Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | BRUTO DA COSTA | ||
Descritores: | CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL NULIDADE COMPETÊNCIA TERRITORIAL | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/01/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1. São cláusulas contratuais gerais aquelas que são elaboradas de antemão, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar, sendo cláusula proibida a regra que estabeleça um foro competente que envolva graves inconvenientes para uma das partes, sem que os interesses da outra o justifiquem. 2. Não há dúvida de que o contrato de seguro subscrito pelas partes é um documento que consagra cláusulas contratuais gerais e também parece evidente que é muito mais gravoso para um particular residente em Ponta Delgada litigar num Tribunal cível de Lisboa do que no Tribunal de Ponta Delgada, com ou sem apoio judiciário, sendo totalmente diferente é a situação de uma companhia de seguros dispondo de serviços de contencioso capazes de acorrerem a qualquer causa em qualquer parte do País, com alguns custos que todavia seriam muito mais penalizantes se tivesse de ser suportados pelo particular. 3. A cláusula que nesse contexto estabelece foro só em Lisboa é, portanto, nula. 4. Mas mesmo que tal nulidade não existisse, o particular poderia sempre optar pela propositura da acção no tribunal da sua residência nos termos do artº 74º do Código de Processo Civil, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.° 14/2006, de 26 de Abril. 5. A disposição em causa tem um nítido objectivo de protecção ao consumidor pessoa singular, parte contratualmente mais débil, bem patente no texto da lei quando refere que a acção “ […] é proposta no tribunal do domicílio do réu […], mas concedendo ao autor a faculdade de optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, quando o réu seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicílio do credor na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o réu tenha domicílio na mesma área metropolitana (artigo 74.º do Código de Processo Civil). (Sumário do Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: I - Relatório. Na comarca de Ponta Delgada A Intentou acção com processo sumário contra S, SA Alegando que a Ré incumpriu as suas obrigações contratuais no âmbito de um contrato de seguro conexo com um empréstimo contraído para aquisição de habitação própria. Citada, a Ré excepcionou a incompetência territorial. Tal excepção foi julgada improcedente. Desse douto despacho vem interposto o presente recurso de apelação. Nas suas alegações a apelante formula as seguintes conclusões: 1. Aquando da celebração do contrato de Seguro dos Autos, a Apelada e o seu marido declararam, de forma expressa e inequívoca, que tomaram conhecimento das Condições Gerais do mesmo, que lhes foram, também, entregues. 2. 0 documento do qual consta tal declaração é um documento particular cuja autoria é reconhecida pela Apelante e, como tal, faz prova plena das declarações constantes do mesmo. 3. 0 contraente diligente não pode invocar o desconhecimento de determinadas Condições Contratuais que declarou conhecer e, com tal facto, subsumir o seu regime a um enquadramento jurídico que lhe é mais favorável. 4. As partes convencionaram que o foro competente para dirimir os litígios decorrentes do Contrato de Seguro é o do foro da sede da Apelante (Lisboa). 5. Tendo o marido da Apelada declarado expressamente que tomou conhecimento do foro convencionado, distinto do da sua residência, tal condição contratual terá obrigatoriamente de prevalecer, na medida em que é contrário ao seu interesse. 6. 0 Tribunal "a quo" não fundamentou a Decisão de subsumir a cláusula do foro convencionada ao Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais. 7. Ao decidir como decidiu, o Tribunal "a quo" violou, o disposto nos artigos 205.° da Constituição da República Portuguesa, 376.° e 405.° do Código Civil, 426.° do Código Comercial e nos artigos 100.0, 158.° e 668, n.° 1, al. b), ex vi do artigo 666.°, n.° 3, do Código de Processo Civil. Por outro lado, 8. A Apelada não carreou para os presentes Autos os factos necessários para que o Tribunal "a quo" pudesse concluir pela aplicabilidade in concreto do Regime Jurídico das Cláusula Contratuais Gerais. 9. Não consta dos Autos que as Condições Gerais sub judice não foram explicadas e/ou comunicadas ao marido da Apelante ou se este se viu privado de influir na sua negociação. 10. 0 Meritíssimo Juiz do Tribunal "a quo", ao decidir como decidiu, violou o disposto nos artigos 264.°, n.° 2, 510.°, n.° 1, aI. a) e n.° 4, 513 .° e 664.° do Código de Processo Civil, e o disposto nos artigos 1.0, 2.°, 5.° e 6.° do Decreto-Lei n.° 446/85, de 25 de Outubro. Anda que assim não fosse, 11. A Apelada não alega qualquer facto que permita aquilatar do inconveniente em que a presente acção corra os seus termos na Comarca de Lisboa. 12. Ao fundar a sua Decisão em factos que não constam dos Autos o Tribunal "a quo", violou o disposto no n.° 2 do artigo 264.° e no artigo 664.° do Código de Processo Civil. 13. A Cláusula convencionada não estabelece um foro que acarrete graves inconvenientes para a Apelada, contra a inexistência de interesses legítimos, por parte da Apelante, que justifiquem tal convenção. 14.0 facto de a Apelada residir em Ponta Delgada, quando o Tribunal territorialmente competente para dirimir o presente litígio é o da Comarca de Lisboa, só per si, não consubstancia um inconveniente grave, 15.A Apelante litiga com o benefício do apoio judiciário, pelo que, as custas e demais encargos com o presente processo serão suportadas pelo Estado. 16. Por seu turno, a Cláusula ora sub judice foi contratada atendendo ao interesse relevante em que as Acções em que a apelante e o Tomador do Seguro são parte corram os seus termos no Tribunal da Comarca onde têm a sua sede e a generalidade dos seus serviços. 17.0 interesse da estipulação e contratação do foro convencional correspondente ao foro da sede de ambas (Lisboa) justifica-se pelos diversos inconvenientes que litigar, em todos e cada um dos casos, em diferentes Comarcas, acarreta. 18. 0 Tribunal "a quo" não sabe, nem podia saber, se a Apelante possui uma "máquina" que permita litigar em qualquer parte do País, ou, inclusive, se possui, ou não, meios económicos para prover ás despesas inerentes ao decurso de uma acção judicial que corre os seus termos numa das Regiões Autónomas dos Açores. 19.A interpretação perpetrada pelo Tribunal "a quo", com aplicação da alínea g) do artigo 19.° do Regime Jurídico da s Cláusulas Contratuais Gerais, ao caso dos Autos, nos termos apresentados, violou o disposto naquela própria disposição legal. 20. Nos presentes Autos impunha-se que o Tribunal da Comarca de Lisboa tivesse sido julgado o competente para dirimir o presente litígio, nos termos do n.° 1 do artigo 100.° do Código de Processo Civil e do artigo 24.° das Cláusulas Contratuais do Contrato de Seguro dos Autos. A Autora apelada contra-alegou, defendendo a confirmação da decisão, tendo formulado as seguintes conclusões: 1 – Não obstante o contrato de seguro estar assinado pela A. e seu falecido marido, não lhes foi dado conhecimento das respectivas cláusulas, nem tampouco lhes foi dada oportunidade de as analisar ou discutir, limitando-se a assinar o clausulado sem o lerem e de cruz, contrato que nem lhes foi entregue, pelo que 2 – A única prova que a assinatura da A. e seu falecido marido faz é apenas e só a que de assinaram, não a de que o leram, interpretaram e o acharam conforme. 3 – O documento foi-lhes dado a assinar como pró-forma para a realização do seguro, desconhecendo em absoluto o clausulado, apenas assinando onde o banco lhes disse para assinar. 4 — A A. e seu falecido marido não convencionaram que o foro competente para a resolução de qualquer litígio decorrente do contrato fosse o de Lisboa. 5 – E tanto assim que desconhecendo-se intentou a acção à margem referenciada no Tribunal Judicial da Comarca de Ponta Delgada. 6 – Sendo o contrato celebrado um claro contrato típico de adesão, a submissão do julgamento dos autos ao foro da Comarca de Lisboa é extremamente onerosa para a A. como, aliás, o demonstra o facto de litigiar com o benefício de apoio judiciário. 7 – O douto despacho recorrido, aliás brilhante, fez correcta interpretação da Lei e do documento, não violando qualquer dos indicados preceitos referidos pela Ré, pelo que deve manter-se por ser de Direito e de JUSTIÇA. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. A questão a resolver consiste em apurar: Se a disposição do contrato de seguro em causa cai ou não sob a alçada da lei das cláusulas contratuais gerais; Em qualquer caso, se há ou não lugar à incompetência territorial. II - Fundamentos. A resposta é afirmativa quanto à primeira indagação e negativa no tocante à segunda. Na verdade, dispõe a lei das cláusulas contratuais gerais (Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro): Artigo 1.º (Cláusulas contratuais gerais) As cláusulas contratuais gerais elaboradas de antemão, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma. Artigo 12.º (Cláusulas proibidas) As cláusulas contratuais gerais proibidas por disposição deste diploma são nulas nos termos nele previstos. Artigo 19.º (Cláusulas relativamente proibidas) São proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que: a) a f)... g) Estabeleçam um foro competente que envolva graves inconvenientes para uma das partes, sem que os interesses da outra o justifiquem; h)...i)...j)... Ora não há dúvida nenhuma de que o contrato de seguro subscrito pelas partes é um documento que consagra cláusulas contratuais gerais, encontrando-se nas condições referidas no artº 1º acima citado. Também parece evidente que é muito mais gravoso para um particular residente em Ponta Delgada litigar num Tribunal cível de Lisboa do que no Tribunal de Ponta Delgada, com ou sem apoio judiciário. Basta pensar nas deslocações da parte ao escritório do seu Advogado ou Patrono Oficioso e na imediação pessoal que com ele tem o direito a usufruir, para se concluir que das duas uma: ou o cliente toma o avião e vem a Lisboa contactar com o seu Advogado/Patrono, garantindo a imediação, ou não o faz e pode ficar prejudicado por não ter tido um contacto pessoal com o seu mandatário/patrono. Totalmente diferente é a situação de uma companhia de seguros dispondo de serviços de contencioso capazes de acorrerem a qualquer causa em qualquer parte do País, com alguns custos que todavia seriam muito mais penalizantes se tivesse de ser suportados pelo particular. Nos termos das disposições acima citadas e transcritas, cremos, portanto que a cláusula 24ª das Condições Gerais é nula. Mas não seria necessário fulminar a cláusula com a nulidade para que mesmo assim ela não devesse funcionar. Na verdade, Dispõe o artº 74º do Código de Processo Civil, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.° 14/2006, de 26 de Abril: Artigo 74.° 1 — A acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento é proposta no tribunal do domicílio do réu, podendo o credor optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, quando o réu seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicílio do credor na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o réu tenha domicílio na mesma área metropolitana. (...) Seguindo de perto o texto do Acórdão de 15.2.2007 desta Relação referente ao processo nº 726/2007 desta Secção, diremos que: - A Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril entrou em vigor no dia 1 de Maio de 2006. - A referida Lei aplica-se a todas as acções apresentada em juízo a partir de tal data. - A presente acção foi instaurada no dia 30.5.2008. - A existência de um pacto de competência anterior deixou de ser aceite pela lei face à opção legislativa. - O pacto de competência reconduz-se a uma renúncia antecipada, “um negócio de eficácia deferida” das partes em arguir a incompetência do tribunal em razão do território uma vez que a possibilidade de celebração de pactos de competência apenas é permitida nos caso do artigo 100.º/1 do Código de Processo Civil. O referido pacto não é mais do que uma norma definidora da competência territorial fundada em disposição legal que a consente (artigo 100º do C.P.C.) cuja aplicabilidade não pode deixar de ser encarada nos mesmos termos em que é encarada a aplicabilidade das demais normas atinentes à competência territorial. Ora, neste plano, o entendimento é o de que “a nova lei processual deve aplicar-se imediatamente, não apenas às acções que venham a instaurar-se após a sua entrada em vigor, mas a todos os actos a realizar futuramente, mesmo que tais actos se integrem em acções pendentes, ou seja, em causas anteriormente postas em juízo” ( Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2º edição, 1985, pág. 47). Daqui decorreria que, tratando-se de acção pendente, a matéria atinente à competência relativa seria apreciada à luz da nova lei processual pois só são irrelevantes as modificações de direito, em matéria de competência, se for suprimido o órgão a que a causa estava afecta ou se lhe for atribuída competência de que inicialmente carecesse para o conhecimento da causa (artigo 22º da lei nº 3/99, de 13 de Janeiro). Ou seja, são relevantes as modificações de direito em matéria de competência territorial. No entanto, a Lei 14/2006, de 26 de Abril excluiu as acções pendentes da aplicação da lei nova prescrevendo o artigo 6º que “ a presente lei aplica-se apenas às acções e aos requerimentos de injunção instaurados ou apresentados depois da sua entrada em vigor”. Assim, se no domínio da regra geral se deveria entender aplicável a lei nova às acções pendentes, ressalvados os casos julgados, já, por força desta última disposição, a lei nova não se aplica aos processos pendentes, mas apenas às acções intentadas depois da sua entrada em vigor. É o caso da presente acção. Não há, como se vê, nenhuma aplicação retroactiva como sucederia defendendo-se a ideia de que, nas acções pendentes, as regras de competência territorial se fixam no momento em que a acção é proposta, não relevando, portanto, as alterações verificadas durante a pendência, entendimento que não se afigura conforme, como se disse, ao disposto no referido artigo 22º da Lei nº 3/99; não há, portanto, aplicação retroactiva porque a lei não se aplica às acções pendentes e, por isso, é à luz das regras de competência vigentes no momento em que a acção é proposta que deve ser aferida a competência em razão do território. O pacto de aforamento não é, como também se disse, mais do que uma regra de competência cuja validade deve ser aferida à luz das regras de competência em vigor no momento em que a acção é proposta. A referida norma atributiva de competência constitui cláusula inserida em contrato de adesão; estamos face a cláusula contratual geral e a sua inserção obviamente interessa à seguradora, que tem todo o interesse do ponto de vista económico em que as acções em que seja parte corram em tribunal onde se situa a sua sede, A referida norma não tem interesse nenhum para o particular que obviamente, salvo situação excepcional que aqui não se vislumbra, tem todo o interesse em demandar/ser demandado no tribunal do seu domicílio. A presente lei tem um nítido objectivo de protecção ao consumidor pessoa singular, parte contratualmente mais débil, bem patente no texto da lei quando refere que a acção “ […] é proposta no tribunal do domicílio do réu […], mas concedendo ao autor a faculdade de optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, quando o réu seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicílio do credor na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o réu tenha domicílio na mesma área metropolitana (artigo 74.º do Código de Processo Civil). Curiosamente em algumas acções em que se discutia precisamente a validade de cláusulas contratuais gerais deste tipo, um dos argumentos que se apontava, contra os réus pessoas singulares, era precisamente o de não ser hoje particularmente oneroso correr acção em tribunal diferente do seu domicílio considerando que as deslocações a tribunal, por via de um litígio, são hoje em muito menor número do que antigamente designadamente pela introdução de meios tecnológicos que reduzem substancialmente a necessidade de deslocação ao tribunal. Sendo isto verdade, continua a parecer-nos que essa verdade vale mais para as instituições colectivas do que para pessoas singulares que têm de suportar custos para si muito acrescidos derivados designadamente do pagamento das despesas de deslocação dos seus mandatários. Por muito reduzidas que sejam as deslocações, certo é que a possibilidade de se litigar podendo recorrer-se a advogado da comarca onde se vive vai possibilitar a muitos réus uma defesa que provavelmente não poderiam assumir demandados fora do seu domicílio. Só por esta razão, se outra razão não houvesse, a presente lei é inteiramente aplicável ao caso dos autos. Neste caso o credor optou pelo Tribunal do seu domicílio, uma vez que o lugar do cumprimento das obrigações pecuniárias é o domicílio do credor ao tempo do cumprimento (artº 774º do Código Civil). Podia fazê-lo, como se espera ter esclarecido. A apelação não merece por isso provimento. III - Decisão. De harmonia com o exposto, nos termos das citadas disposições, acordam os Juízes desta Relação em declarar improcedente a apelação, confirmando-se na totalidade o douto despacho do Tribunal a quo. Custas pela apelante. Lisboa e Tribunal da Relação, __1__/_10___/_2009___ Os Juízes Desembargadores, ____________________________________ Francisco Bruto da Costa ____________________________________ Catarina Arelo Manso ____________________________________ Ana Luísa Geraldes |