Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MIGUEL BALDAIA DE MORAIS | ||
Descritores: | MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO | ||
Nº do Documento: | RP202409093879/23.4T8PRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 09/09/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA | ||
Decisão: | CONFIRMADA DA DECISÃO SINGULAR | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - A rejeição de uma pretensão com fundamento em manifesta improcedência deve ocorrer quando seja inequívoco que a mesma nunca poderá proceder, qualquer que seja a interpretação jurídica que se faça dos preceitos legais. Dito de outro modo, esse fundamento de inatendibilidade deve ocorrer quando a improcedência ou a inviabilidade da pretensão do autor se apresente de forma tão evidente que torne inútil qualquer instrução e discussão posteriores, fazendo perder qualquer razão de ser à continuação do processo, levando a um desperdício manifesto da atividade judicial. II - As razões da manifesta improcedência derivam, naturalmente, do direito substantivo, que deve, na formulação do respetivo juízo, ser confrontado pelo juiz com a causa de pedir e o pedido envolvidos na ação. III - A essa luz, é manifesta a improcedência/inconcludência da ação, quando o direito que o autor pretende fazer valer não radica na sua esfera jurídica patrimonial, estando-se antes - de acordo com a sua própria narrativa - em presença de um direito creditório que integrará o ativo da herança (ainda não partilhada) do seu falecido progenitor, não tendo aquele articulado qualquer materialidade donde resulte que esse crédito ingressou no seu (dele, autor) património, designadamente pela via sucessória. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Processo: 3879/23.4T8PRT.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Porto – Juízo Central Cível, Juiz 5 Relator: Miguel Baldaia Morais 1ª Adjunta Desª. Maria de Fátima Andrade 2ª Adjunta Desª. Ana Olívia Loureiro * SUMÁRIO ……………………………… ……………………………… ……………………………… * I. RELATÓRIO
AA intentou a presente ação declarativa sob a forma comum contra BB, concluindo pedindo a condenação desta: a) a pagar-lhe a quantia de € 127.205,84, com base no instituto do enriquecimento sem causa; b) a pagar-lhe, igualmente a título de enriquecimento sem causa, o valor que se vier a apurar em ulterior incidente de liquidação de sentença; c) tudo com de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento. Para substanciar tais pretensões alega ser filho de CC e de DD, a qual faleceu em 31 de julho de 1988, sendo que dois ou três dias após o óbito, o seu pai e marido da falecida, transferiu todas as quantias bancárias existentes e, pertencentes ao acervo hereditário, para uma só conta na Banco 1..., inicialmente titulada por si e pelo autor. Posteriormente foi alterada a titularidade dessa conta, deixando o autor de ser titular da mesma, passando a ser cotitular a ré e mantendo-se como titular o pai do autor que, no dia 30 de dezembro de 1989, casou com aquela sob o regime imperativo da separação de bens, vindo a falecer em 1 de setembro de 2015. Acrescenta que a ré, antes de celebrar matrimónio com o pai do autor, adquiriu um imóvel, um veículo automóvel e concedeu um empréstimo a um seu cunhado, utilizando para o efeito dinheiro apenas pertencente ao seu (dele, autor) progenitor, vendo, assim, enriquecido o seu património à custa do património deste, sem que tivesse existido causa justificativa para o efeito. Citada a ré apresentou contestação na qual se defende por exceção, advogando carecer de legitimidade para a lide e que o direito que o autor pretender fazer valer se encontra prescrito; defendeu-se ainda por impugnação. Respondeu o autor pugnando pela improcedência das invocadas exceções. Realizou-se audiência prévia, vindo a ser proferido saneador/sentença no qual se decidiu julgar «a ação manifestamente improcedente e, em conformidade, absolver a ré do pedido formulado pelo autor». O autor, não se conformando com o assim decidido, interpôs recurso, admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes
CONCLUSÕES:
I. Não pode, o ora Recorrente, conformar-se de forma alguma com o julgamento da matéria de Direito proferida pelo Tribunal “a quo” por, na sua modesta opinião, não ter sido feita uma correta aplicação da Lei. II. De facto, a decisão – saneador-sentença – é contrária aos preceitos legais em vigor; daí que constitua o objecto do presente recurso. Da alegada inviabilidade da ação por manifesta inconcludência III. O Tribunal recorrido decidiu que “O autor alega factos que, na melhor das hipóteses, poderiam sugerir que o seu pai adquiriu o direito à restituição fundado em enriquecimento sem causa, pedindo, no passo seguinte, que esse direito lhe seja reconhecido a ele, autor, sem que alegue ter sucedido com exclusividade na sua titularidade”. IV. Ora, de acordo com o artigo 595º, n.º 1, alínea b) do CPC, o despacho saneador destina-se a conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória. V. Reconhecendo-se que o conhecimento imediato do mérito pode derivar de inconcludência do pedido, procedência ou improcedência de exceção perentória e procedência ou improcedência do pedido, tal apenas deverá ter lugar quando o processo contenha todos os elementos necessários para uma decisão conscienciosa, segundo as várias soluções plausíveis de Direito e não apenas tendo em atenção a visão partilhada pelo Juiz da causa. VI. A primeira questão que se coloca é, pois, a de saber se a atitude do Tribunal “a quo” em proferir, desde logo e sem quaisquer outras considerações, decisão de mérito é correta; tendo em conta os elementos factuais e probatórios que o processo dispunha no momento em que foi proferida a decisão. VII. Ora, o saneador sentença foi proferido numa fase incipiente, resumindo-se aos autos à fase dos articulados. VIII. No caso em apreço aplica-se o artigo 595º, n.º 1 b) CPC (i) quando toda a matéria de facto se encontre provada por confissão expressa ou tácita, por acordo ou por documentos, (ii) quando seja indiferente, para qualquer das soluções plausíveis, a prova dos factos que permanecem controvertidos, e (iii) quando todos os factos controvertidos careçam de prova documental – vide, com referência a idêntica norma do anterior Código de Processo Civil – artigo 511º, n.º 1, alínea b) – Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, II Volume, pág. 131-132. IX. O Tribunal recorrido, para fundamentar a sua opção de, desde logo, em sede de despacho-saneador, proferir decisão de mérito, fê-lo de forma genérica e superficial. X. O Tribunal apenas pode ter conhecimento do mérito da causa, total ou parcialmente, quando o processo contenha todos os elementos necessários para uma decisão conscienciosa, segundo as várias soluções plausíveis de Direito e não tendo em vista apenas a partilhada pelo Juiz da causa. XI. Nesta conformidade, vejam-se o Acórdão da Relação de Coimbra de 02.07.2013 publicado em www.dgsi.pt, Paulo Pimenta, in “Processo civil declarativo”, págs. 256 e 257 e Paulo Pimenta, in “Processo civil declarativo”, págs. 257, bem como Lebre de Freitas, in “A acção declarativa comum à luz do CPC de 2013”, pág. 186. XII. Ora, no caso dos autos, não obstante serem controvertidos entre as partes os factos relativos à figura do enriquecimento sem causa por parte da Ré/Recorrida, entendeu o Tribunal Recorrido que o processo continha já todos os elementos necessários a proferir uma decisão de mérito conscienciosa. XIII. Sucede que se nos afigura que o Tribunal de 1ª instância não podia, desde logo e sem mais, proferir tal decisão, na medida em que desconsiderou o aludido comando legal de se dever atender à necessidade de ponderar a factualidade de acordo com (todas) as soluções igualmente plausíveis da questão de Direito. XIV. Com efeito, tendo em conta o aludido critério de atender às várias soluções plausíveis de Direito, impõe-se no caso concreto que a decisão a proferir, em sede de mérito, deva aguardar a produção dos meios de prova oferecidos ou que venham a ser produzidos pelas partes, seja em sede da fase instrutória do processo, seja em sede de audiência final de julgamento, no que concerne à aludida factualidade alegada pelo Autor e que ainda se mostra controvertida. XV. Na verdade, o conhecimento imediato do mérito só se realiza no despacho saneador se o processo possibilitar esse conhecimento, o que não ocorre se existirem factos controvertidos que possam ser relevantes, segundo outras soluções igualmente plausíveis da questão de Direito. XVI. Assim, como se disse atrás, ao despacho saneador não cabe antecipar qualquer solução jurídica e, muito menos, desconsiderar quaisquer factos que sejam relevantes segundo outros enquadramentos jurídicos possíveis do objecto da ação. XVII. E, salvo o devido respeito pela solução jurídica apresentada na decisão recorrida (e reconhecendo-se o esforço interpretativo realizado), a verdade é que se julga que é de aceitar que outras soluções jurídicas igualmente plausíveis da questão de Direito que aqui se pretende resolver podem aqui ser configuradas. XVIII. Aqui chegados, e conforme decorre do exposto, no caso concreto, tendo em conta que outras soluções jurídicas igualmente plausíveis da questão de Direito poderão aqui ser configuradas e que, para essas outras soluções, a matéria de facto alegada pelo Autor na sua Petição Inicial é relevante, impõe-se que seja enunciado um ou mais temas da prova respeitante ao apuramento da aludida factualidade, já que se trata de matéria de facto controvertida. XIX. Devem, pois, os presentes autos prosseguir os seus ulteriores termos processuais, com a elaboração do despacho destinado a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova; sendo de admitir que, havendo produção de prova sobre esses pontos da matéria de facto, se possa alcançar a almejada decisão conscienciosa da questão de mérito aqui precipitadamente decidida. XX. É nesse exato ponto que, procedendo a apelação e ficando prejudicado o conhecimento das demais questões nela suscitadas, deve ser revogada a sentença, com a consequência de, em 1ª Instância, dever retomar-se a fase de saneamento do processo, substituindo-se a decisão aqui revogada por decisão que atenda à matéria de facto que se considerou relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis para a questão de Direito, à luz das posições assumidas nos articulados e do regime dos artigos 595º, 596º e 597º CPC. XXI. Assim, pelo exposto, deve proceder a presente apelação, revogando-se a decisão impugnada e substituindo-se por outra que identifique o objecto do processo e enuncie os temas da prova; seguindo os autos para a fase do julgamento. Da alegada falta de fundamentos do instituto do enriquecimento sem causa XXII. O princípio geral do enriquecimento sem causa consta no artigo 473º do Código Civil (CC), segundo o qual “aquele que, sem justa causa, justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou”. XXIII. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou (artigo 473º, n.º 2 CC). XXIV. São elementos constitutivos do instituto em apreciação o enriquecimento de um património e o correlativo empobrecimento de outro decorrentes do mesmo facto e a ausência de causa justificativa para a correspondente deslocação patrimonial verificada. XXV. MENEZES LEITÃO (in “Direito das Obrigações”, vol. I, 5ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, pág. 401), refere que os pressupostos constitutivos do enriquecimento sem causa são: a) a existência de um enriquecimento; b) a obtenção desse enriquecimento à custa de outrem; c) e a ausência de causa justificativa para o enriquecimento. XXVI. Para que haja lugar à condenação judicial na restituição do indevido, por força do enriquecimento sem causa, é irrefragavelmente necessário que se demonstre – mediante alegação e prova da respetiva factualidade – que a quantia que constitui a massa patrimonial deslocada do património do empobrecido para o do enriquecido não teve causa justificativa, designadamente por não ser devida em função de qualquer título ou ato válido e eficaz – vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.05.2011, in www.dgsi.pt. XXVII. Ao contrário do alegado pelo Tribunal de cuja decisão ora se recorre, o Autor/Recorrente descreveu, de forma escrupulosa, os elementos constitutivos do instituto do enriquecimento sem causa; tal como resulta dos artigos 12º a 22º e 30º da sua Petição Inicial. XXVIII. Resultará provado, em sede de julgamento, que ocorreu uma deslocação patrimonial para a esfera jurídica da Ré, tendo esta visto o seu património enriquecido; à custa do Autor e sem causa justificativa. XXIX. A propósito do conceito de causa justificativa, pondera-se, no Código Civil anotado de Pires de Lima e Antunes Varela, que “com vista a abranger todas as situações de enriquecimento injusto, poderá dizer-se que a falta de causa justificativa se traduz na inexistência de uma relação ou de um facto que, à luz dos princípios aceites no sistema, legitime o enriquecimento (…)”. XXX. O que precisamente aconteceu nos presentes autos – a Ré celebrou contratos, adquiriu bens e adotou diversos comportamentos que enriqueceram o seu património sem causa justificativa. XXXI. Por outro lado, o artigo 479º CC preceitua: “1. A obrigação de restituir fundada em enriquecimento sem causa compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente. 2. A obrigação de restituir não pode exceder a medida do locupletamento à data da verificação de algum dos factos referidos nas duas alíneas do artigo seguinte”. XXXII. A ideia fundamental do enriquecimento sem causa consiste na “necessidade de restituir o que se obteve à custa de outrem, quando falta uma causa justificativa para reter o obtido”, ou seja, "nos casos em que o ordenamento jurídico não vê razão para reter o obtido ou o seu valor.” – vide Júlio Gomes, “O Conceito de Enriquecimento”, págs. 222 e 224, e é esse precisamente o desiderato do Recorrente com a presente ação. XXXIII. Sendo certo que o Tribunal “a quo” não poderá, atento o exposto, decidir que o Autor não descreveu os factos que integram o conceito do enriquecimento sem causa; tendo a presente ação necessariamente de prosseguir os ulteriores trâmites legais. XXXIV. Termos em que se requer a V. Exas. e sempre com o mui douto suprimento, que seja a matéria de direito analisada e entendida no sentido supra exposto e, em consequência, seja a douta sentença recorrida revogada, julgando-se a ação totalmente procedente por provada. * Não foram apresentadas contra-alegações. * Neste Tribunal da Relação, o relator proferiu decisão individual, que julgou improcedente a apelação, mantendo consequentemente a decisão recorrida. Inconformado com essa decisão singular, veio agora o recorrente apresentar a presente reclamação para a conferência requerendo que seja proferido acórdão sobre a matéria da decisão. * *** II. DEFINIÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1]. Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelo apelante, a questão a decidir é a de saber se a pretensão de tutela jurisdicional aduzida pelo autor é, ou não, manifestamente improcedente/inconcludente. *** III. FUNDAMENTOS DE FACTO
A materialidade a atender para efeito de decisão do objeto do presente recurso é a que dimana do antecedente relatório. *** IV. FUNDAMENTOS DE DIREITO
O recorrente insurge-se contra a decisão sumária que desatendeu a apelação por si interposta, por considerar que, ao invés do sentido nela sustentado, os autos devem prosseguir para a produção da prova que indicou. Afigura-se-nos, no entanto, que a decisão sumária do relator não merece a censura que lhe vem apontada, posto que as questões que nela foram decididas obtiveram solução jurídica que reputamos acertada. Como assim, renovamos e fazemos nossos os argumentos em que se ancorou a aludida decisão singular e que se passam a transcrever: «Na decisão sob censura a ação foi julgada improcedente por manifesta improcedência do pedido, sendo que em sustentação dessa conclusão aí se afirma que da causa de pedir invocada pelo demandante resulta que “o eventual direito fundado em enriquecimento sem causa integra o património hereditário da herança aberta por óbito de seu pai – um património autónomo coletivo (sendo vários os herdeiros). Exerce, pois, o autor um suposto direito próprio, sustentado em factos dos quais emerge um diferente direito, da titularidade de terceiro, seu pai, atualmente integrado na herança deste. Se o autor pretender uma decisão que beneficie alguém - que afirma ser a parte ativa da causa - que não é o titular do direito que a lei efetivamente faz derivar da relação material controvertida alegada pelo próprio, estará, à partida, a pretender que se firme um caso julgado com limites subjetivos incongruentes: encontrar-se-á abrangido pelo caso julgado o autor que não é o credor, “de fora” ficando o verdadeiro titular do direito, de acordo com a configuração da relação controvertida invocada. À partida, o autor tem de “construir” uma causa que, em abstrato, permita que o réu seja condenado a satisfazer o direito ao seu titular, face à relação controvertida por si afirmada - isto é, a procedência do pedido tem que repercutir-se na esfera de direitos do titular da relação material controvertida, e não de um terceiro. Caso contrário, estará na causa pessoa diversa da titular da posição jurídica invocada. No caso dos autos, esta inconcludência é manifesta. O autor alega factos que, na melhor das hipóteses, poderiam sugerir que o seu pai adquiriu o direito à restituição fundado em enriquecimento sem causa, pedindo, no passo seguinte, que esse direito lhe seja reconhecido a ele, autor, sem que alegue ter sucedido com exclusividade na sua titularidade. Sob diferente perspetiva, podemos mesmo dizer que é o autor quem pretende enriquecer sem causa. Sendo o pressuposto constitutivo do direito a causa que sustenta o efeito prático-jurídico pretendido, a procedência do pedido sem que se verifique aquele pressuposto constituiria, agora sim, um enriquecimento sem causa do autor, à custa do património hereditário, de titularidade coletiva. A manifesta inconcludência da factualidade alegada como causa de pedir (relativamente ao concreto pedido formulado), conduz à manifesta improcedência da ação”. O apelante insurge-se contra esse segmento decisório, argumentando que o tribunal a quo “não podia, em face dos elementos constantes dos autos, efetuar o julgamento de facto que realizou, sem necessidade que fossem produzidos os meios de prova oferecidos pelas partes”. Quid juris? Analisando a peça recursiva verifica-se que o recorrente se limita, na essência, a tecer considerações gerais sobre o que, sob o ponto de vista processual, consubstancia manifesta inconcludência. No entanto, não rebate minimamente a argumentação expendida pelo decisor de 1ª instância e que o conduziu a firmar a conclusão de que a concreta pretensão de tutela jurisdicional que o autor formulou nestes autos é manifestamente improcedente/inconcludente. Como é consabido, o conceito indeterminado de “manifesta improcedência” tem sido preenchido a propósito de juízos liminares, formulados em sede de análise perfunctória da viabilidade de pretensões judiciais. E a sindicância da viabilidade da ação numa fase interlocutória do processo pressupõe uma pretensão que não apresenta condições de sucesso, que está, utilizando a terminologia de ALBERTO DOS REIS[2], “destinada ao malogro, ao naufrágio”. A essa luz, a rejeição de uma pretensão com fundamento em manifesta improcedência deve ocorrer quando seja inequívoco que a mesma nunca poderá proceder, qualquer que seja a interpretação jurídica que se faça dos preceitos legais. Dito de outro modo, esse fundamento de inatendibilidade deve ocorrer quando a improcedência ou a inviabilidade da pretensão do autor se apresente de forma tão evidente que torne inútil qualquer instrução e discussão posteriores, fazendo perder qualquer razão de ser à continuação do processo, levando a um desperdício manifesto da atividade judicial. As razões da manifesta improcedência derivam, naturalmente, do direito substantivo, que deve, na formulação do respetivo juízo, ser confrontado pelo juiz com a causa de pedir e o pedido envolvidos na ação. Isto posto, revertendo ao caso sub judicio, temos que o demandante/apelante peticiona a condenação da ré a pagar-lhe determinada importância pecuniária, filiando essa pretensão no facto de aquela se ter enriquecido indevidamente à custa do património do seu (dele, autor) falecido progenitor, cujo acervo hereditário ainda não se mostra partilhado. Perante a forma como configura o seu pedido, é manifesta a improcedência/inconcludência da ação, posto que o direito que o autor pretende fazer valer não radica na sua esfera jurídica patrimonial, estando-se antes - de acordo com a sua própria narrativa - em presença de um direito creditório que integrará o ativo da herança (ainda não partilhada) do seu falecido progenitor, não tendo aquele articulado qualquer materialidade donde resulte que esse crédito ingressou no seu (dele, autor) património, designadamente pela via sucessória. Nessas circunstâncias, ao invés do que argumenta o apelante, não se antolha razão válida que justifique “a produção dos meios de prova oferecidos ou que venham a ser produzidos pelas partes” já que, in casu, essa tarefa probatória se revelaria perfeitamente inócua, atividade que a lei adjetiva proscreve (cfr. art. 130º), porquanto, como se referiu, carece de título (entendida a expressão no seu sentido civilístico, isto é, enquanto fundamento ou causa da titularidade de determinado direito) que legitime a concreta pretensão de tutela jurisdicional que aduz nos autos, mormente tendo por fonte o invocado instituto do enriquecimento sem causa. Como assim, sem necessidade de maiores considerações, impõe-se a improcedência do recurso». Em face das razões assim expendidas, não se vislumbra razão válida para divergir do sentido decisório adrede acolhido na decisão singular relativamente às concretas questões que nela foram objeto de apreciação, sendo, pois, de confirmar e manter tal decisão. *** V. DISPOSITIVO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em não atender a reclamação, mantendo-se a decisão singular que confirmou a decisão recorrida. Custas a cargo do apelante. |