Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1388/22.8YLPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DESPEJO
PRAZO PARA RECURSO
ERRO OU OMISSÃO DA SECRETARIA
Nº do Documento: RP202407101388/22.8YLPRT-A.P1
Data do Acordão: 07/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O procedimento especial de despejo é um processo de natureza urgente e por isso o prazo de interposição de recurso é de quinze dias, nos termos conjugados dos nºs 5 e 8 do artigo 15º-S da Lei 6/2006 de 27 de fevereiro e 638.º, nº 1, segunda parte do CPCivil.
II - Não obstante só a lei possa restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, isso não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta estruturação do processo.
III - Por isso não existe violação do principio da igualdade (cf. artigo 13.º da CRP) quando o legislador atribui caráter urgente ao procedimento especial de despejo em contraposição com ação de despejo integralmente tramitada em tribunal onde não está previsto o referido caráter de urgência.
IV - De acordo com a solução expressamente prevista no n.º 4 do art.º 24.º da LAJ, tratando-se de pedido de apoio judiciário apresentado na pendência de ação judicial o prazo que estiver em curso só se interrompe com a junção aos autos, nesse prazo, do documento comprovativo da apresentação do requerimento entregue na entidade administrativa.
V - O artigo 157.º, nº 6 do CPCivil quando estatui que os erros ou omissões praticadas pela secretaria não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes, visa apenas, obviar a que as partes possam ver coartadas as suas possibilidades de intervenção e conformação processual em virtude de erros ou omissão da secretaria; não tendo a virtualidade de, por via desses erros ou omissões, atribuir às partes direitos ou faculdades que a lei lhes não confere ou que precludiram.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1388/22.8YLPRT.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo Local Cível da Maia-J2


Relator: Des. Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Carlos Gil
2º Adjunto Des. Miguel Baldaia

5ª Secção



Sumário:
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I - RELATÓRIO

Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:

Construções A..., Lda., com sede na Av. ..., em Chaves, veio propor a presente ação especial de despejo, contra a ré AA, com domicílio na Rua ..., ..., na ..., pedindo que seja decretado o despejo do locado indicado nos autos.
Para fundamentar a sua pretensão alegou, em síntese, que:
- O contrato de arrendamento em apreço nos autos cessou os seus efeitos, atenta a comunicação de oposição à renovação efetuada por parte do senhorio;
- A ré não procedeu à entrega do locado.
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Pessoal e regularmente citada, a ré veio deduzir oposição.
Para fundamentar a sua pretensão alega, em síntese, que:
- A comunicação de oposição à renovação foi ineficaz, continuando o contrato de arrendamento em vigor;
- Não assinou qualquer contrato de arrendamento com a autora em 31 de julho de 2016;
- Reside no apartamento locado desde julho de 2015;
- A oposição à renovação do contrato foi comunicada fora do prazo legalmente estipulado.
Conclui requerendo que a presente ação seja julgada improcedente e, consequentemente, que seja absolvida do pedido contra si formulado.
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Notificada para o efeito, a autora veio apresentar resposta à oposição, concluindo como no requerimento inicial.
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Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento com respeito pelo formalismo legal.
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A final foi proferida decisão do seguinte teor:
“Pelo exposto, decide-se julgar a presente ação procedente e, em consequência, condenar a ré AA a reconhecer que o contrato de arrendamento que existiu entre as partes cessou no dia 31 de julho de 2022, por oposição à renovação, bem como a despejar o locado situado na fração autónoma designada pela letra “G”, destinada a habitação, correspondente a um apartamento de tipologia T2, com garagem na cave, no rés-do-chão direito frente, entrada B, do Bloco n.º ..., do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., em ..., inscrito na matriz predial sob o n.º ...77, entregando-o de imediato à autora “Construções A..., Lda.” livre de pessoas e bens”.
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Não se conformando com o assim decidido veio a Ré apresentar recurso para esta Relação.
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O Sr. juiz do processo prolatou então despacho de não admissibilidade do recurso interposto com o seguinte teor:
“Notificada da sentença proferida nos autos, a requerida veio apresentar as respetivas alegações de recurso.
Nas contra-alegações deduzidas, a requerente, a título de questão prévia, pugnou pela extemporaneidade do recurso apresentado.
Assim, antes de mais, cumpre aferir se o recurso apresentado é tempestivo.
Para o efeito, importa desde logo determinar o regime legal aplicável aos presentes autos.
Ora, conforme resulta da lei e como é reconhecido pela jurisprudência dos tribunais superiores, o procedimento especial de despejo é um processo de natureza urgente.
Nessa medida, atento o disposto no artigo 15º-S da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, e no artigo 638º n.º 1 do Cód. de Processo Civil, o prazo de interposição de recurso é de quinze dias.
Por outro lado, atento o carácter urgente dos autos, os prazos processuais não se interrompem no decurso das férias judiciais (cf., neste sentido, Ac. do Supremo Tribunal de Justiça datado de 4/11/2021, proferido no âmbito do processo que correu termos sob o n.º 427/19.4YLPRT, disponível para consulta in www.dgsi.pt).
No que ao caso concreto diz respeito, constata-se que a sentença proferida nos autos foi notificada às partes em 31 de julho de 2023.
Assim, o prazo para interposição de recurso, considerando o prazo legal de 15 dias, o acréscimo de 10 dias para eventual reapreciação da prova gravada, bem como os três dias úteis subsequentes (de multa), terminava no dia 31 de agosto de 2023.
Apenas em 12 de setembro de 2023, a requerida veio dar conhecimento da dedução de pedido de apoio judiciário, o qual foi formulado junto da Segurança Social em 8 de agosto de 2023.
Na data em que foi comunicado ao processo a dedução do pedido de apoio judiciário já havia decorrido o prazo para interposição de recurso.
De facto, estabelece o n.º 4 do artigo 24º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, que: “Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo”.
Assim, a interrupção do prazo em curso não é operada pela mera apresentação do pedido de apoio judiciário, mas antes pela junção aos autos desse comprovativo.
No que concerne ao caso em apreço importa ainda ter presente que o tribunal, durante o prazo de interposição de recurso, não teve conhecimento por qualquer outra forma, designadamente por comunicação da Segurança Social da interposição e da pendência do pedido de apoio judiciário.
Acresce que a requerida estava devidamente representada por mandatário forense, o qual juntou aos autos o requerimento datado de 12 de setembro de 2023.
Nessa medida, a não junção atempada aos autos do requerimento referente ao pedido de concessão de apoio judiciário é imputável à requerida.
Tal circunstancialismo implica necessariamente a ausência de interrupção do prazo de interposição de recurso, o qual decorreu integralmente.
Assim, quando foi apresentado nos autos o comprovativo de pedido de apoio judiciário (por intermédio do Ilustre Mandatário constituído pela requerida), e independentemente da data em que o mesmo foi formulado junto da Segurança Social, já havia decorrido integralmente o prazo processual de impugnação da decisão proferida no processo por via de recurso.
Pelo exposto, e sem necessidade de ulteriores considerações, julgo extemporâneo o recurso apresentado pela requerida e, consequentemente, não admito o mesmo nos termos do artigo 641º n.º 2, alínea a) do Cód. de Processo Civil.
Custas do incidente pela requerida.
Notifique”.
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Inconformada com essa decisão veio a ora recorrente reclamar desse despacho nos termos do artigo 643.º do CPCivil.
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Conclusos os autos foi proferido despacho que indeferiu a reclamação por, na respetiva minuta, a reclamante não ter formulados conclusões.
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É, pois, desta decisão que vem agora a Ré reclamar para a conferência, formulando as seguintes conclusões:
I- Confrontada com uma sentença integralmente desfavorável em primeira instância que determinou a entrega da sua habitação, por cessação da relação de locação em que era arrendatária e a sua entrega imediata à senhoria, a agora Reclamante, impugnou-a, interpondo o competente recurso, que viu não admitido por pretensa intempestividade, adversidade à qual reagiu de modo motivado por intermédio da reclamação prevista no artigos 641.º, n.º 6 e 643.º, do Código de Processo Civil, a qual colheu uma lacónica, infundada e ilegal decisão de indeferimento à qual não se acomoda e impugna por, via da presente, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 643.º, n.º 4 e 652.º, n.º 3, do mesmo agregado normativo, requerendo a ex lege determinada submissão do caso à conferência para que sobre a matéria recaia um acórdão.
II- Mesmo equacionado uma adesão acrítica, arbitrária e contra legem à aplicação do regime dos recursos à reclamação, como sucedeu na decisão impugnada, sempre seria caso para prolação do despacho de convite a que se reporta o n.º 3, do artigo 639.º, do Código de Processo Civil, por ocorrer deficiência ou falta de especificação na motivação, máxime, não se achar austeramente separadas as alegações das conclusões, quando é certo que a Reclamante apresentou um articulado motivado e sequencialmente numerado, tendo o subscritor da decisão impugnada arbitrariamente decidido observar alegações mas não enxergar conclusões, as quais existiam por ser inegável que ali se rematou pela apresentação dos motivos que justificavam, de modo concomitante, o soçobro da decisão impugnada e a admissibilidade do recurso.
III- Não exercendo aquele poder-dever legalmente estabelecido, o Relator transgrediu a disciplina processual civil, demitindo-se de convidar a Reclamante a aperfeiçoar a sua peça processual, requintando o seu esqueleto, no prazo de cinco dias, logo se precipitando para uma decisão ilegal e injusta, omissão com a qual perpetrou a nulidade cominada no artigo 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, por haver preterido ato e/ou formalidade legalmente prescrita e suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, o que, in casu, é insofismável, quando é certo que apenas assim se atingiu a decisão prolatada, porquanto não permitiu à parte quadrar a reclamação na formulação recursiva com que foi brindada no sorteio processual que cuidava inexistir numa República Democrática onde se erige o processo justo e equitativo a direito fundamental com assento no artigo 20.º, n.ºs 1, 4 e 5, da Lei Fundamental.
IV- Dessarte, no evento em apreço ocorre nulidade, nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a qual importa declarar, por tempestivamente arguida,-vide artigos 149.º, n.º 1 e 199.º, do Código de Processo Civil -, e afeta todos os termos subsequentes à omissão assinalada, por dela dependerem absolutamente, talqualmente prescreve o artigo 195.º, n.º 2, do mesmo acervo normativo, devendo os autos retornar ao estádio processual anterior à decisão proferida, ordenando-se a notificação prevista no artigo 639.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, para a parte individualizar, na motivação apresentada, as alegações e as conclusões, assim reconduzindo os autos à sua sadia tramitação.
Sem desmerecer,
V- A reclamação apresentada em juízo é peça processual final, não é minuta, e o meio adotado pela Reclamante e previsto no artigo 643.º, do Código de Processo Civil é a reclamação, não é recurso, não se encontrando legalmente catalogada como tal, pelo que, ao contrário do laconicamente arrimado à laia de decisão aquela peça processual não carece de ser esquematizada segundo o formato de alegações e conclusões perfeitamente individualizadas, bastando-se com uma motivação em que a parte foque com objetividade a sua discordância sobre a decisão impugnada, a saber, a decisão de primeira instância que não admitiu o recurso interposto da sentença proferia por aquele Tribunal, como sucedeu no evento em apreço.
VI- A enxuta decisão, agora sob impugnação, é desprovida de qualquer fundamentação e confunde minuta com peça processual e reclamação com recurso, - ritos e meios processuais diversos, com tramitação díspar -, pelo que é ilegal e opera interpretação inconstitucional do artigo 643.º, do Código de Processo Civil, quando entendido no sentido de que as reclamações estão sujeitas às mesmas formalidades dos recursos, por violação do direito fundamental do acesso ao direito e à justiça e do processo justo e equitativo, previstos no artigo 20.º, n.ºs 1, 4 e 5, da Constituição da República Portuguesa e no artigo 6.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
VII- O transplante de regimes ali operado não tem qualquer sustento, nada tendo que se aproxime do quilate de decisão judicial, porquanto, é de jaez subjetiva e especulativa, assentando em vazia adesão a um erro pregresso inconsequente que dissemina, absolutamente desligado do silogismo judiciário, o qual urge purgar, quando é insofismável que reclamação não é recurso e nada há na Lei que exija para a primeira o formalismo do segundo, prevendo-se, de resto e inversamente ao alvitrado, tramitação própria e diversa.
VIII- Revisitando a história, é imperioso concluir que a Reclamação apenas precisa de ser motivada, não carecendo de conclusões, sendo patente em todos os regimes legais vigentes, - Códigos de Processo Civil de 1939, de 1961, (mesmo com a revisão de 2007), e de 2013 -, que nunca o Legislador pretendeu que à Reclamação fossem aplicadas as mesmas solenidades e formalidades dos Recursos.
IX- De facto, mesmo equacionando a génese da Reclamação como residindo no Recurso de Queixa, previsto no Código de Processo Civil de 1939, pressuposto no qual se louvam três dos Acórdãos para os quais remete a decisão proferida, mas que é refutável, cumpre não olvidar que mesmo nesse Recurso de queixa, o artigo 689.º daquele corpo normativo apenas exigia que o recorrente expusesse as razões que justificavam a admissão do recurso, não obrigando a apresentar conclusões.
X- Com a aprovação do Código de Processo Civil de 1961, o Legislador terminou com a categoria de recurso relativamente à impugnação do despacho do juiz que não admite o recurso, qualificando-se como simples reclamação, conforme claramente consta do preâmbulo do diploma que aprova o Código de Processo Civil de 1961.
XI- O regime da Reclamação foi alterado com a reforma do Código de Processo Civil de 2007, passando a Reclamação a ser apreciada pelo Relator e já não pelo Presidente do Tribunal Superior, mantendo, contudo, a categoria de Reclamação e não de Recurso, dissemelhança de meio processual que não só se manteve no Código de Processo Civil de 2013, como se adensou com a introdução de uma distribuição própria para as Reclamações – vide artigo 214.º, deste acervo normativo.
XII- O Legislador nunca confundiu Reclamação e Recurso, nem nunca pretendeu que fossem aplicadas as formalidades do segundo à primeira, nem o deve fazer o julgador, nos termos previstos nos artigos 8.º e 9.º, do Código Civil, motivo pelo qual, a reclamação deduzida não merece qualquer reparo ou censura apresentando-se perfeitamente motivada porquanto contém as razões de dissidência do despacho reclamado, cumprindo inteira e irrepreensivelmente a previsão legal do artigo 643.º, do Código de Processo Civil.
Nesta senda,
XIII- Confrontada com decisão rematadora do processo em primeira instância que lhe é inteiramente desfavorável, tendo apresentado pedido de proteção jurídica, na modalidade de apoio judiciário, com, para além do mais, pedido de nomeação de patrono, a 08/08/2023, junto do competente Organismo da Segurança Social, a contagem do prazo em curso interrompeu-se e reiniciou-se partir da notificação ao Patrono nomeado da sua designação, - cfr. artigo 24.º, n.ºs 4 e 5, alíneas a) e b), da Lei n.º 34/2004 de 29 de julho -, a 10/11/2023 e, tendo interposto recurso a 25/11/2023, o mesmo afigura-se perfeitamente admissível e tempestivo.
XIV- De facto, ao tempo vigorava a versão do artigo 15.º-S, da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, anterior à que lhe foi conferida pela Lei n.º 56/2023, de 06/10, a qual entrou em vigor a 07/10/2023, nos termos da qual se distendiam ao procedimento especial de despejo as regras de contagem de prazos dos processos judiciais cíveis, apenas sujeitando ao carácter urgente os atos reservados ao juiz no âmbito do procedimento, os quais não se confundem com os atos jurisdicionais próprios de um processo judicial, naturalmente mais densos.
XV- Empós a distribuição do procedimento especial de despejo, ingressando na ação sucedânea, valem as regras previstas no Código de Processo Civil, nos seus exatos termos, sendo que, em qualquer caso e independentemente do entendimento que se perfilhe, não estavam sujeitos à natureza urgente os atos das partes.
XVI- Raciocínio idêntico vale na hodiernidade, porquanto, os incisos correspetivos do artigo 15.º-S, da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, também eles distendem ao procedimento extrajudicial o regime de contagem de prazos do processo de jaez judicial com especificidades e não o inverso, id est, não trazem para o processo declarativo no Tribunal aquela regra a observar no âmbito do Procedimento que é tramitado no Balcão do Arrendatário e do Senhorio, não sendo extensível ao Processo em Tribunal que nasce empós a distribuição a que alude o artigo 15.º-H do mesmo diploma, por não estar expressamente prevista qualquer extensão.
XVII- Procedimento, tramitado no Balcão do Arrendatário e do Senhorio, e processo, tramitado no Tribunal da situação do imóvel locado, não se confundem, têm quilate diverso, sendo que após a distribuição, o procedimento transforma-se numa ação declarativa, - vide artigos 15.º-H e 15.º-I, da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro e artigo 212.º, do Código de Processo Civil, 2.ª espécie -, que, enquanto tal, está sujeita à contagem de prazos legalmente fixada no Código de Processo Civil, nomeadamente, para os recursos.
XVIII- Esta interpretação é a única condicente com o princípio da igualdade constitucionalmente consagrado sob o artigo 13.º, da Constituição da República Portuguesa, quando é certo que para a ação de despejo, integralmente tramitada em Tribunal, e que trata de situações congéneres, não está prevista qualquer tramitação urgente, assim como, é a única que se coaduna com o direito fundamental de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva previsto no artigo 20.º, da Lei Fundamental.
XIX- De facto, a interpretação do artigo 15.º-S, n.º 10, da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na sua atual redação, segundo a qual o processo judicial subsequente à distribuição a que alude o artigo 15.º-H, do mesmo diploma, tem natureza urgente, enferma de inconstitucionalidade por violação do artigo 13.º, da Constituição da República Portuguesa, sendo, portanto, de recusar a sua aplicação nesse sentido pelo julgador, o que se requer, nos termos do disposto no artigo 204.º, do mesmo agregado normativo.
XX- O recurso foi tempestivamente apresentado a juízo, não se verificando a extemporaneidade sancionada pelo Tribunal de primeira instância, assim como, a reclamação deduzida contra o seu indeferimento foi devidamente formulada, não se justificando nem se justificando o seu precipitado e infundado indeferimento, impondo-se, agora a prolação em Conferência de Acórdão que, inversamente, admitindo a segunda ultime pela admissão do primeiro, o recurso, nos exatos termos exarados no requerimento para o efeito veiculado ao Tribunal de primeira instância, por apresentado na baliza temporal ex lege determinada para o efeito.
XXI- Não decidindo nos moldes propugnados, o Tribunal de primeira instância violou, não interpretou corretamente ou descurou, nos termos acima especificados, as seguintes normas: artigos 24.º, n.ºs 4 e 5, alíneas a) e b), 26.º, n.ºs 2, 4 e 5, da Lei n.º 34/2004 de 29 de julho; artigos 15.º, 15.º-H, 15.º-I, 15.º- Q, 15.º-S, n.ºs 5, 8 e 10, (quer na sua atual, quer na anterior redação), da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro; artigos 157.º, n.º 6, 212.º, 629.º, n.ºs 1 e 3, al. a), 638.º, n.º 1, 644.º, n.º 1, do Código de Processo Civil; e artigos 13.º, 20.º e 204.º, da Constituição da República Portuguesa.
XXII- Por seu turno, a decisão que indeferiu a reclamação formulada na sistémica e nos alvores legalmente prescritos nos artigos 641.º, n.º 6 e 643.º, do Código de Processo Civil, violou, não interpretou corretamente ou descurou, nos termos supra patenteados as seguintes normas: artigos 8.º, 9.º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil; artigos 6.º, 147.º, 149.º, n.º 1, 195.º, 199.º, 214.º, 628.º, 637.º, 639.º, 640.º, 643.º, do Código de Processo Civil; e, artigos 20.º, n.ºs 1, 4 e 5, da Lei Fundamental.
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Não foi apresentada qualquer resposta.
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Foram dispensados os vistos legais.
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II- FUNDAMENTOS
Face ao teor da reclamação são as seguintes as questões que importa apreciar e decidir:
a)- saber se foi cometida nulidade por falta de convite ao aperfeiçoamento do requerimento da reclamação;
b)- saber se na reclamação devem ser formuladas conclusões;
c)- saber se o recurso foi, ou não, apresentado de forma tempestiva.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO FACTUAL
A dinâmica factual que releva para a apreciação das questões colocadas é a que resulta do relatório supra e que aqui se dá integralmente por reproduzida.
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III- O DIREITO
Alterando a ordem porque foram equacionados as questões supra enunciadas começaremos a nossa análise pela questão de[1]:
a)- saber se na reclamação deduzida deviam ter sido formuladas conclusões.
Como se sabe a formulação de conclusões é uma das exigências legais no requerimento de interposição de recurso.
Como resulta do disposto no artigo 637.º, n.º 3, do CPCivil, esse requerimento “contém obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade”. E, quando assim não suceda, ou seja, quando o requerimento de interposição do recurso não tenha alegações e/ou conclusões, deve ser indeferido [cf. artigo 641.º n.º 2, al. b), do CPC].
É com base neste preceito e por se considerar que a reclamação contra o despacho que não admite o recurso tem esta natureza, ou seja, a natureza de recurso, que uma parte da jurisprudência tem entendido que, quando o requerimento de interposição da reclamação prevista no artigo 643.º do CPC não contenha conclusões, deve ser também indeferido.[2]
Era este também o entendimento do relator do presente acórdão.
Todavia, num estudo mais aprofundado da questão propendemos, agora, para o entendimento sufragado pelo Sr. Juiz Conselheiro António dos Santos Abrantes Geraldes[3] que refere: “Sendo inquestionável que a denominada reclamação é substancialmente um verdadeiro recurso (contudo, em termos de direito constituído, o legislador processual civil apenas qualifica como recursos ordinários a apelação e a revista–artigo 627º, nº 2, do presente diploma), não menos questionável é que tem uma tramitação específica prevista na lei. Daí que, na falta de remissão para as regras gerais dos recursos, deve entender-se que a reclamação obedece, em termos de fundamentação, ao que em regra se exige de qualquer requerimento: a indicação das razões que sustentam a pretensão deduzida”.
Portanto, tal como sustenta o ilustre magistrado, na reclamação do despacho que não admita o recurso o requerente não tem que formular conclusões, mas apenas a indicação das razões que sustentam a sua pretensão.
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Diante do exposto, prejudicada fica a apreciação da questão da nulidade assacada ao despacho singular do relator.
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Analisemos, então a terceira questão colocada:
c)- saber se o recurso foi, ou não, apresentado de forma tempestiva.
Começaremos a nossa análise pela sub-questão de saber se os autos onde foi proferido o despacho reclamado têm, ou não, carácter urgente.
O despacho reclamado enveredou pelo seu caráter urgente.
Deste entendimento dissente a reclamante.
Analisando.
O procedimento especial de despejo consiste num meio processual previsto no artigo 15.º da Lei n.º 6/2006, de 27-02 (que aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano), na redação introduzida pela Lei n.º 31/2012, de 14/-08 (aplicável aos presentes autos) o qual se destina a efetivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que este se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes.
Dispõe o artigo 15.º-S da Lei n.º 6/2006, de 27-02 (na indicada redação), além do mais, o seguinte:
5 - Aos prazos do procedimento especial de despejo aplicam-se as regras previstas no Código de Processo Civil, não havendo lugar à sua suspensão durante as férias judiciais nem a qualquer dilação.
8 - Os atos a praticar pelo juiz no âmbito do procedimento especial de despejo assumem carácter urgente.
Por seu turno, o n.º 1 do artigo 638.º do Código de Processo Civil tem a redação seguinte:
1 - O prazo para a interposição do recurso é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão, reduzindo-se para 15 dias nos processos urgentes e nos casos previstos no n.º 2 do artigo 644.º e no artigo 677.º.
A interpretação dos n.ºs 5 e 8 do artigo 15.º-S, bem como a qualificação do procedimento especial de despejo como processo urgente, configura matéria controvertida na jurisprudência.
No Ac. do STJ 24/11/2016[4]  seguiu-se o entendimento de que o processo em causa não tinha caráter urgente constando do respetivo sumário, além do mais, o seguinte: I - Segundo os n.ºs 5 e 8 do art. 15.º-S da Lei n.º 6/2006, de 27-02, na redação dada pela Lei n.º 31/2012, de 14-08, no procedimento especial de despejo ali regulado, os prazos correm em férias judiciais e os atos a praticar pelo juiz têm carácter urgente, não existindo norma que estabeleça, em termos globais, a urgência desse procedimento. II - Afora aquelas duas hipóteses, não é lícito qualificar todo aquele procedimento como urgente, o que deixa de fora os prazos para as partes interporem recurso ordinário, que é de trinta dias, ainda que correndo em férias judiciais, nos termos da 1.ª parte do n.º 1 do artigo 638.º do CPC ex vi do n.º 5 do mencionado artigo 15.º-S da Lei n.º 6/2006. III – (…).
Porém, em acórdãos mais recentes, o STJ tem decidido que o procedimento especial de despejo é um processo de natureza urgente e que, por isso, o prazo para interposição de recurso é de 15 dias.[5]
É certo que a lei não qualifica expressamente o procedimento especial de despejo como processo urgente; porém, o regime jurídico deste procedimento assume características típicas dos processos urgentes, ao prever que os atos a praticar pelo juiz no âmbito desse processo assumem carácter urgente, bem como que os prazos do procedimento não se suspendem durante as férias judiciais e que não é aplicável qualquer dilação, conforme dispõem os n.ºs 5 e 8 do citado artigo 15.º-S.
Estabelecendo a regra da continuidade dos prazos, o artigo 138.º do CPC dispõe, no n.º 1, que o prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de atos a praticar em processos que a lei considere urgentes. Por outro lado, regulando o prazo para os atos dos magistrados, o artigo 156.º do CPC dispõe que, na falta de disposição especial, os despachos judiciais são proferidos no prazo de 10 dias, devendo ser proferidos no prazo máximo de dois dias os despachos de mero expediente, bem como os considerados urgentes.
Decorre destes preceitos que, tratando-se de atos a praticar em processos que a lei considere urgentes, os prazos processuais não se suspendem nas férias judiciais, bem como que os despachos devem ser proferidos no prazo máximo de dois dias.
Ora, estabelecendo os n.ºs 5 e 8 do citado artigo 15.º-S que os atos a praticar pelo juiz no âmbito do procedimento especial de despejo assumem carácter urgente, bem como que os prazos do procedimento não se suspendem durante as férias judiciais e que não é aplicável qualquer dilação, dúvidas não há de que o aludido procedimento assume características típicas dos processos urgentes, devendo ser qualificado pelo intérprete como processo urgente.
Neste sentido, explica Jorge Pinto Furtado[6] o seguinte: “(…) toda a estrutura do procedimento especial de despejo está manifestamente construída na redução dos seus prazos, cômputo durante as férias e “sem dilação nenhuma”; na economia e simplicidade de termos, e na adoção de certas providências que se caracterizam pelo objetivo de se finalizar prontamente constituindo-o, apenas como um procedimento que não chega a ser processo–tudo isto o caracteriza, a nosso ver, como urgente.”
Como se refere no Ac. do STJ de 04/11/2021: “Assim, nada justifica, nem faria sentido que o processo fosse urgente apenas quanto aos atos do juiz e não para os atos das partes. Por que motivo iria o legislador prever que os prazos do procedimento especial de despejo correm durante as férias judiciais, se não o considerasse um processo de natureza urgente? Por que motivo se obrigaria o juiz a dar prioridade aos despachos no âmbito do processo especial de despejo em detrimento dos restantes, se não pretendesse atribuir-lhe um caracter urgente”? “Processo urgente é, sem dúvida alguma, aquele cujos prazos não se suspendem durante as férias judiciais e em que os despachos e promoções deverão ser exaradas no prazo máximo de 2 dias. Quando, pois, o n.º 5 deste art. 15-S NRAU declara que, aos prazos do procedimento especial de despejo, “aplicam-se as regras previstas no Código de Processo Civil, não havendo lugar à sua suspensão durante as férias judiciais nem a qualquer dilação” parece evidente e incontestável que se está a reportar a um processo urgente, pelo seu regime.

Se este é o estatuto do processo urgente, como poderá negar-se o carácter urgente do procedimento especial de despejo, sem contrariar a própria evidência?”(negritos e sublinhados nossos).
Aliás, que assim é, corrobora-o a alteração feita pelo legislador ao citado artigo 15.º-S pela Lei n.º 56/2023, de 06/10, a qual entrou em vigor a 07/10/2023 tendo a redação do nº 5 passado a ser a seguinte:
5- Aos prazos do procedimento especial de despejo aplicam-se as regras previstas no Código de Processo Civil, não havendo lugar a qualquer dilação.”
E tendo revogado o nº 8 no citado inciso acrescentou, todavia, o nº 10 do seguinte teor:
“10- O procedimento especial de despejo tem natureza urgente.”
Portanto, o legislador atribuiu ao procedimento especial de despejo, in totum, caráter urgente deixando, assim, de se poder alicerçar o caráter urgente consoante se tratasse de atos praticados pelo juiz ou pelas partes, como parecia sugerir o anterior nº 8 da mesma norma.
Obtempera a reclamante que mesmo na atual redação há que fazer a distinção entre procedimento e processo, ou seja, esta norma atribui carácter urgente ao Procedimento Especial de Despejo, que é tramitado no Balcão Nacional de Arrendamento, não sendo extensível ao Processo em Tribunal que nasce empós a distribuição a que alude o artigo 15.º-H do mesmo diploma, por não estar expressamente prevista qualquer extensão.
Não se acompanha esta asserção, pois que, a lei não distingue as duas fases do procedimento especial pelo que, “ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus”, além de que a remessa dos autos à distribuição é apenas uma fase deste procedimento especial.
Alega, depois a reclamante que, que a interpretação do artigo 15.º-S, n.º 10, da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na sua atual redação, segundo a qual o processo judicial subsequente à distribuição a que alude o artigo 15.º-H, do mesmo diploma, tem natureza urgente, enferma de inconstitucionalidade por violação do artigo 13.º, da Constituição da República Portuguesa, sendo, portanto, de recusar a sua aplicação nesse sentido pelo julgador, o que requer.
O princípio da igualdade tem consagração no art. 13.º da CRP, onde se dispõe que “Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei” (nº1) e.” Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.” (nº2)
Não obstante a diversidade de juízos e apreciações ser inerente à independência dos juízes e dos tribunais, não se pode esquecer que sempre se visa também uma uniformidade, e é neste âmbito que releva o principio da igualdade dos cidadãos perante a lei que impõe também a igualdade na aplicação do direito, o que pressupõe em geral para a sua relevância que estamos perante uma igualdade de situações de facto, e constituindo uma proibição de discriminação, exige que as diferenciações de tratamento sejam fundadas e não discricionárias ou arbitrárias e se fundem numa distinção objetiva e se revelem necessárias.
Daí que se assinale ao princípio da igualdade fundamentalmente três dimensões ou vertentes: a proibição do arbítrio, a proibição de discriminação e a obrigação de diferenciação, significando a primeira, a imposição da igualdade de tratamento para situações iguais e a interdição de tratamento igual para situações manifestamente desiguais; a segunda, a ilegitimidade de qualquer diferenciação de tratamento baseada em critérios subjectivos (v.g., ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social); e a última como forma de compensar as desigualdades de oportunidades, impondo e reconhecendo essa diferença.
Ora, “O princípio constitucional da igualdade do cidadão perante a lei é um princípio estruturante do Estado de direito democrático e do sistema constitucional global (que vincula diretamente os poderes públicos, tenham eles competência legislativa, administrativa ou jurisdicional”.[7]
Este facto resulta da consagração pela nossa Constituição do princípio da igualdade perante a lei como um direito fundamental do cidadão e da atribuição aos preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias de uma força jurídica própria, traduzida na sua aplicabilidade direta, sem necessidade de qualquer lei regulamentadora, e da sua vinculatividade imediata para todas as entidades públicas, tenham elas competência legislativa, administrativa ou jurisdicional (cf. artigo 18.º, n.º 1, da Constituição).
Isto dito, não obstante só a lei possa restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, isso não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta estruturação do processo.
Como assim, prevendo o legislador que o procedimento especial de despejo tem caráter urgente apenas usou o citado poder de liberdade de conformação na estruturação deste processo, sem que daí resulta qualquer tratamento arbitrário ou diferenciador por referência à ação de despejo integralmente tramitada em tribunal, onde não está previsto o referido caráter de urgência.
Trata-se pura e simplesmente de uma questão legal, ou seja, só o procedimento especial de despejo, na ótica do legislador, assume caráter urgente, pois que, como assinala Pinto Furtado, atrás citado, “(…) toda a estrutura do procedimento especial de despejo está manifestamente construída na redução dos seus prazos, (…) na economia e simplicidade de termos, e na adoção de certas providências que se caracterizam pelo objetivo de se finalizar prontamente”.
Desta forma e dado que as exigências do princípio da igualdade se reconduzem à proibição do arbítrio, não impedindo, em absoluto, toda e qualquer diferenciação de tratamento, mas apenas as diferenciações materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou justificação objetiva e racional, não existe essa violação no caso em apreço.

*

Assente que o procedimento especial de despejo tem caráter urgente, revertamos ao caso concreto.

Como se evidencia dos autos constata-se que a sentença foi proferida e notificada às partes em 31 de julho de 2023.

Assim, o prazo para interposição de recurso, considerando o prazo legal de 15 dias, o acréscimo de 10 dias para eventual reapreciação da prova gravada, bem como os três dias úteis subsequentes (de multa), terminava no dia 31 de agosto de 2023 (cf. citado artigo 15.º-S da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro e artigo 638.º, n.º 1 do CPCivil).

Por outro lado, atento o carácter urgente dos autos, os prazos processuais não se interrompem no decurso das férias judiciais (cf. artigo 138.º, nº 1 do CPCivil).

Em 12 de Setembro de 2023, a reclamante veio aos autos apresentar requerimento do seguinte teor:

AA, Ré nos autos em epígrafe referenciados e aí melhor id., notificada da douta Sentença, vem declarar que dela irá interpor recurso, tendo para o efeito requerido à Segurança Social apoio judiciário para concessão de Patrono e pagamento de custas e encargos com o processo. Devendo, assim, o prazo recursal em curso ser considerado interrompido, nos termos do artigo 24.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho”.

 Apoio judiciário que terá sido requerido em 08/08/2023.[8]
A lei do apoio judiciário–Lei 34/2004 de 29/07, na redação da Lei 47/2007 de 28/08–prevê no seu artigo 24.º, nº 4, a interrupção do prazo que estiver em curso, quando o pedido de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono é formulado na pendência do processo.
Determina o citado preceito que:
“(…)
4. Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de ação judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.
5. O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos:
a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação;
b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.
A razão de ser do preceito visa garantir a tramitação processual da ação judicial a prazo certos e definidos e ainda, a garantia de acesso ao direito, por parte daquele que se encontrando numa situação de insuficiência económica carece de nomeação de patrono para promover a sua defesa na acção (artigos 20.º e 13º da CRP).
Como se observa no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 467/2004:
“[A] norma em causa dispõe sobre os efeitos da apresentação do requerimento com que é promovido perante a competente autoridade administrativa o procedimento administrativo de concessão do apoio judiciário e da junção aos autos do documento comprovativo desse requerimento, determinando que “o prazo que estiver em curso interrompe-se” com a junção aos autos deste documento.
A ratio do preceito é evidente. Os prazos processuais são interregnos de tempo que são conferidos aos interessados para o estudo das posições a tomar no processo na defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, máxime, para virem ao processo expor os factos e as razões de direito de que estes decorrem. Uma tal decisão poderá envolver a utilização de conhecimento técnicos especializados da área do direito, sendo que a capacidade para a sua prática apenas é reconhecida às pessoas que estão legalmente habilitadas a exercer o patrocínio judiciário, em regra, os advogados. Ora, estando pendente de apreciação o pedido de concessão do apoio judiciário na modalidade de nomeação e pagamento de honorários de patrono que há de tomar aquela posição do interessado, apreciação essa levada a cabo, no domínio da Lei n.º 30 -E/2000, pelas autoridades administrativas da Segurança Social (no sistema anterior essa tarefa era levada a cabo pelo próprio tribunal), se o prazo em curso não se interrompesse com a apresentação do pedido de apoio à autoridade administrativa competente e a prova dessa apresentação perante a autoridade judiciária perante quem corre a ação, correr-se-ia o risco de o interessado não poder defender de forma efetiva e eficaz os seus direitos e interesses legalmente protegidos, quer porque o prazo entretanto se poderia ter esgotado, quer porque disporia sempre de um prazo inferior ao estabelecido na lei para prática do ato ao qual o prazo está funcionalizado. A não acontecer essa interrupção, o interessado ficaria sempre em uma posição juridicamente desigual quanto à possibilidade do uso dos meios processuais a praticar dentro do prazo em relação aos demais interessados que não carecessem economicamente de socorrer-se do apoio judiciário por poderem contratar um patrono para defender as suas posições na ação. O princípio da igualdade de armas, corolário no processo do princípio fundamental da igualdade dos cidadãos, sairia irremediavelmente afetado”.[9]
A lei faz depender a interrupção do prazo da verificação de um conjunto de pressupostos, a saber:
- o pedido de apoio judiciário formulado tem de incluir o pedido de nomeação de patrono;
- a junção aos autos pelo requerente do documento comprovativo da apresentação desse pedido; e
- a comprovação enquanto o prazo estiver a correr, pois não é suscetível de interrupção um prazo que já decorreu integralmente.[10]
A junção aos autos na ação judicial do comprovativo da apresentação do pedido acautela a necessidade de comunicação entre procedimentos processados diante de entidades diferenciadas, pois que ele não constitui um incidente do processo judicial funcionando neste domínio a regra da autonomia (cfr. artigo 24.º, nº 1 do citado diploma).
E, por assim ser, isto é, por o procedimento de concessão de proteção jurídica não constituir incidente do processo judicial a que se destina-nem sequer corre no tribunal-, torna-se necessário exigir a documentação daquele pedido na ação judicial de forma a garantir a segurança jurídica na definição do decurso dos prazos processuais tendo em conta o seu efeito interruptivo.
O ónus que recai sobre o requerente do benefício, justifica-se por ser a parte interessada em obter a interrupção do prazo para lhe permitir preparar a sua defesa.
O Tribunal Constitucional tem sistematicamente defendido que tal ónus não se revela excessivo: “[t]rata-se, com efeito, de uma diligência que não exige quaisquer conhecimentos jurídicos e que, portanto, a parte pode praticar por si só, com o mínimo de diligência a que, como interessada, não fica desobrigada pelo facto de se encontrar numa situação de carência económica”.[11]
É claro que, o supracitado artigo 24.º, n.º 4, da Lei do apoio judiciário não contém a fixação de um qualquer prazo perentório para que seja junto o comprovativo aí referido, apenas determinando que o prazo que estiver em curso se interrompe com a junção aos autos do comprovativo da apresentação do requerimento com vista à obtenção do apoio judiciário.
Todavia, o referido comprovativo tem que ser junto aos autos antes de terminar o prazo para a prática do ato, pois que, se ele for junto aos autos quando o prazo, para a efeito, já se tenha extinguido, a sua apresentação tardia já não tem o condão de interromper o prazo, por este já não se encontrar em curso, estando antes extinto, pelo que não se pode interromper um prazo que já se havia acabado, se havia extinguido.
Ora, não cumprido este ónus pelo requerente do apoio judiciário, só se poderia considerar suprida esta omissão quando já constasse do processo a informação–prestada pela Segurança Social ou pela Ordem dos Advogados–de que foi pedido e deferido o solicitado apoio.[12]
Acontece que, durante o prazo de interposição de recurso não consta dos autos que a ele tivesse chegado a referida informação.
Alega a reclamante que a 18/09/2023 a Secretaria informou o Balcão Nacional de Arrendamento nos seguintes termos: “Tenho a honra de informar V.ª Ex.ª de que a sentença ainda não transitou em julgado, face ao requerimento apresentado pela ré, que se anexa para melhor esclarecimento, em que requereu à Segurança Social apoio judiciário para concessão de Patrono e pagamento de custas e encargos com o processo”, tendo criado nela a legítima expectativa que estava assegurado o seu direito ao Recurso, sendo que, os erros e omissões dos atos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes–cf. artigo 157.º, n.º 6, do Código de Processo Civil.
Como se torna evidente o inciso em causa não tem aplicação no caso concreto.
Na verdade, não se tratou de informação dirigida à parte, mas de simples comunicação interna entre organismos, comunicação, ainda assim, sem qualquer força vinculativa para o juiz do processo.
Aliás, nem, nessa data, tal informação era verídica, pois que, nos autos não tinha sido ainda apresentado qualquer recurso e que poderia nem vir a sê-lo, não obstante a solicitação do apoio judiciário.
Importa ainda salientar que com o referido princípio visa-se apenas obviar a que as partes possam ver coartadas as suas possibilidades de intervenção e conformação processual em virtude de erros ou omissão da secretaria; não tendo a virtualidade de, por via desses erros ou omissões, atribuir às partes direitos ou faculdades que a lei lhes não confere ou que precludiram.
O relevante para aplicação do princípio em causa é que da atuação da secretaria não resulte, em circunstância alguma, prejuízo para a parte; que ela não veja negativamente afetada a sua posição processual em consequência do erro ou omissão da secretaria, o que no caso não sucedeu, pois que, tal informação não prejudicou o seu direito ao recurso, o qual estava apenas dependente de a reclamante cumprir as formalidades processuais exigidas para o efeito.

*
Alega por último a reclamante que já antes da impugnação da decisão por intermédio do Recurso interposto havia sido levantada a questão do trânsito em julgado da decisão proferida, mais concretamente, a 08/10/2023, sendo que o juiz a quo, não obstante o processo lhe ter sido concluso para decisão, nada disse quanto a esse particular, cimentando a sua convicção que estava em curso o prazo para impugnar a decisão.
É verdade que, em 08/10/2023, a reclamada Autora apresentou, efetivamente, requerimento nos autos pedindo que não fosse admitida a interrupção do prazo de recurso, reconhecendo-se que a douta sentença transitou em julgado a 23 de agosto de 2023, notificando o Balcão Nacional de Arrendamento nesse sentido.
Ora, ainda que os autos lhe tenham sido conclusos o tribunal a quo não tinha que emitir, nessa data, qualquer pronúncia quanto à interrupção do prazo, pela simples razão de que a reclamante só veio interpor recurso da decisão no dia 25/11/2023.
Portanto, o tribunal recorrido apenas se pronunciou sobre tal questão na altura processual adequada, ou seja, quando teve que exarar despacho sobre a admissibilidade do recurso interposto pela reclamante, razão pela qual daí não podia a reclamar extrair a expetativa de que o seu direito ao recurso estava consolidado.
*
Diante do exposto, a reclamante só de si própria se pode queixar de não ter observado o ónus de junção ao processo judicial do comprovativo de apresentação nos serviços da Segurança Social de requerimento de apoio judiciário na modalidade de nomeação e pagamento de compensação de patrono enquanto estava a decorrer o prazo para interposição do recurso, tanto mais que estava devidamente representada por mandatário forense, o qual juntou aos autos o requerimento datado de 12 de setembro de 2023.
*
Improcedem, assim, todas as conclusões formuladas pela reclamante e, com elas, a respetiva reclamação.
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DECISÃO
Nestes termos acordam em conferência os juízes desta Relação em manter a decisão  reclamada.
*
Custas pela reclamante (artigo 527.º, nº 1 do C.P.Civil).


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Porto, 10/7/2024
Dr. Manuel Domingos Fernandes
Dr. Carlos Gil (dispensei o visto)
Dr. Miguel Baldaia de Morais(dispensei o visto).

_______________

[1] Pois que se for procedente esta questão fica prejudicada a apreciação da invocada nulidade.

[2] Cf. neste sentido os Acs. citados no despacho singular de indeferimento da reclamação.[3] In Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017 – 4ª Edição, Almedina, página 180, nota 284

[4] Processo n.º 470/15.2T8MNC-A.G1.S1 - 2.ª Secção , consultável em www.dgsi.pt.

[5] Cfr. entre, outros,-acórdão do STJ de 07/03/2017 (relatora: Ana Paula Boularot), proferido na revista n.º 2732/15.0YLPRT.L1-A.S1-6.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), de cujo sumário consta: O prazo para interposição de recurso de apelação em procedimento especial de despejo é de 15 dias, por ter natureza urgente, e não se suspende durante as férias judiciais nem goza de qualquer dilação – artigos 638.º, n.º 1, segunda parte, do CPC, e 15.º-S, n.os 5 e 8, do NRAU;

- acórdão do STJ de 04/11/2021 (relatora: Maria Clara Sottomayor), proferido na revista n.º 427/19.4YLPRT.L1.S1 - 1.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), de cujo sumário consta: O procedimento especial de despejo é um processo de natureza urgente e por isso o prazo de interposição de recurso é de quinze dias, nos termos conjugados dos n.ºs 5 e 8 do artigo 15.º-S (aditado à Lei n.º 6/2006, de 27-02, pela Lei n.º 31/12, de 14-08) e do artigo 638.º, n.º 1, 2.ª parte, do CPC.

[6] In Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, Coimbra, Almedina, 2019, pág. 807.

[7] Cf. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição Anotada, 1.º vol., cit., p. 151, e Jorge Miranda, «Princípio da Igualdade», in Polis/Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado, vol. iii, Lisboa, São Paulo, Verbo, 1985, pp. 404 e 405.

[8] É que nessa data juntou apenas o formulário do requerimento de proteção jurídica preenchido e assinado por si, sem que dele conste a aposição de qualquer menção que tenha sido recebido nos serviços competentes, sendo que, só com essa menção se considera cumprido o requisito exigido pela lei.

[9] Seguiram esta interpretação, entre outros, o Ac. Tribunal Constitucional 350/2016 de 07 de junho e o Ac. Tribunal Constitucional 515/2020 de 13 de outubro de 2020 (acessíveis em www.dgsi.pt e o último publicado no DR I série, nº 225 de 18 de novembro de 2020.

[10] Cfr. Acs. da RL de 24/09/2019 (relator Carlos Oliveira,) de 21/11/2017 (relator Leopoldo Soares); Acs. da RP de 27/06/22 (relator Carlos Gil), de 04/04/2022 (relator Manuel Domingos Fernandes), de 28/10/2021 (relatora Eugénia Cunha), de 07/06/2021 (relatora Ana Paula Amorim); Acs. da RC de 11/10/22 (relatora Cristina Neves), de 17/02/2022 (relator José Avelino Gonçalves), de 26/04/2022 (relator Luís Cravo), de 20/04/2022 (relator Paulo Guerra), de 12/07/20 (relator Fernando Monteiro); Acs. da RG de 21/03/2019 (relator Heitor Gonçalves), de 07/10/2021 (relatora Anizabel Sousa Pereira); Acs. da RE de 28/9/2017, proferido no proc. nº 21231/16.5T8STB.E1 (relator Tomé Ramião), de 28/2/2018 (relator João Nunes), todos disponíveis in www.dgsi.pt.

[11] Acórdão Tribunal Constitucional 98/2004 de 11 de fevereiro de 2004, publicado no DR N.º 78-1 de abril de 2004 Diário da República-II SÉRIE; no mesmo sentido Acórdão n.º 350/2016 de 07 de junho, acessível em jurisprudência tribunal constitucional, no sitio www.dgsi.pt

[12]   Cf. neste sentido Acs. da Rel. Lisboa 10 de Abril de 2008, Proc. 1985/2008-2, de 26 de março de 2009, Proc. 10517/2008-6, Ac. Rel. Coimbra 20 de novembro de 2012, Proc. 1038/07.2TBGRD-A.C1 de 05 de maio de 2015, Proc.50/14.0T8CNT.C1, desta Relação 09 de fevereiro de 2012, Proc. 5406/10.4TBMAI-A.P1 de 06 de março de 2017, Proc. 2009/14.8TBPRD-B.P1, Rel. Évora de 14 de julho de 2011, Proc. 481/10.4TBOLH-A.E1, Ac. Rel. Guimarães de 17 de dezembro de 2018, Proc.849/18.8T8BRG-A.G1 todos acessíveis em www.dgsi.