Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
787/13.0TBVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: NULIDADE POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
SUBSTITUIÇÃO DO TRIBUNAL RECORRIDO
Nº do Documento: RP20240417787/13.0TBVNG.P1
Data do Acordão: 06/17/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULAÇÃO
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Verifica-se a nulidade por falta de fundamentação nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPCivil, quando o tribunal recorrido defere, no âmbito do inventário, uma segunda avaliação limitando-se a aderir aos fundamentos vertidos no requerimento impetrado para o efeito, mais afirmando a notoriedade do incremento dos preços do imobiliário nos últimos anos.
II - Verificando-se que o conhecimento do objeto da apelação se reconduz à própria falta da fundamentação, não deve o tribunal de recurso afirmar tal fundamentação em substituição do tribunal recorrido, nos termos do nº 1 do art.º 665º do Código de Processo Civil, mas antes deve ser o tribunal recorrido a suprir tal falta de fundamentação, na decisão que há de proferir em substituição da decisão anulada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 787/13.0TBVNG.P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia-J2

Relator: Des. Dr. Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Drª Eugénia Marinho da Cunha
2º Adjunto Des. Drª Maria Fernandes de Almeida  

5ª Secção



Sumário:
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I - RELATÓRIO

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:



Em 29 de janeiro de 2013 AA, residente na Rua ..., Vila Nova de Gaia, instaurou processo de inventário por óbito de BB e de CC, ao abrigo do disposto nos arts. 2101.º, nº 1 e segs., do Código Civil.
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 Foi nomeado cabeça-de-casal: AA, id. nos autos.
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 O processo seguiu a normal tramitação e em novembro de 2020, foi elaborado e junto aos presentes autos relatório de avaliação de bens imóveis, conforme referência CITIUS 27207032, de 2-11-2022.
Essa avaliação não foi objeto de qualquer reclamação ou impugnação, por parte de qualquer dos interessados no inventário.
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No dia 23/11/2023, a interessada DD apresentou requerimento para realização de “nova perícia de avaliação” relativamente aos bens imóveis.
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O assim requerido mereceu a oposição de todos os interessados bem como do cabeça-de-casal, ora apelante.
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Sobre tal requerimento recaiu o seguinte despacho:
 “[c]onsiderando os fundamentos aduzidos pela interessada DD e a notoriedade do incremento dos preços do imobiliário nos últimos anos, defiro o requerido. Assim sendo, solicite ao perito que elaborou o relatório pericial no âmbito deste processo (refª 27207032, de 2.11.2020) aditamento à perícia, tendo por objeto a avaliação dos imóveis constantes da relação de bens, considerando as questões suscitadas no requerimento em referência. Prazo da realização da perícia: 30 dias”.
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Não se conformando com o assim decidido veio o cabeça-de-casal interpor o presente recurso rematando com as seguintes conclusões:
A)- O despacho recorrido padece do vício de falta de fundamentação, incorrendo numa violação do disposto no artigo 154.º, nº 1 e nº 2, do CPC.
B)- Esse despacho não só remete, e adere, ao teor do requerimento junto aos autos pela interessada DD, como também não concretiza nem fundamenta, de facto e de direito, o sentido da decisão proferida.
C)- Em especial, mostra-se totalmente ausente do despacho recorrido a menção a qualquer tipo de facto concreto, da alegada variação do valor imobiliário dos bens imóveis constantes dos autos, entre o ano de 2020 e a presente data.
D)- Não é admissível em sede de processo de inventário, a realização de segunda perícia de avaliação de bens imóveis, quando dos autos já consta um relatório pericial avaliação de bens imóveis realizado no ano de 2020.
E)- O qual (relatório pericial), não foi objeto de qualquer reclamação, ou impugnação, por nenhum dos interessados no presente processo de inventário.
F)- Tal como vem sendo referido pela jurisprudência, a letra do artigo 1114.º do CPC deve ser interpretada no sentido restritivo de aplicação exclusiva do regime de uma única avaliação.
G)- Interpretação essa que se afigura tanto mais acertada, quando resulta dos autos que a primeira e única avaliação realizada nunca foi, conforme referido, não foi objeto de qualquer reclamação e/ou impugnação.
H)- Estando em causa um processo instaurado no ano de 2013, com um relatório pericial de avaliação de imóveis realizado no ano de 2020, a realização da presente diligência não contribui, no entender do apelante e ressalvado o sempre devido respeito por entendimento diverso, que é muito, para uma justa composição do presente litígio num prazo razoável.
I)- Para além de onerar os interessados nos presentes autos com encargos associados a honorários de peritos na ordem de vários milhares de euros.
J)- O que se afigura excessivo e desnecessário, tendo em conta o relatório pericial já constante dos autos, a data em que foi elaborado (2020) e a possibilidade, consagrada na lei, de qualquer interessado poder em sede de conferência de interessados licitar qualquer bem imóvel pelo valor que entender.
K)- O despacho recorrido incorre numa claríssima violação do disposto no artigo 412.º, nº 1, do CPC, quando faz referência notoriedade do incremento dos preços do imobiliário, para justificar o deferimento do pedido de segunda perícia/avaliação de bens imóveis.
L)- O recurso ao critério da notoriedade, previsto na referida norma legal, pressupõe um conhecimento de caráter geral, que se traduza numa absoluta desnecessidade do recurso a operações lógicas, cognitivas, ou periciais.
M)- Ora, não é claramente o que sucede nos presentes autos!
N)- A questão da variação, eventualmente positiva, do valor patrimonial dos bens imóveis pendentes de partilha nos presentes autos pressupõe o recurso a múltiplas operações lógicas, cognitivas e periciais, em função do estado de conservação, dimensão, área e localização, para só mencionar algumas, que não são, nem podem ser, de conhecimento geral!
O)- Pelo que, mesmo que fosse legalmente admissível a realização de uma segunda perícia de avaliação de imóveis nos presentes autos, o que não sucede, nunca o tribunal a quo poderia recorrer à cláusula de notoriedade prevista na referida norma legal, para justificação da mesma.
P)- Principalmente quando se mostram ausentes dos autos, e do despacho recorrido, a menção de quaisquer factos justificativos de uma segunda avaliação pericial.
Q)- Normas violadas: as supra referidas.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Foram dispensados os vistos.
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II - FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 3, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.Civil.

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No seguimento desta orientação são as seguintes as questões que importa apreciar e decidir:
a)- saber se a decisão recorrida é nula por falta de fundamentação;
b)- saber se devia ter sido, ou não, deferida a segunda avaliação dos bens imóveis.

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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A materialidade com relevo para o conhecimento do objeto do presente recurso é a que decorre das ocorrências e dinâmica processual expostas no relatório que antecede.
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III. O DIREITO
Como supra se referiu a primeira questão que no recurso vem colocada prende-se com:
a)- saber se a decisão recorrida é nula por falta de fundamentação.
Suscitada em recurso a nulidade da sentença, cabe ao juiz do tribunal a quo, imediatamente antes de ordenar a sua subida, pronunciar-se sobre a nulidade arguida (artigos 617.º, n.º 1, e 640.º, n.º 1, do CPCivil).
Essa pronúncia foi omitida, mas não se justifica que se mande baixar o processo à primeira instância (n.º 5 do artigo 617.º).
Isto dito, não obstante o não referir expressamente, como o deveria ter feito, está subentendido que o apelante invoca a nulidade da decisão recorrida nos termos do preceituado na al. b) do nº 1 do artigo 615.º do CPCivil.

Nos termos da citada alínea a sentença (norma também aplicável aos despachos-cfr. artigo 613.º, nº 3 do mesmo diploma) é nula “quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
Segundo as regras processuais a fundamentação da decisão é de facto ou de direito.
A fundamentação de facto consiste na especificação dos factos que o tribunal julgou provados e aos quais vai de seguida aplicar o direito para concluir pelo dispositivo. A fundamentação de direito consiste na indicação, interpretação e aplicação das normas e princípios de direito aos factos provados e na formulação ao silogismo judiciário que há de conduzir ao dispositivo.
O artigo 154.º do Código de Processo Civil estabelece o “dever de fundamentar a decisão”, prescrevendo que “as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”. O n.º 2 da mesma norma, sem concretizar o modo como essa fundamentação deverá ser feita estabelece, pela via negativa, que a fundamentação “não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade”.
É, depois, o artigo 607.º desse diploma que ao definir o conteúdo da sentença nos dá mais indicações sobre o âmbito da fundamentação.
Nos termos do n.º 3 do citado preceito, a sentença deve apresentar os respetivos “fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicaras normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final”.
Por sua vez o n.º 4, na parte dedicada à fundamentação da sentença estatui que o juiz deve declarar os factos que julga provados e os que julga não provados, “analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”.
Constitui entendimento doutrinário e jurisprudencial pacífico que só a absoluta falta de fundamentação produz a nulidade da sentença, devendo distinguir-se as situações em que a fundamentação existe, mas é insuficiente, lacunosa ou errada, e as situações em que a fundamentação foi pura e simplesmente suprimida (ou cujas deficiências atingem um nível tal que a situação deve ser tratada como falta de fundamentação) e que são as únicas que podem conduzir à nulidade da sentença.
De todo o modo, a Constituição da República Portuguesa consagra no artigo 205.º, n.º 1, o dever de fundamentação das decisões decorre ao estabelecer que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
O Prof. Gomes Canotilho[1], afirma que esta exigência constitucional é justificada pela necessidade de exercer o controlo da administração da justiça, excluir o carácter voluntarístico e subjetivo do exercício da atividade jurisdicional, permitir o conhecimento da racionalidade e da coerência argumentativa dos juízes, permitir o melhor exercício do direito ao recurso ao dar às partes um recorte mais preciso e rigoroso dos vícios das decisões judiciais recorridas.[2]
Postos estes breves considerandos e revertendo agora à análise da situação vertente, temos que, analisado despacho recorrido, carece ele, efetivamente, de falta de fundamentação.
Na verdade, os fundamentos neles exarados não são percetíveis, de molde a permitirem às partes “o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação” e o “controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão, garantindo a transparência do processo e da decisão”.
Repare-se, desde logo, que não só remete para os fundamentos invocados no requerimento impetrado pela interessada DD, em violação do disposto no citado artigo 154.º, nº 2, primeira parte, como também não faz qualquer alusão, ou menção, às normas legais que justificam o deferimento do pedido de segunda perícia, ou aditamento à primeira avaliação como aí se refere.
Em retas contas, o despacho recorrido, limita-se a deferir a pretensão (nova perícia de avaliação) estribado apenas na notoriedade do incremento dos preços do imobiliário nos últimos anos esquecendo, por completo, que esse deferimento tinha de ser aferido em função das razões invocadas no requerimento impetrado para o efeito como, aliás, decorre do artigo 589.º, nº 1 do CPCivil de 1961, aplicável aos presentes autos.
Repare-se que a afirmação do deferimento da diligência está desgarrada de indicação de qualquer realidade factual subsumível uma uma previsão legal (também ela ausente), a par da ausência do percurso lógico que a ela conduziu.
Dito de outra forma, no caso concreto não se trata de uma deficiência de fundamentação (mesmo que grave), mas antes de uma total e absoluta falta de fundamentação, já que não é possível apreender qualquer linha de raciocínio que levou ao deferimento da pretensão expressa na decisão recorrida.

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Como assim, por falta de fundamentação nos termos expostos, o despacho recorrido enferma da nulidade cominada na al. b) do nº 1 do artigo 615.º do CPCivil.
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Efeitos da nulidade da sentença.
O artigo 665.º, n.º 1, do CPCivil estabelece a regra da substituição do tribunal recorrido[3], é dizer, julgando procedente a arguição de nulidade da sentença, a Relação não deve limitar-se a reenviar o processo ao tribunal a quo, antes deve prosseguir apreciando as demais questões que constituem objeto da apelação, só assim não será se a Relação não dispuser de todos os elementos necessários para conhecer do mérito do recurso.
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Acontece que, no caso em apreço não existe objeto de apelação carecido de conhecimento.
Analisando.
Para além da questão supra decidida o apelante colocava no recurso duas outras questões, a saber:
a)-A violação do disposto no artigo 1114.º, do CPCivil.
b)-A violação do disposto no artigo 412.º, nº 2, do CPCivil.
Esta segunda questão já está consumida pela decisão da nulidade.
Relativamente à primeira trata-se de uma questão nova.
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”-artigo 608.º, nº 2 do CPCivil.
A problemática prende-se com a delimitação do objeto do recurso, ou seja, com os poderes do Tribunal da Relação na apreciação dos recursos de apelação.
Conforme sinteticamente refere Castro Mendes[4], em relação ao objeto do recurso, duas soluções são possíveis.
Primeira: entender-se que o “Objeto do recurso é a questão sobre que incidiu a decisão recorrida.”
Segunda: defender-se que o “Objeto do recurso é a decisão recorrida, que se vai ver se foi aquela que “ex lege” devia ser proferida.”
A primeira hipótese remete para um sistema de reexame, que permite ao tribunal superior a reapreciação da questão decidenda pelo tribunal a quo, isto é, permite um novo julgamento, eventualmente com recurso a factos novos e novas provas; enquanto o segundo caracteriza um sistema de revisão ou de reponderação, o qual apenas possibilita o controlo da sentença recorrida, ou seja, apenas permite aferir se a decisão é justa ou injusta, considerando os dados fácticos e a lei aplicável, tal como o juiz da 1.ª instância possuía no momento em que proferiu a decisão.
Apesar de não existirem sistemas absolutamente “puros”, ou seja, que apenas apliquem um ou outro sistema “tout court”, a doutrina e a jurisprudência portuguesa têm entendido que “O direito português segue o modelo do recuso de revisão ou ponderação. Daí o tribunal ad quem produzir um novo julgamento sobre o já decidido pelo tribunal a quo, baseados nos factos alegados e nas provas produzidas perante este.”[5]
Por via disso, repetidamente os tribunais superiores têm afirmado que os recursos são meios de modificar decisões e não de criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre, visando, assim, um reestudo das questões já vistas e resolvidas pelo tribunal recorrido e não a pronúncia sobre questões novas.
Por esse motivo, se entende que não é lícito invocar em sede de recurso questões que as partes não tenham suscitado perante o tribunal recorrido.
Esta regra decorre, designadamente, dos artigos 627.º, n.º 1, 635.º, n.º 3 e 665.º, n.º 2 e 5 do CPCivil, apenas excecionada quando a lei expressamente determine o contrário[6] ou nas situações em que a matéria é de conhecimento oficioso.[7]
A questão reside, pois, em saber o que se entende por questões de facto ou direito já submetidas à apreciação do tribunal recorrido.
É comum mencionar-se a este respeito que “questões” não são argumentos, raciocínios jurídicos ou juízos de valor expostos na defesa das teses controvertidas em litígio, reservando-se tal menção apenas para os fundamentos fáctico-jurídicos em que as partes assentaram as suas pretensões, ou seja, para as questões que na perspetiva substantiva apresentam pontos de facto e direito relevantes para a solução do litígio.
Em relação à parte ativa, atender-se-á à causa de pedir e pedido e em relação à parte passiva, às exceções deduzidas.
É este, aliás, o raciocínio que subjaz à nulidade a que alude o artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPCivil quando prescreve a obrigatoriedade do juiz se pronunciar sobre as questões colocadas à sua apreciação.
Tentando, agora, aplicar estes considerandos ao caso presente verifica-se que o apelante, na resposta que apresentou em 04/12/2023 ao requerido pela apelada DD, não colocou essa questão ao tribunal recorrido, sendo que, como se torna evidente, se trata de questão reconduzível a matéria de exceção.
Estamos, assim, perante argumentação nova que nunca tinha sido defendida pelo apelante, o que coloca o tribunal ad quem perante um novo julgamento, na medida em que este, na reponderação que iria fazer da decisão proferida, não se encontra em situação idêntica àquela em que se encontrou o juiz da 1.ª instância, sendo certo que se trata de questão que não é de conhecimento oficioso.
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Como assim, não pode esta Relação conhecer de tal questão o que, por lógica implicância, esvazia o objeto da apelação.
Ou melhor dito, a ausência de elementos necessários ao conhecimento do objeto do recurso reconduz-se à própria falta da fundamentação e, como tal, não pode operar a regra da substituição a que acima se aludiu, sob pena de se suprimir um grau de jurisdição, ou seja, no caso concreto dos autos é ao tribunal recorrido que cabe suprir a falta de fundamentação da decisão recorrida, e não a este tribunal de recurso.
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Procedem, assim, em parte, as conclusões formuladas pelo apelante e, com elas, o respetivo recurso.
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Destarte, improcedem as conclusões K) e L) formuladas pela Ré/apelante e, com elas, o respetivo recurso.

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IV - DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação parcialmente procedente, por provada e, consequentemente anula-se a decisão recorrida, mais se determinando que o tribunal a quo supra a nulidade verificada, proferindo nova decisão em substituição da ora anulada, fundamentada de facto e de direito nos termos e para os efeitos do art.º 154º do Código de Processo Civil.

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Custas da apelação pelo apelante que dela tirou proveito (artigo 527.º, nº 1 do CPCivil).
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Porto, 17/6/2024
Manuel Domingos Fernandes
Eugénia Cunha
Fernanda de Almeida  
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[1] In Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, Almedina, 4.ª Edição, 2000, pág. 65.
[2] Alguns autores acentuam, e bem, que “mais do que uma imposição constitucional, a exigência de fundamentação das decisões integra o elenco de princípios concretizadores do processo justo (muitas vezes designado “due process of law”), que tem como conteúdo fundamental a conformação do processo de forma materialmente adequada a uma tutela jurisdicional efetiva”(cfr. Diogo Cunha, in Da forma, conteúdo e eficácia da sentença arbitral, Themis, ano XV, n.ºs 26/27, 2014, pág. 218, Patrícia Pereira, in Fundamentos de anulação da sentença arbitral, O Direito, 142, 2010, V, pág. 1081).
[3] Como assinala o Sr. Conselheiro A.S. Abrantes Geraldes In Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5.ª edição, pág. 31.[3] o citado preceito legal abarca “as nulidades da sentença que se manifestam essencialmente através da falta de especificação dos fundamentos de facto ou de direito, verificação de oposição entre os fundamentos de facto ou de direito e a decisão, omissão de pronúncia ou condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”.
[4] Castro Mendes, Direito Processual Civil, Recursos, AAFDL, 1980, pág. 24. Veja-se, também, Ribeiro Mendes, Direito Processual Civil III, Recursos, AAFDL, 1982, pág. 172 e Lebre de Freitas/Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3.º. Tomo I, 2.ª ed., Coimbra Editora, 2008, pág. 7-8.
[5] Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 2008, 8.ª edição, pág. 147.
[6] Veja-se, assim, o disposto no artigo 665.º, n.º 2 do CPC que permite a supressão de um grau de jurisdição, desde que verificados os pressupostos ali mencionados.
[7] Conforme se alude expressamente na parte final do n.º 2 do artigo 608.º do CPC.