Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
316/23.8T9VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MARTINS
Descritores: ACUSAÇÃO
CONTEÚDO
CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE
DIREITO PENAL CLÁSSICO
Nº do Documento: RP20240619316/23.8T9VNG.P1
Data do Acordão: 06/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL/CONFERÊNCIA
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I - A omissão na acusação da indicação da data e/ou local da prática dos factos não justifica o seu não recebimento nos termos do disposto no n.º 3, als. b) e d) do artigo 311º do CPP.
II - A consciência da ilicitude não é elemento constitutivo do tipo legal nos chamados crimes de direito penal clássico.
III - Nos crimes de direito penal clássico não se mostra necessário fazer constar da acusação a expressão tabelar “o arguido sabia que a sua conduta é proibida e punida por lei”.

(da responsabilidade da Relatora)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 316/23.8T9VNG.P1
Comarca do Porto
Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia – Juiz 2





Acordaram, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto:



I. RELATÓRIO
I.1. Por despacho proferido a 26.01.2024 foi rejeitada a acusação particular deduzida pelo assistente AA por manifestamente infundada nos termos do artigo 311°, n.°s 2, al. a), e 3, al. b) e d) do Código de Processo Penal (doravante CPP).
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I.2. Recurso da decisão

O assistente AA interpôs recurso da decisão, terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição integral):
“1. Perante um crime particular provindo da extração de certidão os elementos temporais e espaciais encontram-se verdadeiramente definidos.
2. Estando o Tribunal a quo a coartar o direito de defesa do bom nome do assistente,
3. Uma vez que é totalmente contraditório não aceitar a acusação particular de um crime particular o qual cumpre todos os requisitos legais previstos na lei.”
Pugna pela revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que agende a audiência de discussão e julgamento.
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I.3. Resposta do Ministério Público
O Ministério Público, na resposta ao recurso, sem formular conclusões, pronunciou-se pela sua improcedência e manutenção da decisão recorrida.
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I.4. Parecer do Ministério Público

Nesta Relação o Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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I.5. Resposta ao parecer
Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, n.º 2 do CPP, não tendo sido apresentada resposta ao parecer do Ministério Público.
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1.6. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.

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II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. Objecto do recurso
Conforme jurisprudência constante e assente, é pelas conclusões apresentadas pelo recorrente que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior (cfr. Acórdão do STJ, de 15/04/2010, acessível em www.dgsi.pt), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º do Código de Processo Penal (conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I Série-A, de 28/12/95).
Assim, da análise das conclusões do recorrente a questão que importa apreciar e decidir é saber se a decisão que rejeitou a acusação particular deve ser mantida ou revogada em virtude dos elementos constitutivos do tipo estarem suficientemente descritos na acusação particular.
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II.2. Decisão recorrida (que se transcreve totalmente)
“O Tribunal é o competente.
Autue como processo comum com intervenção do tribunal singular.
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A fls. 100-102, veio o assistente e demandante AA deduzir a sua acusação particular contra BB (posteriormente não acompanhada pelo Ministério Público), imputando-lhe a prática de um crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180° do Código Penal, e formular o seu pedido de indemnização civil.
Estabelece o artigo 311°, n.° 2, al. a) do Código de Processo Penal que se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o Presidente decide no sentido de rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada.
A acusação considera-se manifestamente infundada, entre o mais, quando não contenha a narração dos factos, se não indicar as disposições legais aplicáveis, se os factos não constituírem crime ou se não indicar as provas que fundamentam a acusação (artigo 311°, n.° 3 do mesmo diploma legal).
A estrutura acusatória do processo penal - a consubstanciar, de par com a garantia do direito de defesa, a concretização da axiologia inerente a um Estado de direito democrático - obriga a que o objecto do processo seja fixado com o rigor e a precisão adequados na acusação.
No caso dos autos imputa o assistente à arguida os seguintes factos:
- "Aliás, foi mais além, a arguida difamou o aqui assistente, dizendo que o referido "... só queria o ouro e o dinheiro de sua mãe e que não queria saber da mesma..."
21. conforme resulta das suas próprias declarações nos autos cuja certidão extraída deu origem aos presentes autos.
22. Facto o qual, nunca foi verdadeiro, prova disso, foi que nem o assistente nem a sua irmã intentaram o respetivo processo de inventário pelo óbito da mesma
23. Ora tal expressão não só magoa na dignidade, honra e bom nome do aqui assistente, bem como denigre a memória de sua perecida mãe,
24. colocando ainda em causa, todo o amor que nutria e continua a nutrir pela sua perecida mãe,
25. Assim, a arguida, bem sabia, e tinha conhecimento jurídico, que com tal expressão estava a ofender o assistente, quer na sua honra, bom nome, dignidade, e no bom nome e dignidade à memória de sua mãe.
26. O assistente era uma pessoa alegre e extrovertida, em consequência da conduta da arguida sofreu um forte abalo físico, psicológico, vivendo o tempo imediatamente posterior em estado de depressão e tensão nervos, perturbações essas que lhe provocaram insónias, pesadelos sobressaltos, tudo isto com óbvias repercussões negativas no seu ambiente familiar e pessoal.
27. Sente grande vergonha de todos os impropérios ditos pela arguida, que se agravam pela suaprofissãoeformação jurídica.
28. Com o comportamento descrito a arguida, agiu livre e conscientemente, quis ofender moralmente a pessoa do assistente e bem como lhe causar prejuízos patrimoniais e morais
29. Com os factos descritos na acusação o arguido cometeu, em autoria material, um crime de difamação p. e p. no artigo 180.° do Código Penal, com as agravantes que eventualmente resultem do exame do respectivo registo criminal e da sua profissão."
Omite-se, porém, na referida acusação particular, a alegação de quaisquer factos relativos ao lugar e dia da prática dos factos cuja prática é imputada à arguida.
Com efeito, decorre do disposto no artigo 7°, n.° 1 do Código Penal que "O facto considera-se praticado tanto no lugar em que, total ou parcialmente, e sob qualquer forma de comparticipação, o agente atuou, ou, no caso de omissão, devia ter atuado, como naquele em que o resultado típico ou o resultado não compreendido no tipo de crime se tiver produzido”.
Ora, a acusação particular não descreve o lugar em que a arguida atuou, nem o dia, e que é desde logo essencial para aferir da competência territorial do tribunal para a realização do julgamento, assim como para o apuramento da eventual prescrição do procedimento criminal, atento o disposto 118°, n.° 1, al. d) e 119°, n.° 1 do Código Penal.
Por outra banda, analisada a acusação particular sobressai, desde logo, que a mesmo é totalmente omissa quanto à consciência da ilicitude da arguida quanto ao crime que lhe é imputado (v.g. que a arguida sabia que o seu comportamento era proibido e punido por lei).
Nos termos do artigo 1° al. a) do CPP, considera-se crime o conjunto de pressupostos de que depende a aplicação ao agente de uma pena ou de uma medida de segurança criminais.
Consabidamente, a concepção pessoal do ilícito supõe uma construção bipartida do tipo objectivo e subjectivo do ilícito
Integram os primeiros os factos concretos naturalísticos imputados aos arguidos e preenchem os segundos o conhecimento e vontade de realização do tipo de crime.
Quanto a estes últimos, segundo a doutrina tradicional do crime, sufragada pelo Mestre Eduardo Correia, o dolo desdobra-se num elemento intelectual e num elemento volitivo ou emocional, ao passo que para uma nova corrente, defendida por outro distinto Mestre, Figueiredo Dias, este elemento emocional constitui um terceiro e autónomo elemento.
O elemento intelectual traduz-se no conhecimento (enquanto previsão ou representação), pelo agente, das circunstâncias do facto, ou seja, dos elementos materiais constitutivos do tipo objectivo do ilícito, incluindo eventuais circunstâncias modificativas agravantes.
Relativamente a elementos normativos do tipo [caso, nomeadamente, do carácter "alheio" da coisa nos crimes contra o património; a qualidade de "funcionário" nos crimes cometidos no exercício de funções públicas e, das noções de "documento", "documento autêntico" e "vale do correio", "letra de câmbio" e "cheque" nos crimes de falsificação], o conhecimento que se exige é apenas que a representação do agente, ao nível próprio das suas representações, corresponda, no essencial, ao conteúdo da valoração jurídica, cumprindo assim a função de orientar o agente para a ilicitude do facto [apud Figueiredo Dias, in Direito Penal - Parte Geral, Questões Fundamentais, A Doutrina Geral do Crime, Tomo 1.°, Coimbra Editora, 2.a edição, 2007, págs. 352/3].
Há, no entanto, casos em que o uso de expressões jurídicas mais elaboradas impõe uma maior exigência de conhecimento, como sucede por exemplo no direito penal secundário, e outros em que, ao contrário, apenas se exige ao agente um conhecimento dos pressupostos materiais da valoração, como sucede em relação a noções como "ascendente", "descendente", "bons costumes", "ilegitimidade", "dever de garante", etc. [Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 354].
Ou seja, o que o elemento intelectual exige é o conhecimento do sentido ou significado correspondente ao tipo de ilícito dos diversos elementos materiais e normativos que o compõem.
Por seu lado, o elemento volitivo do dolo consiste na especial direcção da vontade do agente na realização do facto típico, depois de ter representado (ou previsto) as circunstâncias ou elementos do tipo objectivo do ilícito. Em função da diversidade dessa atitude, são diversas as espécies de dolo previstas nos vários números do art.° 13.° do Código Penal: dolo directo (em que o agente tem a intenção de realizar o facto criminoso), o dolo necessário (quando o agente não quer o facto, mas prevê-o como consequência necessária da sua conduta) e o dolo eventual (quando o agente prevê o facto como consequência possível, conformando-se com o resultado).
Para a posição tradicional defendida por Eduardo Correia, o elemento volitivo não se confunde com o aspecto psicológico, traduzido num simples acto de volição, em que o agente quer praticar o facto (naturalístico), tendo representado todos os seus elementos. O que caracteriza o dolo é a vontade do agente revelar a sua personalidade contrária ao direito, ou seja, a sua determinação em sobrepor os seus próprios sentimentos e interesses aos valores tutelados pelo direito criminal. Daí que, para esta posição, o dolo do tipo legal de crime contivesse já o chamado elemento emocional, traduzido na consciência, por parte do agente, de que realizava um tipo objectivo de ilícito e que tal supunha a sobreposição dos seus interesses egoístas aos valores tutelados pela lei.
Já a posição defendida por Figueiredo Dias distingue entre dolo do tipo (de ilícito) e o dolo enquanto pertencente ao tipo de culpa. Segundo esta concepção, «o dolo não pode esgotar-se no tipo de ilícito (por consequência, não é igual ao dolo do tipo), mas exige do agente um qualquer momento emocional que se adiciona ao elemento intelectual e volitivo contidos no "conhecimento e vontade de realização". (...); antes se torna indispensável um elemento que já não pertence ao tipo de ilícito, mas à culpa ou ao tipo de culpa. Com esse elemento se depara quando se atente em que a punição por facto doloso só se justifica quando o agente revele no facto uma posição ou uma atitude de contrariedade ou indiferença perante o dever-ser jurídico-penal» [ob. cit., pág. 350], ou seja, uma qualquer posição ou atitude de contrariedade ou indiferença face às proibições ou imposições jurídicas, revelada pelo agente no facto e que justifica a punição a título de dolo.
Assim, em resumo, de acordo com os ensinamentos de Figueiredo Dias [ob. cit., pág. 529 e ss.], a culpa jurídico-penal revela-se através do tipo de culpa doloso e do tipo de culpa negligente, verificando-se o primeiro quando, perante um ilícito típico doloso, se comprova que o seu cometimento deve imputar-se a uma atitude íntima do agente contrária ou indiferente ao Direito e às suas normas.
Esta atitude íntima, de sobreposição dos interesses do agente do facto ao desvalor do ilícito pressupõe que este, para além de representar e querer a realização do tipo objectivo (dolo do tipo), actue também com consciência do ilícito isto é, representando que o facto era proibido pelo Direito.
A consciência da ilicitude é também momento constitutivo do dolo (não do tipo de ilícito mas do tipo de culpa), acrescendo, como seu momento emocional, ao conhecimento de todas as circunstâncias do facto (elemento intelectual) e à vontade de realizar o facto típico (elemento volitivo), que são elementos do dolo do tipo, traduzindo-se na indiferença ou oposição da vontade do agente aos valores protegidos pela norma (tipo de culpa doloso).
A acusação tem de descrever os elementos em que se analisa o dolo, ou seja: o conhecimento (ou representação ou, ainda, consciência em sentido psicológico) de todas as circunstâncias do facto, de todos os elementos descritivos e normativos do tipo objectivo do ilícito; a intenção de realizar o facto, se se tratar de dolo directo, ou a previsão do resultado danoso ou da criação de perigo (nos crimes desta natureza) como consequência necessária da sua conduta (tratando-se de dolo necessário), ou ainda a previsão desse resultado ou da criação desse perigo como consequência possível da mesma conduta, conformando-se o agente com a realização do evento (se se tratar de dolo eventual).
A esses elementos acresce o referido elemento emocional, traduzido na atitude de indiferença, contrariedade ou sobreposição da vontade do agente aos valores protegidos pela norma e fazendo parte, como vimos, do tipo de culpa doloso.
Este elemento emocional é dado através da consciência da ilicitude e integra a forma de aparecimento mais perfeita do delito doloso. Daí que só possa afirmar-se que o agente actuou dolosamente quando, nomeadamente, esteja assente que o mesmo actuou com conhecimento ou consciência do carácter ilícito e criminalmente punível da sua conduta.
Todos esses elementos, que constituem os elementos subjectivos do crime, são habitualmente expressos na acusação através da utilização de uma fórmula pela qual se imputa ao agente ter agido de forma livre (isto é, podendo agir de modo diverso, em conformidade com o direito ou dever-ser jurídico), voluntária ou deliberadamente (querendo a realização do facto), conscientemente (isto é, tendo representado na sua consciência todas as circunstâncias do facto) e sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei (consciência da proibição como sinónimo de consciência da ilicitude).
A questão de saber se, perante a omissão total ou parcial, na acusação, de elementos constitutivos do tipo subjectivo do ilícito, nomeadamente do dolo, o tribunal do julgamento pode, por recurso ao artigo 358.° do Código de Processo Penal, integrar os elementos em falta, dividiu a jurisprudência, tendo o Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, através do acórdão n.° 1/2015 [in Diário da República, 1a Série, n.° 18, de 27 de janeiro de 2015], acabado por fixar a seguinte jurisprudência uniformizadora: "A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjetivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e da vontadede praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.° do Código de Processo Penal."
A oposição de julgados verificou-se entre dois acórdãos que versaram precisamente sobre a falta de descrição na acusação particular dos elementos subjetivos do crime de injúria, incluindo a consciência da ilicitude.
A propósito deste elemento, reconhecendo que modernamente o problema se coloca de forma diferente do que era usual colocar-se, o acórdão uniformizador refere o seguinte (no ponto 10.2.3.1): «O conhecimento da proibição legal, que não é exatamente equivalente a "consciência da ilicitude" será de exigir em certos casos em que a relevância axiológica de certos comportamentos é muito pouco significativa ou não está enraizada nas práticas sociais e em que, portanto, o conhecimento dos elementos do tipo e a sua realização voluntária e consciente não é suficiente para orientar o agente de acordo com o desvalor comportado pelo tipo de ilícito. «Por isso, o desconhecimento desta proibição impede o conhecimento total do substrato de valoração e determina uma insuficiente orientação da consciência ética do agente para o problema da ilicitude. Por isso, em suma, neste campo o conhecimento da proibição é requerido para a afirmação do dolo do tipo [...]» FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., pp. 363/364).
Quanto à consciência da ilicitude, é evidente que ela é uma exigência da atuação dolosa do agente na realização do ilícito típico. Porém, a sua compreensão dogmática coloca-se a um outro nível e tem a ver com a questão da relevância do erro sobre a ilicitude, contemplada no art.° 17.° do CP. O erro sobre a ilicitude não exclui o dolo, ao contrário do erro sobre a factualidade típica, na qual se pode incluir, em certas circunstâncias, como as já referidas, o conhecimento sobre proibições legais. Fica, porém, ressalvada, quanto a este tipo de erro, a punibilidade da negligência nos termos gerais (art.° 16.°). O erro sobre a ilicitude exclui a culpa, se o erro não for censurável ao agente (sendo uma causa de exclusão da culpa), mas faz persistir o dolo, no caso de o erro ser censurável. Daí que o facto praticado sem consciência da ilicitude seja equiparável ao praticado com essa consciência, desde que não possa afastar-se a censurabilidade de tal erro.
Escreve FIGUEIREDO DIAS, que a razão de ser da diferença entre o regime do erro sobre proibições, cujo conhecimento seja razoavelmente indispensável para o agente tomar conhecimento da ilicitude (art.° 16.°), conduzindo à exclusão do dolo do tipo, e o erro sobre o carácter ilícito do facto (art.° 17.°), fundamentador do dolo da culpa, está em que «neste último caso, o erro não radica ao nível da consciência psicológica (ou consciência intencional [...]), mas ao nível da própria consciência ética (ou consciência dos valores (...), revelando a falta de sintonia com a ordem dos valores ou dos bens jurídicos que ao direito penal cumpre proteger», ao passo que, no primeiro caso, trata-se da «falta de conhecimento necessário a uma correta orientação da consciência ética do agente para o desvalor do ilícito [Direito Penal, cit., pp. 356 e ss. e 531 e ss.]
Ainda de acordo com o mesmo Mestre, noutra passagem da dita obra, o que se visa com a exigência do conhecimento, representação ou consciência (psicológica ou intencional) de todas as circunstâncias do facto realizador de um tipo de ilícito objectivo, é que o agente conheça tudo quanto é necessário a uma correta orientação da sua consciência ética para o desvalor jurídico que concretamente se liga à ação intentada, para o seu carácter ilícito; porque tudo isso é indispensável para se poder afirmar que o agente detém, ao nível da sua consciência intencional ou psicológica, o conhecimento necessário para que a sua consciência ética, ou dos valores, se ponha e resolva correctamente o problema da ilicitude do comportamento (sublinhados nossos) [ob. cit., pág. 351].
E, continuando:
«Em conclusão: a acusação, enquanto delimitadora do objeto do processo, tem de conter os aspetos que configuram os elementos subjetivos do crime, nomeadamente os que caracterizam o dolo, quer o dolo do tipo, quer o dolo do tipo de culpa no sentido referido, englobando a consciência ética ou a consciência dos valores e a atitude do agente de indiferença pelos valores tutelados pela lei criminal, ou seja: a determinação livre do agente pela prática do facto, podendo ele agir de modo diverso; o conhecimento ou representação de todas as circunstâncias do facto, tanto as de carácter descritivo, como as de cariz normativo e a vontade ou intenção de realizar a conduta típica, apesar de conhecer todas aquelas circunstâncias, ou, na falta de intenção, a representação do evento como consequência necessária (dolo necessário) ou a representação desse evento como possível, conformando-se o agente com a sua produção (dolo eventual), atuando, assim, conscientemente contra o direito.
O problema da relevância ou pouco significativa relevância axiológica da conduta, aflorado no acórdão recorrido, tem relevo, como vimos atrás, em sede de conhecimento da proibição, ou seja, dos elementos do tipo legal, quando seja razoavelmente de exigir o seu conhecimento para uma correta orientação da consciência ética do agente no sentido do desvalor do facto.»
Também no ponto 11 da fundamentação do acórdão se fez constar o seguinte, sendo igualmente nossos os sublinhados:
«Conexionado com o problema anterior, coloca-se finalmente a questão de saber se a falta, na acusação, de todos ou de alguns dos elementos caracterizadores do tipo subjetivo do ilícito, mais propriamente, do dolo (englobando o dolo da culpa, no sentido atrás referido), pode ser integrado no julgamento por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.° do CPP.
Tal equivalerá a considerar essa integração como consubstanciando uma alteração não substancial dos factos.
11.1. Já vimos que esses elementos têm de constar obrigatoriamente da acusação, implicando a sua falta a nulidade do libelo (art. 283.°, n.° 3, alínea b) do CPP).
Por conseguinte, tendo o processo sido despachado para julgamento, sem ter passado pela instrução, o respetivo juiz (presidente) deveria rejeitar a acusação, não só por a mesma ser nula, nos moldes referidos, mas também por ser manifestamente infundada, nos termos do art. 311.°, n.°s 2, alínea a) e 3, alínea b) do CPP - não conter a narração dos factos.
Claro que uma tal visão implica que os factos em falta na descrição constante da acusação (pressuposto que ela contém uma descrição relativa a outros factos) são essenciais, imprescindíveis, e o que falta corresponde à falta de narração a que se refere o normativo referido. Ou seja: a exigida narração dos factos é a de todos os factos constitutivos do tipo legal de crime, sejam eles pertencentes ao tipo objetivo do ilícito, sejam ao tipo subjetivo e ainda, naturalmente, na sequência do que temos vindo a expor, os elementos referentes ao tipo de culpa. A factualidade relevante, como factualidade típica, portadora de um sentido de ilicitude específico, só tem essa dimensão quando abarque a totalidade dos seus elementos constitutivos. Não existem puros factos não valorados, como vimos, a propósito, nomeadamente, das teorias do objeto do processo, e a valoração especifica que aqui se reclama, consonante com um tipo de ilícito, só se alcança com a imputação do facto ao agente, fazendo apelo à representação do facto típico, na totalidade das suas circunstâncias, à sua liberdade de decisão, como pressuposto de toda a culpa, e, envolvendo a consciência ética ou dos valores, à posição que tomou, do ponto de vista da sua determinação pelo facto. Sem isso, não está definida a conduta típica, ilícita e culposa.»
Da leitura dos transcritos segmentos da fundamentação do acórdão uniformizador, mormente daqueles que foram transcritos, parece claro que os factos integrantes da consciência da ilicitude, enquanto dolo da culpa, têm necessariamente de ser alegados na acusação.
Neste sentido se pronunciaram, nomeadamente, os acórdãos da Relação de Coimbra de 02­03-2016 [proferido no processo n.° 2572/10.2TALRA-C2, e de 13-09-2017, disponíveis em http://www.dgsi.pt., da Relação de Guimarães de 21-11-2016 [proferido no processo n.° 2644/09.6TABRG-G1], da Relação de Lisboa, de 30.01.2007, Proc.° n.° 10221/2006 - 5, e de 12.11.2008, Proc. n° 5736/2008 - 3; da Relação do Porto, de 15.11.98, Proc. n° 9840867; da Relação de Coimbra, de 01.06.2011, Proc. n° 150/10.5T3OVR.C1; da Relação de Guimarães, de 07.04.2003, Proc.° n.° 84/03; e da Relação de Évora, de 01.03.2005, Proc.° n° 2/05 - 1.
Ora, a acusação particular deduzida nos autos, em relação aos elementos integrantes da consciência da ilicitude (elemento emocional), enquanto tipo de culpa que supra ficou caracterizado, habitualmente traduzida pela expressão de que "o arguido atuou sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal", ou por qualquer outra que comporte o respetivo conteúdo, omite toda e qualquer referência.
Concluindo-se, assim, que a acusação particular deduzida é omissa quanto à descrição do lugar e data da prática dos factos, assim como quanto a descrição dos factos integrantes da totalidade dos elementos subjetivos do tipo, necessária a verificação do crime imputado à arguida, não restando outra solução senão considerá-la como manifestamente infundada, e, como tal, rejeitá-la , por os factos nela descritos não constituírem crime e por ser manifestamente infundada, ao abrigo do disposto nos artigos 283.°, n.° 3, al. b), e 311°, n.°s 2, al. a), e 3, al. b) e d)do código de processo penal.
Na decorrência do supra alinhado, decide-se rejeitar o pedido de indemnização civil deduzido a fls. 102 por respeitar aos alegados danos decorrentes do sobredito crime - artigos 71° do Código de Processo Penal.”
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II.3. Acusação particular (que se transcreve parcialmente por ser essencial para a apreciação do recurso)
“10. A título que se desconhece o pai do Assistente (CC) constitui sua bastante procuradora BB, aqui arguida.
11. A qual enviou uma missiva em janeiro do ano 2020 informando do internamento do mesmo num lar e por consequência a entrega do imóvel onde se encontravam os bens móveis, nomeadamente, os pertences também da herança da sua falecida esposa, ao senhorio (CM...).
12. Tendo o aqui o assistente respondido à missiva, que pretendia todos os objectos pertencentes à herança de sua mãe e que o pai do mesmo não os quisesse,
13. Bem sabendo, a arguida, conforme lhe tinha sido transmitido pelo assistente, que na casa de morada de família de seus pais, existiam bens de grande valor sentimental, entre eles, todas as recordações com a sua mãe, de infância, nomeadamente as recordações existentes em Angola, as quais nunca mais serão recuperados, nomeadamente, álbuns de fotografia, de paisagens e fotografias pessoais com os seus pais em Angola, entre outras, brinquedos, objetos pessoais de si e de sua mãe e demais bens que lhe traziam memórias que de outra forma são irrecuperáveis.
14. A arguida, bem sabia a elevada estima que o aqui assistente possuía pela sua perecida mãe,
15. Tanto assim é que, foram trocados vários emails e telefonemas a solicitar à arguida que lhe facultasse o acesso ao imóvel, a fim de poder aceder aos bens,
16. Tendo a arguida, impedido esse acesso,
17. Bem como não nos podemos olvidar, que a aqui arguida tem formação jurídica, e como tal tem um conhecimento acrescido dos direitos e deveres quer do assistente quer dos demais cidadãos,
18. Pelo que estava obrigada a atuar com lisura, isenção, objectividade, imparcialidade, para com o assistente e garantir que todos os direitos como herdeiro de sua mãe lhe fossem devidamente assegurados.
19. O que não fez.
20. Aliás, foi mais além, a arguida difamou o aqui assistente, dizendo que o referido "... só queria o ouro e o dinheiro de sua mãe e que não queria saber da mesma..."
21. conforme resulta das suas próprias declarações nos autos cuja certidão extraída deu origem aos presentes autos.
22. Facto o qual, nunca foi verdadeiro, prova disso, foi que nem o assistente nem a sua irmã intentaram o respetivo processo de inventário pelo óbito da mesma
23. Ora tal expressão não só magoa na dignidade, honra e bom nome do aqui assistente, bem como denigre a memória de sua perecida mãe,
24. colocando ainda em causa, todo o amor que nutria e continua a nutrir pela sua perecida mãe,
25. Assim, a arguida, bem sabia, e tinha conhecimento jurídico, que com tal expressão estava a ofender o assistente, quer na sua honra, bom nome, dignidade, e no bom nome e dignidade à memória de sua mãe.
26. O assistente era uma pessoa alegre e extrovertida, em consequência da conduta da arguida sofreu um forte abalo físico, psicológico, vivendo o tempo imediatamente posterior em estado de depressão e tensão nervos, perturbações essas que lhe provocaram insónias, pesadelos sobressaltos, tudo isto com óbvias repercussões negativas no seu ambiente familiar e pessoal.
27. Sente grande vergonha de todos os impropérios ditos pela arguida, que se agravam pela sua profissão e formação jurídica.
28. Com o comportamento descrito a arguida, agiu livre e conscientemente, quis ofender moralmente a pessoa do assistente e bem como lhe causar prejuízos patrimoniais e morais
29. Com os factos descritos na acusação o arguido cometeu, em autoria material, um crime de difamação p. e p. no artigo 180.° do Código Penal, com as agravantes que eventualmente resultem do exame do respectivo registo criminal e da sua profissão.”
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II.4. Apreciação do recurso

II. 4.1. Da descrição da localização temporal e espacial dos factos
§1. O assistente AA deduziu acusação particular contra a arguida BB, imputando-lhe a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180º do Código Penal (doravante CP).
Aquando do saneamento do processo o tribunal a quo rejeitou a acusação particular deduzida pelo assistente AA, para além do mais, por falta de descrição do lugar e da data da prática dos factos.
O recorrente/assistente entende que os factos narrados na acusação encontram-se temporalmente demarcados e localizados.
*
§2. Conforme ensina Germano Marques da Silva (in Curso de Processo Penal, III, 2ª Edição, Revista e actualizada, pág. 113) “A acusação, sendo formalmente a manifestação da pretensão de que o arguido seja submetido a julgamento pela prática de determinado crime e por ele condenado, constitui o pressuposto indispensável da fase de julgamento, por ela se definindo e fixando o seu objecto”.
Dispõe o art. 283º, n.º 3, al. b), aplicável à acusação particular por força do n.º 3 do art. 285º que “a acusação contém, sob pena de nulidade, … a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada.”
A narração dos factos é, na sua essência, a descrição dos factos que integram os elementos objectivos e subjectivos de um crime, sem os quais o arguido não pode vir a ser condenado por algum crime em pena ou medida de segurança.
Além desses factos, podem ser incluídos nessa narração, mas só se for possível, outros relativos ao lugar, ao tempo, à motivação da prática desses factos, ao grau de participação que o agente neles teve e a quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada — elementos que não são indispensáveis para se aplicar uma pena ou medida de segurança ao arguido, embora algumas delas possam vir a ter influência na fixação da sanção a aplicar.
Por sua vez, o art. 311º, n.º 2, al. a) do CPP, permite ao juiz, quando o processo é remetido para julgamento sem ter havido instrução, “rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada”.
E o seu n.º 3 preceitua (na parte que aqui interessa): “Para efeitos do disposto no número anterior, a acusação considera-se manifestamente infundada:
(…) b) Quando não contenha a narração dos factos;
(…) d) Se os factos não constituírem crime.”
O n.º 3 do citado artigo 311º prevê apenas os casos extremos pois a rejeição liminar só se justifica em casos limite insusceptíveis de correcção sem prejudicar o direito de defesa fundamental, que a falta dos elementos referidos naquelas alíneas acarretaria.
A propósito da articulação do n.º 3 do citado artigo 311º com a nulidade prevista no n.º 3, do citado artigo 283º, escreve Germano Marques da Silva (in “Curso de Processo Penal”, III, Verbo, 2000, págs. 207 e 208), no que se refere à al. b) (em causa nos autos), deste último normativo: “Se não há factos objecto da acusação, não pode haver processo, a relação é inexistente, não pode manter-se o processo e, por isso, o juiz não deve receber a acusação. A narração defeituosa, mas suprível, constitui nulidade sanável e, por isso, não é também causa de rejeição da acusação, se não for arguida.”
E como já se decidiu no acórdão do TRL de 30.05.2007, relatado por Pedro Mourão (acessível in www.dgsi.pt): “Não deverá ser rejeitada, por manifestamente infundada, a acusação deduzida … contra a arguida … ainda que contendo uma enunciação fáctica deficiente, se aquela comporta factos bastantes minimamente susceptíveis de justificarem a aplicação de uma pena.”
Como refere Paulo Pinto de Albuquerque (in “Comentário do Código de Processo Penal”, 4ª edição actualizada, pág. 817: “O fundamento da inexistência de factos na acusação que constituam crime só pode ser aferido diante do texto da acusação, quando faltem os elementos típicos objectivos e subjectivos de qualquer ilícito criminal da lei penal Portuguesa ou quando se trate de conduta penalmente irrelevante.”
Quanto à alínea d) (também invocada nos autos) do n.º 3 do citado artigo 311º o limite da interpretação do seu conteúdo coincide com o que a estrutura dos princípios processuais admite, a significar que o Tribunal só pode declarar a acusação manifestamente infundada e rejeitá-la quando a factualidade respectiva não consagra de forma inequívoca qualquer conduta tipificadora do crime imputado ou de qualquer outro, pois pode constituir crime diverso do que é imputado na acusação – caso em que, no decurso do julgamento, se procederá como determina o artigo 358º do CPP.
Como sublinha o acórdão do TRC de 25.03.2010, relatado por Mouraz Lopes (acessível em www.dgsi.pt) “este juízo tem que assentar numa constatação objectivamente inequívoca e incontroversa da inexistência de factos que sustentam a imputação efectuada. Não se trata, nem se pode tratar de um juízo sustentado numa opinião divergente, por muito válida que seja.”.
Em suma, a irrelevância penal dos factos imputados ao arguido, tem de ser manifesta, indiscutível, evidente, inequívoca, não bastando que seja meramente discutível por uma das várias correntes seguidas pela jurisprudência.
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§3. Nos casos de omissão na acusação de indicação do local e/ou data da prática dos factos cremos que não faz sentido a invocação da situação prevista na al. b), do n.º 3 do citado artigo 311º, que deverá ser interpretada como de ausência total ou parcial mas grave, “manifesta”, de factos, não sendo absolutamente imprescindível a determinação concreta da data e/ou local da prática dos factos (como se extrai do disposto na al. b) do nº 3 do citado artigo 283º do CPP - “incluindo, se possível, ...), tratando-se de circunstâncias que podem ser complementadas em audiência de julgamento, já que o tribunal não está impedido de o fazer, ainda que o considere como alteração não substancial, nos termos do artigo 358º do CPP.
Assim, a omissão de indicação do local e/ou da data da prática dos factos não torna a acusação manifestamente infundada por se entender que a não indicação de qualquer desses elementos não priva o arguido de exercer o direito de defesa, já que o artigo 358º do CPP garante o direito de defesa do arguido se no decurso da audiência eles vierem a ser conhecidos.
Neste sentido, veja-se, entre muitos outros, os acórdãos do TRC de 21.04.2010, relatado por Gomes Sousa e de 10.07.2018, relatado por Isabel Valongo, do TRL de 28.02.2019, relatado por Cláudio de Jesus Ximenes, do TRP de 12.07.2017, relatado por Eduarda Lobo e de 15.11.2017, relatado por Vítor Morgado, do TRE de 06.10.2015, relatado por Carlos Jorge Berguete e do TRG de 12.04.2010, relatado por Anselmo Lopes e de 28.05.2012 relatado por Maria Luísa Arantes (todos acessíveis in www.dgsi.pt).
Como também não faz sentido a invocação do disposto na al. d), do n.º 3, do mesmo normativo, estando em causa apenas a omissão na acusação da referência ao lugar e/ou data da prática dos factos narrados na mesma, nos casos em que estes elementos não sejam essenciais à constituição do tipo de ilícito penal imputado ao agente.
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§4. Revertendo ao caso dos autos, lida a acusação particular acima transcrita, afigura-se-nos que quer a data da prática dos factos, quer o local da sua ocorrência decorrem da sua descrição factual.
Na verdade, os factos narrados acima transcritos permitem aferir que a data da sua prática terá ocorrido quando a arguida prestou declarações no âmbito dos autos cuja certidão extraída deu origem aos presentes autos.
O mesmo se diga quanto ao local dos factos que terão ocorrido onde a arguida terá prestado tais declarações.
Assim, a data e o local da prática dos factos estão minimamente concretizados na descrição fáctica da acusação particular, sem prejuízo de, na sentença, se complementar, caso necessário, esses elementos, mediante o mecanismo previsto no artigo 358.º n.º 1 do CPP.
De todo o modo, conforme acima assinalado, mesmo que a acusação não contivesse qualquer referência à data e/ou ao local da prática dos factos, tal omissão não integraria a previsão da al. b), nem da al. d) do n.º 3 do artigo 311º do CPP.
Por isso, a acusação apresentada pelo recorrente não devia ter sido rejeitada com tal fundamento pelo tribunal de 1ª instância.
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II.4.2. Da descrição do elemento subjectivo na acusação particular
§1. O tribunal a quo também rejeitou a acusação particular deduzida pelo assistente AA por falta de narração de um dos elementos do tipo subjectivo, traduzido na alegação de que a arguida sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
O recorrente/assistente não se insurgiu expressamente, nesta parte, contra a decisão recorrida, no entanto, tendo o mesmo pugnado pela aceitação da acusação particular e pelo prosseguimento dos ulteriores trâmites processuais por entender estarem cumpridos todos os requisitos legais previstos na lei, cumpre apreciar na sua plenitude se tal pretensão recursória pode ou não merecer acolhimento.
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§2. A questão que importa dilucidar reconduz-se, pois, a apurar se à acusação particular deduzida pelo recorrente falta um dos elementos subjectivos do ilícito penal imputado à arguida (mais propriamente a falta de indicação da consciência da ilicitude) e, por isso, se é manifestamente infundada.
Esta temática já foi abordada, em acórdão lavrado nesta Relação a propósito de um crime de injúria pela mesma relatora do presente acórdão, cuja posição sufragamos atentos os argumentos nele expendidos para os quais se remete.
Sobre o conceito do dolo do tipo nesse acórdão (datado de 21.06.2023, acessível in www.dgsi.pt) escreveu-se:
“O Código Penal não define o dolo do tipo mas apenas, no artigo 14º, cada uma das formas em que ele se analisa.
Segundo a doutrina tradicional (defendida por Eduardo Correia) o dolo é composto por um elemento intelectual e um volitivo:
- o elemento intelectual do dolo consiste na necessidade de que o agente conheça, saiba, represente correctamente ou tenha consciência (consciência psicológica, ou consciência intencional) das circunstâncias do facto que preenche um tipo de ilícito objectivo, visando que o agente conheça tudo quanto é necessário a uma correcta orientação da sua consciência ética para o desvalor jurídico que concretamente se liga à acção intentada, para o seu carácter ilícito.
- o elemento volitivo supõe uma decisão de vontade do agente para a realização de um ilícito-típico, por via de uma acção ou omissão, sendo que é, especialmente, através do grau de intensidade desta relação de vontade que se diferenciam as várias formas de dolo.
De acordo com esta doutrina a culpa será um pressuposto da infracção mas não um elemento do tipo. A tipicidade subjectiva inclui o dolo ou a negligência, isto é a representação e vontade do agente quando actua de modo a preencher os elementos objectivos típicos, sendo a culpabilidade uma questão puramente normativa, que tem a ver com as questões da imputabilidade, da consciência da ilicitude e da exigibilidade de conduta diversa.
Já para uma corrente mais recente (preconizada por Figueiredo Dias) o dolo desdobra-se em três elementos: o intelectual, o volitivo e o emocional (correspondente ao agente conhecer o desvalor da sua conduta contra o direito – o chamado dolo da culpa). Esta doutrina entende a consciência da ilicitude como um pressuposto subjectivo da responsabilidade criminal, consubstanciando o chamado “dolo da culpa”, que constitui uma categoria autónoma em relação ao “dolo do tipo”.
Sufragamos a interpretação que a consciência da ilicitude não é elemento constitutivo dos tipos criminais definidos pela lei penal por tal interpretação estar próxima do nosso código penal que contém elementos que suportam a teoria finalista da acção que separa a culpa da tipicidade.
Senão vejamos.
Em primeiro lugar, do artigo 14º do CP descortina-se que o elemento subjectivo do tipo é composto por dois elementos: o elemento intelectual ou cognitivo (conhecimento de realização do facto) e o elemento volitivo (vontade de realização do facto).
Em segundo lugar, do artigo 14º do CP não se encontra qualquer menção à consciência da ilicitude porque precisamente a mesma se reporta à culpa e não ao dolo (diferentemente, a exclusão do dolo opera nas situações em que o agente se encontra em erro sobre as circunstâncias de facto, nos termos previsto no artigo 16º do CP).
Em terceiro lugar, da conjugação dos artigos 20º nº 1 e 91º nº 1 resulta que pode haver prática de factos típicos (incluindo naturalmente o tipo objectivo e subjectivo) sem consciência da ilicitude ou capacidade de avaliação ou actuação de acordo com essa avaliação.
Em quarto lugar, a falta de consciência da ilicitude encontra-se prevista autonomamente como causa de exclusão da culpa no artigo 17º, n.º 1 do CP. (que ao determinar que a falta de consciência da ilicitude exclui a culpa mas não o dolo, mostra que a culpa não faz parte do tipo subjectivo de ilícito).
Em quinto lugar, a consciência da ilicitude assume autonomia apenas nos casos em que se discuta a sua falta, ou seja, sempre que, atendendo à natureza do crime – não se incluindo este nos crimes de direito clássico nos quais a referida consciência está implícita no preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do tipo, em especial o dolo – se encontre controvertida a verificação de tal elemento enquanto causa de exclusão a culpa nos termos previstos no artigo 17º do CP.
Na verdade, nos chamados crimes de direito penal clássico (também chamados de “crimes naturais” ou “crimes em si”), ou seja, nos crimes cuja existência se presume conhecida da normalidade dos cidadãos e aos quais se reporta o artigo 17º do CP, a consciência da ilicitude decorre da própria representação e vontade de praticar os factos que preenchem objectivamente o tipo penal. Nesses casos, como bem se compreende, inexiste necessidade de expressamente se articular na acusação e de autonomamente se provar em julgamento que o arguido estava consciente da ilicitude da sua conduta.
A necessidade de alegação na acusação da formulação tabelar que o arguido “sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei” (ou outra expressão semelhante) enquanto facto psicológico de conteúdo positivo só ocorrerá quando se tratar de um caso em que a proibição seja axiologicamente neutra ou pouco evidente (designadamente, a nível do direito contraordenacional, do direito penal secundário relativamente a certas incriminações de menor relevância axiológica, mas também a nível de algumas incriminações do chamado direito penal de justiça, principalmente no que toca à protecção de bens jurídicos cuja consciência se não encontra ainda suficientemente solidificada na comunidade social) e o seu conhecimento seja essencial para que se possa dizer que o agente sabia que praticava um crime; ou quando existam indícios de inimputabilidade ou de verificação de quaisquer causas de exclusão da culpa que a acusação deva afastar com prova positiva (posição que tem vindo a ser defendida pela maioria da jurisprudência, entre outros, veja-se os Acs. do TRP de 12.07.2017 e 13.06.2018, ambos relatados por Maria Dolores da Silva e Sousa, Ac. do TRP de 26.05.2022, relatado por José Carreto, Acs. do TRE de 10.01.2017 e 26.06.2018, ambos relatados por Sérgio Corvalho, Ac. do TRE de 12.03.2019, relatado por António João Latas, Ac. do TRE de 19.12.2019, relatado por Renato Barroso, Ac. do TRE de 26.01.2021, relatado por Beatriz Marques Borges, Ac. do TRE de 28.02.2023, relatado por Maria Clara Figueiredo, todos acessíveis em www.dgsi.pt).
Na generalidade dos casos (designadamente, no chamado direito penal clássico) o sentido ou significado da ilicitude do facto promana da realização pelo agente da factualidade típica, agindo com o dolo requerido pelo tipo.”
Que dizer do caso ora em apreciação?
Perscrutada a acusação particular aqui em causa, no que concerne aos elementos do tipo subjectivo do crime de difamação imputado à arguida, constata-se que dela consta (com sublinhado da nossa autoria):
“25. Assim, a arguida, bem sabia, e tinha conhecimento jurídico, que com tal expressão estava a ofender o assistente, quer na sua honra, bom nome, dignidade, e no bom nome e dignidade à memória de sua mãe.
28. Com o comportamento descrito a arguida, agiu livre e conscientemente, quis ofender moralmente a pessoa do assistente e bem como lhe causar prejuízos patrimoniais e morais”
Daqui resulta que se imputa ao agente o ter actuado de forma livre (isto é, podendo ele agir de modo diverso, em conformidade com o direito ou o dever-ser jurídico-penal), com intenção de ofender (querendo a realização do facto), conscientemente (isto é, tendo representado na sua consciência todas as circunstâncias do facto).
No caso, a arguida sabia que a expressão que proferiu visando o assistente denegria o bom nome, a honra e dignidade do assistente, e não obstante, proferiu essa expressão com esse propósito, isto é, querendo esse resultado, actuando de forma livre e consciente querendo esse resultado, ficando assim preenchidos o elemento intelectual e o elemento volitivo do dolo.
É certo que na acusação particular não consta a sacrossanta fórmula “o arguido sabia que a sua conduta é proibida e punida por lei”, porém, atento o tipo de ilícito aqui em causa, com um relevo axiológico suficientemente caracterizado e comunitariamente enraizado ou difundido (inserindo-se no chamado direito penal clássico), não se mostra de todo necessário fazer constar na acusação a dita expressão tabelar (ou outra similar).
Dos factos narrados na acusação particular não podemos deixar de constatar que o assistente imputou à arguida uma actuação que ela sabia ser violadora da lei, o que equivale a dizer que actuou com consciência da ilicitude dos seus actos.
No caso em concreto, é obvio que qualquer pessoa sabe que no contexto em que os factos foram praticados pelo agente a expressão “…só queria o ouro e o dinheiro de sua mãe e que não queria saber da mesma…” visando o assistente era apta, como foi, a ofender a honra consideração e dignidade do visado, sendo, pois, percepcionável pelo comum dos cidadãos como um acto que não se deve praticar, isto é, que tal comportamento é ilícito.
Deste modo, os factos narrados na acusação particular preenchem os elementos subjectivos do crime de difamação imputado à arguida p. e p. pelo artigo 180º do CP.
Sobre o acórdão de jurisprudência uniforme do STJ n.º 1/2015, de 20.11.2014 (publicado no D.R. n.º 18, Série I, de 27.01.2015) reiteramos o que se escreveu no citado acórdão de 21.06.2023:
“A propósito da consciência da ilicitude o referido acórdão uniformizador refere o seguinte (no ponto 10.2.3.1):
“Quanto à consciência da ilicitude, é evidente que ela é uma exigência da actuação dolosa do agente na realização do ilícito típico. Porém, a sua compreensão dogmática coloca-se a um outro nível e tem a ver com a questão da relevância do erro sobre a ilicitude, contemplada no art. 17.º do CP. O erro sobre a ilicitude não exclui o dolo, ao contrário do erro sobre a factualidade típica, na qual se pode incluir, em certas circunstâncias, como as já referidas, o conhecimento sobre proibições legais. Fica, porém, ressalvada, quanto a este tipo de erro, a punibilidade da negligência nos termos gerais (art. 16.º). O erro sobre a ilicitude exclui a culpa, se o erro não for censurável ao agente (sendo uma causa de exclusão da culpa), mas faz persistir o dolo, no caso de o erro ser censurável. Daí que o facto praticado sem consciência da ilicitude seja equiparável ao praticado com essa consciência, desde que não possa afastar-se a censurabilidade de tal erro.
Escreve FIGUEIREDO DIAS, cujas ideias básicas, muito pela rama, intentamos transpor para aqui, que a razão de ser da diferença entre o regime do erro sobre proibições, cujo conhecimento seja razoavelmente indispensável para o agente tomar conhecimento da ilicitude (art. 16.º), conduzindo à exclusão do dolo do tipo, e o erro sobre o carácter ilícito do facto (art. 17.º), fundamentador do dolo da culpa, está em que «neste último caso, o erro não radica ao nível da consciência psicológica (ou consciência intencional […]), mas ao nível da própria consciência ética (ou consciência dos valores (…), revelando a falta de sintonia com a ordem dos valores ou dos bens jurídicos que ao direito penal cumpre proteger», ao passo que, no primeiro caso, trata-se da «falta de conhecimento necessário a uma correcta orientação da consciência ética do agente para o desvalor do ilícito (Direito Penal, cit., pp. 356 e ss. e 531 e ss.).
Diz ainda o mesmo Autor, noutra passagem da mesma obra, que o que se visa com a exigência do conhecimento, representação ou consciência (psicológica ou intencional) de todas as circunstâncias do facto realizador de um tipo de ilícito objectivo, é que o agente conheça tudo quanto é necessário a uma correcta orientação da sua consciência ética para o desvalor jurídico que concretamente se liga à acção intentada, para o seu carácter ilícito; porque tudo isso é indispensável para se poder afirmar que o agente detém, ao nível da sua consciência intencional ou psicológica, o conhecimento necessário para que a sua consciência ética, ou dos valores, se ponha e resolva correctamente o problema da ilicitude do comportamento [ob. cit., p. 351).”
Sendo discutível se a jurisprudência fixada no referido acórdão se também se aplica ao conhecimento da ilicitude independentemente do tipo de crime, afigura-se-nos que da leitura dos segmentos da fundamentação do referido acórdão uniformizador a jurisprudência fixada no acórdão não se aplicará à omissão na acusação dos factos integradores do conhecimento da ilicitude pelo menos quando o relevo axiológico do crime em causa – por enraizado ou difundido na comunidade – decorre da própria natureza do facto típico e das circunstâncias da prática dos factos (neste sentido, entre outros, Ac. TRP de 13.06.2018 e 12.07.2017, relatados por Maria Dolores da Silva e Sousa, Ac. do TRE de 06.02.2018, relatado por António João Latas, Ac. do TRE de 19.12.2019, relatado por Renato Barroso e Ac. do TRE de 14.03.2023, relatado por Beatriz Marques Borges, todos acessíveis em www.dgsi.pt).”
Transpondo estas considerações explanadas nesse acórdão para o caso dos autos, da fórmula utilizada na acusação particular resulta que da mesma não consta a locução “a arguida sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei”, todavia, não é facto que deva ser autonomamente narrado na acusação por estarmos perante um crime do direito penal clássico.
Em casos como o dos autos a consciência de a arguida ter agido bem sabendo tratar-se de conduta proibida e punida por lei decorre do preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do ilícito típico (dolo do tipo: elemento intelectual e volitivo).
A protecção do bem jurídico “honra” – “que inclui não apenas a reputação e o bom nome de que a pessoa goza na comunidade, mas também a dignidade inerente a qualquer pessoa, independentemente do seu estatuto social” (conforme Paulo Pinto Albuquerque escreve no Comentário do Código Penal, 4ª Ed. actualizada, pág. 795) – está suficientemente solidificada na consciência da nossa comunidade, porquanto, uma pessoa média proferindo a expressão exprimida pela arguida naquele contexto sabe que pratica um crime de difamação.
Ora, a arguida ao proferir aquela expressão visando o assistente quando prestou declarações no âmbito de um processo judicial não podia ignorar que a sua actuação era proibida por lei e seria punida criminalmente, além do mais quando no próprio enunciado da acusação particular até consta que a arguida actuou conscientemente com a intenção de ofender o bom nome, a honra, e dignidade do assistente.
Assim, como se afirmou no referido acórdão de 21.06.2023 – “também à luz do referido acórdão de fixação de jurisprudência (que reconhece que o conhecimento da ilicitude promana da realização do próprio facto no chamado direito penal clássico dada a relevância axiológica do acto ser significativo e estar enraizado nas práticas sociais), a omissão da fórmula estereotipada da acusação “o arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei” não pode justificar o não recebimento da acusação deduzida pelo assistente.” –, no caso que agora nos ocupa, o tribunal a quo também não deveria ter rejeitado a acusação particular deduzida pelo recorrente.
De todo o exposto resulta que a acusação particular do caso vertente inclui a narração de todos os factos necessários (incluindo os elementos subjectivos) para integrar o crime de difamação imputado à arguida.
Neste conspecto, a acusação particular cumpre os requisitos de narração de factos do artigo 283º nº 3, al. b) do CPP, pelo que, não deveria ter sido rejeitada pelo tribunal recorrido.
Por fim, reiteramos o que se consignou no referido acórdão de 21.06.2023 quanto à viabilização do prosseguimento dos trâmites processuais, onde se pode ler:
“…atentas as duas orientações interpretativas em confronto acima elencadas relativas à definição dos elementos subjectivos da tipicidade, o facto de ser discutível na jurisprudência se o referido acórdão de fixação de jurisprudência se refere ao conhecimento da ilicitude independentemente do tipo de crime e atento o momento processual em que ocorreu a prolação da decisão recorrida – despacho proferido nos termos do artigo 311º do CPP – o Mmo. Juiz da 1ª instância deveria ter optado por viabilizar o prosseguimento dos termos do processo proferindo decisão de recebimento do libelo acusatório.
Na verdade, conforme acima assinalado, o artigo 311º do CPP ao prever-se, de modo claro e taxativo, as situações que podem levar à conclusão de se estar perante uma acusação manifestamente infundada, pressuposto da sua rejeição, limitaram-se os poderes do juiz sobre a acusação, antes do julgamento, confinando-os, no ponto de vista material, à valoração jurídica dos factos tidos como suficientemente indiciados pelo acusador. Mas, ainda assim, com uma margem de actuação bastante restrita, uma vez que apenas a pode rejeitar quando for manifestamente infundada, ou seja, quando for inequívoco e incontroverso (o que não acontece no caso dos autos) que os factos nela descritos não constituem crime, pelo que, em face dos seus próprios termos, não tem condições de viabilidade, de nada servindo recebê-la e fazer prosseguir o processo, sujeitando o arguido inutilmente a julgamento, quando ela está votada ao insucesso (veja-se, neste sentido, os acórdãos do TRE de 18.11.2014 e 26.06.2018, ambos relatados por Sérgio Corvalho, acessíveis em www.dgsi.pt).”
Em consequência, temos que revogar a decisão recorrida e ordenar ao tribunal recorrido que receba a acusação.
Procede, pois, o recurso.

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III. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso interposto pelo assistente AA e, em consequência, revogar a decisão recorrida e ordenar ao tribunal recorrido que substitua o despacho recorrido por outro que receba a acusação particular.

Sem custas.




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Porto, 19.06.2024
Maria do Rosário Martins (Relatora)
José Quaresma (1º Adjunto)
Paula Natércia Rocha (2ª adjunta)