Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1059/21.2T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
PRESCRIÇÃO DO DIREITO À RESTITUIÇÃO
Nº do Documento: RP202407041059/21.2T8VFR.P1
Data do Acordão: 07/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - É hoje entendimento claramente prevalecente na nossa jurisprudência, que a condenação por litigância de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu dolosamente ou com negligência grave, com e/ou no processo entrado em tribunal.
II - O direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do enriquecimento.
III - O prazo de prescrição de três anos do direito à restituição fundada no enriquecimento sem causa, dada a deslocação patrimonial do empobrecido a favor do património do enriquecido em razão da união de facto, surge com o termo da união de facto.
IV - Porém, no caso dos autos a obrigação de restituição por enriquecimento sem causa pedida pela Autora, não surge no contexto da união de facto, não havendo, por isso, razão para contabilizar o prazo a partir do seu termo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 1059/21.2T8VFR.P1
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira
Relator: Carlos Portela
Adjuntos: Ana Luísa Loureiro
António Carneiro da Silva

Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I.Relatório:
AA, devidamente identificada nos autos, veio intentar a presente acção declarativa de condenação com processo comum contra BB, também ele devidamente identificado no processo, pedindo a final o seguinte:
a) Que seja reconhecido à Autora o direito de regresso sobre o Réu, em relação à importância de € 17.124,17, paga em excesso, no âmbito do carácter solidário da dívida assumida por ambos perante o Banco, com a celebração dos contratos de mútuo;
b) Que seja o Réu condenado a pagar à Autora a referida quantia de € 17.124,17;
c) Que seja o Réu condenado a pagar à Autora a quantia de € 9.022,79, relativa ao prejuízo e empobrecimento que para si resultou da utilização indevida por aquele do valor de € 18.045,59 para a aquisição do veículo sua propriedade exclusiva e consequente enriquecimento injustificado.
Alegou, para o efeito e em síntese, que A. e R. viveram em união de facto entre 2008 e Maio de 2010.
Por escritura outorgada em 07/03/2006, A. e R. compraram uma fracção autónoma, destinada à sua habitação própria e onde passaram a residir a partir de 2008.
Nessa data e pela mesma escritura celebraram contrato de mútuo com o Banco 1..., no valor de € 86.250,00, constituindo hipoteca sobre a fracção e ainda que na mesma data e pela mesma escritura, celebraram outro contrato de mútuo, no valor de € 23.750,00, constituindo uma outra hipoteca sobre a mesma fracção autónoma.
Que o valor do segundo mútuo foi destinado pelo Autor são pagamento da importância de € 18.045,59 ao Banco 2..., correspondente ao remanescente em dívida do valor do crédito concedido àquele, para aquisição do veículo Audi, em data anterior à união de facto, veículo este propriedade do Réu e registado a seu favor.
Posteriormente, o Réu vendeu o Audi, adquirindo o veículo Mercedes “VR”, que registou também a seu favor.
O remanescente dos € 23.750,00, no valor de € 3.704,41, destinou-se, por A. e R., à aquisição de mobiliário e equipamento diverso.
Em relação ao mútuo de € 86.250,00, os mutuários, ora A. e R., deixaram de pagar ao Banco a partir de 25/06/2011, as prestações do mesmo, tendo este liquidado a dívida nessa data em € 83.920,72, atendendo a que parte dos valores até aí pagos por A. e R. foram imputados a uma parte dos juros sobre o capital em dívida.
E, em relação ao mútuo de € 23.750,00, deixaram de pagar ao banco a partir de 25/05/2011, tendo este liquidado a dívida nessa data em € 23.205,43.
Na sequência dos incumprimentos, o Banco 1... instaurou execução hipotecária, liquidando a dívida pelo valor de € 115.150,78.
Nessa execução, para além da fracção, foram penhorados os vencimentos da Autora, do Réu e de CC, fiador e principal pagador, obtendo-se o valor de € 5.709,15.
A fracção acabou por ser adjudicada ao Banco 1... pelo montante de € 80.900,00.
Após a adjudicação, A Autora encetou negociações com o Banco 1... para obter perdão parcial do remanescente da dívida, tendo chegado a acordo com o mesmo, fixando-se o valor a pagar em € 29.298,35, correspondendo tal quantia a parte do remanescente do valor em dívida.
Em cumprimento desse acordo, a Autora pagou ao Banco 1..., em prestações, a quantia global de € 29.298,35.
Acresce que, tendo A. e R. contribuído de igual modo para o pagamento das prestações ao Banco até à data da cessação da união de facto, desde essa altura (Maio de 2010) até ao incumprimento dos contratos (Abril e Maio de 2011) foi a Autora quem exclusivamente suportou tais prestações, no montante global de € 4.950,00.
Assim, assiste-lhe o direito a ser reembolsada de € 17.124,17, correspondente a metade daquelas importâncias (€ 29.298,35 e € 4.950,00).
Por outro lado, segundo as regras do enriquecimento sem causa, tem direito a receber € 9.022,79, correspondente a metade dos € 18.045,59, acima aludidos.


O Réu veio contestar, impugnando a factualidade alegada e invocar a excepção da prescrição quanto ao crédito de € 9.022,79, pugnando pela improcedência da acção.
Deduziu, ainda, pedido reconvencional, peticionando seja reconhecido ao Réu o direito de regresso sobre a Autora e, em consequência, seja esta condenada a restituir-lhe a quantia de € 33.336,65, acrescida de juros desde a data da notificação até integral pagamento.
Caso assim não se entenda, seja reconhecido ao Réu o direito de regresso sobre a Autora e a condenação desta a restituir-lhe o montante de € 16.212,48, acrescido de juros desde a notificação até integral e efectivo pagamento, após compensação dos respectivos créditos (€ 17.124,17 da Autora e € 33.336,65 do Réu).
Entre 2006 e 2011, foi o Réu quem, exclusivamente, suportou os empréstimos juntos do Banco 1..., no montante global de € 27.000,00, tendo direito a receber metade.
Na execução, o seu salário foi penhorado, num total de € 1.768,04.
Liquidou um crédito junto do Banco 2... o montante de € 15.949,80, para aquisição do veículo “RA”, adquirido por ambos e por ambos fruído, tendo direito a receber metade.
Pagou € 873,22 de quotas de condomínio da fracção, tendo direito a receber metade.
Pagou € 183,58 pelos serviços de fornecimento de água e taxas, tendo direito a receber metade desse montante.
Suportou € 4.666,70 do cartão de crédito do Banco 3... que era utilizado por ambos, tendo direito a receber metade.
A Autora apropriou-se de todo o recheio da casa de mora de família, no valor global de € 7.500,00, tendo direito a receber metade.
A Autora apropriou-se dos bens pessoais do Réu, designadamente peças em ouro, que deverá ser condenada a restituir ou, caso tal não seja possível, o respectivo valor, que ascende a € 3.500,00.
E, apropriou-se da quantia monetária de € 1.750,00, que igualmente deverá restituir.
Caso a Autora faça prova do crédito no montante de € 17.124,17, deve operar a compensação com o valor do crédito do Réu, que ascende a € 33.336,65.
A Autora veio responder, pugnando pela improcedência da excepção da prescrição e da reconvenção e pela procedência da acção.
Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, onde foram julgadas improcedentes as excepções da ilegitimidade activa e da litispendência e foram aferidos genericamente pela positiva os demais pressupostos processuais.
Foram, igualmente, proferidos despachos a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova.
Apresentada reclamação, foi designada audiência prévia, no decurso da qual foi atendida tal reclamação e ajustados em conformidade os temas de prova e a matéria já dada como assente.
Instruída a causa, procedeu-se à audiência de julgamento com observância do legal formalismo, no decurso da qual cada uma das partes requereu a condenação da outra parte por litigância de má-fé, em multa e indemnização, no montante não inferior a € 3.000,00.
No culminar da mesma audiência foi proferida sentença onde se julgaram parcialmente procedentes a acção e a reconvenção e, em consequência:
1. Se julgou improcedente a excepção da prescrição invocada pelo Réu;
2. Se condenou o Réu a pagar à Autora o montante de € 17.124,17 (dezassete mil, cento e vinte e quatro euros e dezassete cêntimos), deduzido da quantia de € 4.217,37 (quatro mil, duzentos e dezassete euros e trinta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de juros civis, desde 06 de Julho de 2021 até efectivo e integral pagamento, e da quantia vier a ser liquidada, a título de montantes satisfeitos ao Banco 1..., desde a celebração dos empréstimos referidos em 3. e 5. da matéria provada e até Maio de 2010, que excedeu a quota-parte de 50% (cinquenta por cento) da responsabilidade do Réu nos créditos mutuários;
3. Se condena-se o Réu a pagar à Autora a quantia de € 9.022,79 (nove mil e vinte e dois euros e setenta e nove cêntimos);
4. Se absolveram o Réu e a Autora/Reconvinda do demais peticionado.
*
A Autora e o Réu vieram interpor recurso desta decisão, apresentando desde logo e nos termos legalmente prescritos as suas alegações.
O Réu também respondeu ao recurso da Autora.
Foi proferido despacho no qual se consideraram os recursos tempestivos e legais e se admitiram os mesmos como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação proferiu-se despacho onde se tiveram os recursos como sendo os próprios, tempestivamente interpostos e admitidos com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Enquadramento de facto e de direito:
Aos presentes recursos são aplicáveis as regras processuais da Lei nº 41/2013 de 26 de Junho.
É consabido que o objecto dos recursos sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, estão definidos pelo conteúdo das conclusões vertidas pelos apelantes nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
É o seguinte o conteúdo das conclusões nas alegações de recurso da Autora:
I
Errou o tribunal a quo ao julgar como provados os seguintes factos:
“O Réu pagou a quantia global de € 4.666,70, referente ao cartão de crédito do Banco 3... que era utilizado por ambos” (nº 39 dos factos provados).
Atenta a prova produzida (ou melhor, a falta de prova) dever-se-ia ter dado aquele matéria de facto como não provada.
Labora o tribunal a quo em erro ao relevar, naquele sentido, as declarações do Réu, quando essas declarações foram contraditórias, confusas e parciais, limitando-se a concluir que foi o próprio quem pagou a totalidade do saldo do cartão de crédito e que o mesmo era utilizado por ambos. Não podendo essas declarações fundamentar a decisão sobre aqueles factos.
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Deve, pois, julgar-se como não provada aquela matéria de facto ou, pelo menos, deve julgar-se como não provada aquela matéria de facto, quanto ao segmento: “que era utilizado por ambos”.
Da alteração dessa matéria de facto, deve revogar-se a decisão de condenação da A. no pagamento ao R. do valor de € 2.333,35.
II
Foi a A. condenada a pagar ao R., “a quantia que vier a ser liquidada, a título de montantes satisfeitos ao Banco 1..., desde a celebração dos empréstimos referidos em 3. e 5. da matéria provada e até Maio de 2010, que excedeu a quota-parte de 50% (cinquenta por cento) da responsabilidade do Réu nos créditos mutuários.”
Quanto a essa matéria, o R. alegou (art.º 41º) que, naquele período, pagou a totalidade das prestações dos mútuos, no total de € 27.000,00, pedindo a condenação da A. na restituição de €13.500,00.

Tendo ficado demonstrado que, no referido período, o R. contribuiu para aquele pagamento em montante superior ao da A., mas que não foi possível apurar a medida dessa superioridade, entendeu o tribunal a quo que, na falta de elementos para quantificar a mesma, restaria condenar a A. a reembolsar o R. da quantia satisfeita por este que tenha excedido a metade da sua responsabilidade.
Ora, essa decisão do tribunal a quo viola a lei, na medida em que o tribunal só pode condenar no que vier a ser liquidado (art.º 609º, 2 do CPC) quando fosse permitida a formulação de um pedido genérico e verificadas as premissas previstas no art.º 556º do CPC, no caso, quando o objecto seja uma universalidade, de facto ou de direito.
Acontece, no entanto, que o R. não deduziu qualquer pedido genérico quanto a essa matéria, alegando apenas o pagamento de € 27.000,00 e pedindo 50% desse valor, por a A. nada ter pago para esse fim. Simplesmente, não produziu prova tendente a provar o direito invocado.
Acresce que, ao relegar para liquidação posterior, estaria a dar-se nova oportunidade ao R. para fazer aquela prova, prova essa, no entanto, de que a A. terá o respectivo ónus, porquanto, no caso em apreço, o interesse material e processual na liquidação seria sempre, em primeira análise desta, na medida em que, na compensação a operar, seria a mesma sempre credora do R.. Sendo que o R., porque sempre devedor na compensação a operar, nunca contribuiria para a respectiva prova.
Essa prova, no entanto, é impossível, uma vez que para o respectivo apuramento, ter-se-ia de apurar a proveniência de todos os cerca de 2600 movimentos daquele período, correspondendo os movimentos a crédito a mais de € 87.000,00, sendo preciso, para tanto, obter da entidade bancária, todos os documentos de suporte aos respectivos movimentos. O que, provavelmente, seria, de todo impossível de obter.
No caso, melhor teria andado o tribunal a quo se, no caso, tivesse fixado a respectiva quantia por recurso à equidade.
Deve, pois, aquele segmento da decisão recorrida, ser considerado sem qualquer fundamento legal e ser revogado.
III A. Da má-fé do Réu.
O R. alegou que:
1. Entre 2006 e 2011 suportou sozinho, com os seus rendimentos, os pagamentos das prestações devidas ao Banco 1..., o que se revelou ser falso. (Nºs 33 e 34 da matéria de facto provada)
2. E alegou que não havia evidências que tenha sido a A. a liquidar ao Banco 1..., o valor de € 29.298,35, resultando o contrário da prova documental e da própria confissão do Réu. (Nº 29 da matéria de facto provada)
3. E ainda que o valor do crédito recebido do B.I.I, no valor € 23.750,00, se destinou à aquisição do recheio da casa de ambos, quando desse crédito foi paga a quantia de € 18.045,59 relativa à divida do seu veículo “Audi”. (Nº 26 da matéria de facto provada)
4. E mais alegando que o Mercedes “RA” foi comprado e fruído por ambos, pedindo a condenação da A. no pagamento de €7.974,90, quando resultou provado que o “RA” foi comprado pelo R. por troca com o “Audi”, que veio a ser vendido por este. já depois da cessação da vida em comum. (Nº 27 da matéria de facto provada)
B. Da intenção do Réu de obter um fim ilegal e impedir a descoberta da verdade
Os pedidos do R. e os factos por si alegados, foram, na sua maioria, dados como contrários à verdade, sendo, assim, todos os seus principais pedidos julgados improcedentes.
A conduta do R. revelou-se maliciosa, mais do que uma negligência grosseira, antes dolosa, ao negar factos evidentes e documentados nos autos.
O Réu teve, claramente, a intenção de conseguir um objectivo ilegal e impediu e/ou dificultar a descoberta da verdade material, ao alegar contra a verdade dos factos.
Litigou, pois, de má-fé, pelo que deve revogar-se, nessa parte, a sentença e condenar-se o R. como litigante de má fé, no pagamento de multa e numa indemnização à A. no valor de €3.000,00.
Ao decidir, como decidiu, violou a douta sentença recorrida as disposições legais dos arts. 516º, nº 1, 607º, nomeadamente o seu nº 4, dos arts. 556º e 609º, 2, todos do Cód. Proc. Civil.
*
É o seguinte o teor das conclusões das alegações do Réu:
A) Vem o presente recurso interposto da Douta Sentença que julgou a presente acção parcialmente procedente, e, consequentemente:
1. Julga-se improcedente a excepção da prescrição invocada pelo Réu;
3. Condena-se o Réu a pagar à Autora a quantia de € 9.022,79 (nove mil e vinte e dois euros e setenta e nove cêntimos);
B) Salvo o mui douto e devido respeito por opinião em contrário, entende o Recorrente que as referidas decisões reclamam de V. Ex.as a devida reapreciação da decisão de mérito, quer quanto à excepção da prescrição, quer quanto à solução jurídica aplicada uma vez que, o Tribunal “a quo” violou o disposto nos artigos 473º, 479º e 482º todos do C.C., impondo-se a sua alteração e, consequente revogação parcial da sentença e absolvição do Réu, aqui Recorrente;
DA EXCEÇÃO DE PRESCRIÇÃO:
C) O Tribunal “a quo” decidiu julgar improcedente a excepção de prescrição invocada pelo Réu, relativamente ao crédito de € 9.022,79;
D) A Autora/Recorrida desenhou a relação material controvertida sempre no pressuposto da união de facto que manteve com o Réu/Recorrente e, que o Tribunal “a quo” deu como provado que se manteve entre 2007/2008 e até Maio de 2010;
E) E, tendo em vista aquela união de facto, Autora e Réu, em 07.03.2006, com recurso a dois contratos de mútuo, adquiriram uma fracção autónoma destinada à sua habitação própria e onde passaram a residir entre 2007/2008 (cfr. factos provados 1., 2., 3., 4., 5., 25. e 44.);
F) Tendo o Tribunal “a quo” dado ainda como provado, no que concerne ao pedido de condenação do Réu a restituir à Autora a quantia de 9.022,79 € relativa ao prejuízo e empobrecimento que para si resultou da utilização indevida por aquele do valor de 18.045,59€ para aquisição do veículo sua propriedade exclusiva e consequente enriquecimento injustificado os factos vertidos nos pontos 22., 26. e 27.;
G) Ora, perante tal factualidade, o Tribunal “a quo” entendeu que, a obrigação de restituição por enriquecimento sem causa da quantia de 9.022,79 € não surge no contexto da união de facto, não havendo que contabilizar o prazo a partir do seu termo, pois, refere que, não se trata aqui de uma causa (união de facto) que desapareceu, mas sim, da inexistência de causa, uma vez que, o empobrecimento da Autora só surge após o pagamento dos créditos bancários que o Réu utilizou para fazer o pagamento do seu mútuo, ou seja, em Dezembro de 2019;
H) Ou seja, o Tribunal “a quo” considerou para efeitos de contagem do prazo de prescrição de três anos, o momento em que a Autora liquidou a totalidade dos créditos ao Banco 1..., cujas obrigações foram assumidas por ambos, isto é, em Dezembro de 2019, por só neste momento nascer para aquela o direito a obter a restituição;
I) Porém, e salvo sempre o devido respeito por opinião em contrário, não comungamos da interpretação e aplicação dos artigos 473º e 482º do C.C. efectuada pelo Tribunal “a quo”.
POIS QUE,
J) No dia 07.03.2006, Autora e Réu através de escrituras públicas celebraram um contrato de compra e venda da fracção autónoma designada pela letra F, e dois contratos de mútuo com hipoteca com o 37 Banco 1..., S.A., um no montante de 86.250,00 € destinado à compra daquela fracção, e outro no montante de 23.750,00€;
K) Autora e Réu contraíram tais empréstimos e adquiriram a referida fracção com vista a viverem juntos como casal na referida casa, o que veio a suceder entre 2007/2008 e até Maio de 2010, sendo certo que, pelo menos, desde Março de 2006, Autora e Réu passaram a ter uma economia comum, cujos vencimentos eram creditados na conta solidária aberta em nome de Autora e Réu com o n.º ... do Banco 4..., e onde eram debitadas as prestações bancárias e outras despesas comuns;
L) No mesmo dia, 07.03.2006, e não, 27.03.2006, como certamente por lapso, refere o Tribunal “a quo” no ponto 27. da factualidade dada como provada, foi emitido um cheque bancário da referida conta solidária no montante de 18.045,59€ a favor de Banco 2..., que se terá destinado ao pagamento do remanescente em divida do valor do crédito concedido exclusivamente ao Réu para aquisição do seu veículo automóvel marca Audi, veiculo que foi vendido em 21.06.2006 (cfr. documento n.º3 da p.i. e facto provado em 26. e documento n.º5 da contestação), cuja matéria deverá ser aditada ao facto dado como provado sob o ponto 26, ao abrigo do disposto no artigo 662º do C.P.C.;
M) Porém, não foi apurado o valor pelo qual foi vendido o referido veículo Audi, nem onde foi aplicado esse dinheiro;
N) E, no dia 12.04.2006, na qualidade de mutuários, Autora e Réu, celebraram um contrato de financiamento para aquisição de bens de consumo duradouros, com o Banco 2..., para aquisição do veículo da marca Mercedes-Benz, matrícula ..-..-RA, veiculo que veio a ser registado em nome do Réu, assim como o respectivo ónus de reserva de propriedade a favor da referida instituição de crédito, veículo que foi vendido em 19.05.2011, ou seja, um ano após a cessação da comunhão de vida entre as partes (cfr. factos provados 22. e 27.);
O) Ora, o contexto em que quer os mútuos concedidos pelo Banco 1..., quer a liquidação do remanescente em divida ao Banco 2... no montante de 18.045,59€ pela aquisição pelo Réu do veículo Audi, quer ainda a aquisição do veículo RA, ocorreu tendo em vista a referida comunhão de vida entre a Autora e o Réu e a relação amorosa que entre ambos existia;
P) Comunhão de vida que perspectivaram e que, posteriormente, mantiveram Autora e Réu e que, foi, sem dúvida, a causa justificativa para que a quantia de 18.045,59 € foi destinada ao pagamento do crédito de que era devedor ao Banco 2... pela aquisição da referida viatura Audi;
Q) Causa esta que deixou de existir quando cessou não só a comunhão de vida, como a união de facto estabelecida entretanto entre ambos a partir de 2007/2008 e que perdurou até Maio de 2010.
R) Assim, após o terminus da relação e consequente cessação da comunhão de vida e economia comum, a Autora disponha do prazo de 3 anos para exercer o direito à restituição por enriquecimento sem causa da quantia de 9.022.79€ que terá servido para o Réu pagar o crédito de que era devedor ao Banco 2... pela aquisição do veículo Audi;
S) Pois que, independentemente de como e quando viriam a ser pagos os mútuos ao Banco 1..., após a cessação da comunhão com o Réu, em Maio de 2010, a Autora toma conhecimento dos elementos constitutivos do direito à restituição daquela quantia de que se considerava empobrecida;
T) Restituição que em nada contende com as obrigações assumidas pela Autora e pelo Réu perante a instituição bancária Banco 1..., estas de natureza solidária do lado passivo, e aquela de natureza reparadora;
U) Ora, o prazo de prescrição de três anos começa, pois, a contar a partir do momento em que a pessoa que reclama a restituição conhece os pressupostos que condicionam a responsabilidade civil como fonte da obrigação de indemnizar por enriquecimento sem causa, independentemente da consciência da valoração jurídica que sobre eles faça;
V) A Autora depois de ter visto o Réu, em 07.03.2006, a destinar tal quantia de 18.045,59€ para o pagamento de divida exclusivamente sua, e de saber que o Réu, em Junho de 2006, vender o referido veiculo Audi, só terá consentido com tais actos ou até concordado com os mesmos, por causa da especial relação amorosa que mantinha com o Réu;
W) Causa esta que determinou que tal quantia fosse assim destinada e que cessou após a ruptura da relação do casal em Maio de 2010;
X) Pelo que, errou o Tribunal “a quo” no julgamento da matéria de direito, concretamente, na interpretação e valoração jurídica dos factos, por entre a data da cessação da união de facto entre Autora e Réu e a data da citação deste, terem decorrido 11 anos;
Y) Violou, assim, a decisão recorrida o disposto nos artigos 473º, n.º2 e 482º, ambos do Código Civil, porquanto deveria ter julgando procedente a invocada excepção de prescrição, com as inerentes consequências, absolvendo o Réu do respectivo pedido, o que se requer a V. Ex.as;
SEM PRESCINDIR,
DA FALTA DE PRESSUPOSTOS DO INSTITUTO DO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA – ERRO SOBRE MÁTÉRIA DE DIREITO:
Z) No caso que, não se aceita, nem se concebe, de ser julgado improcedente o recurso sobre a excepção de prescrição, sempre se dirá que a Douta Decisão Recorrida errou na interpretação e aplicação dos pressupostos do instituto do enriquecimento sem causa ao condenar o Réu no pagamento à Autora da quantia de 9.022,79€;
AA) O Tribunal “a quo” decidiu, condenar o Réu a pagar à Autora a quantia de 9.022,79€ relativa ao prejuízo e empobrecimento que à Autora resultou da utilização indevida por aquele do valor de € 18.045,59 para a aquisição do veículo sua propriedade exclusiva e consequente enriquecimento injustificado;
BB) O Tribunal “a quo” assentou a sua decisão de condenação da seguinte factualidade dada como provada nos pontos 5., 13., 26., 30. e 32.;
CC) O Tribunal “a quo”, certamente por lapso, considerou ainda, em manifesta oposição ao decidido no ponto 43. da factualidade dada como provada “43. que “Desde a celebração dos empréstimos referidos em 3. e 5. e até Maio de 2010, A. e R. contribuíram para o seu pagamento com importâncias equivalentes e suportaram em montantes idênticos despesas com fornecimento de água e taxas.,” pelo que, nesta parte não deverá tal fundamentação ser como tal considerada, mas sim a que decorre do ponto 43. por tais factos decorrem da prova produzida em audiência de julgamento;
DD) Ora, conforme decorre da factualidade dada como provada sob os pontos 13., 24. e 41., o Banco 1... no âmbito do processo executivo que instaurou contra a Autora, Réu e fiadores, recebeu até Abril de 2017 a quantia de 85.951,88 € dos 115.150.78€ reclamados a titulo de quantia exequenda peticionada em Maio de 2012, decorrente da decisão de adjudicação do imóvel ao Banco Exequente e das penhoras de vencimento, designadamente, do Réu no montante de 1.768,04€;
EE) Assim, nem a Autora nem o Réu suportaram o pagamento das obrigações solidárias assumidas perante a instituição bancária no montante global 84.183,84€ (85.951,88€ - 1.768,04€);
FF) Não tendo nenhum dos obrigados ficado com o imóvel;
GG) Por outro lado, conforme já supra referido, a viatura Audi foi vendida em Junho de 2006, porém, desconhece-se o preço recebido e por quem, por tal matéria não ter sido objecto nem de alegação nem de prova;
HH) Ora, desconhecendo-se tal factualidade, não é possível lograr a existência do enriquecimento do Réu apenas pelo facto de ter visto diminuído, no momento em que, o crédito do Banco 2... é liquidado com a quantia de 18.045,59€ se, posteriormente, três meses mais tarde, o referido veículo foi vendido e o seu valor tiver, designadamente, ingressado na economia comum do casal;
II) Assim como se desconhece porque não foi alegado sequer, se Autora e Réu terão acordado, no momento em que, utilizaram aquele valor para pagar aquele crédito do Réu que, tal montante seria reposto com o produto da venda do mesmo, uma vez que, pretendiam adquirir, como adquiriram, também com recurso a crédito, o RA;
JJ) Tanto mais que, foi, entre aquelas datas, que o casal adquiriu, concretamente, em 12.04.2006, com recurso a crédito concedido pela referida instituição bancária – Banco 2..., o veículo ..-..-RA, o qual apenas só em 19.05.2011 foi vendido, e cujas prestações foram suportadas exclusivamente pelo Réu, cfr. facto dado como provado no ponto 35;
KK) Ora, não tendo a Autora alegado e muito menos feito prova do valor pelo qual foi vendido o veículo Audi e, bem assim, que o Réu fez seu tal valor, não é possível desde logo determinar o quantitativo do enriquecimento do Réu e bem assim, o empobrecimento da Autora;
LL) Tanto mais que, nenhum dos dois suportou exclusivamente o pagamento das demais prestações bancárias;
MM) Ora, tendo o Tribunal “a quo” condenado o Réu a pagar à Autora o montante de 17.124,17€ correspondente a metade da quantia de 4.950,00€ e metade da quantia de 29.298,35€, não podia condenar duplamente o Réu a pagar ainda à Autora a quantia de 9.022,79€ corresponde a metade do valor de 18.045,59€, sem apurar o correspondente valor em que o Réu terá enriquecido, e a Autora empobrecido, uma vez que, para além daqueles valores, nem a Autora nem o Réu, suportarem o pagamento ao Banco 1... do montante de 84.183,84€;
NN) Pois que, se somarmos aqueles valores, 84.183,84€ + 29.298,35€ + 4.950,00€, que ascendem a 118.432,19€, verificamos que o mesmo excede o valor da quantia exequenda peticionada pelo Banco 1... no âmbito do processo executivo, não havendo qualquer enriquecimento do Réu à custa da Autora, que injustificadamente lhe confira o direito de ser restituída de qualquer quantia;
OO) Pelo que, não existindo qualquer vantagem de carácter patrimonial do Réu, que terá de pagar à Autora a referida quantia de 17.124,17€, nem obtido qualquer outro locupletamento à custa da Autora, nada mais terá a restituir-lhe, por não haver um qualquer injusto ou injustificado empobrecimento da Autora;
PP) Assim, a decisão recorrida fez errada interpretação e aplicação do artigo 473º do Código Civil, impondo-se, assim, a sua revogação e consequente absolvição do Réu do respectivo pedido de condenação no pagamento da quantia de 9.022,79€ à Autora;
QQ) Pelo que, Recorre-se ao Sereno Arbítrio de V. Exas., Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto, para que, sopesados todos os argumentos supra aduzidos, se dignem julgar procedente o presente Recurso, e, por via dela julgar procedente a excepção de prescrição do direito da Autora/Recorrida, com as demais consequências legais, ou caso assim se não entenda, o que não se aceita nem se concebe, sempre será de revogar parcialmente a sentença recorrida, absolvendo, em consequência, o Réu/Recorrente do pedido de condenação no pagamento à Autora da quantia de 9.022,79€, com as demais consequências legais.
*
O Réu conclui as suas contra alegações, sugerindo a rejeição do recurso da decisão de facto interposto pela Autora, por incumprimento do ónus previsto na alínea b) do art.º 640º do CPC.
Pugna ainda pela improcedência do recurso e pela confirmação dos segmentos 2 e 4 da sentença recorrida.
*
Perante o antes exposto, resulta claro serem as seguintes as questões suscitadas nestes dois recursos:
No recurso da Autora:
1ª) A impugnação da decisão da matéria de facto;
2ª) A violação das regras previstas no art.º 609º, nº2 do CPC;
3ª) A condenação do Réu por litigância de má-fé:
No recurso da Ré:
1ª) A procedência da excepção peremptória da prescrição;
2ª) A revogação do segmento da decisão que condenou o Réu tendo por base o instituto do enriquecimento sem causa.
*
É o seguinte o teor da decisão da matéria de facto antes proferida:
A.1. Matéria provada
Da instrução e discussão da causa, resultaram provados os seguintes factos:
1. Autora e Réu mantiveram uma união de facto, vivendo em comunhão de mesa e habitação até Maio de 2010;
2. Mediante escritura pública outorgada em 7 de Março de 2006, Autora e Réu celebraram com “A..., Lda.” um contrato de compra e venda, mediante o qual, pelo preço de € 86.250,00, que pagaram, compraram a tal sociedade a fracção autónoma designada pela letra “F”, correspondente a habitação no rés-do-chão esquerdo, com lugar de aparcamento e arrumo, ambos na cave, designados pela mesma letra da fracção, do prédio urbano sito na Rua ..., ..., Rua ... e Rua ..., ..., freguesia ..., concelho de Santa Maria da feira, inscrito na matriz sob o art.º ... e descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n.º ...;
3. Na mesma data e titulado pela mesma escritura, Autora e Réu celebraram um contrato de mútuo com o “Banco 1..., S.A.”, mediante o qual esta instituição lhes emprestou a aludida importância de € 86.250,00 para pagamento do preço da fracção;
4. E, simultaneamente, constituíram, a favor daquele Banco e sobre a identificada fracção autónoma, uma hipoteca voluntária, para garantia do pagamento e liquidação da quantia mutuada de que se confessaram devedores e, bem assim, dos juros à TAE de 3,87%, acrescidos de uma sobretaxa de 4% ao ano, em caso de mora, a título de cláusula penal, de despesas judiciais e extrajudiciais;
5. Naquela mesma data e mediante escritura pública, Autora e Réu celebraram com aquele Banco contrato de mútuo mediante o qual este lhes emprestou a importância de € 23.750,00;
6. Tendo constituído, a favor do Banco, uma outra hipoteca voluntária sobre a mesma fracção autónoma, para garantia do pagamento e liquidação da quantia mutuada de € 23.750,00, bem como, dos respectivos juros à TAE de 4,40%, acrescidos duma sobretaxa de 4% ao ano em caso de mora;
7. Com a celebração dos mútuos, Autora e Réu obrigaram-se, solidariamente, a pagar ao Banco as importâncias mutuadas, juros, impostos devidos e despesas associadas e, ainda, a cumprir todas as cláusulas contratuais;
8. Aquelas obrigações assumidas por Autora e Réu perante o Banco mutuante, resultantes dos dois mútuos, foram, no mesmo acto notarial, solidariamente afiançadas pelos pais da Autora, CC e mulher DD, outorgando como fiadores e principais pagadores, renunciando ambos, no acto, ao benefício de excussão prévia;
9. Nos termos das cláusulas Nona dos documentos complementares às duas escrituras, o Banco podia executar as hipotecas se não fossem pagas as prestações nas datas previstas, caso em que a falta de pagamento de uma delas importava o vencimento de todas;
10. Na sequência do incumprimento do A. e R., o Banco 1..., S.A., executou aquelas hipotecas, instaurando, em 07/05/2012, a respectiva acção executiva contra aqueles pelos valores de capital de € 83.920,72 (correspondente ao montante liquidado pelo Banco, por incumprimento do empréstimo referido em C) desde 25/06/2011) e de € 23.205,43 (correspondente ao montante liquidado pelo Banco, por incumprimento do empréstimo referido em E) desde 25/05/2011), para além dos respectivos impostos de selo, dos juros de mora vencidos, desde as datas de entrada em incumprimento, até à data de entrada em juízo da acção, calculados às taxas contratualmente estipuladas acrescidos das sobretaxas, que liquidaram, nessa data em €6.061,18 e €1.963,45, respectivamente, liquidando a dívida dos executados, ora A. e R., perante o Banco, à data da instauração da execução, pelo valor € 115.150,78, a que deveriam ainda acrescer os juros de mora vincendos, calculados às taxas contratuais acrescidas das sobretaxas, até integral e efectivo pagamento;
11. A execução correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Instância Central, 3ª Secção de Execução de Oliveira de Azeméis, sob o nº 2379/12.2TBVFR – Execução Comum (Ag. Execução) - J1, sendo executados A. e R. e aqueles fiadores, CC e mulher DD;
12. Não tendo, na referida execução, A. e R., após serem citados para o efeito, deduzido oposição quer à execução quer às penhoras;
13. Naqueles autos de execução, a fracção autónoma supra identificada, no seguimento de negociação particular que decorreu durante cerca de dois anos, foi adjudicada ao Banco exequente pelo valor de € 80.900,00, à qual não se opôs qualquer dos executados;
14. Tendo essa adjudicação sido efectuada pela Agente de Execução, em 02/02/2017, com a seguinte fundamentação: “no âmbito da presente execução decorre a venda do bem imóvel … na modalidade de venda por negociação particular, há mais de dois anos. Por comunicação à Agente de Execução, veio o exequente apresentar proposta de aquisição do já referido imóvel, pelo montante de 80.900,00 €…. O valor da proposta apresentada é superior ao valor base de venda determinado nos autos.
Do já referido requerimento de adjudicação foi requerida nos autos apreciação do Meritíssimo Juiz de Direito, o qual proferiu o despacho que junto se anexa. Notificadas as partes do teor da proposta apresentada não foi deduzida qualquer reclamação. Pelo exposto, é decisão da agente de execução aceitar a proposta de aquisição apresentada pelo exequente”;
15. Com efeito, em 06-12-2016 havia sido proferido o seguinte despacho judicial: “Veio o exequente Banco requerer a adjudicação da fracção F do imóvel inscrito na matriz predial sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n.º .... Propõe o valor de 80.900€. O executado BB concorda com tal adjudicação. Porém, salvo lapso da nossa parte, a adjudicação já havia sido requerida por um valor inferior, tendo sido proferido despacho a autorizá-la, do qual aquele mesmo executado interpôs recurso, devidamente admitido (cf. Fls. 236 e segs. e 262). Assim sendo, importa clarificar a situação. Notifique o exequente para que confirme o seu pedido de adjudicação e os demais executados para se pronunciarem, sendo, ainda, o executado recorrente BB para esclarecer se mantém interesse no recurso, nomeadamente se for proferido despacho a autorizar este segundo pedido de adjudicação, em substituição do primeiro, atento o acordo dos interessados”;
16. Em 04/01/2017, o executado, ora R., veio declarar aos autos, não manter qualquer interesse no referido recurso;
17. Assim, em 13/02/2017, foi proferido o seguinte despacho judicial: “Na sequência do anterior despacho, nada há a opor ao acordo dos interessados e subsequente decisão da Sra. Agente de Execução relativamente à adjudicação pelo valor ora proposto de 80.900€. Notifique. Notifique a Sra. Agente de Execução conforme requerido pelo executado BB. …Admite-se a desistência do recurso apresentado oportunamente pelo recorrente BB. …”;
18. Em 20/02/2017, em cumprimento daquele despacho judicial (in fine) a Agente de Execução notificou o executado, ora R., na pessoa do seu mandatário, nos seguintes termos: “Fica V.ª Exa. notificado(a), na qualidade de mandatário(a) do(a) executado(a), que os valores depositados na conta cliente da AE, por conta das penhoras que incidem sobre os vencimentos dos executados, perfazem, nesta data, a quantia de 5.051,88 Euros”;
19. E em 27/03/2017, a Agente de Execução formalizou a venda, pelo referido preço de €80.900,00, ao Banco decorrente da decisão de adjudicação, mediante escritura pública de compra e venda, outorgada no Cartório Notarial sito à Rua ..., no Porto;
20. Após a formalização da adjudicação do imóvel ao Banco, a A. encetou negociações com aquele, no sentido de obter o perdão parcial do remanescente da dívida, assumindo ela própria e aqueles fiadores, seus pais, a responsabilidade pelo respectivo pagamento;
21. A Autora notificou o Réu para os termos do acordo que pretendia fazer como Banco, antes de formalizar o mesmo, tendo o Réu, após a sua formalização, sido notificado do mesmo, no âmbito do processo executivo;
22. Em 12 de Abril de 2006, mediante empréstimo concedido pelo Banco 2..., foi adquirido o veículo da marca Mercedes-Benz, matrícula ..-..-RA, o qual foi registado a favor do Réu, assim como o respectivo ónus de reserva de propriedade a favor de tal instituição de crédito, o qual veio a ser vendido em 19/05/2011;
23. A Autora e o Banco chegaram a acordo em 18/04/2017, fixando a dívida em 29.298,35 €, nos termos da certidão judicial junta com o requerimento com a refª: 12816798 de 30/03/2022;
24. À data do acordo referido em 23., o Banco tinha recebido 85.951,88 €, correspondendo 80.900,00 € ao valor do imóvel adjudicado e o restante ao valor das penhoras levadas a efeito sobre vencimentos;
25. A. e R. começaram a viver em comunhão cama, mesa e habitação, em data que em concreto não foi possível precisar, mas, entre 2007/2008, na fracção referida em 2.;
26. Em 27/03/2006, o Réu destinou o valor emprestado, no âmbito do mútuo referido em 5., ao pagamento da importância de € 18.045,59 ao Banco 2..., correspondente ao remanescente em dívida do valor do crédito concedido exclusivamente àquele, para aquisição do seu veículo automóvel da marca “Audi”, em data anterior ao início da união de facto;
27. Posteriormente, o Réu trocou o Audi pelo veículo Mercedes “..-..-RA”, que registou a seu favor, o qual veio a vender, após, a cessação da comunhão de vida com a Autora;
28. O remanescente do empréstimo referido em 5., no valor de € 3.704,41, foi destinado por Autora e Réu na aquisição de mobiliário e equipamento diverso;
29. A Autora pagou ao Banco o montante referido em 23., até Dezembro de 2019;
30. Os vencimentos penhorados e aludidos em 24. pertenciam ao executado BB, aqui Réu, e ao executado CC;
31. O valor global dos montantes referidos em 23., 24. e 27. (€ 115.250,23), acrescido das taxas de juro contratuais e das sobretaxas atinentes à mora, corresponderia, em Dezembro de 2019, a cerca de € 160.000,00;
32. Antes de A. e R. caírem em incumprimento, em Maio e Junho de 2011, foi a Autora quem, sem a comparticipação do Réu, pagou ao Banco, do plano de amortização de ambos os mútuos (referidos em 3. e 5.), as prestações mensais, vencidas de Junho de 2010 a Abril e Maio de 2011, inclusive, na sua totalidade, no valor global de € 4.950,00;
33. Os vencimentos da A. e do R., por regra, eram pagos por transferência para a mesma conta bancária, sendo dessa conta que era debitada a prestação do crédito pelo Banco;
34. Era da referida conta que eram pagas as prestações que eram pagas as prestações dos mútuos e, bem assim, as despesas com alimentação, saúde, transporte, gás, luz e água;
35. O Réu procedeu, em exclusivo, ao pagamento do empréstimo para aquisição do “RA”, no montante global de € 15.949,80;
36. O Réu suportou, exclusivamente, os encargos pelas quotas de condomínio da fracção onde o casal vivia, no montante global de € 873,22;
37. A Autora suportou, exclusivamente, os encargos pelas quotas de condomínio da fracção onde o casal vivia, no montante global de € 600,00, bem como outras quantias;
38. O Réu pagou € 183,58 à B... pelos serviços de fornecimento de água e taxas;
39. O Réu pagou a quantia global de € 4.666,70, referente ao cartão de crédito do Banco 3... que era utilizado por ambos;
40. Através do mútuo referido em 5., A. e R. adquiriram a mobília de quarto, o sofá da sala e o plasma;
41. No âmbito da execução, foi penhorado o salário do Réu, no montante de € 1.768,04, nenhum vencimento tendo sido penhorado à Autora;
42. A A. apropriou-se dos bens referidos em 40., cujo valor, à data da cessação da união, não foi possível apurar;
43. Desde a celebração dos empréstimos referidos em 3. e 5. e até Maio de 2010, A. R. foram liquidando os mesmos em montante global que em concreto não foi possível apurar, tendo o R. contribuído para esses pagamentos em montante superior ao da A., superioridade essa que em concreto também não foi possível apurar;
44. A. e R. contraíram os empréstimos referidos em 3. e 5. e adquiriram a fracção autónoma, com vista a viverem juntos como casal nesta casa.

A.2. Matéria não provada:
Com relevo para a decisão, nenhuns outros factos ficaram demonstrados, nomeadamente não ficou provado que:
a) O Réu trocou o “RA” pelo veículo automóvel, também da marca “Mercedes”, com a matrícula “..-VG-..”, que registou a seu favor;
b) Os vencimentos penhorados e aludidos em 24. pertenciam também à executada AA, aqui Autora;
c) Na pendência da execução, A. e R. pagaram em igual montante parte do valor de € 5.051,88, proveniente das penhoras dos vencimentos;
d) O veículo “RA” foi adquirido por ambos e por ambos fruído, entre Junho de 2006 e Maio de 2011;
e) Através do mútuo referido em 5., A. e R. adquiriram, para além dos objectos referidos em 40., o demais recheio da habitação;
f) Foi o Réu quem, entre 2006 e 2011, exclusivamente, suportou o pagamento das prestações devidas ao Banco 1..., cujo montante global ascende a cerca de € 27.000,00;
g) A A. apropriou-se de outro recheio da habitação, para além do que consta em 40.;
h) O recheio de que a A. se apropriou, à data da cessação da união de facto, valia € 7.500,00;
i) O recheio de que a A. se apropriou não tem qualquer valor económico;
j) Apropriação pela Autora de objectos de ouro do Réu (2 voltas, 3 pulseiras e um anel), cujo valor não é inferior a € 3.500,00;
k) Apropriação pela Autora da quantia monetária de € 1.750,00, pertencente ao Réu;
l) Desde a celebração dos empréstimos referidos em 3. e 5. e até Maio de 2010, A. e R. contribuíram para o seu pagamento, no montante global de € 27.000,00, com importâncias equivalentes e suportaram em montantes idênticos despesas com fornecimento de água e taxas.
*
Como antes já vimos, no recurso que veio interpor a Autora impugnou a decisão de facto proferida, requerendo que seja considerada como não provada ou pelo menos alterada, a matéria inscrita no ponto 39 dos factos provados, cujo teor é, recorde-se, o seguinte:
“O Réu pagou a quantia global de € 4.666,70, referente ao cartão de crédito do Banco 3... que era utilizado por ambos”.
E isto por considerar que as declarações prestadas pelo Réu por serem contraditórias, confusas e parciais não podem só por si fundamentar a resposta afirmativa que a tais factos foi dada pelo Tribunal “a quo”, como em seu entender se pode verificar das passagens da respectiva gravação a que alude na conclusão I. das suas alegações.
Ora, salvo o devido respeito por opinião em contrário, deve entender-se que a Autora não cumpriu devidamente os ónus previstos na alínea b) do nº1 e da alínea a) do nº2 do art.º 640.º do CPC.
Assim e apesar de impugnar a decisão sobre a matéria de facto dada como provada no identificado ponto 39, com referência às declarações do Réu/Recorrido, não transcreve as mesmas limitando-se a indicar o segmento em minutos das gravações onde ficaram registadas as declarações prestadas pelo Réu em julgamento.
Ou seja, não enuncia o meio de prova que deve conduzir à alteração que sugere nem funda a sua pretensão numa análise (crítica) dos meios de prova, que estiveram na base da motivação do Tribunal “a quo”.
Nestes termos e porque a simples reprodução de um segmento descontextualizado do depoimento prestado não cumpre o ónus que a lei adjectiva exige, impõe-se a imediata rejeição desta parte do recurso, nos termos do nº1 do art.º 640º do CPC.
Mas mesmo que assim não fosse, a verdade é que o mesmo recurso não poderia ser provido, pelas razões que vamos de imediato referir.
Contrariamente ao que defende a Autora a resposta afirmativa ao ponto 39 dos factos provados não teve apenas por base as declarações prestadas pelo Réu.
Tal resulta com clareza da motivação que, quanto a este ponto, consta da decisão recorrida e que é, recorde-se, a seguinte:
“Quanto aos pontos 34. e 39.: O extracto de conta do Banco 3..., aviso e comprovativos de pagamento juntos pelo Réu com a contestação sob a designação de docs. 19 a 22, os extractos bancários juntos aos autos, as declarações do Réu, que confirmou que o cartão do Banco 3... era usado por ambos e as declarações das partes, que confirmaram que era da conta do Banco 4... que pagavam as os mútuos do Banco 1... e as despesas correntes;”
Verifica-se, pois, que a convicção do Tribunal “a quo”, se fundamentou noutros meios de prova, nomeadamente documentais, para além das declarações de parte do Réu.
E a ser assim e porque não existem razões para questionar a veracidade de tais documentos, também por aqui não poderia proceder o recurso da Autora.
Como antes já vimos, a Autora também discorda da sua condenação no pagamento ao Réu da quantia que tenha excedido 50% da responsabilidade do Réu nos 5 créditos mutuários, melhor identificados nos pontos 3) e 5) da matéria provada, quantia esta a ser liquidada, a título de montantes satisfeitos ao Banco 1..., desde a celebração dos mesmos empréstimos e até Maio de 2010.
E isto porque considera que tal decisão põe em causa as regras que estão previstas nos artigos 609º, nº2 e 556º ambos do Código de Processo Civil e 569º do Código Civil.
Ora salvo melhor opinião, resulta claro que o Réu na sua reconvenção não deduziu qualquer pedido genérico, o que a verificar-se teria que ser liquidado nesta acção até ao início da discussão da causa, conforme prevê o nº1 do art.º 358º do CPC.
Ou seja, o que aqui está em causa é sim uma condenação genérica que entendeu por bem reconhecer ao Réu o referido crédito e segunda a qual cabe a este proceder à liquidação do mesmo no âmbito da presente acção, de acordo com o decorre do nº2 do art.º 609º do CPC.
Por outro lado, também resulta evidente que nos autos e perante os elementos que tinha ao seu dispor, não havia razão para que o Tribunal “a quo” utilizasse as regras da equidade previstas no art.º 566º, nº3 do Código Civil.
Assim sendo também por aqui não procede o recurso interposto pela Autora.
Por fim a Autora insurge-se com a circunstância do Réu ter sido absolvido do seu pedido de condenação do mesmo como litigante de má-fé.
Ora a este propósito foi feito constar na sentença recorrida o seguinte:
“No caso em apreço, no entanto, inexistem nos autos elementos que nos permitam concluir com segurança pela litigância de má-fé do Réu/Reconvinte e/ou da Autora/Reconvinda, pelo que se impõe a improcedência dos pedidos formulados pelas partes na condenação da parte contrária a tal título.”
Como é sabido de todos o juízo de censura que norteia o instituto da litigância de má-fé radica na violação dos elementares deveres de probidade, cooperação e de boa-fé a que as partes estão processualmente obrigadas (cf. os artigos 7º e 8º do CPC).
Assim, enquanto as alíneas a) e b) do nº2 do art.º 542º, se reportam à chamada má-fé material/substancial (directa ou indirecta), as restantes alíneas do mesmo artigo têm a ver com a má-fé processual/instrumental. (cf. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º., 3ª Ed., Almedina, 2017, pág. 457).
Nestes termos, deste artigo resulta que a litigância de má-fé pressupõe, uma actuação dolosa ou com negligência grave - em termos da intervenção na lide -, traduzida, objectivamente, na ocorrência de alguma das situações previstas nas diversas alíneas do referido nº2.
A este propósito refere Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II vol., 3ª ed., pág. 341, que “o legislador deixou ainda clara a desnecessidade, quanto à prova, da consciência da ilicitude do comportamento e da intenção de conseguir objectivos ilegítimos (actuação dolosa), bastando que seja possível formular um juízo de censurabilidade.”
O regime da má-fé abrange, assim, actualmente, tanto a actuação dolosa, como a “negligência grave”, não bastando, todavia, uma lide temerária ou meramente culposa para a sua aplicação.
Sabe-se, igualmente, que a negligência grave é concebida como erro grosseiro ou culpa grave, sem que seja exigível a prova da consciência da ilicitude da actuação do agente.
Por isso, a lei processual tipifica as situações objectivas de má-fé, exigindo simultaneamente um elemento subjectivo, já não no sentido psicológico, mas sim no sentido ético-jurídico.
Nestes termos, é hoje entendimento jurisprudencial maioritário que a garantia de um amplo direito de acesso aos tribunais e do exercício do contraditório, próprios do Estado de Direito como o nosso, são incompatíveis com interpretações apertadas ou muito rígidas do art.º 542º do CPC, havendo sempre que ter presente as características e a natureza de cada caso concreto.
Daí que se exija uma certa prudência e razoabilidade, na formulação do juízo sobre a má-fé.
Nestes termos, constitui hoje entendimento claramente prevalecente na nossa jurisprudência, a condenação por litigância de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu dolosamente ou com negligência grave, com e/ou no processo entrado em tribunal. (neste sentido e entre outros, os Acórdãos do STJ de 21.04.2018, no processo nº487/17.5T8PNF.S e de 26.01.2017, no processo nº402/10.4TTLSB.L1.S.)
Regressando ao caso concreto o que se constata é o seguinte:
Ao contrário do que alega a Autora, não ficou provado nos autos que o Réu, na data em que apresentou a sua contestação/reconvenção, ou seja em 29.06.2021, tivesse já conhecimento dos elementos bancários que vieram a ser juntos aos autos pelo Banco 4... o que ocorreu em 14.04.2023 e dos quais resultou toda a informação obtida sobre os movimentos a crédito e a débito que, naquele período de 2006 a 2011, ocorreram na respectiva conta à ordem nº....
Mais, não pode afirmar-se que se enquadra na previsão legal de alguma das alíneas do nº2 do art.º542º, o facto do Réu só em audiência de discussão e julgamento ter reconhecido que a Autora realizou transferências de salários e subsídios de desemprego para a mesma conta, durante o tempo em que ambos viveram em união de facto.
Sendo assim bem decidiu o Tribunal “a quo” quando considerou não estarem reunidos os pressupostos para a condenação do Réu como litigante de má-fé, nem a título de dolo, nem negligência, absolvendo assim o Réu de tal pedido.
Em suma, também aqui deve ser negado provimento ao recurso da Autora.
Agora quanto ao recurso do Réu.
Como já vimos, o Réu sustenta o seu recurso nas seguintes questões:
- Na procedência da excepção peremptória da prescrição;
- Na revogação do segmento da decisão que o condenou tendo por base o instituto do enriquecimento sem causa.
Salvo melhor opinião, o nosso entendimento é o de que nenhuma censura merece o que a tal propósito ficou decidido na sentença recorrida.
E a ser assim e porque subscrevemos inteiramente os argumentos que dela constam, passamos a transcrever os segmentos da sentença que para o efeito consideramos mais relevantes.
Nestes termos e começando pelo enriquecimento sem causa e pelo pedido formulado a tal título pela Autora:
“B.1. Seja reconhecido à Autora o direito de regresso sobre o Réu, em relação à importância de € 17.124,17, paga em excesso, no âmbito do carácter solidário da dívida assumida por ambos perante o Banco, com a celebração dos contratos de mútuo e seja o Réu condenado a pagar à Autora a referida quantia de € 17.124,17
Ficou provado que A. e R. mantiveram uma união de facto entre 2007/2008 até Maio de 2010.
Visando essa vida em comum, em 07/03/2006 contraíram dois empréstimos junto do Banco 1..., mediante os quais a entidade bancária lhes emprestou € 86.250,00 (1.º mútuo – ponto 3. da matéria provada) e 23.750,00 (2.º mútuo – ponto 5. da matéria provada).
E, com a celebração dos mútuos, A. e R. obrigaram-se, solidariamente, a pagar ao Banco as importâncias mutuadas, juros, impostos devidos e despesas associadas e, ainda, a cumprir todas as cláusulas contratuais.
Sucede que, A. e R. deixaram de cumprir os mútuos em Junho de 2011 (1.º mútuo) e Maio de 2011 (2.º mútuo).
Em virtude de tais incumprimentos do A. e da R., o Banco 1... instaurou execução hipotecária.
No âmbito do processo executivo, após penhora de vencimentos e adjudicação da fracção hipoteca ao Banco 1..., a A. e o Banco 1... chegaram a acordo, fixando a dívida relativa aos mútuos em € 29.298,35.
E, a A. pagou, então, ao Banco 1... o montante de € 29.298,35, até Dezembro de 2019. Assim sendo, tendo a Autora pago integralmente o remanescente da dívida, quando pertencia pagar metade à A. e metade ao R. (art.º 516.º do CC), tem aquela, de acordo com o art.º 524.º do CC, direito a ser reembolsada por este com metade dos € 29.298,35, ou seja, € 14.649,17.
Acresce que, antes de A. e R. caírem em incumprimento, em Maio e Junho de 2011, foi a Autora quem, sem a comparticipação do Réu, pagou ao Banco, do plano de amortização de ambos os mútuos (referidos em 3. e 5.), as prestações mensais, vencidas de Junho de 2010 a Abril e Maio de 2011, inclusive, na sua totalidade, no valor global de € 4.950,00.
Em consequência, a A. tem, também, direito a ser reembolsada com metade de tal quantia, ou seja, € 2.475,00.
Destarte, conclui-se que, assistindo à autora o invocado direito de regresso, em princípio, conforme peticionado, deve o Réu ser condenado a pagar-lhe a quantia global de € 17.124,17, correspondente aos montantes satisfeitos pela Autora que excederam a sua quota-parte de responsabilidade nos créditos mutuários.
B.2. Seja o Réu condenado a pagar à Autora a quantia de € 9.022,79, relativa ao prejuízo e empobrecimento que para si resultou da utilização indevida por aquele do valor de € 18.045,59 para a aquisição do veículo sua propriedade exclusiva e consequente enriquecimento injustificado
Em 27/03/2006, A. e R. contraíram junto do Banco 1..., para além do mútuo no montante de € 86.260,00, um mútuo no montante de € 23.750,00 (ponto 5. da matéria provada).
Desde a celebração dos empréstimos referidos em 3. e 5. e até Maio de 2010, A. e R. contribuíram para o seu pagamento com importâncias equivalentes e suportaram em montantes idênticos despesas com fornecimento de água e taxas.
Antes de A. e R. caírem em incumprimento, em Maio e Junho de 2011, foi a Autora quem, sem a comparticipação do Réu, pagou ao Banco, do plano de amortização de ambos os mútuos (referidos em 3. e 5.), as prestações mensais, vencidas de Junho de 2010 a Abril e Maio de 2011, inclusive, na sua totalidade, no valor global de € 4.950,00.
E, no âmbito do processo executivo, após penhora de vencimentos e adjudicação da fracção hipoteca ao Banco 1..., a A. e o Banco 1... chegaram a acordo, fixando a dívida relativa aos mútuos em € 29.298,35. E, a A. pagou, então ao Banco 1... o montante de € 29.298,35, até Dezembro de 2019.
Sucede que, em 27/03/2006, o Réu destinou o valor emprestado, no âmbito do mútuo do montante de € 23.750,00, ao pagamento da importância de € 18.045,59 ao Banco 2..., correspondente ao remanescente em dívida do valor do crédito concedido exclusivamente àquele, para aquisição do seu veículo automóvel da marca “Audi”, em data anterior ao início da união de facto.
Assim sendo, a obrigação de pagar o mútuo junto do Banco 2... para aquisição do Audi era da exclusiva responsabilidade do Réu, a quem pertencia, em exclusivo, o veículo e a quem foi concedido, em exclusivo, o crédito.
E, a Autora viu diminuído o seu património, na medida em que acabou por suportar metade (sendo certo que, quanto à outra metade, já foi reconhecido à Autora o direito de regresso) de um empréstimo contraído por ambos, que satisfez um empréstimo exclusivo do Réu.
Em consequência, o Réu enriqueceu o seu património (ou, melhor, viu diminuído o seu passivo) à custa do património da Autora, que viu o seu património diminuído nessa medida. E, inexiste causa justificativa para essa deslocação patrimonial.
Além do enriquecimento do R., do empobrecimento da A., do nexo causal entre aquele enriquecimento e este empobrecimento e da ausência da causa justificativa das deslocações patrimoniais, não facultando a lei meio alternativo para a Autora ser restituída, à luz do disposto nos art.ºs 473.º, 474.º e 479.º do CC e em princípio, deve a Ré ser condenada a restituir o montante correspondente a metade da quantia mutuada, ou seja, € 9.022,79.”
(…)
“B.5. Da prescrição
O Réu veio invocar a excepção da prescrição relativamente ao crédito de € 9.022,79. Ora, o CC, no Capítulo III do subtítulo III, da parte geral, ocupa-se do tempo e sua repercussão nas relações jurídicas (art.º 296.º a 333.º do CC).
O tempo é um facto jurídico não negocial susceptível de influir nos mais diversos domínios do direito civil e em variado tipo de relações jurídicas.
O art.º 298.º do CC distingue entre prescrição, caducidade e não uso.
(…)
A prescrição assenta no não exercício dos direitos (art.º 298.º, n.º 1, do CC) e aproveita a todos os que dela possam tirar benefício (art.º 301.º do CC), os quais, uma vez completado o respectivo prazo, podem recusar o pagamento ou opor-se ao exercício do direito (art.º 304.º, n.º 1, do CC), por isso que ela só se interrompe, em regra, com a citação ou notificação judicial do devedor para qualquer acto revelador da intenção de exercício do direito por banda do respectivo titular ou pelo reconhecimento do direito (art.º 323.º, n.º 1 e 325.º do CC).
A prescrição, não operando judicialmente (art.º 303.º do CC), pode acarretar a extinção de direitos. Actualmente, à luz do CC vigente, não é líquido que a prescrição se caracterize por um efeito extintivo de direitos e autores há que sustentam que a mesma não extingue o direito nem a vinculação, conferindo apenas ao obrigado o poder de recusar o cumprimento – Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, p. 757, Heinrich Hörster, ob. cit., p. 214. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, I Parte Geral, T. III, p. 196 e Cunha de Sá, Modos de Extinção das Obrigações, Estudos de Homenagem ao Prof. Doutor Inocêncio Galvão Telles, vol. I, p. 245. No sentido da extinção, mas na vigência do CC de Seabra, Dias Marques, Teoria Geral da Caducidade, p. 88 e M. Andrade, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, p. 454.
Vaz Serra defendeu que a obrigação prescrita, depois de invocada, teria a natureza de uma obrigação natural (Bol. 105, p. 157 e ss).
Como se refere no Ac. STJ de 04/03/2010, proc. n.º 1472/04.0TVPRT-C.S1, RELATOR Serra Baptista, publicado in www.dgsi.pt:
“O fundamento último da prescrição situa-se na negligência do credor em não exercer o seu direito durante um período de tempo razoável, em que seria legítimo esperar que ele o exercesse, se nisso estivesse interessado.
Compreendendo-se que razões de certeza e de segurança nas relações jurídicas imponham que a inércia prolongada do credor envolva consequências desfavoráveis para o exercício tardio do direito, nomeadamente em defesa da expectativa do devedor de se considerar libero de cumprir e até da dificuldade que ele poderia ter de, passado muito tempo, fazer prova de um cumprimento que, porventura, tivesse feito”.
Relativamente ao enriquecimento sem causa, estipula o art.º 482.º do CC que: “O direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do enriquecimento”.
Pires de Lima e Antunes Varela referem, no Código Civil Anotado, vol. I, 4ª edição, Coimbra Editora, 2010, p. 482, que se estabelecem aqui dois prazos de prescrição: um, de três anos, a contar do conhecimento do direito de restituição e da pessoa do responsável; outro, o ordinário (de 20 anos) a contar, segundo as regras gerais, do momento em que a restituição pode ser exigida.
Ora, tendo as transferências ocorrido em virtude da união de facto, só quando desaparece tal causa é que se inicia o prazo da prescrição (art.º 306.º, n.º 1, e 482.º do CC).
Como se refere, por exemplo, no Ac. Rel. Porto de 8 de Fevereiro de 2022, acima citado: “O prazo de prescrição de três anos do direito à restituição fundada no enriquecimento sem causa, dada a deslocação patrimonial do empobrecido a favor do património do enriquecido em razão da união de facto, surge com o termo da união de facto.”. No mesmo sentido, pode ler-se no Ac. Rec. Coimbra de 15 de Maio de 2012, proc. n.º 885/09.5T2AVR.C1, relator Henrique Antunes, publicado in www.dgsi.pt: “O prazo de prescrição da obrigação de restituição por enriquecimento sem causa de prestações realizadas no contexto de união de facto conta-se do momento da cessação desta”. Neste sentido, citando o Ac. STJ de 31 de Maio de 2011, proc. n.º 122/09.2TBVFC-A.L1.S1, relator Salazar Casanova, dir-se-á que: “o prazo de prescrição de três anos do direito à restituição fundada no enriquecimento sem causa, dada a deslocação patrimonial do empobrecido a favor do património do enriquecido em razão da união de facto, surge com o termo da união de facto”.
É certo que, no caso, a união de facto já cessou em Maio de 2011.
Porém, a obrigação de restituição por enriquecimento sem causa da quantia de € 9.022,79 não surge no contexto da união de facto, não havendo, por isso, de contabilizar o prazo a partir do seu termo.
Não se trata aqui de uma causa (união de facto) que desapareceu.
Trata-se da inexistência de causa, como já acima aludido.
A Autora e o Réu contraíram dois empréstimos bancários junto do Banco 1..., sendo solidária a sua responsabilidade.
Estando a Autora, tal como o Réu, obrigada a liquidar a totalidade das dívidas ao Banco 1..., aquela acabou por liquidar, como era sua obrigação perante a entidade bancária, o remanescente das dívidas.
O empobrecimento da Autora só surge após o pagamento dos créditos bancários, que o Réu utilizou para fazer o pagamento do seu mútuo.
Com efeito, como refere a Autora, o empobrecimento desta só ocorre quando liquida o crédito ao Banco 1..., numa proporção superior a metade das responsabilidades (entre os mutuários, que não entre estes e o mutuante).
Só com o pagamento da totalidade dos créditos do Banco 1..., que obrigavam solidariamente A. e R., é que se verifica o empobrecimento da Autora e o enriquecimento do Réu e nasce para aquela o direito a obter a restituição.
Assim sendo e tendo a Autora acabado por liquidar as dívidas ao Banco 1... em Dezembro de 2019 (altura a partir da qual se inicia a contagem do prazo) e o R. sido citado em 24/05/2021, não se verificada a invocada excepção da prescrição, que deve ser julgada improcedente.”
Como antes já deixamos antever, o acabado de expor resolve de forma avisada as questões que tinham sido suscitadas pelas partes, nomeadamente o Réu, nos seus articulados e que agora voltaram a ser discutidas.
Assim ao decidir-se como se decidiu não se violaram as normas invocadas pelo Réu neste seu recurso, nomeadamente as dos artigos 473º, nº2 e 482º do Código Civil.
Por isso, impõe-se negar provimento ao recurso do Réu confirmando sem mais o que ficou decidido.
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Sumário (cf. art.º 663º, nº7 do CPC):
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III. Decisão:
Pelo exposto, nega-se provimento aos recursos aqui interpostos pela Autora e pelo Réu e, em consequência, confirma-se a sentença proferida.
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Custas em partes iguais por autora e Réu (cf. art.º 527º, nºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.

Porto, 4 de Julho de 2024
Carlos Portela
Ana Luísa Loureiro
António Carneiro da Silva