Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ANA PAULA AMORIM | ||
Descritores: | PROCEDIMENTO CAUTELAR ARRESTO PREVENTIVO IMPUGNAÇÃO PAULIANA ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA | ||
Nº do Documento: | RP2020092477/20.2T8BAO.P1 | ||
Data do Acordão: | 09/24/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - Instaurado procedimento cautelar de arresto como preliminar da ação de impugnação pauliana, nos termos do art. 619º/2 CC e art. 392º/2 CPC constitui um ónus do credor alegar e provar apenas os pressupostos da impugnação da transmissão no que se refere ao adquirente do bem. II - O credor não tem de provar a solvabilidade do adquirente dos bens do devedor. A intervenção do adquirente tem a ver com a faculdade concedida ao credor de obter a declaração de ineficácia dos atos de transmissão dos bens do devedor que se poderia vir a revelar inútil, caso não fosse possível pedir a sua prévia apreensão. Este é demandado na lide cautelar para que conserve intacto o bem adquirido e o entregue quando lhe for pedido, para eventual execução. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Arresto-77/20.2T8BAO.P1 * SUMÁRIO[1] (art. 663º/7 CPC):* ……………………………… ……………………………… ……………………………… --- Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)I. Relatório No presente procedimento cautelar de arresto, em que figuram como: - REQUERENTE: B…, solteira, titular do contribuinte fiscal nº ………, residente na Rua …, nº …, 2º esquerdo, ….-… Matosinhos; e - REQUERIDOS: C…, titular do NIF nº ………, residente na Avenida … nº …., freguesia …, concelho de Amarante; D…, Lda., titular do número de pessoa coletiva nº ………, com sede na Avenida …, nº …., freguesia …, concelho de Amarante; E…, titular do NIF nº ………, residente na Rua …, nº …, Porto veio a requerente peticionar que seja decretado o arresto dos 14 imóveis que melhor identifica no seu articulado, com dispensa da prévia audição dos requeridos. Alegou para o efeito e em síntese, que o crédito a garantir foi reconhecido por sentença em processo que correu termos no Tribunal de Trabalho de Matosinhos, sentença essa que ainda não transitou em julgado, encontrando-se pendente recurso no Tribunal da Relação do Porto, ao qual foi atribuído o efeito meramente devolutivo. Nessa sentença a requerida E… (terceira requerida) foi condenada a satisfazer-lhe a quantia de € 152.063,53, acrescidos de juros até integral pagamento. Alegou, ainda, que instaurada execução e após realização de diligências de penhora veio a apurar que mediante doação de 13 prédios e a venda de um imóvel, pela devedora, respetivamente à filha (primeira requerida) e a uma empresa (segunda requerida) da qual é único titular o companheiro da filha, a mesma se “desfez” da totalidade do seu património imobiliário, com o que prejudicou a cobrança executiva do crédito, pretendendo instaurar ação de impugnação pauliana. Em sede de processo de execução logrou, tão só, a penhora do salário da terceira requerida. Juntou apenas prova documental. - A requerente foi notificada para se pronunciar sobre uma eventual verificação da exceção dilatória de incompetência relativa deste tribunal, em razão do valor, para conhecer do presente procedimento cautelar e nesse seguimento veio retificar o valor da ação e requerer a imediata remessa dos autos para o tribunal competente. - Proferiu-se despacho com decisão do seguinte teor:“I - Julgar este Juízo de Competência Genérica de Baião, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, incompetente, em razão do valor, para apreciar e decidir o presente procedimento cautelar, declarando-se competente o Juízo Central Cível de Penafiel, da mesma Comarca do Porto Este. II – Condenar a requerente nas custas do incidente, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal”. - Remetidos os autos ao tribunal competente, proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve (ref. Citius 82278009):“Julga-se, consequentemente, procedente o procedimento cautelar requerido, determinando-se, em consequência, o arresto da totalidade dos imóveis identificados sob as alíneas C) e F) dos factos assentes, para garantia da quantia de € 152.063,53, acrescidos de juros até integral pagamento. DN. Custas pela requerente, sem prejuízo de atendibilidade na ação respetiva. Notifique, sendo-o após a execução/realização do ordenado arresto, os requeridos, nos termos da lei”. - Concluídas as diligências de arresto, promoveu-se a citação dos requeridos.- Citados os requeridos vieram deduzir oposição.Alegaram para o efeito que o presente procedimento cautelar de arresto foi requerido sobre bens de terceiros, a quem foram transmitidos os bens penhorados, sem que a ação de impugnação pauliana tenha sido instaurada. Tal implica que seja exigível ao credor “a alegação e prova sumária dos pressupostos da impugnação, como fator de credibilidade e seriedade da pretensão, mas no caso em apreço não foi feita a prova sumária dos pressupostos da impugnação e, designadamente, de ter resultado dos atos em causa a impossibilidade de o credor obter a satisfação integral do seu crédito ou o agravamento dessa impossibilidade”. Mais alegou que a terceira requerida foi, efetivamente, condenada no pagamento da quantia de € 152.063,53 pela sentença junta com o requerimento inicial como documento nº1 uma vez que o seu advogado não apresentou tempestivamente a contestação nesses autos e em virtude da falta de apresentação da contestação no prazo legal, consideraram-se confessados os factos alegados pela autora, aqui Requerente, os quais não são, todavia, verdadeiros, e foi feito um enquadramento jurídico errado, já que o contrato que foi celebrado entre a Requerente e a 3ª Requerida foi um contrato de serviço doméstico, ao qual era aplicável um regime especial (previsto no DL n.º 235/92, de 24 de Outubro) e não o Código do Trabalho. Naquela ação a requerente alegou que foi admitida ao serviço da Ré para cuidar da “mãe desta”, o que não corresponde à verdade, pois a Autora foi admitida, como empregada doméstica/auxiliar de geriatria, pela mãe da terceira requerida e não por esta. A terceira requerida entendeu que não era devedora de qualquer quantia à Requerente pois, efetivamente, não celebrou com esta qualquer contrato. Alegou que essa ação está ainda em fase de recurso, tendo a Requerente instaurado execução provisória da sentença onde se apurou 18 imóveis pertencentes à terceira Requerida e que, além disso, se encontra penhorado o seu salário, entendendo que a requerente não demonstrou a necessidade do decretamento da presente providência cautelar e muito menos o justo receio de perda da garantia patrimonial do seu crédito. A terceira Requerida dispõe, como consta da própria informação da Autoridade Tributária junta aos autos, de um veículo automóvel e de um salário, pelo que o seu património é suficiente para garantir o pagamento do crédito, ascendendo a penhora do seu salário ao valor mensal de € 974,02. Alega ter bens de valor igual ou superior e ser desnecessário o arresto porque a ação de impugnação pauliana permite ao credor obter a declaração de ineficácia dos atos, sem necessidade da sua prévia apreensão (desde logo, através do registo da ação de impugnação). Sendo o arresto requerido sobre bens do terceiro adquirente, sem instauração da ação de impugnação a Requerente não invocou qualquer facto atinente ao justo receio de perda de garantia patrimonial, tendo em conta que à data em que a providência foi requerida os bens já tinham sido transmitidos para a 1ª e 2ª Requeridas. Se o arresto for requerido sobre bens de terceiro adquirente dos bens do devedor, já o deferimento da providência depende de alegação e prova, por parte do requerente, também do justo receio de perda de solvabilidade do terceiro adquirente. Nada se afirma quanto à inexistência de qualquer outro património das 1ª e 2ª Requeridas, nem mesmo que estejam em vias de alienar os imóveis cujo arresto foi requerido (e decretado), de onde se possa concluir que existe perigo de perda da garantia patrimonial. Mais refere que no arresto sobre bens de terceiro exige-se complementarmente a alegação e prova sumária da impugnação, como fator de credibilidade e de seriedade da pretensão, tanto mais que vai interferir na esfera jurídica de terceiros (porque não é o devedor) porventura alheios à relação creditícia de onde emerge o direito, mas nenhum destes factos foi alegado. Alegou, ainda, quanto à transmissão dos bens a favor da 1ª Requerida que a doação celebrada por escritura pública, no dia 20.12.2019, entre as 1ª e 3ª Requeridas, mais não foi do que a formalização da propriedade e a titulação de uma posse que há muito vinha sendo exercida pela Requerida C…, sobre os imóveis objeto da escritura de doação, pois a requerida C… utiliza os imóveis objeto da escritura de doação, neles fazendo exploração agrícola, sementeira, plantação, benfeitorias, apresentação de projetos de investimento de apoio à exploração agrícola, como legítima possuidora dos mesmos, tudo atos que trouxeram aos imóveis valor maior do que tinham anteriormente. A Requerida C… tem o gozo dos prédios há mais de três anos, utiliza-os à vista de todos, a título gratuito, de boa-fé e de forma pacífica, neles fazendo plantações, colhendo frutos, construindo muros, fazendo terraplanagens, atuando como proprietária dos mesmos. A 1ª Requerida é a única filha da 3ª Requerida, e esta quis transmitir-lhe a propriedade dos imóveis para que a 1ª Requerida os pudesse explorar, no âmbito de uma atividade agrícola, em seu exclusivo proveito, e praticando nos imóveis todos os atos materiais que entendesse por convenientes, o que determinou um aumento do seu valor muito superior àquele que tais prédios tinham anteriormente. Em 20 de Junho de 2017 a 3ª Requerida formalizou a cedência à 1ª Requerida, a título gratuito, pelo prazo de 20 anos, renovável, os prédios descritos nas verbas 1 a 6 da “Declaração de cedência a título gratuito”. Refere a mencionada Declaração, que a 3ª Requerida “declara que cede os referidos prédios a título gratuito à Senhora C…, NIF ………, residente na Avenida …, …. código postal ….-… …, portador do cartão de cidadão nº …….., válido até 06/09/2020, para a realização de todas as benfeitorias que entenda convenientes à boa utilização do prédio cedido, à implementação de projetos de investimento de apoio à exploração agrícola, assim como a aquisição de equipamentos para mecanização de exploração.”. Os prédios descritos nas Verbas nºs 1 a 6 da “Declaração de cedência a título gratuito”, correspondem aos prédios arrestados descritos nas Verbas seguintes: - Verba nº 1; Artigo U-1001, Artigo U-695, Artigo R-1014; - Verba nº 5; - Verba nº 2: Artigo R-1019; - Verba nº 6; -Verba nº 3: Artigo U-1006; Artigo R – 789; - Verba nº 7: - Verba nº 4: Artigo R-795 - Verba nº 8; - Verba nº 5: Artigo R – 966; - Verba nº 9; - Verba nº 6: Artigo R – 2597; - Verba nº 10. Em 29 de Novembro de 2017 a 3ª Requerida cedeu, por documento com conteúdo em tudo idêntico ao elaborado em 20 de Junho de 2017 e junto como documento nº 3, mais dois prédios, passando a Declaração de cedência a conter, no total, 8 Verbas, com amplos poderes para a 1ª Requerida os utilizar e neles fazer plantações como lhe aprouvesse. Foram acrescentadas assim, ao título de cedência dos prédios, os seguintes bens imóveis: - Declaração de cedência a título gratuito de 29.11.2017: - Auto de Arresto - Verba nº 7: Artigo R – 2396; - Verba nº 1; - Verba nº 8; - Verba nº 2: Artigo R – 2410 No mesmo dia 29 de Novembro de 2017, a 3ª Requerida concedeu ainda à 1ª Requerida, em declaração especificamente elaborada para o efeito, o exercício dos direitos de plantação de vinha atribuídos pelo F…, IP, com vista à reestruturação e reconversão da vinha existente nos prédios acima referidos. Mais alegou que as cedências demonstram que a 3ª Requerida quis, efetivamente, transmitir o gozo e o direito de utilização dos imóveis para a 1ª Requerida, o que concretizou e a 1ª Requerida, devidamente legitimada, plantou e valorizou tais imóveis como se fossem logo de sua propriedade, o que ocorreu antes da sentença proferida na ação judicial que pende no Tribunal de Trabalho de Matosinhos, agora em fase de recurso no Tribunal da Relação do Porto, ou seja, em momento muito anterior ao reconhecimento do crédito da Requerente. À data da escritura de doação outorgada em 21 de Dezembro de 2019, a 1ª Requerida já era, afinal, proprietária e legítima possuidora, dos imóveis que apenas formalmente lhe foram doados, inexistindo má fé da 1ª e 3ª Requeridas, aquando da formalização da escritura de doação. Em relação à transmissão dos bens a favor da 2ª Requerida, alegou que a 3ª Requerida vendeu à sociedade 2ª Requerida o prédio denominado “G…”, constituído por pinhal e mato, inscrito na matriz predial rústica sob o artº 1880 da freguesia …, concelho de Baião e descrito na Conservatória do Registo Predial de Baião sob o nº 2215, pelo preço de € 640,00 que recebeu. O preço de € 640,00 corresponde a 0,10 € / m2, valor este correspondente ao preço de mercado do terreno no local, em zona acidentado, com mato e sem água e o valor patrimonial tributário desse prédio era de € 33,97. Quem adquiriu o prédio foi uma sociedade cujo objeto social consiste na “compra e venda de bens imobiliários e revenda dos adquiridos para esse fim, alojamento mobilado para turistas, turismo no espaço rural, arrendamento de bens imobiliários, administração de imóveis por conta de outrem, construção de edifícios (residenciais e não residenciais), outras atividades de construção diversas, preparação dos locais de construção, viticultura, silvicultura e outras atividades florestais e exploração florestal”. O preço foi pago em numerário e, pelo seu valor, não implica qualquer diminuição da garantia patrimonial do crédito. O bem foi substituído por dinheiro pelo que, na realidade, não houve diminuição do património da terceira Requerida, dado que, em vez do imóvel, ficou proprietária de dinheiro de igual valor. Mais alegou que a 3ª Requerida detém diversos outros bens (em especial o salário) que podem responder pela dívida. Conclui que não foram alegados quaisquer factos relacionados com o justo receio de perda da garantia patrimonial do crédito – requisito essencial para ser decretado um arresto – e, além disso, tendo recaído sobre bens do terceiro adquirente, também não se mostram preenchidos os pressupostos da procedência da impugnação anunciada (em relação aos terceiros). A título subsidiário, alegou que o arresto que recaiu sobre o prédio misto denominado “H…”, sito no …, freguesia …, concelho de Baião, inscrito na matriz urbana sob o artº 1006 e na matriz rústica sob o artº 789 abrangeu uma área que foi adquirida, mediante escritura de compra e venda, pela 1ª Requerida. O prédio que está inscrito a favor da 3ª Requerida tinha a área de 2.842, 32 m2. A 1ª Requerida comprou uma parcela de terreno com a área de 4.920,68 m2 a desanexar do prédio rústico inscrito na matriz sob o artº 799 da freguesia …, que confinava com a parte rústica do prédio misto “H…”, tendo em vista o arredondamento e alinhamento da extrema, como resulta da escritura de compra e venda que se junta. Em resultado dessa aquisição, o prédio inscrito a favor da 3ª Requerida e descrito na Conservatória do Registo Predial de Baião sob o nº 2915 ficou com a área de 7763 m2. Tal significa que foi arrestado um prédio que inclui, na sua área, uma parcela de terreno pertencente à 1ª Requerida e que não foi objeto da escritura de doação. A providência de arresto incidiu, assim, para além dos imóveis doados à 1ª Requerida, também sobre uma parcela de terreno adquirida por esta pela escritura de compra e venda referida. A Requerente viu, desta forma, reforçado o arresto num bem que não deveria ter sido abrangido pela providência, uma vez que a maior parte do prédio foi comprada por via da escritura e não objeto da doação. Termina por pedir que o levantamento do arresto sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Baião sob o nº 2915, por não se verificarem os requisitos invocados para a impugnação. - A requerente veio suscitar a intempestividade das oposições.- Proferiu-se o despacho que se transcreve (ref. Citius 82878293):“Compulsados os termos da citação realizada, verifica-se que, mal, aos citados foi indicado um prazo para a citação superior ao legalmente previsto. Ora, nos termos e para os efeitos do artigo 191º, n.º 3 do CPC, deve a defesa ser admitida dentro do prazo indicado, com o que improcedente a arguição da extemporaneidade da oposição, posto que apresentada aquém do prazo indicado na citação como o disponível. Notifique. * Tem-se por dispensável/despicienda a produção da prova testemunhal arrolada em sede de oposição, uma vez que adquiridos documentalmente os factos em que os oponentes fundam a sua oposição ao arresto decretado…: assim a existência de acordos/negócios/convenções anteriores às transmissões em causa neste procedimento, em termos da disponibilidade/fruição pela transmissária dos imóveis 2ª Ré; como a aquisição de uma parte inseparável já de imóvel arrestado pela 3ª requerida…De todo o modo, é a improcedência mesma das razões da oposição aduzida, ainda que assentes aqueles factos, por prova documental, que torna inútil ou despicienda a inquirição das testemunhas, uma vez que: desnecessária a provar o que a prova documental já suporta; imprestável a demonstrar cabalmente a aduzida “boa fé” e sempre inútil tal demonstração no que tange aos negócios correspondentes a doação… Na verdade, como é sabido, a prova das intenções e consciência de causação do prejuízo típica das ações de impugnação pauliana é uma prova por inferência (quando não por confissão, única forma de prova direta), com o que a prova testemunhal não é de molde a revestir interesse probatório relevante, a mais de convicções subjetivas, elas mesmas conclusivas e por isso que irrelevantes ou inúteis. Quanto à oposição, pois: I. Estão provados, em função dos documentos juntos com a oposição mesma, os factos sob os artigos 53º a 60º do articulado da oposição pelas Rés C… e D…, LDA e bem assim a penhora do salário da executada, no valor ali referido. Ainda os factos sob 85º a 88º do mesmo articulado da oposição. II. Quanto ao mérito ou substância, sendo certo que perfeitamente irrelevante a argumentação relativa ao recurso da decisão condenatória, posto que indiciado ainda assim um crédito, exequendo até este: 1. Desde logo, a decisão a que vem apresentada a oposição sustentou, nos termos que dela melhor constam, “que devendo é certo o juízo de aferição do requisito do arresto do justo receito de perda da garantia patrimonial, incidir apenas sobre a generalidade do património do devedor/obrigado, não é necessário que incida ele sobre o bem concreto de terceiro/não devedor quando se pretenda possibilitar a respetiva execução na sequência de procedência de impugnação do ato de transmissão do obrigado/devedor”, com o que não é certo que ali não se tenha tomado posição, de resto expressa e fundamentada, sobre a “desnecessidade” de aferição do risco de perda da garantia patrimonial, com relação ao património da transferência… Discutível a posição assumida, a mesma é sindicável em sede de recurso, mas não de oposição. Outrossim manifesto, no caso da obrigada, não o risco, mas o dano da perda ou evicção. 2. A existência de um salário penhorável e penhorado, por elevado que seja o seu valor, não altera o juízo subjacente ao decretamento da providência. Com efeito, o património do devedor (todo ele) se constitui como garantia do crédito, não sendo de impor ao credor que “aguarde” a satisfação do seu interesse, quando existam outros bens, entretanto “dissipados”… Não se esqueça até que, no caso das doações, a lei prescinde do requisito da má fé quanto à impugnação pauliana, “desconsiderando” totalmente o interesse contraposto. 3. Irreleva que não se tenha havido por demonstrada na decisão a que vem contraposta a oposição aprecianda a inexistência de outro património da devedora. Como é sabido, em sede de impugnação pauliana, é ao devedor que cabe a alegação e prova da existência de outro património e suficiente, o que não vem feito na oposição mesma, ainda quanto a património imobiliário. 4. Quanto aos negócios entre a 2ª requerida e sua mãe, anteriores à citação para os termos da ação que reconheceu o crédito, ainda que indiciários da vontade que a doação veio a concretizar, a um tempo: não resulta sequer que sejam anteriores à constituição mesma do crédito (porquanto a relação que o origina será anterior); não são translativos da propriedade, pelo que o prejuízo para a cobrança apenas se afirma com o negócio translativo e, estando em causa uma doação, como se viu, irrelevante a boa fé. 5. Quanto ao pagamento do preço no negócio com a 3ª Ré, o dinheiro é, por natureza, um bem mais facilmente sonegável que um imóvel. Curiosamente, não vem oferecido o depósito do preço como garantia em substituição do arresto… Sempre se anota que as pessoas coletivas, tendo personalidade jurídica própria, agem por intermédio dos seus legais representantes, sendo que nas relações pessoais estes não se “despem” da qualidade de representantes, com o que irrelevante a “desvalorização” probatória do relacionamento pessoal intercedente entre a devedora e o legal representante da 3ª requerida. Anote-se até a forma societária desta, em que a dimensão pessoal sobreleva decisivamente… 6. Finalmente, quanto ao pedido de “redução” do arresto, excluindo uma área “estranha” ao negócio posto em causa, legal e juridicamente inviável. É que o arresto incide sobre a realidade do imóvel, sobre a sua identidade jurídica, que vem a ser única, nos termos constantes do registo. Não é, pois, admissível, um “destaque” artificial de uma parcela, ainda quando a alteração da composição do imóvel o seja após o negócio impugnado. III. Tudo para dizer, assim, da improcedência das oposições deduzidas, o que se decide, mantendo-se o arresto decretado, nos seus precisos termos. Custas pelos requeridos/opoentes, sem prejuízo de atendibilidade na ação principal. Registe e notifique”. - Os requeridos vieram interpor recurso do despacho que apreciou a matéria da oposição. - Nas alegações que apresentaram os apelantes formularam as seguintes conclusões:……………………………… ……………………………… ……………………………… Termina por pedir o provimento do recurso e a revogação da sentença recorrida. - Na resposta ao recurso a apelada formulou as seguintes conclusões: ……………………………… ……………………………… ……………………………… Conclui por pedir a rejeição do recurso e sem prescindir que se julgue o mesmo improcedente. - O recurso foi admitido como recurso de apelação.- Cumpre apreciar e decidir.- II. Fundamentação1. Delimitação do objeto do recurso O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC. As questões a decidir: - admissão da junção de documento com as alegações de recurso; - da verificação da provável existência do crédito; - do justo receio de perda da garantia patrimonial em relação ao devedor e terceiros adquirentes; - verificação dos pressupostos da impugnação pauliana; - redução do arresto. - 2. Os factosCom relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância: - Requerimento Inicial - A) A 3ª Requerida, E…, foi condenada em 08.10.2019, por sentença no processo que correu termos no Tribunal de Trabalho de Matosinhos – Juiz 2, sob o processo nº 4280/17.4 T8MTS, a pagar à Requerente a quantia de € 152.063,53, acrescidos de juros até integral pagamento (conforme documento nº 1 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). B) Na ação executiva instaurada para obter o pagamento da quantia referida em A), a Autoridade Tributária informou os autos da existência de 18 imóveis matriciados em nome da 3º requerida, conforme documento nº 3 junto com a petição, cujo teor aqui se considera. C) No dia 20 de dezembro de 2019, por escritura pública de doação realizada no Notário I…, a 3º Requerida doou 13 (treze) imóveis à sua filha, aqui 1ª Requerida, conforme documento nº 4 junto com a petição inicial, cujos termos aqui se dão por integralmente reproduzidos: - Verba nº 1 – Prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Baião sob o nº 2838 e artigo matricial nº 2396; - Verba nº 2 - Prédio rústico descrito na Conservatória de Baião sob o nº 2839 e artigo matricial nº 2410; - Verba nº 3 - Prédio rústico descrito na Conservatória de Baião sob o nº 2840 e artigo matricial nº 2412; - Verba nº 4 - Prédio rústico descrito na Conservatória de Baião sob o nº 2841 e artigo matricial nº 3018; - Verba nº 5 - Prédio misto descrito na Conservatória de Baião sob o nº 2760, e artigos matriciais nº 1001 (urbano) e 695 (rústico); - Verba nº 6 - Prédio rústico descrito na Conservatória de Baião sob o nº 2768 e artigo matricial nº 1019; - Verba nº 7 - Prédio misto descrito na Conservatória de Baião sob o nº 2788, e artigos matriciais nº 1006 (urbano) e 789 (rústico); - Verba nº 8 - Prédio rústico descrito na Conservatória de Baião sob o nº 2770 e artigo matricial nº 795; - Verba nº 9 - Prédio rústico descrito na Conservatória de Baião sob o nº 2771 e artigo matricial nº 666; - Verba nº 10 - Prédio rústico descrito na Conservatória de Baião sob o nº 2789 e artigo matricial nº 2597; - Verba 11 – Metade do prédio urbano, descrito na Conservatória de Baião sob o nº 1501 e artigo matricial nº 592; - Verba nº 12 - Prédio rústico descrito na Conservatória de Baião sob o nº 2874 e artigo matricial nº 1016; - Verba 13 - Prédio rústico descrito na Conservatória de Baião sob o nº 2875 e artigo matricial nº 1071; - totalizando o valor patrimonial das 13 verbas o montante de €48.397,26. D) No mesmo dia e local, celebrou um contrato de compra e venda por escritura pública, com a sociedade 2ª Requerida, cujo único sócio, J…, tem ao menos a mesma residência da 1ª Requerida, filha da 3ª Requerida, conforme documento nº 5 junto com a petição inicial, cujos termos aqui se dão por reproduzidos. E) Além da morada comum daqueles requeridos, também ambos são sócios de uma sociedade “K…, Lda.”, com morada fiscal também na mesma morada, conforme documento nº 6 junto com a petição inicial. F) O objeto da venda referida em D), foi um prédio rústico descrito na Conservatória de Baião sob o nº 2215 e artigo matricial nº 1880, vendido pelo preço de €600, sendo o seu valor patrimonial de €33,97. G) O negócio celebrado conforme matéria assente em D) e F) foi-o com a intenção de ambos os outorgantes de subtraírem aquele imóvel à execução e garantia do crédito da requerente sobre a 3ª requerida. - - Oposição -53. Em 20 de Junho de 2017 a 3ª Requerida formalizou a cedência à 1ª Requerida, a titulo gratuito, pelo prazo de 20 anos, renovável, os prédios descritos nas verbas 1 a 6 da “Declaração de cedência a título gratuito” que se junta ao diante como documento nº 3 e se dá qui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 54. Refere a mencionada Declaração, que a 3ª Requerida “declara que cede os referidos prédios a título gratuito à Senhora C…, NIF ………, residente na Avenida …, …. código postal ….-… …, portador do cartão de cidadão nº ………, válido até 06/09/2020, para a realização de todas as benfeitorias que entenda convenientes à boa utilização do prédio cedido, à implementação de projetos de investimento de apoio à exploração agrícola, assim como a aquisição de equipamentos para mecanização de exploração.” (cfr. Documento nº 3). 55. Os prédios descritos nas Verbas nºs 1 a 6 da “Declaração de cedência a título gratuito”, correspondem aos prédios arrestados descritos nas Verbas seguintes: Declaração de cedência a título gratuito Auto de Arresto: - Verba nº 1; Artigo U-1001, Artigo U-695, Artigo R-1014; - Verba nº 5; - Verba nº 2: Artigo R-1019; - Verba nº 6; -Verba nº 3: Artigo U-1006; Artigo R – 789; - Verba nº 7: - Verba nº 4: Artigo R-795 - Verba nº 8; - Verba nº 5: Artigo R – 966; - Verba nº 9; - Verba nº 6: Artigo R – 2597; - Verba nº 10. 56. Em 29 de Novembro de 2017 a 3ª Requerida cedeu, por documento com conteúdo em tudo idêntico ao elaborado em 20 de Junho de 2017 e junto como documento nº 3, mais dois prédios, passando a Declaração de cedência a conter, no total, 8 Verbas. 57. Foram acrescentadas assim, ao título de cedência dos prédios, os seguintes bens imóveis: Declaração de cedência a título gratuito de 29.11.2017-Auto de Arresto - Verba nº 7: Artigo R – 2396 - Verba nº 1; - Verba nº 8; - Verba nº 2: Artigo R – 2410 58. Foi, assim, desta forma formalizada a cedência da 3ª Requerida à 1ª Requerida, a título gratuito, pelo prazo de 20 anos, renovável, do gozo dos prédios descritos nas verbas 1 a 8 da “Declaração de cedência a título gratuito” que se junta ao diante como documento nº 4, que a mesma já vinha exercendo anteriormente, 59. Com amplos poderes para a 1ª Requerida os utilizar e neles fazer plantações como lhe aprouvesse. 60. No mesmo dia 29 de Novembro de 2017, a 3ª Requerida concedeu ainda à 1ª Requerida, em declaração especificamente elaborada para o efeito, o exercício dos direitos de plantação de vinha atribuídos pelo F…, IP, com vista à reestruturação e reconversão da vinha existente nos prédios acima referidos – documento nº 5 que se junta ao diante e se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 85. O arresto que recaiu sobre o prédio misto denominado “H…”, sito no …, freguesia …, concelho de Baião, inscrito na matriz urbana sob o artº 1006 e na matriz rústica sob o artº 789 abrangeu uma área que foi adquirida, mediante escritura de compra e venda, pela 1ª Requerida. 86. Com efeito, o prédio que está inscrito a favor da 3ª Requerida tinha a área de 2.842, 32 m2. 87. A 1ª Requerida comprou uma parcela de terreno com a área de 4.920,68 m2 a desanexar do prédio rústico inscrito na matriz sob o artº 799 da freguesia …, que confinava com a parte rústica do prédio misto “H…”, tendo em vista o arredondamento e alinhamento da extrema, como resulta da escritura de compra e venda. 88. Em resultado dessa aquisição, o prédio inscrito a favor da 3ª Requerida e descrito na Conservatória do Registo Predial de Baião sob o nº 2915 ficou com a área de 7763 m2. - No âmbito do processo de execução procedeu-se à penhora do vencimento da terceira requerida, no montante mensal de € 974,02. - Não se provou:- que o legal representante da 2ª requerida seja companheiro da 1ª requerida, nem que a 3ª requerida não tenha outro património imobiliário. - 3. O direito- Admissão da junção de documento com as alegações de recurso - Os apelantes nas alegações de recurso requereram a junção de um documento: cópia do acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido em 14 de julho de 2020 no Proc. 4280/17.4T8MTS.P1. Como se prevê no art. 425º CPC depois do encerramento da discussão, em sede de recurso só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento. Como observava ALBERTO DOS REIS: “[c]oncilia-se assim o princípio de disciplina processual que postula o oferecimento imediato de documentos, com o princípio de justiça segundo o qual a decisão deve ser a expressão, tão perfeita e completa quanto possível, da verdade dos factos que interessam ao litígio”[2]. A junção de documentos em sede de recurso está contudo subordinada ao critério estabelecido no art. 651º CPC, no qual se determina que: “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o art. 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância”. Dispõe o art.425ºCPC: “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento”. Decorre deste regime que em sede de recurso, nas alegações, as partes podem juntar documentos, quando: - a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento – superveniência objetiva (fundada na data do facto a provar ou do documento comprovante) ou subjetiva (baseada no desconhecimento da existência do documento, na indisponibilidade dele por parte do interessado ou na necessidade de alegação e prova do facto); - se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando esta se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo[3]. No caso em análise, para justificar a junção do documento, os apelantes reportam-se a factos novos e supervenientes que não constituem o fundamento da providência cautelar. Não indicam em que medida o julgamento em 1ª instância justifica a sua junção. Analisado o documento em confronto com os fundamentos dos articulados e com o teor da decisão proferida em 1ª instância, resulta que na sentença o juiz do tribunal “a quo” não veio invocar novos e diferentes argumentos, limitando-se a apreciar dos fundamentos do arresto por referência à data da instauração e decisão da providência, únicas relevantes para este efeito[4]. A junção de documentos em sede de alegações face ao julgamento em 1ª instância, funda-se no imprevisto da decisão proferida, quer por razões de direito quer por razões de prova[5]. No caso presente a decisão proferida não se funda em normas jurídicas com cuja aplicação a parte não contava, nem a junção da cópia do acórdão, como meio de prova, pode contribuir para apurar factos diferentes daqueles que se mostram provados, com relevância na decisão final e que não foram atendidos por omissão de prova documental. Conclui-se, assim, que atento o critério previsto no art. 651º/1 CPC carece de fundamento legal e não se mostra pertinente a requerida junção do documento, motivo pelo qual se determina o seu desentranhamento e devolução ao apresentante. O incidente será tributado com custas a cargo dos apelantes, fixando-se a taxa de justiça em € 60,00 (sessenta euro) – art. 543º/1 CPC e art. 27º/1/3 RCJ. - - Da verificação da provável existência do crédito -Nas conclusões de recurso, sob os pontos 1 a 7, consideram os apelantes que perante a decisão proferida no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14 de julho de 2020 no Proc. 4280/17.4T8MTS.P1, que anulou a sentença proferida em 1ª instância, não se verifica o pressuposto da probabilidade da existência do crédito. Na sentença objeto de recurso considerou-se verificado este pressuposto do arresto, com os fundamentos que se passam a transcrever: “[p]ressuposto incontornável do decretamento do arresto é, portanto, desde logo, a titularidade, por parte do arrestante, de um crédito sobre o justificado. Efetivamente, «sendo o direito de requerer arresto conferido ao credor, cabe ao requerente mostrar que é credor e, consequentemente, provar, em princípio, a existência do crédito». Manifesta esta indiciação, atento o facto sob A), sendo certo que a interposição de recurso da decisão condenatória não afasta a probabilidade qualificada de existência do crédito que a sentença, exequenda até, consubstancia”. Na alínea A) dos factos provados consignou-se: - A) A 3ª Requerida, E…, foi condenada em 08.10.2019, por sentença no processo que correu termos no Tribunal de Trabalho de Matosinhos – Juiz 2, sob o processo nº 4280/17.4 T8MTS, a pagar à Requerente a quantia de € 152.063,53, acrescidos de juros até integral pagamento (conforme documento nº 1 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). A questão que se coloca consiste em apurar se anulada a sentença, com fundamento na omissão de enunciação dos factos provados e não provados, falha a prova do primeiro pressuposto do arresto. O arresto insere-se no âmbito dos procedimentos cautelares e tem como função: assegurar a eficácia da execução da sentença que o credor se propõe obter contra o devedor. A razão de ser deste instituto reside no facto do património do devedor constituir a garantia dos credores e foi atendendo a determinado património que estes com ele contrataram, sendo por isso justo permitir o arresto, logo que os bens que formam o conteúdo desta garantia começarem a desaparecer, a ponto do desaparecimento poder levar à diminuição da garantia patrimonial[6]. Para que seja decretado o arresto é necessário alegar e provar: - a provável existência do crédito; e - o receio de perda da garantia patrimonial (art. 391º a 392º CPC e art. 619º CC). Conforme resulta dos factos provados, sob a alínea A), cuja matéria não foi impugnada, está demonstrado partindo de um juízo de mera probabilidade que entre a requerente e a terceira requerida foi celebrado um contrato de acordo com o qual a requerente se obrigou a prestar serviços como cuidadora, mediante o recebimento de uma contrapartida, que não foi paga e cujo valor ascende ao montante indiciariamente apurado. Em 1ªinstância foi proferida sentença que reconheceu o crédito da requerente e de tal sentença foi interposto recurso, ao qual foi atribuído efeito meramente devolutivo. O recurso interposto não impede a instauração da execução, ainda que fundada em decisão provisória (art. 704º/1/2 CPC). Apenas a decisão definitiva, comprovada por certidão, extingue ou modifica a execução (art. 704º/2 CPC). Como referia o Professor ALBERTO DOS REIS:” [é] de toda a evidência que não pode subsistir uma execução baseada numa sentença que posteriormente é revogada ou anulada. Nesta hipótese o título executivo cai e com ele tem de cair a execução que no título se apoiava”[7]. Contudo, no caso concreto, não estamos perante um processo de execução, nem o procedimento de arresto foi instaurado por apenso a processo de execução. O procedimento foi instaurado como preliminar de ação de impugnação pauliana. A sentença, a que se reporta a decisão recorrida, constitui um elemento de prova, que indiciariamente comprova a existência de um crédito da requerente. Por outro lado, os apelantes apenas juntaram cópia do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, não resultando de tal documento que transitou em julgado. Acresce que o douto acórdão anulou a sentença proferida pelo tribunal de 1ª instância, mas não revogou a sentença no sentido de julgar não reconhecido o crédito. Resta referir que mesmo que se entendesse estar na presença de uma circunstância que extingue o direito que o requerente pretende acautelar, seria junto do tribunal de 1ª instância, que os apelantes deviam suscitar a caducidade da providência, ao abrigo do art. 373º/1/3, por remissão do art. 395º CPC. Como se prevê no art. 373º/3 CPC a extinção do procedimento ou o levantamento da providência são determinados pelo juiz, com prévia audição do requerente, logo que se mostre demonstrada nos autos a ocorrência do facto extintivo. Em sede de recurso o tribunal apenas reaprecia a decisão proferida em 1ª instância e não toma conhecimento de questões novas, sobretudo quando não são de conhecimento oficioso, não consubstanciam uma nulidade de sentença, nem o conhecimento de mera questão de direito. Conclui-se, assim, que os motivos invocados não justificam a alteração da decisão, quanto à verificação do primeiro pressuposto do arresto. Improcedem as conclusões de recurso sob os pontos 1 a 7. - - Do justo receio de perda da garantia patrimonial - Nas conclusões de recurso, sob os pontos 8 a 19, insurgem-se os apelantes contra o segmento da sentença que julgou verificado o segundo pressuposto do arresto: o receio de perda da garantia patrimonial. Consideram que não estão alegados, nem provados, factos que configuram o justo receio de perda da garantia patrimonial, em relação ao devedor e em relação aos adquirentes dos bens do devedor, os primeiro e segundo requeridos, para além de não estar comprovada a procedência da ação de impugnação pauliana. Na sentença, apreciando da verificação de tal pressuposto, após análise de jurisprudência e estudos jurídicos, considerou-se como se passa a transcrever: “[…] Dir-se-á assim, em conclusão, que devendo é certo o juízo de aferição do requisito do arresto do justo receito de perda da garantia patrimonial, incidir apenas sobre a generalidade do património do devedor/obrigado, não é necessário que incida ele sobre o bem concreto de terceiro/não devedor quando se pretenda possibilitar a respetiva execução na sequência de procedência de impugnação do ato de transmissão do obrigado/devedor. O artº 610º alínea a) do C. Civil exige ainda que o crédito que fundamenta a impugnação pauliana seja anterior ao ato impugnado, quando não se põe a questão da prática dolosa deste último. O crédito deve, pois, preexistir ao ato a impugnar. Esta prévia existência, na conceção que julgamos preferível, não é, contudo, sinónimo de crédito vencido. Basta que na esfera jurídica do respetivo devedor tenha passado a haver a obrigação de prestar. No Acórdão do STJ de 24.10.02 – Sumários 2002, p. 320 - refere-se que o artº 610º não alude ao vencimento do crédito. E o mesmo se afirma no Acórdão do STJ de 12.12.02 – www.dgsi.pt -, quando se diz que a anterioridade do crédito se afere pela data da sua constituição e não pela data do seu vencimento. Concordamos na íntegra com a citada jurisprudência. […] Não há vozes discordantes no sentido de que a anterioridade do crédito, para efeitos da acção pauliana, deve reportar-se ao tempo da constituição da relação obrigacional. Manifesta a anterioridade do crédito a garantir. Por outro lado, estando, desde logo, em causa a impugnação de uma doação, incidente sobre 14 imóveis, negócio evidentemente gratuito, sendo o crédito a garantir anterior à doação, nos termos desde logo do decidido pela jurisprudência, designadamente, do STJ em casos semelhantes, como pode constatar-se, entre outros, através dos Acórdãos do STJ, de 27/09/2016, 12/3/15, 29/11/11, 13/12/07, 22/6/04, 22/1/04 e 12/12/02, disponíveis in www.dgsi.pt., nos termos e para os efeitos do art. 612º, n.º 1, 2ª parte do CPC é irrelevante a boa fé das partes. Quanto ao requisito da má fé a lei distingue se o ato é oneroso ou gratuito. O ato oneroso só está sujeito a impugnação pauliana se o devedor e o terceiro tiverem agido de má fé; já o ato gratuito é impugnável ainda que um e outro hajam atuado de boa fé. Sendo o interesse no cumprimento das obrigações “mais valioso que o interesse na proteção e conservação de atos de liberalidade, quando se verifica a alienação de um bem, sem recebimento de qualquer contrapartida, não se justifica que os interesses de quem deu e de quem recebeu se sobreponham, em qualquer situação, aos interesses de quem deixa de ter garantido o cumprimento do seu crédito sobre o benemérito” – cit. Cura Mariano, in Impugnação Pauliana, Almedina, 2004, pág. 183 –. Quanto agora à venda, indiciariamente demonstrada a má fé, reconduzível ao conhecimento do prejuízo para a satisfação do crédito da Autora. Tudo para dizer da verificação da totalidade dos pressupostos de decretamento da requerida providência, o que se decide”. Na oposição, os apelantes questionaram a solução de direito a respeito dos pressupostos do arresto, quando se pretende obter o arresto sobre bens de terceiro adquiridos ao devedor. Em resposta a tal questão entendeu o tribunal de 1ª instância que apenas pela via do recurso se poderia reapreciar o decidido. Tal decisão não merece censura já que a sustentar a alteração da decisão os apelantes não alegaram factos novos, nem apresentaram novos elementos de prova. Revestindo o despacho que se pronunciou sobre a oposição um mero complemento da decisão que decretou o arresto é pois em sede de recurso que devem ser questionados os fundamentos daquela decisão (art. 372º/3, parte final do CPC). Neste contexto a questão que se coloca consiste em saber se está demonstrado o segundo pressuposto do arresto: o risco de perda da garantia patrimonial. O arresto, como já se referiu, insere-se no âmbito dos procedimentos cautelares e tem como função: assegurar a eficácia da execução da sentença que o credor se propõe obter contra o devedor. A razão de ser deste instituto reside no facto do património do devedor constituir a garantia dos credores e foi atendendo a determinado património que estes com ele contrataram, sendo por isso justo permitir o arresto, logo que os bens que formam o conteúdo desta garantia começarem a desaparecer, a ponto do desaparecimento poder levar à diminuição da garantia patrimonial[8]. Para que seja decretado o arresto é necessário alegar e provar: - a provável existência do crédito; e - o receio de perda da garantia patrimonial (art. 391º a 392º CPC e art. 619º CC). ALBERTO DOS REIS referia a respeito da análise deste segundo requisito que: “[n]ão basta qualquer receio; é necessário, segundo a lei, que seja justo. Isto significa que o requerente há de alegar e provar factos positivos que, apreciados no seu verdadeiro valor, façam admitir como razoável a ameaça de insolvência próxima”[9]. Da análise da jurisprudência retira o ilustre Professor dois ensinamentos, a respeito da interpretação do conceito: - “o justo receio de insolvência deve ser alegado e provado por forma clara, não bastando invocar o simples receio, nem fazer uma prova mais ou menos conjetural”; e - “o arresto não deve ser decretado quando o justo receio de insolvência se funda em simples conjeturas, e não em factos apreciáveis, mais ou menos precisos”[10]. A respeito do regime previsto no art. 406º/1 CPC e atual art. 391º CPC e art. 619º CC, refere ABRANTES GERALDES, Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, que o justo receio da perda da garantia patrimonial: “[p]ressupõe a alegação e prova, ainda que perfunctória, de um circunstancialismo fáctico que faça antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito”[11]. O critério de avaliação deste requisito deve basear-se em factos ou circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata, como fator potenciador da eficácia da ação declarativa ou executiva, podendo considerar-se como factos índice as circunstâncias que possam conduzir ao reconhecimento da situação de insolvência, como sejam, a falta de cumprimento de obrigações que, pelo seu montante ou circunstâncias do incumprimento, revelem a impossibilidade de satisfazer pontualmente a generalidade das obrigações, o abandono da empresa ou do estabelecimento, a dissipação ou o extravio de bens, a constituição fictícia de créditos ou a ocorrência de procedimentos anómalos que revelem o propósito de incumprir[12]. Na jurisprudência sobre a matéria e no sentido exposto, podem ler-se, entre outros: Ac. Rel. Porto 13.11.2012, Proc. 3798/12.0YYPRT-A.P1; Ac. Rel. Porto 11.10.2010, Proc. 3283/09.7TBVCD-A.P1, Ac. Rel. Porto 16.06.2009, Proc. 3994/08.4TBVLG-C.P1, Ac. Rel. Porto 31.03.2009, Proc. 17/08.7TBARC-B.P1, Ac. Rel. Porto 26.01.2009, Proc. 0846632, Ac. Rel. Lisboa 16.07.2009, Proc. 559/08.4TTALM.L1-4 Ac. Rel. Lisboa 19.08.2009, Proc. 4362/09.6TBOER.L1-7Ac. Rel. Coimbra 30.06.2009, Proc. 152/09.4TBSCD-A.C1, Ac. Rel. Coimbra 15.05.2007, Proc. 120/07.0TBPBL.C1 e Ac. Rel. Évora de 23.04.2009, Proc. 1318/08.0TBABF-A.E1 (todos acessíveis em www.dgsi.pt). Não conhecemos posição diversa. Recai sobre o requerente do arresto o ónus de alegar e provar os aludidos pressupostos, como se prevê no art. 392º/1 CPC. Conforme resulta dos factos apurados está justificado o receio de perda da garantia patrimonial em relação ao devedor, a terceira requerida. O elevado valor da divida, associado à dissipação dos bens, nas circunstâncias em que ocorreram tais atos – doação e compra e venda de imóveis –, logo após a prolação da sentença que reconheceu o crédito e condenou a requerida no seu pagamento, constituem circunstâncias que revelam o receio de perda da garantia patrimonial. Apesar do credor não lograr provar que “a terceira requerida não tenha outro património imobiliário”, tal circunstância não obsta ao preenchimento do pressuposto, porque como se observa no Ac. Tribunal da Relação do Porto de 14 de janeiro de 2020[13], o credor:” não tem de alegar e provar todo o património do devedor, mas apenas o receio da perda da garantia patrimonial”. Conclui-se que em relação ao devedor a decisão não merce censura. Contudo, a arresto, na situação presente foi requerido e incidiu sobre bens de terceiro, o adquirente dos bens do devedor. O arresto, em regra, recai sobre bens do devedor. Prevê, porém, o art. 619º, nº2, do CC que o credor tem o direito de requerer o arresto contra o adquirente dos bens do devedor, “se tiver sido judicialmente impugnada a transmissão”. O art. 392º, nº2, do CPC, por sua vez estabelece que, “sendo o arresto requerido contra o adquirente de bens do devedor, o requerente, se não mostrar ter sido judicialmente impugnada a aquisição, deduz ainda os factos que tornem provável a procedência da impugnação”. A impugnação pauliana insere-se no âmbito dos meios conservatórios da garantia patrimonial do credor previstos no Código Civil (art. 610º CC). O instituto em causa consiste na faculdade que a lei concede aos credores de atacarem judicialmente certos atos válidos, ou mesmo nulos, celebrados pelos devedores em seu prejuízo[14]. A procedência da impugnação produz em relação ao credor os efeitos previstos no art.º 616ºCC: o direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição e praticar os atos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei. ANTUNES VARELA e PIRES DE LIMA[15] observavam que a impugnação pauliana “atribui ao credor o direito à restituição dos bens na medida do seu interesse". A procedência da impugnação pauliana confere ao credor o direito de executar os bens alienados como se eles não tivessem saído do património do devedor, sem a concorrência de outros credores e pode executá-los, na medida do necessário para satisfação do seu crédito, sem a competição dos credores do adquirente. Na impugnação pauliana, o contrato de alienação é válido, pelo que o bem é de terceiro; é um bem deste cuja restituição se pede e se irá executar. Requerido o arresto, como dependência da ação de impugnação pauliana, cumpre distinguir as situações em que a ação já foi proposta daquelas em que a providência surge como preliminar da ação. Tendo já sido proposta a ação de impugnação, o requerente do arresto deve alegar e provar os factos dos quais decorra a provável existência do crédito e o justo receio de perda de garantia. Os requisitos da impugnação pauliana serão objeto de apreciação e análise na própria ação já proposta. No arresto apenas se trata de apreciar da provável existência do crédito e do receio de perda da garantia. Se a ação de impugnação não tiver sido instaurada, o requerente do arresto, para além dos factos caracterizadores da insolvabilidade do devedor e da existência do seu crédito, deve ainda alegar e provar, ainda que sumariamente, os pressupostos da impugnação, procurando, por esta via, convencer da sua provável procedência. A jurisprudência divide-se quanto a saber se neste caso o credor também deve alegar e provar a solvabilidade do adquirente dos bens do devedor, em relação ao concreto bem objeto de arresto e objeto do ato impugnado, ou seja, o justo receio de perda da garantia patrimonial. No sentido de não ser necessário tal alegação e prova, argumenta-se que o justo receio de perda da garantia patrimonial se afere em relação à pessoa do devedor, pois que é a sua insolvabilidade (e não a do adquirente do bem) que legitima o credor a requerer a apreensão dos bens necessários à satisfação do seu crédito. A intervenção do adquirente tem a ver com a faculdade concedida ao credor de obter a declaração de ineficácia dos atos de transmissão dos bens do devedor que se poderia vir a revelar inútil, caso não fosse possível pedir a sua prévia apreensão. Este é demandado na lide cautelar para que conserve intacto o bem adquirido e o entregue quando lhe for pedido, para eventual execução. São, portanto, apenas os pressupostos da impugnação da transmissão, cuja alegação e prova sumária se reclama do requerente do arresto, no que se refere ao adquirente do bem. Como se observa no Ac. STJ 29 de maio de 2007[16]: “[j]á o adquirente apenas é obrigado a manter incólume o bem arrestado, numa situação equiparada a depositário (guardar o bem e proceder à sua restituição para eventual execução, quando tal lhe for exigido – artigos 1185º CC e 854º CPC), sendo que o seu património não responde pelo crédito. O ser demandado na lide cautelar destina-se, apenas, a vinculá-lo, desde logo, às eventuais consequências da impugnação pauliana. E tanto assim é que nesta lide só o ónus da prova do montante da divida incumbe ao credor-autor, havendo uma inversão relativamente à garantia patrimonial. Assim, e ao contrário do disposto no artigo 342º nº 1, o artigo 611º do Código Civil impõe ao adquirente que prove a existência de bens penhoráveis de igual ou maior valor no património do devedor, irrelevando, em absoluto, o seu património”. Neste sentido se pronunciaram, ainda, Ac. STJ 08 de fevereiro de 2001, Proc. 00A3812, Ac. Rel. Lisboa 20 de janeiro de 2015, Proc. 618/13.1TCFUN-B.L1, Ac. Rel. Porto 17 de setembro de 2013, Proc. 643/12.0TBAMT-B.P1, Ac. Rel. Coimbra 13 de outubro de 2015 Proc. 56/15.1T8CNT-B.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt. LEBRE DE FREITAS observa, ainda, que: “[a] alegação e a prova do justo receio da prática, pelo adquirente, de atos de alienação e/ou oneração dos bens objeto do ato de transmissão impugnado pode reforçar a alegação e a prova deste ato[…], mas para o preenchimento do requisito do justo receio da perda da garantia patrimonial, basta a alegação e a prova do risco decorrente para o credor da constituição, na esfera jurídica de terceiro, do direito real sobre um bem cuja falta no património do devedor afete a solvabilidade deste. Aliás, a alienação ou oneração feita pelo devedor, nestas condições, implica, só por si, ao menos na generalidade dos casos, a justificação do receio da subsequente perda, por alienação ou outro modo de sonegação, do bem alienado ou onerado”[17]. Seguindo uma orientação diferente, defende-se que o terceiro perante a relação obrigacional, uma vez julgada procedente a impugnação, não pode obstar a que o credor execute no seu património o bem objeto do ato impugnado (cfr. artºs 616º, nº1, e 818º, ambos do CPC), tendo este último direito à sua restituição na medida do seu interesse, no âmbito da providência do Arresto requerido contra o adquirente de bens do devedor (cfr. nº2, do artº 407º, do CPC) justifica-se que, pelo menos no tocante ao bem objeto do ato impugnado, se exija a alegação e a prova indiciária (ónus a cargo do credor) do justo receio da prática pelo terceiro de atos (alienação e/ou oneração). Argumenta-se, ainda, que o terceiro adquirente, na sequência do arresto, passa a estar obrigado a manter incólume o bem arrestado, numa situação equiparada à do depositário (guardar o bem e proceder à sua restituição para eventual execução, quando tal lhe for exigido – artigos 1185º CC e 854º CPC), servindo pois a providência para o vincular, desde logo, às eventuais consequências da impugnação pauliana. Neste sentido se pronunciaram os Ac. Rel. Lisboa 17 de maio de 2011, Proc. 9087/11.0T2SNT.L1-1 e o Ac. Rel. Lisboa 20 de setembro de 2018, Proc. 8499/18.2T8LSB-A.L1-6, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.. Os apelantes defendem esta interpretação, que não foi acolhida na sentença. Entendemos, contudo, que a decisão não merece censura porque seguimos a posição defendida na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça e por isso, consideramos que instaurada a providência cautelar como preliminar da ação de impugnação pauliana constitui um ónus do credor alegar e provar apenas os pressupostos da impugnação da transmissão no que se refere ao adquirente do bem. Não tem de provar a solvabilidade do adquirente dos bens do devedor. A intervenção do adquirente tem a ver com a faculdade concedida ao credor de obter a declaração de ineficácia dos atos de transmissão dos bens do devedor que se poderia vir a revelar inútil, caso não fosse possível pedir a sua prévia apreensão. Este é demandado na lide cautelar para que conserve intacto o bem adquirido e o entregue quando lhe for pedido, para eventual execução. No caso presente a requerente instaurou o procedimento cautelar como preliminar da ação de impugnação pauliana. Pretende obter o arresto dos bens que serão objeto do ato impugnado e demandou o adquirente dos bens do devedor. Não alegou factos que configurem a falta de solvabilidade dos adquirentes dos bens, nem tinha de o fazer, pelos motivos que se deixaram expostos, pelo que tal omissão não obsta à procedência da providência, quando estão demonstrados os demais pressupostos. Improcedem, desta forma, as conclusões de recurso sob os pontos 8 a 19. - - Dos pressupostos da impugnação pauliana -Nos pontos 20 a 21 e 24 a 30 insurgem-se os apelantes contra a decisão, por considerarem que não estão reunidos os pressupostos para decretar o arresto dos bens porque não foi feita prova sumária dos pressupostos da impugnação, adiantando três ordem de razões: - não resulta demonstrada a impossibilidade do credor obter a satisfação integral do seu crédito ou o agravamento dessa impossibilidade, porque foi penhorado o salário do devedor no âmbito da execução promovida pelo credor; - no negócio celebrado de compra e venda, o devedor recebeu o preço da venda, pelo que não se verificou qualquer diminuição da venda; e - em relação ao contrato de compra e venda não se provou a intenção de prejudicar o credor. No despacho recorrido, ponderando tais argumentos, decidiu-se como se passa a transcrever: 2. A existência de um salário penhorável e penhorado, por elevado que seja o seu valor, não altera o juízo subjacente ao decretamento da providência. Com efeito, o património do devedor (todo ele) se constitui como garantia do crédito, não sendo de impor ao credor que “aguarde” a satisfação do seu interesse, quando existam outros bens, entretanto “dissipados”… Não se esqueça até que, no caso das doações, a lei prescinde do requisito da má fé quanto à impugnação pauliana, “desconsiderando” totalmente o interesse contraposto. 3. Irreleva que não se tenha havido por demonstrada na decisão a que vem contraposta a oposição aprecianda a inexistência de outro património da devedora. Como é sabido, em sede de impugnação pauliana, é ao devedor que cabe a alegação e prova da existência de outro património e suficiente, o que não vem feito na oposição mesma, ainda quanto a património imobiliário. […] 5. Quanto ao pagamento do preço no negócio com a 3ª Ré, o dinheiro é, por natureza, um bem mais facilmente sonegável que um imóvel. Curiosamente, não vem oferecido o depósito do preço como garantia em substituição do arresto… Sempre se anota que as pessoas coletivas, tendo personalidade jurídica própria, agem por intermédio dos seus legais representantes, sendo que nas relações pessoais estes não se “despem” da qualidade de representantes, com o que irrelevante a “desvalorização” probatória do relacionamento pessoal intercedente entre a devedora e o legal representante da 3ª requerida. Anote-se até a forma societária desta, em que a dimensão pessoal sobreleva decisivamente…” A questão que se coloca consiste em apreciar se estão reunidos os pressupostos, ainda que de forma indiciária, para julgar procedente a ação de impugnação pauliana, quanto à impossibilidade de o credor conseguir a inteira satisfação do seu crédito e a má-fé por parte do devedor e do terceiro, em relação ao ato oneroso. No caso apenas nos interessa apreciar dos requisitos no âmbito das relações imediatas, por ser nesse domínio, que se situa o ato cuja validade é questionada. Constituem pressupostos para o exercício do direito no domínio das relações imediatas: - a anterioridade do crédito ou sendo posterior desde que se prove que esse ato foi realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor; - o ato produza ou agrave a impossibilidade de o credor conseguir a inteira satisfação do seu crédito; - o ato não seja de natureza pessoal; - má-fé por parte do devedor e do terceiro, caso se trate de ato oneroso. É à data do ato impugnado que se deve atender para determinar se dele resulta a impossibilidade para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito ou agravamento dessa impossibilidade. Se nessa data o obrigado ainda possuía bens de valor bastante superior ao montante do crédito, a impugnação deve ser julgada improcedente. Revestindo o ato impugnado a natureza de negócio gratuito e de acordo com os requisitos gerais da impugnação pauliana não se exige que o credor faça prova da má-fé do devedor e de terceiro, como acontece com os negócios onerosos (art. 612º/1 /2 CC). Recai sobre o credor o ónus da prova do montante das dívidas, conforme decorre do art. 611º CC e bem assim, da consciência do prejuízo que o ato causa ao credor[18]. Para que se julgue demonstrado o requisito previsto ao art. 610º/ b) CC a lei exige a mera impossibilidade de satisfação do crédito e não tem que ser demonstrada pelo credor[19]. Nos termos do art. 611ºCC, o credor deve provar o seu direito de crédito, incluindo a sua quantificação e o devedor ou o terceiro interessado na manutenção do ato a existência no património do obrigado de bens penhoráveis de igual ou maior valor no confronto com o valor do referido ato. Neste sentido, entre outros, o Ac. STJ 20 de março de 2012, Proc. 29/03.7TBVPA.P2.S1; Ac. STJ 29 de setembro de 2011, Proc.326/2002.E.1.S1 ambos disponíveis em www.dgsi.pt Como se refere no Ac. STJ 08.11.2007, Proc. 07B3586 (disponível em www.dgsi.pt), “[…]isso significa, em termos práticos, que, provada pelo impugnante a existência e a quantidade do direito de crédito e a sua anterioridade em relação ao ato impugnado, se presume a impossibilidade de realização do direito de crédito em causa ou o seu agravamento. No caso por se tratar de um ato de natureza gratuita o êxito da pretensão da recorrida no confronto dos recorrentes apenas depende da verificação dos pressupostos de facto a que se reporta o proémio, a primeira parte da alínea a) e a alínea b) do Código Civil, ou seja, dos elementos objetivos da impugnação pauliana”. É ao devedor ou terceiro interessado na manutenção do ato que cumpre provar que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor (art. 611º CC). Como refere MENEZES LEITÃO: “[p]arece assim que esta fórmula poderá abranger, não apenas os casos em que o ato implique a colocação do devedor numa situação de insolvência ou agrave essa situação, se ela já se verificava, mas também os casos em que, embora não ocorrendo essa insolvência, o ato produza ou agrave a impossibilidade fáctica de o credor obter a execução judicial do crédito (como na hipótese de o devedor resolver alienar todos os imóveis que possui, ficando, porém, com o dinheiro da sua venda, que facilmente poderá depois ocultar ou dissipar)[20]. Contudo, tratando-se de negócio gratuito como referem PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA”[…]há sempre prejuízo para o credor, e prejuízo injustificável, porque quem procura interesses[…] deve ceder a quem procura evitar prejuízos[…]”[21]. No caso concreto o contexto em que foram celebrados os atos que se pretende impugnar, o montante do crédito e o valor do único bem penhorado é de considerar que a doação e a compra e venda dos imóveis agravaram a possibilidade do credor obter a execução judicial do seu crédito. Acresce que não logrou o devedor demonstrar que à data da prática dos autos dispunha de outros bens de valor suficiente para garantir o cumprimento da obrigação. Por outro lado, o facto de receber o preço da venda não releva para este efeito, atenta a facilidade com que se pode ocultar ou dissipar o dinheiro. Em relação à verificação do pressuposto da má-fé, no contrato de compra e venda celebrado, os argumentos apresentados pelos apelantes não podem ser atendidos atenta a matéria de facto apurada. Com efeito provou-se no ponto G): G) O negócio celebrado conforme matéria assente em D) e F) foi-o com a intenção de ambos os outorgantes de subtraírem aquele imóvel à execução e garantia do crédito da requerente sobre a 3ª requerida. Na oposição apresentada não se alegaram factos, nem se apresentaram provas no sentido de afastar tal fundamento da providência. Em sede de recurso os apelantes não vieram requerer a impugnação da decisão de facto. Resulta assim demonstrado o requisito da má-fé. Concluindo, a decisão recorrida não merece censura quando considerou indiciariamente demonstrados os pressupostos para procedência da ação de impugnação pauliana. Improcedem, desta forma, as conclusões de recurso sob os pontos 20 a 21 e 24 a 30. - - Redução do arresto -Nos pontos 22 e 23 das conclusões de recurso insurgem-se, ainda, os apelantes contra a decisão pelo facto de não ter deferido a redução do arresto, face à desconformidade entre a área do prédio conforme consta dos documentos e a área real. A questão foi suscitada pelos apelantes na oposição e sobre a mesma, no despacho recorrido considerou-se como se passa a transcrever: “6. Finalmente, quanto ao pedido de “redução” do arresto, excluindo uma área “estranha” ao negócio posto em causa, legal e juridicamente inviável. É que o arresto incide sobre a realidade do imóvel, sobre a sua identidade jurídica, que vem a ser única, nos termos constantes do registo. Não é, pois, admissível, um “destaque” artificial de uma parcela, ainda quando a alteração da composição do imóvel o seja após o negócio impugnado”. A questão a apreciar consiste em saber se existe fundamento para ordenar o levantamento do arresto, porque parte da parcela que compõe a verba nº7 do auto de arresto, não está compreendida na doação que a terceira requerida fez à primeira requerida. O arresto consiste na apreensão de bens do devedor em valor suficiente para garantir o direito do credor, como decorre do disposto no art. 393º/2 CPC. O arresto funciona como garantia da satisfação do direito de crédito e tem como efeito privar o requerido do gozo dos bens ou direitos objeto do arresto. Apenas a conversão do arresto em penhora e a posterior venda em sede executiva vai satisfazer o direito do credor. Pretendendo o credor proceder ao arresto de bens de terceiro, o adquirente dos bens do devedor, apenas são objeto de arresto os bens que estão abrangidos pelo ato impugnado. No caso presente a verba nº7 faz parte do lote de bens compreendidos na escritura pública de doação, que constitui o ato a impugnar e por isso, não se justifica ordenar o levantamento do arresto sobre tal verba. Acresce que não existe desconformidade entre a área indicada na certidão da Conservatória do Registo Predial e a área indicada no auto de arresto, constituindo a certidão da conservatória o elemento relevante para efeito de prova indiciária da propriedade do imóvel. Através do arresto procede-se à apreensão do bem, que indiciariamente se destina a satisfazer o crédito do credor e por isso, a determinação da área exata do imóvel não impede a sua apreensão. Conclui-se que não merece censura o despacho que não determinou o levantamento do arresto que recai sobre a verba nº 7. Improcedem as conclusões de recurso sob os pontos 22 a 23. - Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas pelos apelantes.- III. Decisão:Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão. - Custas a cargo dos apelantes.- Desentranhe e devolva o documento junto com as alegações de recurso.Custas do incidente a cargo do apresentante, fixando-se a taxa de justiça em € 60,00 (sessenta euro). * Porto, 24 de setembro de 2020(processei e revi – art. 131º/6 CPC) Assinado de forma digital por Ana Paula AmorimManuel Domingos Fernandes Miguel Baldaia de Morais ____________ [1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico de 1990. [2] ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, Coimbra Editora, pag. 11. [3] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, julho 2013, pag.184-185. ANTUNES VARELA et al Manual de Processo Civil, 2ª edição, revista e atualizada, Coimbra, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pag. 532. [4] MARCO CARVALHO GONÇALVES Providências Cautelares, 2ª edição, Coimbra, Almedina, 2016, pag. 225 [5] AMÂNCIO FERREIRA Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª ed., Coimbra, Almedina, 2009, pag. 215. [6] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Código Processo Civil - Anotado, vol. II, 3ª edição-Reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, Lim., 1981, pag. 20. [7] JOSÉ ALBERTO DOS REIS, Processo de Execução, Vol. I, 3ª edição, reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, Lda., 1985, pag. 130 [8] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Código Processo Civil - Anotado, vol. II, 3ª edição-Reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, Lim., 1981, pag. 20. [9] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil – Anotado, Vol II, ob. cit., pag. 19. [10] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil – Anotado, Vol. II, ob. cit., pag. 19. [11] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. IV, 2ª edição Revista e Atualizada, Coimbra, Almedina, 2003, pag. 186. [12] Cfr. ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Temas da Reforma do Processo Civil, ob. cit., pag. 187 - 189. [13] Ac. Tribunal da Relação do Porto de 14 de janeiro de 2020, Proc. 1441/19.5T8PVZ.P1 (acessível em www.dgsi.pt ) [14] MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA Direito das Obrigações, 9ª edição revista e aumentada, Coimbra, Almedina, 2001, pag. 796. [15] PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição Revista e Atualizada, Reimpressão, Coimbra Editora grupo Wolters Kluwer, Coimbra, 2011, pag. 633 [16] Ac. STJ 29 de maio de 2007, Proc. 07ª1674, acessível em www.dgsi.pt [17] JOSÉ LEBRE DE FREITAS- ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 3ª edição, Coimbra, Almedina, julho 2017, pag. 151 [18] Na jurisprudência, entre outros, podem consultar-se Ac. STJ 28.06.2001- Proc. 01B1221 e Ac. STJ 26.02.2009 – Proc. 09B0347 – www. dgsi.pt. [19] LUÍS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO Garantias das Obrigações, 2ª ed., Coimbra, Almedina, 2008, pag. 79 [20] LUÍS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO Garantias das Obrigações, ob. cit., pag. 79. [21] PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição revista e atualizada, reimpressão, Coimbra Editora grupo Wolters Kluwer, Coimbra, fevereiro de 2011, pag. 628 |