estava em construção.
«VII - Tratando-se de um contrato-promessa de compra e venda de coisa futura, há-de o promitente-vendedor diligenciar para que seja possível celebrar o contrato prometido nas condições acordadas com o promitente-comprador, isto é, há-de providenciar para que o promitente-comprador venha a adquirir, nas condições estipuladas, o bem prometido vender.
VIII - Nada dizendo a lei acerca das diligências que o promitente deve implementar, nem resultando elas de convenções ou das circunstâncias do contrato ajuizado, poderá o promitente-vendedor adquirir ao terceiro proprietário a coisa prometida vender e depois outorgar com o promitente-comprador a escritura definitiva, assim como poderá ainda negociar com o terceiro proprietário de modo a conseguir que este outorgasse a escritura de compra e venda directamente com o promitente-comprador, nas condições estipuladas no contrato-promessa.
IX - Em qualquer dos casos se obterá a satisfação do interesse do credor/promitente-comprador em adquirir o bem prometido vender, sendo cumprida a obrigação que do contrato-promessa resulta para o promitente-vendedor (de bem futuro).» [3]
d) a Recorrida não aceitou a proposta do Recorrente, nem celebrou qualquer Adenda escrita, com o intuito de equilibrar a relação contratual pelo seu incumprimento.
Facto irrelevante, dado ninguém ser obrigado a aceitar contra-propostas contratuais, exceto se contempladas no contrato. E no caso nada o impunha.
e) É normal para a Recorrida celebrar contratos de promessa de compra e venda de frações que não são de sua exclusiva propriedade.
Impõe-se a mesma resposta que se deu sobre o facto c).
f) O Recorrente não podia requerer a execução especifica do contrato como não podia requerer o registo predial provisório da fração prometida vender, por aquela não se encontrar registada a favor da Recorrida.
Nunca o Autor suscitou tal questão, nem demonstrou ter tido tal pretensão. Ao contrário, ao ser informado da data da escritura, o Autor solicitou a celebração de uma adenda ao CPCV, autorizando a cedência de posição contratual e a prorrogação do prazo para realizar a escritura de compra e venda. Autorizada a cedência de posição contratual e mantida a data da escritura de compra e venda, foi o Autor quem tomou a iniciativa de resolver o contrato. Por fim, resulta da certidão da Conservatória junta pelo próprio Autor que a Ré era titular do prédio em construção desde 2016, ainda que com reserva de propriedade até integral entrega de metade indivisa de todas as frações que resultem da reconstrução do prédio.
g) O Recorrente não recebeu a missiva contendo a data da marcação da escritura de compra e venda, devendo a marcação não ser considerada válida e eficaz.
Nenhum meio de prova que suporte tal afirmação, sendo que o Autor admite “ter sido surpreendido com a marcação da escritura para 09-12-2019” (11 da PI). Daí que resulte incompreensível a coragem de tal alegação, a raiar a litigância de má fé.
h) O Requerido, à data dos factos, vivia nos Emirados Árabes, não podendo comparecer presencialmente na escritura e não estava em Portugal em Dezembro de 2019;
Facto absolutamente inócuo para a sorte da ação. A data da escritura constava logo do contrato-promessa, pelo que ao Autor cabia providenciar e tomar as devidas cautelas para o caso de não poder estar presencialmente.
i) O Recorrente não tinha representante legal com poderes bastantes para o representar na escritura de compra e venda.
Sibi imputat. Como ele próprio alegou, logrou mandatar alguém para ir ver a fração e para contatar a Ré. A procuração para o representar não é nada de transcendente e a marcação da escritura foi efetuada com antecedência bastante para o efeito.
j) A Recorrida, de forma reiterada agiu de má fé, quis e conseguiu, tirar vantagem contratual sobre o Recorrente.
Não se trata de um facto. Estamos perante uma conclusão de direito, um juízo significativo-normativo a extrair de factos.
Concluindo, improcede a pretendida alteração da matéria de facto.

5.2. Os factos e o direito
§ 1º - O quadro legal
Os contratos devem ser pontualmente cumpridos, e a obrigação de qualquer das partes só se tem por cumprida se, e quando, a prestação a que se vinculou se mostrar integralmente realizada, no tempo e lugar próprios: art.º 406º nº 1, 762º nº 1, 763º nº 1 e 777º do Código Civil (CC).
A prestação consiste na adoção de um comportamento/conduta, ou omissão, dirigido à satisfação do interesse do credor, podendo decompor-se numa dupla vertente: a prestação-ação (a conduta, ação ou omissão propriamente dita) e a prestação-resultado (o resultado dessa conduta ou omissão).
«Noutros termos, o credor não vê o cumprimento da prestação-conduta do devedor em abstracto, como um fim em si mesmo, mas como prestação que concretiza e efectiva um resultado desejado e programado. E só haverá propriamente cumprimento quando a actuação da prestação pelo devedor implementa o programa obrigacional enquanto resultado a proporcionar ao credor.» [4]
Por norma, a obtenção do resultado da prestação, implica a prática de uma série de atos, ao longo do tempo, pelo que, na perspetiva do (in)cumprimento se torna essencial atender ao dito programa obrigacional estabelecido pelas partes.
De acordo com o art.º 441º do CC, no contrato-promessa de compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador, ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço.
Ou seja, no caso específico do contrato-promessa de compra e venda, estabeleceu-se uma presunção em sentido contrário à dos contratos-promessa em geral já que nestes, como decorre do art.º 440º do CC, a presunção vai no sentido de que qualquer quantia entregue tem o carácter de antecipação de cumprimento de que as quantias entregues têm carácter de sinal.
A resolução do contrato consubstancia uma declaração de vontade (direito potestativo): mediante ela, uma das partes comunica à outra que pretende cessar a relação contratual que as unia.
A resolução do contrato, sendo convencional, efetua-se mediante declaração à outra parte: art.º 432º a 436º do CC.
Daqui decorre que, nos casos de resolução convencional, ao tribunal compete apenas verificar da existência dos fundamentos invocados ou da regularidade do respetivo exercício: «A rescisão do contrato por inexecução reveste carácter extrajudicial. Significa isto que o credor, para a obter, não tem que recorrer ao tribunal. É ele próprio que rescinde o contrato.
Em caso de litígio o tribunal será chamado, não a decretar a rescisão, mas a verificar se ela juridicamente se deu, isto é, se se reuniam as condições necessárias para o credor poder romper o contrato por sua vontade unilateral.» [5]
E, Segundo Vaz Serra, «(…) o direito de resolução dos contratos por não cumprimento da outra parte não tem lugar quando o não cumprimento seja também imputável ao contraente que pretende valer-se do direito de resolução». [6]
Por norma, a resolução dum contrato implica que cada uma das partes restitua à outra aquilo que recebeu: art.º 289º, ex vi do art.º 433º do CC.
No caso específico dos contratos-promessa em que exista sinal, a resolução do contrato tem efeitos específicos: se quem constituiu o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou (…): art.º 442º nº 2 do CC.
Quanto ao demais, são aplicáveis as regras gerais sobre a responsabilidade contratual: a eficácia ou validade da resolução do contrato pressupõe a verificação:
● da interpelação admonitória (no caso de obrigações sem prazo fixo)
● da entrada em mora
● que da mora resulte perda de interesse para o credor
● o incumprimento definitivo
● que o incumprimento seja imputável ao devedor e seja culposo [7]
Trata-se, pois, de saber quem deixou de cumprir com as suas obrigações.

§ 2º - Da resolução do contrato efetuada pelo Autor
Estamos perante um contrato promessa de compra e venda de fração autónoma. O Autor prestou um sinal no valor de 35 mil euros. Sobre a outorga do contrato prometido, o contrato previa que a escritura de compra e venda seria “outorgada até ao dia 31 de Julho de 2018”. E, diz-se “previa” porque mais se consignou que “por motivos imponderáveis e imprevistos pode o prazo previsto (…) ser objeto de uma prorrogação de 45 dias”. A marcação da escritura ficou a cargo da Ré, comunicando ao Autor a data e local com 15 dias de antecedência, por qualquer “meio protocolar admissível”.
No caso, existiu um desses “imponderáveis” pois resulta do facto provado 4 que o empreiteiro suspendeu os trabalhos de construção por dificuldades financeiras e que em março de 2018 a Ré retomou os trabalhos. Estes factos foram comunicados ao Autor, não constando dos autos que ele tenha suscitado qualquer reserva ou levantado obstáculos.
A Ré comunica ao Autor em 23/09/2019 que o imóvel se encontrava pronto a escriturar. Temos, pois, que a Ré estava em mora por mais de um ano.
Porém, a mora significa apenas um retardamento da prestação, e não o seu incumprimento definitivo. A mora apenas confere ao credor o direito a ser indemnizado pelos prejuízos decorrentes da própria mora: art.º 804º nº 1 do CC.
Por isso, ao Autor restavam duas soluções (art.º 808º do CC):
● ou demonstrava a sua perda de interesse;
● ou interpelava a Ré para o cumprimento, fixando-lhe um prazo razoável para o efeito, a dita interpelação admonitória.
Como refere João Baptista Machado: «A interpelação admonitória deve conter três elementos: a) – a intimação para o cumprimento; b) – a fixação de um termo peremptório para o cumprimento; c) – admonição ou a cominação (declaração admonitória) de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro daquele prazo. Trata-se, pois, de uma declaração intimativa.». [8]

No mesmo sentido, a nossa jurisprudência: a interpelação admonitória ─ para o ser e, assim, provocar o incumprimento definitivo e culposo do contrato ─ tem de conter a fixação de um prazo e a perda de interesse na prestação para além desse prazo. [9]
Confrontado com o dia 31 de julho de 2018 sem a marcação da escritura, ou 45 dias depois, o Autor nada disse. Ao contrário, numa manifestação de que pese embora o atraso ainda não tinha perdido o interesse, em 16/06/2019 o Autor ainda solicitava informação sobre o estado da obra.
E, ao ser avisado em 09/2019 que o imóvel se encontrava pronto a escriturar nesse mesmo mês, o Autor ainda enviou um seu representante para visita à fração.
Ou seja, o Autor nunca converteu a mora da Ré em incumprimento definitivo.
Mais: numa manifestação clara de que a mora da Ré não implicou a perda de interesse, em outubro de 2019 o Autor comunica à Ré que não pretende fazer-se valer da resolução do contrato e apresenta-lhe uma proposta no sentido de ser autorizada a cedência da sua posição contratual para terceiro e a prorrogação da data da escritura pública por 6 meses.
A Ré contemporiza com a cedência da posição contratual, mas não aceita a prorrogação dizendo que a escritura teria de acontecer, no máximo, até ao final do ano.
Em 25/11/2019, a Ré comunica ao Autor a marcação da escritura de compra e venda para o dia 09/12/2019, “sob pena de não continuarmos interessados, irreversivelmente, na respetiva celebração”.
Em 02/12/2019, o Autor insiste na autorização da cedência de posição contratual (já concedida) e na prorrogação do prazo para realizar a escritura de compra e venda para final de Março/início de Abril de 2020.
A Ré responde a 06/12/2019, reiterando “a vontade de celebrar a escritura, irreversivelmente, no dia, local e hora já designado”. Temos aqui uma interpelação admonitória por parte da Ré, uma invetiva firme e preclusiva ao cumprimento.
O Autor não comparece à escritura no dia 09 de dezembro e, ao invés, nessa data envia declaração de resolução do contrato, solicitando a devolução do sinal em dobro.
Daqui resulta que o Autor nunca converteu a mora da Ré em incumprimento definitivo; ao contrário, resulta da sua conduta que a mora da Ré não implicou a sua perda de interesse pois em outubro de 2019 ainda lhe comunica que não pretende fazer-se valer da resolução do contrato.
«IV) - Importaria converter a mora em incumprimento definitivo, fosse pela interpelação admonitória – que a promitente compradora não fez – fosse pela alegação e prova de factos que demonstrassem da sua parte, a perda objectiva de interesse na prestação dos promitentes vendedores – arts. 801º e 808º do Código Civil, com fundamento na mora.» [10]
A perda de interesse está relacionada com a essencialidade do termo (o prazo inicialmente estipulado ou posteriormente concedido), sendo que esta essencialidade do termo «(…) diz respeito à influência deste sobre os efeitos do contrato, muito em especial sobre a redução ou o desaparecimento da utilidade da prestação para o credor após o vencimento do termo» [11]
Tudo visto, tem de concluir-se que o incumprimento definitivo do contrato-promessa se ficou a dever ao Autor.
Contudo, como decorre do art.º 801º e 798º do CC, não basta o incumprimento como fonte geradora da obrigação de indemnizar; torna-se ainda necessário que o incumprimento seja culposo.
«A culpa pode ser definida, escreve aquele civilista (…), como um comportamento reprovado por lei. A lei reprova o comportamento contrário ao cumprimento da obrigação, quando ele é devido à falta de diligência ou a dolo do devedor. Quer dizer, não se atende apenas ao comportamento externo do devedor, mas também à sua conduta interna. Saber quando procedeu o devedor diligentemente, é saber quando tomou o devedor as medidas que devia tomar. Ora, este problema não pode receber uma solução uniforme para as várias obrigações possíveis, pois, conforme os casos, pode o devedor estar obrigado a maior ou menor diligência, a praticar mais ou menos actos, a abster-se mais ou menos da prática deles.» [12]
A culpa do Autor mostra-se presumida (art.º 799º nº 1 CC), sendo que ele não ilidiu tal presunção.
Não tendo a ré aceitado alterar a data da escritura, ao Autor incumbia a ela comparecer ou, então, ceder a sua posição a terceiro. Não o tendo feito, sibi imputat, ficou a Ré com direito a fazer seu o sinal entregue: art.º 442º nº 2 do CC.

6. Sumariando (art.º 663º nº 7 do CPC)
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III. DECISÃO
7. Pelo que fica exposto, acorda-se nesta secção cível da Relação do Porto em Julgar a apelação improcedente, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas a cargo do Recorrente, face ao decaimento.

Porto, 18 de abril de 2024
Isabel Silva
Paulo Dias da Silva
Isabel Ferreira
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[1] Uma manifestação do princípio da economia processual que, segundo Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, pág. 387, «é uma aplicação do princípio do menor esforço ou de economia de meios. Deve procurar-se o máximo resultado processual com o mínimo emprego de actividade; o máximo rendimento com o mínimo custo.».
[2] António Abrantes Geraldes, “Recurso em Processo Civil, Novo Regime”, reimpressão, Almedina, 2008, pág. 285.
[3] Acórdão do STJ, de 30/06/2009, processo nº 3595/06.1TBBCL-A.S1, disponível em www.dgsi.pt/, sítio a atender nos demais arestos que vierem a ser citados sem outra menção de origem.
[4] Calvão da Silva, "Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória", 4ª edição, Almedina, pág. 78.
[5] Galvão Teles, «Direito das Obrigações», Coimbra Editora, 5ª edição, pág. 438/439.
No mesmo sentido, Baptista Machado, «Pressupostos da Resolução por Incumprimento», “Obra Dispersa, I, págs. 130/131: «O direito de resolução é um direito potestativo extintivo e dependente de um fundamento. O que significa que precisa de se verificar um facto que crie esse direito - melhor, um facto ou situação a que a lei liga como consequência a constituição (o surgimento) desse direito potestativo».
[6] Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 104º, nº 3442, pág. 11.
[7] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de 19.05.2005 (processo nº 05B958), disponível em www.dgsi.pt/, sítio a considerar nos demais arestos que vierem a ser citados sem outra menção de origem.
[8] in “Obra Dispersa”, vol. I, Scientia Iuridica, Braga, 1991, pág. 164/165.
[9] Acórdãos do STJ, de 07.03.2006 (processo nº 05ª3426), de 07.02.2006 (processo nº 05ª3670), de 24.01.2006 (processo nº 05ª4055), bem como do Tribunal da Relação do Porto (TRP), de 20.02.2006 (processo nº 0554796), de 14.04.2005 (processo nº 0531495), de 01.04.2003 (processo nº 0320650) e de 27.04.2004 (processo nº 0324422).
[10] Acórdão do STJ, de 19/05/2010, processo nº 158/06.5TCFUN.L1.S1.
[11] Baptista Machado, obra citada, pág. 188.
[12] Pires de Lima e Antunes Varela, citando Vaz Serra, in “Código Civil Anotado”, anotação ao art.º 798º).