Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5464/21.6T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
NÃO REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA PRÉVIA
NULIDADE PROCESSUAL
Nº do Documento: RP202407105464/21.6T8VNG.P1
Data do Acordão: 07/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A conceção ampla do contraditório que vigora no nosso direito adjetivo, associada a ideias de participação efetiva das partes no desenvolvimento do litígio e de influência na decisão, sendo o processo visto como um sistema, dinâmico, de comunicações entre as partes e o Tribunal ao longo de todo o processo, impõe que nenhuma questão seja decidida sem ser atribuído à parte o direito de influenciar a decisão.
II - A necessidade da contradição, genericamente consagrada no artigo 3º, do Código de Processo Civil, vem, em reforço do aí consagrado, especificamente, materializada em inúmeras disposições ao longo do Código, sendo uma dessas concretizações a finalidade da audiência prévia contemplada na al. b), do nº1 do art. 591º -“Facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar exceções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa” -, a qual, nas ações de valor superior a metade da alçada da Relação - 15.000 € - (v. art. 597º), tem, sempre, obrigatoriamente lugar, concluídas as diligências resultantes do preceituado no nº2 do artigo 590º (cfr. nº1, do art. 591º) ressalvadas as exceções legalmente consagradas (as situações indicadas no nº1, do art. 592º e a de o juiz dispensar a realização da audiência, ao abrigo do nº1, art. 593º).
III - E para além do dever de fazer observar o contraditório ao longo de todo o processo, cabe ao juiz respeitá-lo, não lhe sendo lícito conhecer de questões sem dar a oportunidade às partes de, previamente, sobre elas se pronunciarem, sendo proibida decisão-surpresa, constituindo-a decisão desfavorável ao recorrente tomada pelo tribunal relativamente ao mérito da causa sem realização de audiência prévia uma vez concluídas as diligências resultantes do preceituado no nº2 do artigo 590º, do CPC.
IV - A inobservância do contraditório, incluindo a não realização de audiência prévia obrigatória, constitui uma omissão grave, representando uma nulidade processual sempre que tal omissão seja suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, sendo nula a decisão (surpresa), desfavorável, quando à parte não foi dada possibilidade de se pronunciar sobre os factos e respetivo enquadramento jurídico.
V - Estando a nulidade processual coberta por decisão judicial posterior que a permitiu e lhe deu continuidade, conferindo assentimento ao respetivo ato ou omissão dela geradora, o meio próprio para a arguir é o recurso a interpor da decisão, com a qual se esgotou o poder jurisdicional (cfr. art. 613º, do CPC), onde aquela nulidade, a apreciar, releva a projetar-se, como é o caso, negativamente na decisão proferida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 5464/21.6T8VNG.P1
Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível)
Tribunal de origem do recurso: Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia - Juiz 5


Relatora: Des. Eugénia Cunha
1º Adjunto:  Des. Manuel Fernandes
2º Adjunto: Des. Fernanda Almeida

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):

………………………………

………………………………

………………………………


*
I. RELATÓRIO

Recorrente, o Autor: AA

Recorridas, as Rés: A..., Lda. e B..., Lda..

AA propôs ação declarativa, com forma de processo comum, contra A..., Lda. e B..., Lda., no âmbito da qual foi, em 31/7/2023, proferido o seguinte  


despacho:

 “Neste processo, a ação foi proposta contra:

- A..., Lda. e

- B..., Lda..

A ação foi proposta diretamente contra estas empresas.

Não foi proposta contra o condomínio, representado por estas empresas.

O que pretende o A. é que estas empresas sejam diretamente responsabilizadas. Nada é pedido ao condomínio.

Pelo que não é admissível que seja o condomínio a contestar.

Face ao exposto, declaro irrelevante, por falta de legitimidade processual para o efeito, toda a intervenção do Condomínio do Edifício .... neste processo.

Notifique.


* * *

DA TRAMITAÇÃO SEGUINTE NESTE PROCESSO

Para que fique claro: as partes neste processo são:

- como autor: AA;

- como réus: A..., Lda. e B..., Lda.

O condomínio não é réu nesta ação.


*

O A. veio pedir a responsabilização direta de duas sociedades, que foram/são administradoras de um condomínio.

Essa responsabilização depende da alegação de vários elementos, que comprovem a culpa das RR..

Na verdade, o A. culpa as RR. por não serem efetuadas obras. Mas estas obras competiam ao condomínio (ainda que representado por um administrador). Não competiam diretamente à A..., Lda. e B..., Lda.

Por isso, só se compreende a responsabilização direta de qualquer uma das RR. (e não do Cobdomínio) se se considerar que estas culposamente violaram os deveres para os quais foram contratadas pelo condomínio.

Por conseguinte, não basta alegar que as obras não estão realizadas. É preciso alegar e provar que as obras não se realizaram por responsabilidade direta daquelas empresas ora RR.. Mais concretamente, que estas sociedades, alegadamente, violaram os deveres contratuais relativamente ao Condomínio do Edifício ..... Designadamente, por exemplo, que elas dispunham dos recursos financeiros (por parte do condomínio) e estavam mandatadas pelos condóminos para realizarem as obras necessárias e não as fizeram porque não quiseram.

Ora, não está alegado nada que comprove a culpa direta destas sociedades pela não realização das obras (por exemplo: foi deliberada a realização das obras; pelos condóminos foi reunido necessário para as realizar; e a sociedade, tendo o dinheiro e a deliberação, não contratou ninguém para a realização das obras).

A este propósito, em momento algum o A. alega que o valor reunido seria suficiente para a realização da obra. Faz referência a um orçamento, sem especificar o valor desse orçamento e as obras que incluía esse orçamento.

Face ao exposto, nos termos do disposto no artº 590º, nº 2, al. b), do CPC, notifique o A. para, em 10 dias, aperfeiçoar a p.i. de forma a evidenciar a culpa direta da B..., Lda. e da A..., Lda. e B..., Lda.

Notifique.

Após o A. apresentar o aperfeiçoamento, notifique as RR. (não o condomínio! Notifique a B..., Lda. e a A..., Lda. e B..., Lda.!) para responderem a esse aperfeiçoamento, no prazo de 10 dias.

No ato de resposta, essas RR. poderão contestar a p.i. aperfeiçoada como entenderem (cfr. artº 590º, nº 5, do CPC)”.

Apresentada petição inicial aperfeiçoada, ofereceu a Ré B..., Lda., contestação e, feitos os autos conclusos, foi proferido despacho saneador-sentença, com a seguinte  
parte dispositiva:
“Em face do exposto, julgo a presente ação totalmente improcedente, dela absolvendo as rés do pedido.
Custas da ação pelo autor, sem prejuízo do eventual apoio judiciário de que goze (artigo 527.º do CPC)”.

*
Fê-lo referindo:
“…mesmo que os factos vertidos na petição inicial provados ficassem, sempre a presente ação teria que improceder.
De facto, justifica-se nos presentes autos um julgamento antecipado, pela evidente inutilidade de qualquer instrução e discussão posterior da causa, pois redundaria na prática de atos ilícitos, por inúteis, o que a lei expressamente proíbe na norma levada ao artigo 130.º do Código de Processo Civil.
E, na realidade, olhada sob todas as soluções plausíveis de direito, a ação estaria destinada ao insucesso por falta de direito subjetivo do autor à obrigação peticionada às rés, pelas razões que a seguir se dirão.
*
Na presente ação o autor não só confunde condomínio com a pessoa que exerce a sua administração (pretendendo, aparentemente, por via dessa confusão, atribuir às pessoas que a administram o condomínio uma presunção de culpa – cfr. artigos 63.º, 65.º, 67.º da petição inicial), como deduz pedido de ressarcimento de reparação da sua fração sem a alegação de factualidade que permita concluir por qualquer nexo causal entre os estragos na sua fração (e consequente pedido de reparação) e quaisquer atos de administração do condomínio.
Na realidade, retirada a inúmera e repetida alegação conclusiva, resulta da petição inicial pouco mais do que ser entendimento do autor caberem às pessoas (no caso, pessoas coletivas) que em concreto exerceram as funções de administração do condomínio a obrigação de reparação das frações autónomas com manifestações de humidade com origem nas partes comuns, por não terem sido os condóminos relapsos demandados judicialmente para pagarem as quotas. Trata-se, portanto, de obrigação de indemnização, assente em responsabilidade civil das rés.
Mas essa alegação é manifestamente insuficiente.
As despesas necessárias à conservação das partes comuns são responsabilidade, evidentemente, dos condóminos (artigo 1424.º do Código Civil).
A reação à falta de pagamento das contribuições necessárias à conservação das partes comuns é uma questão de administração do condomínio.
Essa administração compete tanto à administração como à assembleia de condóminos (artigo 1430.º do Código Civil). A assembleia é constituída por todos os condóminos, autor incluído.
Dito isto, pergunta-se desde já: foram as administrações, concretamente as rés, colocadas efetivamente em condições de cobrar as quotizações em falta aos condóminos relapsos (foram-lhes disponibilizados valores para pagamento das taxas de justiça e os valores para pagamento de honorários aos vários intervenientes judiciais)?; estavam os condóminos relapsos em condições de suportar no imediato as quotas em falta (ou seja, estavam os condóminos relapsos solventes ou insolventes; era a cobrança imediata uma evidência)?
Como se disse já, as despesas necessárias à conservação das partes comuns são responsabilidade dos condóminos. Se alguns dos condóminos não contribuem para que essa conservação seja possível, então é a esses concretos condóminos que cabe responderem pelas consequências dessas omissões. Não se confundem as consequências de uma administração alegadamente irresponsável com as consequências decorrentes do incumprimento de um ou vários condóminos na conservação do edifício.
Diferentemente sucederia – seria, porventura, admissível fazer equiparar as consequências de uma má administração àquelas que um condómino relapso provoca – se o autor alegasse, e depois demonstrasse, que:
as rés estavam na posse de orçamentos aprovados pela assembleia de condóminos para realização de obras;
que essas obras eram aptas à conservação do edifício e que, consequentemente, impossibilitariam estragos nas frações;
3) que essas obras tinham sido efetivamente adjudicadas em assembleia de condóminos a quem as tivesse aceitado realizar;
4) que as rés estavam na posse do dinheiro entregue pelos vários condóminos que assegurasse a execução, pelo menos inicial, das obras de conservação/reparação; ou que, não estando as rés nessa posse, lhes era possível, junto dos condóminos relapsos, e em tempo útil, a cobrança dos montantes em falta; e que
5) as rés, apesar do deliberado em assembleias, não executaram as deliberações, por facto que lhes fosse imputável (desvio de dinheiro, esquecimento, etc.).
As pessoas que, em cada momento, exercem as funções de administração de condomínios não respondem subsidiariamente pelo sucessivo incumprimento dos condóminos e, seguramente, não respondem nos mesmos termos.
Um dano decorrente de uma administração incompetente das partes comuns não se confunde com o dano decorrente do incumprimento dos condóminos da obrigação de manutenção e conservação das partes comuns.
E, além do mais, cabe à assembleia de condóminos, como órgão a quem também compete a administração do condomínio, afastar em tempo útil uma administração que reputa de incompetente. O autor, como condómino, pediu a destituição das rés em tempo? Diligenciou, em tempo útil, para convocação extraordinária de assembleia de condóminos destinada a esse fim?
É inúmera a factualidade omissa que afasta qualquer nexo causal entre o dano que o autor afirma verificar-se na sua fração e a atuação imputada às rés.
Em resumo: a conservação das partes comuns cabe aos condóminos. A todos os condóminos. A falta de conservação de edifício constituído em propriedade horizontal por falta de pagamento de quotizações por um, ou alguns dos condóminos, é imputável, precisamente, aos condóminos faltosos. É a estes que cabe a responsabilidade pelas consequências, nomeadamente de impossível ou desadequada administração das partes comuns (por exemplo: falta de execução de obras), que a falta de pagamento de quotizações determinou. Na ausência de factualidade, do tipo da acima descrita, atribuída às pessoas que, em cada momento, exercem as funções de administração de condomínio, não podem ser estas condenadas na obrigação de reparação de partes comuns do edifício nem na reparação das frações autónomas afetadas pela falta daquela reparação das partes comuns. Os condóminos cumpridores não têm esse direito sobre as pessoas que exercem a administração. O autor não tem esse direito sobre as rés.
E tanto basta para a improcedência de todos os pedidos, que são desta alegação (e prova) dependência.”.

*
Apresentou o Autor recurso de apelação arguindo nulidade, pugnando pela revogação da sentença e por que seja ordenado o prosseguimento dos autos, formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
“1- O A. fez constar a causa, o pedido e a causa de pedir, bem como identificou as partes contrárias.
2- Estas entenderam, e bem, que tinham interesse em contradizer.
3- Uma apresentou contestação, a outra não.
4- A Ré contestante impugnou a matéria de facto, pelo que há matéria controvertida e não assente.
5- O A. configurou a ação imputando responsabilidades às RR. pela sua inércia no exercício da sua função, que o prejudicaram.
6- Cabe ao Tribunal averiguar se isso é, ou não, verdade, pelo que se violou o art. 511º CPC
7- O Tribunal preocupou-se com a prática futura de atos inúteis, mas não seguiu o mesmo critério durante mais de ano e meio de tentativas de conciliação e audiências prévias…
8- O Tribunal precipitou-se ao não ordenara realização duma nova audiência preliminar se entendia resolver a questão de mérito através dum saneador sentença, assim violando o art. 615º, nº 1, alínea d), 2ª parte do Código de Processo Civil

*

Não foram apresentadas contra-alegações.

*

Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.

*

II. FUNDAMENTOS

- OBJETO DO RECURSO

Apontemos as questões objeto do recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº3 e 4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil -, ressalvado o estatuído no artigo 665º, de tal diploma legal.

Assim, a questão a decidir é a seguinte:

- Da nulidade, arguida nas alegações de recurso, decorrente de, concluídas as diligências resultantes do preceituado no nº2, do artigo 590º, do CPC, em violação do estatuído no nº1, do art. 591º, de tal diploma legal, ter sido proferida decisão a conhecer de mérito sem realização de audiência prévia.


*

II.  FUNDAMENTAÇÃO

- Da verificação nulidade processual, arguida nas alegações de recurso (ter a decisão de mérito sido proferida, após satisfação do convite ao aperfeiçoamento com falta de audiência prévia - decisão surpresa), e suas consequências.
Conclui o Autor ter-se o Tribunal precipitado ao não ordenara realização de audiência prévia, depois do convite a aperfeiçoamento da petição inicial (satisfeito), a entender ser de decidir de mérito, através de saneador sentença.
Arguiu, pois, o Autor/Apelante, no recurso que apresentou, nulidade da decisão por o Tribunal a quo ter conhecido de mérito sem, antes disso, realizar audiência prévia.

E, como tivemos, já, oportunidade de referir e decidir, as nulidades processuais distinguem-se das nulidades específicas da sentença bem como do erro de julgamento (de facto ou de direito). Estes respeitam a vícios de conteúdo, aquele respeita à própria existência de atos processuais.
In casu, invoca o apelante nulidade por o juiz de primeira instância ter omitido o dever marcar e realizar audiência prévia antes de decidir de mérito, nulidade essa que inquina a própria decisão que, após o aperfeiçoamento da petição inicial, conheceu de mérito sem ouvir as partes.
Apresenta-se, pois, o apelante a arguir nulidade habitualmente chamada de secundária, inominada ou atípica nas alegações de recurso[1].
 Quanto às regras gerais sobre a nulidade dos atos, estatui, para estas nulidades, o nº1, art. 195º, do Código de Processo Civil, diploma a que nos reportamos na falta de outra referência, que “fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”, consagrando o nº1, do art. 199º, quanto ao prazo de arguição que “se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, o prazo para arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência”.
Consagra-se, assim, um sistema que remete para uma análise casuística, em que se invalida apenas o ato que não possa ser aproveitado, sendo que invalidado um ato tal acarreta que se invalidem todos os subsequentes que se lhe sigam que daquele dependam absolutamente.
Constitui exemplo de omissão de ato prescrito na lei a falta de cumprimento do dever jurídico do juiz de realizar diligência.
Quanto ao regime e meio de arguição, a regra é a de que o juiz só conhece destas nulidades mediante arguição da parte e o meio processual próprio para o fazer é a reclamação (v. parte final do art. 196º e 197º), no momento em que ocorrer a nulidade, se a parte estiver presente, por si ou por mandatário e, no caso de o não estar, o prazo geral de arguição, de dez dias, conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando se deva presumir que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência (cfr. arts. 199º, n.º 1 e 149º, n.º 1).
Contudo, e mantendo, deste modo, “atualidade e pertinência do brocardo segundo o qual “dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se”, se houver um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou a omissão do ato ou formalidade, o meio próprio para reagir será a impugnação do respetivo despacho pela interposição do recurso competente”[2].
Assim se decidiu no Ac. da RG de 5/4/2018, proferido no processo 1856/12.0TJVNF-C.G1, em que a ora relatora foi adjunta e onde se analisa “Conforme explicava Alberto dos Reis[3], “a arguição da nulidade só é admissível quando a infração processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial; se há um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou a omissão do ato ou formalidade, o meio próprio para reagir, contra a ilegalidade que se tenha cometido, não é a arguição ou reclamação por nulidade, é a impugnação do respetivo despacho pela interposição do recurso competente””.

No caso, recorreu o Autor da decisão de mérito, proferida após satisfação do convite ao aperfeiçoamento da petição inicial e resposta de uma das Rés, sem que, previamente, tenha sido convocada audiência prévia.
Vejamos se procede a arguida nulidade, por omissão de ato (inobservância do contraditório).
O nº 3, do artigo 3º, veio ampliar o âmbito da regra do contraditório, tradicionalmente entendido como garantia de uma discussão dialética entre as partes ao longo do processo, trazendo para o nosso direito processual uma conceção mais alargada, visando, através do exercício do direito de influência, prevenir as “decisões surpresa”. Tal sentido amplo atribuído ao princípio do contraditório (que impõe que seja concedida às partes a possibilidade de, antes de ser proferida a decisão, se pronunciarem sobre questões suscitadas oficiosamente pelo juiz em termos inovatórios, mesmo que apenas de direito) já há muito vinha a ser afirmado pela jurisprudência constitucional, especialmente no processo penal, devido às garantias de defesa do arguido e, também, já há muito, vinha a ser defendido pelo Professor Lebre de Freitas[4] para o processo civil, traduz um direito à fiscalização recíproca ao longo do processo, visto como uma “garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, direta ou indireta, com o objeto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão”[5], e revela grandes potencialidades práticas em termos de cooperação, de lealdade entre os intervenientes processuais e de eficácia das decisões judiciais, sempre, a ser previstas pelas partes.
E, na medida em que garante a igualdade das partes - pela possibilidade de pronúncia e resposta – conduz a soluções do litígio mais justas, logrando-se atingir num maior número de casos a realização dos verdadeiros objetivos finais de que o processo é um mero instrumento para alcançar.
Impõe o princípio do contraditório, ao nível do direito, que, antes de ser proferida a decisão final, seja facultada às partes a discussão de todos os fundamentos em que a ela vá assentar, sendo aquele princípio o instrumento destinado a evitar as decisões surpresa[6], que, embora pudessem ser previsíveis, não tenham sido configuradas pelas partes, sem que estas tivessem obrigação de prever que fossem proferidas.
A proibição da decisão-surpresa reporta-se, principalmente, às questões suscitadas oficiosamente pelo tribunal. O juiz que pretenda basear a sua decisão em questões não suscitadas pelas partes mas oficiosamente levantadas por si, “ex novo”, seja através de conhecimento do mérito da causa, seja no plano meramente processual, deve, previamente, convidar ambas as partes a sobre elas tomarem posição, só estando dispensado de o fazer, conforme dispõe o nº 3, do art. 3º, em casos de manifesta desnecessidade. Com este princípio quis-se impedir que as partes pudessem ser surpreendidas com soluções de direito inesperadas. Pretendeu-se, pois, proibir as decisões-surpresa embora tal não retire a liberdade e independência que o juiz tem, em termos absolutos, de subsumir, selecionar, qualificar, interpretar e aplicar a norma jurídica que bem entender, aplicando o direito aos factos de modo totalmente autónomo. Impõe, sim, ao julgador que, antes de decidir, faculte às partes a discussão da questão de direito.
A regra do contraditório passou, assim, a abarcar a própria decisão de uma questão de direito, decisiva para a sorte do pleito, inovatória, inesperada e não perspetivada pelas partes, tendo de ser dada a estas a possibilidade de, previamente, a discutirem sendo que tal “entendimento amplo da regra do contraditório, afirmado pelo nº3, do art. 3º, não limita obviamente a liberdade subsuntiva ou de qualificação jurídica dos factos pelo juiz – tarefa em que continua a não estar sujeito às alegações das partes relativas à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 664º); trata-se apenas e tão somente, de, previamente ao exercício de tal “liberdade subsuntiva” do julgador, dever este facultar às partes a dedução das razões que considerem pertinentes, perante um possível enquadramento ou qualificação jurídica do pleito, ou uma eventual ocorrência de exceções dilatórias, com que elas não tinham razoavelmente podido contar”[7].
Não quis, pois, a lei excluir da decisão as subsunções que juridicamente são possíveis, antes estabeleceu que a concreta decisão a tomar tem de, previamente, ser prevista pelas partes, tendo, por isso, de lhes ser dada “a priori” possibilidade de se pronunciarem sobre o novo e possível enquadramento jurídico. Assim, o princípio processual segundo o qual “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação e aplicação do direito” tem, presentemente, de ser compatibilizado com a proibição das decisões surpresa tendo, desse modo, antes da prolação da decisão, de ser facultado às partes o exercício do contraditório sempre que a qualificação jurídica a dar não corresponda ao previsto pelas partes. Com o aditamento do nº 3, do art. 3º, pretendeu-se reforçar e aproveitar a colaboração e o contributo das partes com vista à melhor satisfação dos seus próprios interesses e à justa composição dos litígios. E para que os objetivos de mais rápida, definitiva e eficaz composição dos litígios possam ser alcançados, foi consagrado que uma das finalidades da audiência prévia é a de “Facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar exceções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa” (art. 591º, nº 1, al. b)).
Nenhuma decisão deve, pois, ser tomada sem que previamente tenha sido dada efetiva possibilidade ao sujeito processual contra quem é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar, possibilitando-se-lhe, assim, influi ativamente na decisão.[8]. A imposição de audição das partes em momento anterior à decisão é determinada por um objetivo concreto – o de permitir às partes intervirem ativamente na construção da decisão, chamando-as a trazerem aos autos a defesa da solução para que apontam.
Uma determinada questão, seja relativa ao mérito da causa seja meramente adjetiva, não pode ser decidida, quer em primeira instância, quer em via de recurso, com um fundamento jurídico diverso, até então omitido nos autos e não ponderado pelas partes sem que, antes, as mesmas sejam convidadas a sobre ela se pronunciarem[9], sendo que, contudo, o dever de audição prévia só existe quando estiverem em causa factos ou questões de direito suscetíveis de virem a integrar a base de decisão.
São, pois, proibidas as decisões surpresa, isto é, as decisões baseadas em fundamento que não tenha sido, previamente, analisado pelas partes.
A surpresa que se visa evitar não se prende com o conteúdo, com o sentido, da decisão em si mas, sim, com a circunstância de se decidir uma questão não prevista, isto é, visa-se evitar a surpresa de se decidir uma questão com que se não estava a contar. O exercício do contraditório é, sempre, justificável e desejável se puder gerar o efeito que com ele se pretende – permitir que a pronúncia das partes possa influenciar a decisão do Tribunal.
Na estruturação de um processo justo o tribunal deve prevenir e, na medida do possível, obviar a que os pleiteantes sejam surpreendidos com decisões para as quais as suas exposições, factuais e jurídicas, não foram tomadas em consideração[10].
Em obediência ao princípio do contraditório e salvo em casos de manifesta desnecessidade devidamente justificada, o juiz não deve proferir nenhuma decisão, ainda que interlocutória, sobre qualquer questão, processual ou substantiva, de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que, previamente, tenha sido conferida às partes, especialmente àquela contra quem é ela dirigida, a efetiva possibilidade de a discutir, contestar e valorar[11].

Há decisão surpresa se o juiz, de forma inopinada e apartado de qualquer aportamento factual ou jurídico, envereda por uma solução que os sujeitos processuais não quiseram submeter ao seu juízo, ainda que possa ser a solução que mais se adeque a uma correta  decisão do litígio. Não tendo as partes configurado a questão na via adotada pelo juiz, cabe ao mesmo dar a conhecer a solução jurídica que pretende vir a assumir para que as partes possam contrapor os seus argumentos[12], só estando dispensado de o fazer em caso de manifesta desnecessidade.
Como vimos, a necessidade da contradição, genericamente consagrada no artigo 3º, vem materializada em inúmeras disposições ao longo do Código de Processo Civil, sendo uma delas a que consagra que uma das finalidades da audiência prévia é a de “Facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar exceções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa” (art. 591º, nº 1, al. b)).
Com efeito, ao Juiz é vedado, depois de satisfação de convite a aperfeiçoamento, nas ações de valor superior a metade da alçada da Relação (€15.000,00) (cfr. art. 597º), decidir a causa, sem antes dar às partes a faculdade de se pronunciarem em audiência prévia, sendo esta uma diligência que tem, obrigatoriamente, de ter lugar nas referidas ações, conforme estatui o nº1, do artº 591º, do CPC, e tal, in casu, efetivamente, não foi respeitado.
“Do confronto dos arts. 591º, nº1, 592º, nº1, 593º, nº1, 593º, nº3, e 597º resulta claro que a tramitação de uma ação declarativa comum de valor superior a metade da alçada da Relação (€15.000,00) incluirá, em curso normal, a realização de uma audiência prévia,  concluídas as diligências resultantes do preceituado no nº2, do art. 590º, regra que apenas comporta duas exceções tipificadas: quando a lei assim o estabeleça, o que sucede nos casos indicados no art. 592º, nº1; quando o juiz dispense a realização da audiência, ao abrigo do art. 593º, nº1. Com tais ressalvas, a audiência prévia é obrigatória, decorrendo da sua dispensa uma nulidade”[13].
Não se estando in casu perante qualquer das exceções, verifica-se que o tribunal a quo conheceu de mérito sem convocar audiência prévia. E estamos perante uma decisão-surpresa, pois que, após satisfeito o convite que o Juiz efetuou, foi dada uma solução jurídica sem que às partes tenha sido facultada a possibilidade de tomar posição. 


*

Consequência da falta de marcação de audiência prévia e da inobservância do contraditório


A não observância do contraditório, no sentido de não se conceder às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a questão a conhecer, na medida em que possa influir no exame ou decisão da causa, constitui uma nulidade processual, nos termos do art. 195º, que tem de ser arguida, de acordo com a regra geral prevista no art. 199º. Na verdade, incluindo-se a violação do princípio do contraditório na cláusula geral sobre as nulidades processuais constantes do nº1, do art.195º, não constituindo nulidade de que o tribunal conheça oficiosamente, a mesma tem-se por sanada se não for invocada pelo interessado no prazo de 10 dias após a respetiva intervenção em algum ato praticado no processo - arts 197º, nº 1 e 199º, nº 1[14].
A violação do princípio do contraditório, mediante a prolação de uma decisão-surpresa, constitui nulidade processual, prevista no nº1, do art. 195º, onde se consagra que “a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreve, só produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.
Dada a relevância e primordial importância do contraditório, como analisamos, é indiscutível que a inobservância desse princípio, com prolação de decisão-surpresa, é suscetível de influir no exame ou decisão da causa, pelo que esta padece de tal nulidade (constituindo a referida inobservância uma omissão grave e representando uma nulidade processual por a omissão ser suscetível de influir no exame ou na decisão da causa).
Sendo decorrência do referido princípio a proibição de decisões-surpresa, isto é, decisões baseadas em fundamento não previamente considerado pelas partes, tais decisões, a serem proferidas, incluem-se nas referidas nulidades. E, carecendo a nulidade de ser invocada pelo interessado na omissão da formalidade ou na repetição desta ou na sua eliminação (art. 197º, n.º 1), no prazo de dez dias, após a respetiva intervenção em algum ato praticado no processo (art. 199º, n.º 1), sob pena de ficar sanada, estando a decisão-surpresa coberta por decisão judicial, como é entendimento pacífico da jurisprudência, nada obsta a que a mesma seja invocada e conhecida em sede de recurso[15]. A prolação de decisão desacompanhada de prévia auscultação das partes, constitui nulidade, impugnável por meio de recurso[16].
Assim, analisada a lei, vista a doutrina e a jurisprudência não pode deixar de se decidir, pelos argumentos expostos que tinha, pois, o Tribunal a quo, antes de decidir de mérito, de ouvir os argumentos das partes, convocando-as, expressamente, para essa finalidade. Assiste, deste modo, razão aos apelantes, ao concluir pela violação do contraditório, elevado, na verdade, até, à categoria de princípio constitucional.
E, como refere o apelante, in casu, a nulidade cometida não pode deixar de inquinar o despacho saneador-sentença proferido.
António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, chamam a atenção para a divergência doutrinária e jurisprudencial acerca do enquadramento da questão – “se a arguição dessa nulidade segue as regras gerais ou se transforma em nulidade do despacho saneador ou despacho saneador-sentença que, sem essa diligência obrigatória, seja proferido”[17].
“Paulo Pimenta convoca para o efeito o regime das nulidades processuais, por omissão de ato que influi na decisão da causa, nos termos dos arts 195º e 199º, traçando um quadro completo no que concerne à arguição e efeitos de tal nulidade (ob.cit., pp. 230-232 e 250-252)”. Defende que quando a parte se aperceber da existência da nulidade deve suscitá-la para que a situação possa ser reparada, devendo a questão “ser resolvida através da arguição da nulidade no processo, nos termos do art. 195º, a suscitar no prazo de 10 dias, de tal modo que, sendo deferida a nulidade, tal se projetará também na anulação do despacho que tenha sido proferido”[18].
Na jurisprudência a integração da situação da omissão de ato obrigatório “no campo das nulidades processuais foi afirmada também em RP 5-7-06, 0632391 e RP 6-5-10, 81/07” tendo esta solução a “vantagem de permitir que a nulidade seja superada pelo próprio juiz logo que seja arguida pela parte, fora das exigências (e dos encargos) inerentes à interposição de recurso de apelação, mas defronta-se com a norma do art. 613º que, em regra, declara que o poder jurisdicional se esgota com a prolação da decisão, impedindo que seja o juiz que a proferiu a reparar o erro cometido[19].
Miguel Teixeira de Sousa considera que a omissão “se converte, afinal, numa nulidade da própria decisão que venha a ser proferida. Em https://blogippc.blogspot.pt, à margem de RL 15/5/14, 26903/13 (…), refere que “ a nulidade resultante da omissão (…) só se verifica se, na apreciação do pedido da parte, for dada relevância à deficiência (…) (no mesmo sentido, RP 8/1/18, 1676/16). Esta solução tem a vantagem de não colidir com a norma do art. 613º sobre a extinção do poder jurisdicional, que cessa com a prolação da decisão, (…) a ser ultrapassada através da interposição de recurso, nos termos gerais (ou arguição da nulidade, nos termos do art. 615º, nos casos em que não seja admissível recurso)[20].
A jurisprudência, como vimos, vem-se orientando no sentido de a apreciação da nulidade processual por determinada omissão de despacho ou omissão de alguma formalidade  de cumprimento obrigatório – como a que demanda o exercício do contraditório - acaba por ser apreciada no âmbito de recurso que entretanto foi interposto, como aconteceu  em RL 15-5-14, 26903/13, RE 26-10-17, 2929/15 e RG 23-6-16, 713/14, dizendo-se especificadamente neste último que “se a nulidade está coberta por decisão judicial (despacho) que ordenou, autorizou ou sancionou o respetivo ato ou omissão, em tal caso o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso competente, a deduzir (interpor) e tramitar como qualquer outro do mesmo tipo”, o que essencialmente conduz à solução defendida por Teixeira de Sousa. Trata-se de uma solução para a qual a nulidade processual apenas ganha relevo quando tal se projeta negativamente na decisão que é proferida, sendo a questão apreciada em sede de interposição de recurso”[21].  
Abrantes Geraldes, em Recursos no NCPC, 5ª ed. Pp. 25-30, defende que a reação da parte interessada passa pela interposição de recurso em cujo âmbito se inscreva a arguição daquelas nulidades, solução também adotada em STJ 23-6-16, 1937/15, no qual se afirmou que “a omissão de ato destinado a proporcionar ao autor o contraditório (…) determina a nulidade do despacho saneador onde tal exceção foi apreciada e julgada procedente” e “em STJ 17-3-16, CJ, t.I, p. 176 (“a decisão surpresa alegada e verificada constitui um vício intrínseco de decisão e não do iter procedimental, acarretando a nulidade do acórdão que assentou a sua decisão em dois fundamentos que não foram previamente considerados pela recorrente, que foram decisivos para a decisão e sobre os quais, antes, deviam ter sido ouvidos recorrente e recorridos” e em STJ 22-2-17, 5384/15”[22].
Assim, a falta da audiência prévia destinada, designadamente, ao fim previsto na al. b), do nº1, do art. 591º, “Facultar às partes a discussão de facto e de direito” determina a nulidade do saneador-sentença que conheceu do mérito da causa (da ação), julgando-a procedente apenas em parte, vendo-se a parte, devido à não realização de audiência prévia, impedida de influenciar a decisão.
Destarte, estando a nulidade processual coberta por decisão judicial posterior que a permitiu e lhe deu continuidade, conferindo assentimento ao respetivo ato ou omissão dela geradora, o meio próprio para a arguir o recurso a interpor da decisão proferida, com a qual se esgotou o poder jurisdicional (cfr. art. 613º, do CPC), onde aquela nulidade, a apreciar, releva a projetar-se, como no caso, negativamente na decisão proferida, que decisão surpresa configura.
Nos termos expostos, procedendo a apelação, por ter ocorrido violação do princípio do contraditório, dada a falta de audiência prévia, com a referida finalidade, não pode a decisão ser mantida.

Da responsabilidade tributária.

As custas do recurso são da responsabilidade do recorrente, dado a parte contrária não ter apresentado resposta ao mesmo, tirando o recorrente proveito do recurso, ao ver a decisão contra que se insurge anulada, conforme pretensão recursiva formulada, para os autos prosseguirem (artigo 527º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil).


*

III. DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação procedente e, em consequência, anulam a decisão recorrida e determinam a baixa dos autos à 1ª instância para realização da audiência prévia. 


*

Custas pelo apelante, dado o seu proveito (art. 527º, nº1 e 2, do CPC), sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.


Porto, 10 de julho de 2024

Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Manuel Domingos Fernandes
Fernanda Almeida
________________
[1] Cfr. exemplos destas nulidades (prática de ato que a lei não admita e omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva) in António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, pág 236 e José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 1º, pág. 382-383.
[2] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Idem, pág. 236.
[3] In Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 2º, Coimbra, 1945, pág. 507.
[4] FREITAS, Lebre de (1992). Inconstitucionalidades do Código de Processo Civil, em Revista da Ordem dos Advogados, 1992, I, págs 35 a 38.
[5] FREITAS, José Lebre de; Redinha, João; Pinto, Rui (1999), Código de Processo Civil (anotado), vol. I, Coimbra: Coimbra Editora, pág. 8.
[6] FREITAS, José Lebre de (2006), Introdução ao Processo Civil. Conceitos e princípios gerais, 2ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, págs 115 a 118.
[7] REGO, Carlos Lopes do (2004), Comentários ao Código de Processo Civil, 2ª ed., vol. I, Coimbra: Almedina, pág. 32.
[8] Cfr. Ac. do STJ de 04/05/99, proc. nº 99057, in dgsi.net
[9] Cfr, neste sentido Ac. do STJ de 15/10/2002, proc. 02A2478, Ac. da RL de 11/03/2008, proc. 2051/2008-7, Ac. da RL de 21/05/2009, proc. 1490/04.8TBPDL.L1-6 e Ac. da RP de 10/01/2008, proc. 0736877, todos in dgsi.net
[10] Ac. da RC de 13/11/2012, proc. 572/11.4TBCND.C1, in dgsi.net
[11] Ac. da RC de 20/9/2016, proc. 1215/14.0TBPBL-B.C1, in dgsi.pt
[12] Ac. do STJ de 27/9/2011, proc. 2005/03.0TVLSB.L1.S1, in dgsi.pt
[13] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Idem, pág. 685
[14] Cfr. Acs do STJ de 13/1/2005, proc. 04B4031, de 11/12/95, proc. 96A483, de 03/12/96, proc. 97A232, de 06/05/97, proc. 97A232 e de 22/01/98, proc. 98A448, Ac. RE, de 1/4/2004, proc. 2737/03-2, e Ac. RP de 10/01/2008, proc. nº 0736877, todos in dgsi.pt
[15] Acs. STJ. de 13/01/2005, proc. 04B4031; RP de 18/06/2007, proc. 0733086, in dgsi.pt.
[16] Ac. RL de 9/10/2014, proc. 2164/12.1TVLSB.L1-2, in dgsi.net
[17] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Idem, pág. 685.
[18] Ibidem, pág. 681 e seg.
[19] Ibidem, pág. 682.
[20] Ibidem, pág. 682.
[21] Ibidem, pág. 682 e seg.
[22] Ibidem, pág. 683.