Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ANA PAULA AMORIM | ||
Descritores: | PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DESPEJO CONTRATO DE ARRENDAMENTO IMPOSTO DE SELO/LIQUIDAÇÃO DE IRS OU IRC PELAS RENDAS | ||
Nº do Documento: | RP202409093356/24.6T8VNG.P1 | ||
Data do Acordão: | 09/09/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMAÇÃO | ||
Indicações Eventuais: | 5. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | 1 | ||
Sumário: | I - Perante a exigência do art.º 15º-C/1 i) do NRAU (Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação que lhe é conferida pela Lei n.º 56/2023, de 6 de outubro) a considerar-se que não está comprovado o pagamento do imposto de selo ou liquidado o IRS ou IRC pelas rendas relativas ao locado, em relação ao contrato de arrendamento celebrado, apenas restava convidar os requerentes a comprovar o pagamento, garantindo-se por esta via os objetivos que a lei visa alcançar: a célere recolocação do local arrendado no mercado de arrendamento e combater a informalidade e a economia paralela. II - Apenas a alteração do contrato de arrendamento que envolve aumento da renda determina o pagamento de imposto de selo (Anexo II, da Tabela Geral do Imposto de Selo, ponto 2). | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Procedimento Especial Despejo - RMF - Imposto Selo - 3356/24.6T8VNG.P1 SUMÁRIO[1] (art.º 663º/7 CPC): ………………………………... ………………………………... ………………………………...
--- Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível )
I. Relatório No presente procedimento especial de despejo, que foi instaurado no Balcão do Arrendatário e Senhorio, em que figuram como: - REQUERENTES: AA e mulher BB, residentes na rua ..., ... ...; e - REQUERIDA: CC, residente na ... ... ... vieram os requerentes invocando a qualidade de senhorios peticionar a entrega do locado objeto dos autos, livre de pessoas e bens e o pagamento da quantia de €1050,00, relativos a rendas em atraso, bem como, o pagamento das rendas vincendas até à entrega do locado. - Regularmente notificada para o efeito (cf. ref. citius 38765204), a requerida não apresentou oposição, não constituiu mandatário ou teve qualquer intervenção no processo, foi emitido título de desocupação do locado e título executivo para pagamento de quantia certa, nos termos do art.º 15.º-E e 15.º-J, n.º 5, da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação que lhe é conferida pela Lei n.º 56/2023, de 6 de outubro. - Os requerentes foram notificados que o Requerimento de Despejo que apresentaram foi convertido em título para desocupação do locado e em título executivo para pagamento de quantia certa. - Após remessa dos autos ao competente tribunal judicial, nos termos e para os efeitos do art.º 15ºEA Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação que lhe é conferida pela Lei n.º 56/2023, de 6 de outubro, e efetuadas diligências no sentido de obter informação sobre a decisão no incidente de apoio judiciário deduzido pelos autores/requerente, proferiu-se sentença, com a decisão que se transcreve: “Em face do exposto, considera-se o presente procedimento de despejo totalmente procedente, por provado, e, em consequência: - autoriza-se a entrada imediata no domicílio sito na Rua ..., ..., ..., em ...; - condeno a Requerida CC a pagar aos Requerentes AA e esposa BB a quantia de € 1050,00 (mil e cinquenta euros) e, bem assim, nas rendas que se venceram desde a data da entrada do procedimento de despejo até à entrega efetiva do locado. Custas pela Requerida. Valor do procedimento: o indicado no requerimento de despejo. Registe. Notifique, cumprindo o disposto no art.º15.º-EA, n.º 5, da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação conferida pela Lei n.º 56/2023, de 6 de outubro. Oportunamente, remeta os autos ao Balcão do Arrendatário e do Senhorio”. - A ré veio comprovar que requereu a concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono e dispensa de custas processuais, pelo que foi proferido despacho que declarou a interrupção do prazo em curso. O despacho foi objeto de reclamação, por parte dos autores, a qual não foi atendida. - A ré veio interpor recurso da sentença. - Nas alegações que apresentou a apelante formulou as seguintes conclusões: A) O presente Recurso visa a sindicância da decisão judicial proferida em 23/04/2024 no Processo n.º 3356/24.6T8VNG, conexo com o Procedimento Especial de Despejo n.º 528/24.7YLPRT, o qual corre termos no Balcão do Arrendatário e do Senhorio, por meio da qual, entre o demais, foi concedida autorização judicial para entrada imediata no domicílio da Requerida ora Recorrente - locado objeto dos presentes autos – nos moldes peticionados pelos ora Recorridos no requerimento de despejo apresentado junto do referido Balcão do Arrendatário e do Senhorio (doravante, BAS). B) Malogradamente, por desconhecimento da Lei, a Requerida não assegurou a junção tempestiva aos autos de procedimento especial de despejo da cópia do pedido de concessão de apoio judiciário que havia formulado, motivo pelo qual não operou a interrupção do prazo de Oposição ao Requerimento de Despejo que se encontrava em curso. C) E nessa medida, atento o efeito cominatório legalmente prescrito, tendo-se por confessados os factos alegados pelos Requerentes no Requerimento inicial de despejo, nos termos do disposto nos artigos 566º e 567º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 15-EA, n.º 2, da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação conferida pela Lei n.º 56/2023, de 6 de outubro. D) Todavia, e salvo o devido respeito, cuida a Recorrente que tal revelia não poderá corresponder a uma total desresponsabilização do douto Tribunal a quo no que concerne à função primordial de controlo de legalidade, mormente no que tange à verificação do preenchimento dos pressupostos de que depende o vertente procedimento especial de despejo, - desde logo em adequação ao efeito do cominatório semipleno plasmado no art.º567.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, segundo o qual, apesar de os factos alegados pelos Requerentes, aqui Recorridos, se considerarem admitidos, tem-se o douto Tribunal a quo por liberto para se abster de conhecer do mérito da causa e absolver a Requerida da instância quando verifique a falta insanável de pressupostos processuais. E) Atente-se, destarte, que o Procedimento Especial de Despejo “apenas pode ser utilizado relativamente a contratos de arrendamento cujo imposto do selo tenha sido liquidado ou cujas rendas tenham sido declaradas para efeitos de IRS ou IRC”, conforme requisito formal vertido no n.º 5 do artigo 15º da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro. F) Sendo, inclusivamente, causa de recusa do requerimento de despejo pelo BAS quando “não se mostr[e] pago o imposto do selo ou liquidado o IRS ou IRC pelas rendas relativas ao locado, nos últimos quatro anos, salvo se o contrato for mais recente”, nos termos do consignado no n.º 1, alínea i) do artigo 15.º-C da referida Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro. G) Ora, ao contrário do considerado pelo douto Tribunal a quo, e vertido na matéria de facto dada como provada – cf. Ponto 5. Dos ‘Factos Provados’ constante da decisão ora sindicada – é entendimento e convicção profunda da Recorrente não terem, os Recorridos, logrado demonstrar ou comprovar documentalmente o preenchimento daquele concreto requisito processual de liquidação do imposto de selo atinente ao contrato de arrendamento objeto dos autos de procedimento especial de despejo, assim não satisfazendo o ónus de prova que sempre lhes competia. H) Na verdade, o documento oferecido pelos Requerentes e junto com o Requerimento inicial de despejo sob o Documento n.º 2 - intitulado Comprovativo de pagamento do imposto de selo - não tem a virtualidade de comprovar a efetiva liquidação daquela obrigação tributária devida por referência do contrato de arrendamento alegado no requerimento inicial de despejo, outorgado em 31 de Julho de 2021. I) Resultando, outrossim, da análise concatenada da prova documental apresentada pelos Recorridos aquando da instauração do Requerimento inicial de despejo, mormente os documentos juntos sob o n.º 1 (“Contrato de Arrendamento”) e sob o nº 2 (“Comprovativo de pagamento do imposto de selo”) a evidente e absoluta falta de correspondência entre a referida declaração de liquidação de Imposto de Selo e o concreto Contrato de Arrendamento que subjaz ao procedimento especial de despejo. J) E tal assim é porquanto a indicada Declaração de Imposto de Selo junta pelos Requerentes sob o documento n.º 2 foi apresentada pelo Requerente AA (NIF ...22) junto do Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia em 17 de Agosto de 2020, referindo-se a contrato de arrendamento habitacional não renovável com início de contrato em 01 de Agosto de 2020 e termo do contrato em 31 de Julho de 2021. K) Donde resultará, naturalmente, evidente e incontestável que a indicada liquidação do imposto de selo não se reporta ao contrato de arrendamento que subjaz ao procedimento especial de despejo, celebrado entre os Requerentes e a Requerida, ora Recorrente, em 31 de Julho de 2021, com prazo certo, com a duração de três anos, com início em 01 de agosto de 2021 e termo em 31 de julho de 2024, prorrogável por períodos de um ano. L) Por ser assim, a prova documental apresentada pelos Requerentes suscetível de comprovar o preenchimento do requisito da liquidação de imposto de selo não autoriza a que seja positivamente fixado – como foi! –, pelo douto Tribunal a quo, o facto constante do ponto 5. dos Factos Provados, “Foi liquidado o correspondente Imposto de Selo.”. M) Perspetivando, ao invés, a Recorrente que tal circunstância de facto dada como provada deveria ter sido apreciado negativamente pelo douto Tribunal a quo, dando-se como ‘não provado’ que os Requerentes tenham liquidado o Imposto de Selo referente ao contrato de arrendamento objeto do procedimento especial de despejo. N) Ora, o indevido recebimento do Requerimento de Despejo pelo BAS, constitui uma exceção dilatória inominada, consubstanciada no uso indevido do Procedimento Especial de Despejo previsto nos artigos 15º e seguintes da Lei 6/2006, de 27 de fevereiro, num caso em que não se mostram reunidos os pressupostos legalmente exigidos para a sua utilização. O) A pronúncia sobre tal exceção, sendo de conhecimento oficioso nos termos prescritos no artigo 578.º do Código de Processo Civil, não estava vedada ao Tribunal a quo – sendo, neste contexto, irrelevante a circunstância de se considerarem confessados ou admitidos os factos alegados pelos ora Recorridos em sede de requerimento de despejo. P) Tal é, desde logo, o que inequivocamente resulta da parte final do n.º 2 do artigo 567º do Código de Processo Civil, onde se estipula que o Juiz deve julgar “a causa conforme for de direito”, ou seja, aplicando o direito aos factos admitidos e, bem assim, aos factos tido como provados pelo douto Tribunal a quo no que concerne àqueles para cuja prova se exija documento escrito, nos termos da exceção consignada no artigo 568º, alínea d), do Código de Processo Civil. Q) Acresce, igualmente, que a exceção dilatória inominada ora expressamente convocada, de conhecimento oficioso, poderá igualmente ser livremente apreciada por este douto Tribunal ad quem – na medida em que a este Venerando Tribunal “(…) é sempre lícita a apreciação de qualquer questão de conhecimento oficioso ainda que não tenha sido decidida ou sequer colocada na instância recorrida” conforme posição doutamente firmada pelo Tribunal da Relação de Évora em Acórdão proferido em 26-01-2017 (Processo 1654/15.9T8PTG.E1, disponível online em www.gde.mj.pt). R) Ante o exposto, o respeito pela prova documental oferecida em sede de procedimento especial de despejo obriga à alteração, por este Respeitável Coletivo, da matéria dada como provada pelo Tribunal a quo quanto ao suprarreferido Ponto 5. Dos ‘Factos Provados’ devendo tal ponto - atento o teor dos documentos juntos com o requerimento de despejo sob o documento n.º 1 e n.º 2, nos termos do consignado no disposto no artigo 568º, alínea d) do Código de Processo Civil - ser considerado como não provado, sugerindo-se, destarte, a seguinte redação: - Não provado que os Requerentes do procedimento especial de despejo tenham liquidado o correspondente Imposto de Selo. S) Uma vez fixada a matéria de facto por este Venerando Tribunal nos termos sugeridos, impor-se-á, de forma inabalável, julgar verificada a exceção dilatória inominada de falta de preenchimento dos pressupostos legalmente exigidos para a utilização, pelos aqui Recorridos, do Procedimento Especial de Despejo previsto nos artigos 15º e seguintes da Lei 6/2006, de 27 de fevereiro. Termina por pedir a alteração da matéria de facto nos termos requeridos e a revogação da decisão recorrida. - Os requerentes/autores e apelados apresentaram resposta ao recurso e requereram a junção de documentos. Terminaram as alegações com as seguintes conclusões: 14. Andou bem o BAS – Balcão do Arrendatário e do Senhorio, ao ter aceite e dado provimento ao Processo Especial de Despejo, apresentado pelos autores/recorrido, contra a ré/recorrente, uma vez que estavam cumpridas todas as formalidades legais por parte dos autores/recorridos. 15. Não havendo qualquer motivo de ordem legal, para aquele BAS recusar o requerimento do Processo Especial de Despejo, uma vez que estavam cumpridas todas as formalidades legais, contrariamente àquilo que é alegado falsamente, pela ré/recorrente. 16. Andou bem o tribunal “a quo”, ao proferir a sentença ora recorrida e através da mesma, reconhecer aos autores o direito de receberem as rendas vencidas e não pagas, bem como as rendas vincendas. 17. Bem como a determinar a entrada imediata no domicílio para desocupação do locado. “A prova documental é a rainha das provas”, pelo que, os documentos anexos, o 1º já junto ao processo, provam que os autores/recorridos, pagaram o imposto de selo e nada mais tinham a pagar. 18. Por tal facto, cumpriram a obrigação tributária, contrariamente aos falsamente alegado pela ré/recorrente nas suas alegações. 19. Mais provam que são falsos os argumentos da ré/recorrente, nas suas alegações do recurso, de que os autores/recorridos, não agarram o imposto de selo. 20. É por situações como esta, que grande parte dos proprietários que têm casas para arrendar, não as arrendam, preferindo mante-las vazias, pois, os inquilinos apoderam-se delas, não pagam as rendas, danificam as casas e quando são despejados, ficam a dever imenso dinheiro de rendas por pagar e deixam as casas todas destruídas. 21. E quando as arrendam, fazem-no a um preço de renda exorbitante exigindo vários milhares de euros de caução, porque de outra forma só têm prejuízo. 22. O que a ré/recorrente está a fazer, é arranjar um expediente dilatório para se manter no locado, não pagar as rendas e deixar a casa destruída interiormente, o que é inadmissível. Terminam por pedir que se negue provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida. - Os apelados vieram ainda requerer a junção de novo documento, cópia do primeiro contrato celebrado, o qual foi notificado à apelante, sem obter resposta. - O recurso foi admitido como recurso de apelação. - Dispensaram-se os vistos legais. - Cumpre apreciar e decidir. - II. Fundamentação 1. Delimitação do objeto do recurso O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC. As questões a decidir: - admissão dos documentos com a resposta às alegações de recurso e com o requerimento apresentado em 04 de junho de 2024, com a ref. Citius 39242893; - reapreciação da decisão de facto; e - se a verificar-se o incumprimento da obrigação fiscal - pagamento do imposto de selo - não está preenchido um dos pressupostos para admitir o procedimento especial de despejo. - 2. Os factos Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância: 1. Por documento particular, datado de 31 de julho de 2021, os Requerentes, AA e esposa BB, e a Requerida, CC, subscreveram um acordo denominado “contrato de arrendamento de duração limitada”, no qual os Requerentes, na qualidade de senhorios, davam de arrendamento o imóvel sito na Rua ..., ... ..., ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...04. 2. O acordo foi celebrado com prazo certo, com a duração de três anos, com início em 01 de agosto de 2021 e termo em 31 de julho de 2024, considerando-se prorrogado por períodos de um ano, enquanto não fosse denunciado nos termos legais. 3. Do acordo consta que a renda anual é de € 4.200,00 (quatro mil e duzentos euros), a ser paga mensalmente em duodécimos de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros), entre o primeiro dia ao oitavo dia do mês anterior àquele a que disser respeito, mediante transferência bancária ou depósito. 4. A Requerida procedeu ao pagamento das rendas até ao mês de outubro de 2023, sendo esta, referente ao mês de novembro de 2023. 5. Foi liquidado o correspondente Imposto de Selo. 6. Em 09.02.2024 através de Notificação Judicial Avulsa os Requerentes comunicaram a resolução do acordo mencionado em 1. com fundamento na falta de pagamento de três meses de renda. 7. Com a comunicação mencionado em 6. comunicaram ainda à Requerida para proceder à entrega do imóvel, livre de pessoas e bens e no estado em que foi recebido. 8. O requerimento do pedido de despejo deu entrada no Balcão do Arrendatário e do Senhorio em 13.03.2024. 9. O Balcão do Arrendatário e do Senhorio emitiu título de desocupação do locado em 16.04.2024. 10. Os autos foram remetidos a este Tribunal em 16.04.2024. - - Factos não provados Inexistem factos não provados com relevância para a causa. - 3. O direito - Da admissão da junção dos documentos - Na resposta ao recurso os apelados vieram requerer a junção de dois documentos – uma cópia do documento de liquidação e pagamento do imposto de selo com data de 17 de agosto de 2020 e que já se encontrava junto aos autos com o requerimento inicial (inserido a página 6 do processo eletrónico sistema Citius) e um outro documento, declaração e liquidação do imposto de selo, com data de 10 de agosto de 2021 (inserido a página 273 do processo eletrónico sistema Citius). No requerimento junto aos autos em 04 de junho de 2024 (ref. Citius 39242893) vêm juntar cópia do contrato de arrendamento celebrado em 31 de julho de 2020. Em regra, os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes, como decorre do art.º 423º/1 CPC. A parte pode ainda juntar documentos até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final ficando neste caso sujeito ao pagamento de multa, como se prevê no art.º 423º/2 CPC. Contudo, a lei, no art.º 523º/2 CPC, concede a faculdade de ser requerida a junção dos documentos até ao encerramento da discussão em 1ª instância, mas a parte será condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado. Este regime previsto no nosso sistema jurídico desde o Código de Processo Civil de 1939, assenta os seus fundamentos nos princípios da economia processual e da boa-fé processual. Pretende-se que por motivos de ordem e disciplina processual, que quem afirma um facto ofereça desde logo, se puder, a prova documental das suas afirmações, habilitando a parte contrária a tomar posição sobre os factos de forma informada[2]. A possibilidade de apresentar os documentos até ao encerramento da discussão em 1ª instância decorre do princípio de que o juiz deve julgar segundo a verdade. Daqui resulta que não apresentando a parte o documento com o articulado, como era seu ónus, não fica impedida de o fazer em momento posterior, até ao encerramento da discussão em 1ª instância. Como se prevê no art.º 425º CPC depois do encerramento da discussão, em sede de recurso só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento. Como observava ALBERTO DOS REIS: “[c]oncilia-se assim o princípio de disciplina processual que postula o oferecimento imediato de documentos, com o princípio de justiça segundo o qual a decisão deve ser a expressão, tão perfeita e completa quanto possível, da verdade dos factos que interessam ao litígio”[3]. A junção de documentos em sede de recurso está, contudo, subordinada ao critério estabelecido no art.º 651º CPC, no qual se determina que: “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o art.º 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância”. Dispõe o art.º 425ºCPC: “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento”. Decorre deste regime que em sede de recurso, nas alegações, as partes podem juntar documentos, quando: - a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento – superveniência objetiva (fundada na data do facto a provar ou do documento comprovante) ou subjetiva (baseada no desconhecimento da existência do documento, na indisponibilidade dele por parte do interessado ou na necessidade de alegação e prova do facto); - se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando esta se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo[4]. Desde logo, a lei apenas admite a junção dos documentos, com as alegações, o que significa que não admite a junção de documentos em momentos posteriores, contrariamente ao que se previa no anterior regime (art.º 706º CPC de 1961). Com efeito, no regime anterior à reforma operada no Código de Processo Civil, os documentos supervenientes podiam ser juntos até se iniciarem os vistos aos juízes, solução que não foi transposta para o novo regime de recursos (DL 303/2007 de 24 de agosto), o que bem se compreende, porque neste regime o processo é apresentado aos vistos com o projeto do acórdão, o que significa que tem que constar dos autos todos os elementos que permitam ao juiz relator analisar as questões colocadas no recurso antes da remessa do processo aos vistos. A apelante, em momento posterior à apresentação da resposta às alegações de recurso, requereu a junção de um documento – o contrato de arrendamento celebrado em 31 de julho de 2020. Não apresentou qualquer justificação, limitando-se a referir que ainda estava em prazo. Daqui decorre que a junção do documento é extemporânea, porque foi requerida, depois da apresentação da resposta às alegações de recurso, sendo certo que nesta peça, a apelante não fez qualquer alusão à possível junção de documentos, nem requereu a sua junção com fundamento em justo impedimento. Acresce que apresentada a resposta ao recurso, precludiu a possibilidade de proceder a qualquer alteração ainda que não se mostre esgotado o prazo para a prática do ato, manifestação do princípio da preclusão (art.º 573º/1CPC). Conclui-se que a junção do documento é extemporânea, porque não acompanhou a resposta às alegações de recurso. Contudo, sempre se dirá que não seria de admitir o documento, nem os restantes que foram juntos com a resposta às alegações de recurso, por não se tratar de uma situação de superveniência objetiva ou subjetiva. O comprovativo do pagamento do imposto de selo com data de 17 de agosto de 2020 consta dos autos, porque se mostra junto com o requerimento inicial (documento inserido a páginas 6 do processo eletrónico, sistema Citius). Quanto à declaração e liquidação de imposto de selo com data de 10 de agosto de 2021 e o contrato de arrendamento celebrado com data de 31 de julho de 2020, constituem documentos que já estariam na disponibilidade dos apelados desde data anterior à instauração do procedimento que ocorreu em 13 de março de 2024. Não se indica o motivo para apenas nesta data requererem a junção, quando além do mais o documento de liquidação se destinava a provar que o imposto não era devido. Não resulta dos autos que não tenha sido possível a junção do documento até ao encerramento da discussão em 1ª instância, por não ter conhecimento da sua existência ou, conhecendo-a não lhe ter sido possível fazer uso dele. Analisado o documento em confronto com os fundamentos dos articulados e com teor da decisão proferida em 1ª instância, resulta que na sentença o juiz do tribunal “a quo“não veio invocar novos e diferentes argumentos. A junção de documentos em sede de alegações face ao julgamento em 1ª instância, funda-se no imprevisto da decisão proferida, quer por razões de direito quer por razões de prova[5] e tal situação não se verifica. Não é admissível a junção de documentos relacionados com factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, como ocorre no caso presente[6]. Conclui-se, assim, que atento o critério previsto no art.º 651º/1 CPC carece de fundamento legal a junção dos documentos motivo pelo qual se determina o seu desentranhamento e devolução ao apresentante. O incidente será tributado com custas a cargo dos apelados, fixando-se a taxa de justiça em € 60,00 (sessenta euro) – art.º 443º/1 CPC e art.º 27º/1/3 RCP. - - Reapreciação da decisão de facto - Nas conclusões de recurso a apelante veio requerer a reapreciação da decisão de facto, com fundamento em erro na apreciação da prova. O art.º 640º CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos: “1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3. […]” Recai, assim, sobre o recorrente, face ao regime concebido, um ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar – delimitar o objeto do recurso - e motivar o seu recurso – fundamentação - com indicação dos meios de prova que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação. No caso concreto a apelante veio impugnar a decisão da matéria de facto, com indicação dos pontos de facto impugnados – ponto 5 dos factos provados -, prova a reapreciar e decisão que sugere. Nos termos do art.º 640º/1/2 do CPC consideram-se reunidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão de facto. - Nos termos do art.º 662º/1 CPC a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto: “[…]se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. A apelante impugna o ponto 5 dos factos provados, onde se consignou: 5. Foi liquidado o correspondente Imposto de Selo. Na fundamentação da decisão de facto, ponderou-se na sentença recorrida: “A factualidade assente decorre da falta de oposição da Requerida, considerando-se confessados os factos alegados pelos Requerentes no requerimento inicial (cf. arts. 566.º e 567.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ex vi do art. 15.º-EA, n.º 2, da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação conferida pela Lei n.º 56/2023, de 6 de outubro), porquanto não consubstanciam uma das exceções previstas nas alíneas do art.º 568.º do Código de Processo Civil. A factualidade assente encontra, ainda, respaldo nos documentos juntos com o requerimento inicial, por referência ao art.º 568.º, al. d), do Código de Processo Civil, mais concretamente, no documento denominado «Contrato de arrendamento» (cf. ref. Citius 38765196)”. A apelante sugere que se julgue “não provado que os requerentes do procedimento especial de despejo tenham liquidado o correspondente imposto de selo”. Considera para o efeito que o documento junto como documento nº2 “intitulado Comprovativo de pagamento do imposto de selo - não tem a virtualidade de comprovar a efetiva liquidação daquela obrigação tributária devida por referência do contrato de arrendamento alegado no requerimento inicial de despejo, outorgado em 31 de Julho de 2021. I) Resultando, outrossim, da análise concatenada da prova documental apresentada pelos Recorridos aquando da instauração do Requerimento inicial de despejo, mormente os documentos juntos sob o n.º 1 (“Contrato de Arrendamento”) e sob o nº 2 (“Comprovativo de pagamento do imposto de selo”) a evidente e absoluta falta de correspondência entre a referida declaração de liquidação de Imposto de Selo e o concreto Contrato de Arrendamento que subjaz ao procedimento especial de despejo. J) E tal assim é porquanto a indicada Declaração de Imposto de Selo junta pelos Requerentes sob o documento n.º 2 foi apresentada pelo Requerente AA (NIF ...22) junto do Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia em 17 de Agosto de 2020, referindo-se a contrato de arrendamento habitacional não renovável com início de contrato em 01 de Agosto de 2020 e termo do contrato em 31 de Julho de 2021. K) Donde resultará, naturalmente, evidente e incontestável que a indicada liquidação do imposto de selo não se reporta ao contrato de arrendamento que subjaz ao procedimento especial de despejo, celebrado entre os Requerentes e a Requerida, ora Recorrente, em 31 de Julho de 2021, com prazo certo, com a duração de três anos, com início em 01 de agosto de 2021 e termo em 31 de julho de 2024, prorrogável por períodos de um ano. L) Por ser assim, a prova documental apresentada pelos Requerentes suscetível de comprovar o preenchimento do requisito da liquidação de imposto de selo não autoriza a que seja positivamente fixado – como foi! –, pelo douto Tribunal a quo, o facto constante do ponto 5. dos Factos Provados, “Foi liquidado o correspondente Imposto de Selo.”. M) Perspetivando, ao invés, a Recorrente que tal circunstância de facto dada como provada deveria ter sido apreciado negativamente pelo douto Tribunal a quo, dando-se como ‘não provado’ que os Requerentes tenham liquidado o Imposto de Selo referente ao contrato de arrendamento objeto do procedimento especial de despejo”. Trata-se, assim, de apurar se o documento nº2 junto com o requerimento inicial comprova o pagamento do imposto de selo, respeitante à celebração do contrato que foi objeto de resolução e que teve o seu início em 01 de agosto de 2021. Desde logo cumpre ter presente que se revela inútil a reapreciação da decisão, ponderando as diferentes soluções de direito, porque ainda que se viesse a apurar que o apelado não comprovou o pagamento do imposto de selo, tal situação não determinaria o arquivamento do procedimento, mas tão só a notificação dos requerentes para comprovarem o pagamento. Seguimos em relação à questão suscitada no recurso, o entendimento que se tem desenvolvido na jurisprudência, vertido no Ac. Rel. Coimbra 10 de dezembro de 2013, Proc. 208/13.9YLPRT-A.C1 (acessível em www.dgsi.pt) onde se ponderou, como se passa a transcrever: “O procedimento especial de despejo[…] apenas pode ser utilizado relativamente a contratos de arrendamento cujo imposto do selo tenha sido liquidado” (art.º 15º, n.º 4, do Novo Regime do Arrendamento Urbano/NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27.02, na redação conferida pela Lei n.º 31/2012, de 14.8). Foi criado, junto da Direcção-Geral da Administração da Justiça, o Balcão Nacional do Arrendamento (BNA) destinado a assegurar a tramitação do procedimento especial de despejo [art.º 15º-A, do NRAU, aditado pela Lei n.º 31/2012, de 14.8]. O requerimento de despejo é apresentado, em modelo próprio, no BNA [art.º 15º-B, n.º 1, do NRAU, aditado pela Lei n.º 31/2012, de 14.8/artigo sob a epígrafe “Apresentação, forma e conteúdo do requerimento de despejo”]. No requerimento deve o requerente juntar comprovativo do pagamento do imposto do selo [n.º 2, alínea h) do mesmo art.º]. O requerimento só pode ser recusado se, entre outros requisitos (taxativamente enumerados), não se mostrarem pagos a taxa e o imposto do selo [art.º 15º-C, n.º 2, alínea h), do NRAU, aditado pela Lei n.º 31/2012, de 14.8]. A Lei n.º 31/2012, de 14.8, que reviu o Novo Regime do Arrendamento Urbano (aprovado pela Lei 6/2006, de 27.02), aprovou medidas para “dinamizar o mercado de arrendamento urbano” (art.º 1), entre as quais consta a criação dum “procedimento especial de despejo do local arrendado que permita a célere recolocação daquele no mercado de arrendamento” [art.º 1º, alínea c)]. Procurando perscrutar o pensamento legislativo interessa sobremaneira atentar na “exposição de motivos” da correspondente “Proposta de Lei n.º 38/XII”[6], sendo que a generalidade dos normativos nela incluídos [e no subsequente Decreto da Assembleia da República “n.º 58/XII”] vieram a ter consagração legal. Com interesse para a questão colocada no presente recurso, retira-se, daquela “exposição de motivos”, nomeadamente: “(…) A reforma do regime do arrendamento urbano que agora se propõe procura encontrar soluções simples, assentes em quatro dimensões essenciais; (i) alteração ao regime substantivo, vertido no Código Civil; (ii) revisão do sistema de transição dos contratos antigos para o novo regime, (iii) agilização do procedimento de despejo e (iv) melhoria do enquadramento fiscal. (…) No que respeita ao regime processual, reconhece-se a necessidade e a premência de reforçar os mecanismos que garantam aos senhorios meios para reagir perante o incumprimento do contrato (…) Esta medida, concretizada mediante a agilização do procedimento de despejo, é fundamental para recuperar a confiança dos proprietários (…). Para combater a informalidade e a economia paralela, estabelece-se que os contratos de arrendamento relativamente aos quais o senhorio se pretenda prevalecer deste mecanismo têm de estar registados junto da administração fiscal, bem como cumpridas todas as obrigações tributárias relativas aos mesmos”. […] 5. O enquadramento normativo criado pela Lei 13/2012, de 14.8, visa simplificar e agilizar o procedimento de despejo de modo a evitar que se prolongue a permanência de inquilinos nos imóveis, sem o pagamento das rendas, e, simultaneamente, combater a informalidade e a economia paralela através da obrigatoriedade da comunicação dos contratos à administração fiscal. Tendo-se, assim, por correto o entendimento - expresso pelos recorrentes - segundo o qual o legislador pretendeu, por um lado, agilizar o procedimento de despejo, criando um mecanismo especial para o efeito e, por outro lado, o efetivo cumprimento das obrigações tributárias por parte do senhorio que recorra a tal mecanismo especial de despejo, pensamos, contudo, ao contrário do propugnado pelos recorrentes, que já não será de concluir que tal procedimento fique necessariamente afastado se o senhorio não tiver cumprido tempestivamente tais obrigações, em particular, a concernente à comunicação do arrendamento e ao pagamento do respetivo imposto do selo, independentemente do efetivo desrespeito das demais obrigações fiscais inerentes à execução do contrato de arrendamento e ainda que o senhorio pague entretanto o imposto do selo devido (ficando porventura sujeito ao pagamento da coima correspondente à contraordenação fiscal derivada da não comunicação do contrato e/ou do não pagamento do mencionado imposto no prazo legal). Na verdade, atendendo aos interesses subjacentes ao apontado quadro normativo [cf. II. 2. e 3., supra], ainda que a lei imponha que o procedimento especial de despejo apenas possa ser utilizado para os contratos em que o imposto do selo tenha sido liquidado, não condiciona, porém, essa utilização ao rigoroso cumprimento dos prazos previstos pela legislação tributária, sendo que, em derradeira análise, com tal regime jurídico visa-se, sobretudo, colocar a relação contratual adentro da economia registada”. Como se observa no Ac. Rel. Lisboa 10 de abril de 2014, Proc. 2173/13.3YLPRT.L1-6 (acessível em www.dgsi.pt): “[d]ir-se-á embora que no caso não foi demonstrado o pagamento, nem atempado nem tardio. Assim é. Porém, concluindo-se como o fizemos, pela possibilidade de pagamento extemporâneo, sempre haveria que facultar à parte a realização de tal pagamento mediante a notificação com essa finalidade. É o regime que cremos resultar do disposto no artigo 6.º, n.º 2, do CPC, norma processual que consagra um princípio geral do processo civil, por isso aplicável em sede de procedimento especial de despejo. Diz a norma: “O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-los””. Acompanhando tal interpretação e a considerar-se que não está comprovado o pagamento do imposto de selo em relação ao contrato de arrendamento celebrado com data de 31 de julho de 2021, apenas restava convidar os requerentes a comprovar o pagamento, garantindo-se por esta via os objetivos que a lei visa alcançar: a célere recolocação do local arrendado no mercado de arrendamento e combater a informalidade e a economia paralela. Mostra-se indiferente uma solução, ou outra, para o desfecho da causa. Porém, no caso concreto e perante os elementos que resultam dos autos somos levados a considerar que a decisão do ponto 5 não merece censura. Os documentos juntos com o requerimento inicial revelam que foram celebrados dois contratos de arrendamento para habitação entre os mesmos sujeitos, que têm por objeto o mesmo imóvel e nos quais foi fixada a mesma renda. Divergem quanto à data de início e termo e período de duração, sendo certo que não se verifica qualquer interregno entre as datas em que foram celebrados, o que leva a concluir pela sua continuidade. Os dois contratos foram reduzidos a escrito, respeitando a respetiva forma contratual. Os documentos comprovam o registo do contrato celebrado em 31 de julho de 2020 na competente repartição de Finanças e o pagamento do imposto de selo em 17 de agosto de 2020 no prazo concedido para o fazer (limite 30 de setembro de 2020) e em data muito anterior à instauração do procedimento. Não resulta alegado que foi comunicada a sua cessação e que o contrato objeto de resolução surge como um novo contrato sujeito a tributação nos termos do art.º 60º do Código do Imposto de Selo, o que a verificar-se constituía matéria de exceção cujo ónus de alegação e prova recaía sobre a requerida, mas que não o cumpriu, porque não veio deduzir oposição, não podendo nesta sede suprir tal insuficiência da sua defesa. Com efeito, determina o art.º 60º do Código do Imposto de Selo, sob a epígrafe “Contratos de Arrendamento” (Lei n.º 150/99, de 11 de setembro, com as alterações introduzidas pelo artigo 206.º, Lei n.º 82-B/2014 - Diário da República n.º 252/2014, 1º Suplemento, Série I de 2014-12-31): “1 - Os locadores e sublocadores comunicam à Autoridade Tributária e Aduaneira os contratos de arrendamento, subarrendamento e respetivas promessas, bem como as suas alterações e cessação. 2 - A comunicação referida no número anterior é efetuada até ao fim do mês seguinte ao do início do arrendamento, do subarrendamento, das alterações, da cessação ou, no caso de promessa, da disponibilização do bem locado, em declaração de modelo oficial, nos termos a regulamentar por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças. 3 - (Revogado.) 4 - Caso os locadores ou sublocadores não comuniquem à Autoridade Tributária e Aduaneira os elementos previstos no n.º 1, os locatários e sublocatários podem fazê-lo, em declaração de modelo oficial, nos prazos e termos a regulamentar por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças. 5 - A comunicação a que se referem os números anteriores considera-se submetida no serviço de finanças da área da situação do prédio.» De acordo com o Anexo II da Tabela Geral do Imposto de Selo o imposto é devido: “2 – Arrendamento e subarrendamento, incluindo as alterações que envolvam aumento de renda operado pela revisão de cláusulas contratuais e a promessa quando seguida da disponibilização do bem locado ao locatário – sobre a renda ou seu aumento convencional, correspondentes a um mês ou, tratando-se de arrendamentos por períodos inferiores a um mês, sem possibilidade de renovação ou prorrogação, sobre o valor da renda ou do aumento estipulado para o período da sua duração ... 10%”. A taxa do imposto é de 10%. A tributação não incide apenas sobre o arrendamento e/ou subarrendamento, incidindo, também, sobre alteração ao arrendamento ou ao subarrendamento que envolva aumento de renda “operada pela revisão de cláusulas contratuais”. A alteração relevante do contrato para efeitos de tributação é aquela que gera um aumento de renda. Tendo presente os documentos que constam dos autos, única prova relevante para este efeito e perante o regime legal, não dispõe o tribunal de elementos que permitam concluir que, à data da instauração do procedimento, os apelados/requerentes incumpriam alguma obrigação tributária emergente da celebração e da execução do contrato de arrendamento objeto de resolução. Desde a celebração do contrato, em 31 de julho de 2020, que a renda se mantém no mesmo valor, de tal forma que os valores em dívida e que vêm peticionados continuam a corresponder ao montante mensal de € 350,00. Apesar da alteração do contrato, quanto à data de início e termo, verifica-se que não teve repercussão no montante da renda mensal devida, não ficando sujeito à tributação do imposto de selo. Resta concluir, face ao teor do documento nº2, que com a celebração do contrato foi liquidado e pago o correspondente imposto de selo e que os elementos que constam dos autos não permitem concluir que a alteração operada determinava nova tributação. Improcedem desta forma, as conclusões de recurso, sob as alíneas A) a M) e R). - - Da rejeição do procedimento - Nas conclusões de recurso, sob as alíneas N) a Q) e S), insurge-se a apelante contra a sentença, no pressuposto da alteração da decisão de facto. Mantendo-se inalterada a decisão de facto, não cumpre reapreciar os seus fundamentos. Improcedem as conclusões de recurso sob as alíneas N) a Q) e S). - Nos termos do art.º 527º CPC as custas são suportadas pela apelada, sem prejuízo do apoio judiciário. - III. Decisão: Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão. - Custas a cargo da apelada, sem prejuízo do apoio judiciário. - Desentranhe e devolva os documentos ao apresentante. Custas do incidente, fixando em € 60,00 a taxa de justiça. *
Porto, 09 de setembro de 2024 (processei, revi e inseri no processo eletrónico – art.º 131º, 132º/2 CPC) Assinado de forma digital por Ana Paula Amorim Juiz Desembargador-Relator Eugénia Cunha 1º Adjunto Juiz Desembargador Manuel Domingos Fernandes 2º Adjunto Juiz Desembargador _______________________ |