Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | FILOMENA LIMA | ||
Descritores: | IMPARCIALIDADE RECUSA RECUSA DE JUÍZ | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/07/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | INCIDENTE DE RECUSA DE JUIZ | ||
Decisão: | DEFERIMENTO | ||
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Sumário: | I – Na possibilidade processual de suscitar impedimentos, escusas e recusas de juiz está fundamentalmente em causa a garantia não só de que o juiz na realidade permanece imparcial mas também excluir o risco do não reconhecimento público da imparcialidade. II - «A imparcialidade da jurisdição não é só a imparcialidade subjectiva. É também a imparcialidade objectiva que deve ser assegurada … Deve pois recusar-se qualquer juiz relativamente ao qual se possa legitimamente recear a existência de uma falta de imparcialidade … O elemento determinante consiste em saber se as apreensões do interessado podem ter-se como objectivamente justificadas. III – Assentando dois processos em factualidade idêntica, ou seja, a imputação por A de condutas difamatórias a B e C e tendo a Sra juíza ora recusada presidido à audiência de julgamento do arguido que já foi julgado trata-se, no julgamento do segundo processo, de avaliar a mesma questão de facto pelo que se pode encontrar eventualmente comprometido o distanciamento necessário para esse novo julgamento sobre o qual já poderá existir um juízo anterior fixado podendo ainda suscitar por parte dos intervenientes um motivo sério gerador de desconfiança sobre a imparcialidade. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes na 5a Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: 1. No âmbito do presente processo n.° 2110/03.3 TALRS do 3° Juízo Criminal de Loures, J… R…, assistente, veio suscitar a recusa da Mma Juíza do 4º Juízo Criminal de Loures, Sra Dra A… B… , a quem competirá realizar o julgamento, em substituição da Mm. Juíza do 3° Juízo Criminal, nos termos do despacho desta juíza, de 23.01.2009. Alega que foi a Mm° Juíza do 4° Juízo Criminal que realizou o julgamento no processo n.° 2138/03.3 TALRS do 3° Juízo Criminal do mesmo Tribunal, tendo a titular originária do processo (Sra. Dra. S… A…) pedido escusa para intervir, por ter esta realizado o primeiro julgamento no processo n .a 2110/03.3 TALRS, o que foi deferido e motivou que os autos transitassem para a juíza que exercia e exerce funções no 4° Juízo. Alega que os presentes autos, em que é arguida M… A…, têm julgamento marcado para 23.03.2009, a efectuar pela Mma. Juíza do 4° Juízo Criminal, em substituição legal da titular do processo em virtude de ter sido ordenada a repetição do primeiro julgamento realizado no processo n.° 2110, por acórdão da Relação de Lisboa. Alega ainda que esta magistrada já conhece a matéria factual em discussão nos presentes autos em virtude da realização do julgamento no processo n° 2138, matéria semelhante à dos presentes autos, o que coloca em causa a sua imparcialidade e isenção para decidir. Alega ainda que, entre a Mma. Juíza e o mandatário do assistente, ocorreram em audiência graves incidentes pessoais que fazer este recear pela objectividade e rigor da magistrada. A Mma. Juíza em questão veio responder pronunciando-se pela inexistência de motivo de suspeição pois se assim fosse teria pedido escuda para intervir. 2. "A intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade" (art.° 43° CPP). Os impedimentos, recusas e escusas previstas nos art.°s 39° a 46° do C.P.P. visam garantir a imparcialidade do juiz. Essa imparcialidade, garantia abstracta de isenção, decorre do facto de o juiz ser alheio aos interesses das partes na causa. O juiz não deve ter qualquer interesse numa ou noutra solução do litígio que é chamado a regular, por ser sua função decidir, de acordo com a lei, a partir dos factos que, em sua convicção, considera provados ou não provados. Este requisito da imparcialidade determina que o juiz apenas esteja sujeito à lei e que julgue de acordo com a sua consciência, não sendo afectado pelos interesses das partes, não se deixando afectar por paixões pessoais na busca da verdade e na tutela pelos direitos dos cidadãos. Essa imparcialidade perante os fins prosseguidos pelas partes deve ser tanto institucional como pessoal, o que implica que o juiz não tenha nenhum interesse no desfecho do processo e, por outro lado, que o juiz possa aparentar não ter qualquer interesse na solução do mesmo. Uma garantia da indiferença e equidistância do juiz perante os interesses conflituantes é a possibilidade processual de impedimentos, escusas e recusas. O que está fundamentalmente em causa é o risco do não reconhecimento público da imparcialidade do juiz e não só que, na realidade, o juiz permaneça imparcial. O mesmo pensamento correu no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (caso Hauschildt, citação do Ac. do TC n.° 52/92 no DR, 1-A, de 14-3-92) “a imparcialidade da jurisdição não é só a imparcialidade subjectiva. É também a imparcialidade objectiva que deve ser assegurada.. Afinal, trata-se da confiança que os tribunais de uma sociedade democrática devem inspirar às partes... Deve pois recusar-se qualquer juiz relativamente ao qual se possa legitimamente recear a existência de uma falta de imparcialidade ... O elemento determinante consiste em saber se as apreensões do interessado podem ter-se como objectivamente justificadas”. 3.1. Ora, a juíza recusada presidiu à audiência de julgamento do processo n.° 2138, que correu termos neste Juízo e em que era arguido F… A…, filho de M… A.., sendo que em tais autos o arguido se encontra acusado de um crime de difamação pela mesma factualidade imputada à mãe neste processo e consubstanciado na afirmação, que esta teve um relacionamento amoroso com J… R…, assistente nestes e naqueles autos. Ambos os processos ( n°s 2138 e 2110) assentam em factualidade idêntica, ou seja, na imputação pelo assistente de condutas difamatórias, a um e outro dos arguidos, por estes referirem que o assistente manteve relacionamento amoroso com M… A..., mãe de F… A…, durante cerca de três anos. A realização do referido julgamento no processo 2138 pela juíza do 4° Juízo Criminal, ora recusada, resultou de ter sido deferida escusa à juíza do 3° Juízo, a quem competia a realização do mesmo, por esta ter presidido ao primeiro julgamento neste processo (nº 2110) cuja repetição foi ordenada pela Relação de Lisboa. Verifica-se que são essencialmente as mesmas as razões aduzidas no pedido de escusa da juíza do 3° Juízo, sra. dra. S… A… que veio a ser deferido no processo n,° 3980/08 da 9.a Secção por acórdão desta Relação ( no âmbito do processo n.° 2138/03.3TALRS-A, do 3.° Juízo Pequena Instância Criminal de Loures). Nele se diz : (...) A consagração do princípio do juiz natural ou legal (intervirá na causa o juiz determinado de acordo com as regras da competência legal e anteriormente estabelecidas) surge como uma salvaguarda dos direitos dos arguidos, e encontra-se inscrito na Constituição (art. 32.°, n.° 9 "nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior"» com a excepção de casos especiais legalmente consentidos, procurando-se, assim, proteger os arguidos — logo a partir da titularidade do direito de punir – pondo-os a coberto de arbitrariedades no exercício de tal direito. Assim, esse princípio só pode ser afastado em situações-limite, quando outros princípios ou regras, porventura de maior ou igual dignidade, o ponham em causa, como o da imparcialidade e isenção, igualmente com consagração constitucional no n.° 1 do art. 32.° da Lei Fundamental (cfr. ainda art.°s 203.° e 216.°), que pode subsistir na ordem jurídica, compatibilizado com aqueloutro, assim se obstando à ocorrência, em concreto, de efeitos perversos do princípio do juiz natural, acautelando-os através de mecanismos que garantam aquelas imparcialidade e isenção, como pressuposto subjectivo necessário a uma decisão justa, mas também como pressuposto objectivo na sua percepção externa pela comunidade, e que compreendem os impedimentos, suspeições, recusas e escusas. No caso de requerimento de escusa de intervir nos autos «não se trata de confessar uma fraqueza; a impossibilidade de vencer ou recalcar questões pessoais, ou de fazer justiça, contra eventuais interesses próprios; mas de admitir ou não admitir o risco do não reconhecimento público da sua imparcialidade pelos motivos que constituem fundamento da suspeição...» – cf. Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, 1, págs. 237-239. Como já salientava o TC, em Ac. de 16-06-1988, in BMJ 378.°/176, «(..) é necessário, além do mais, que o desempenho do cargo de juiz seja rodeado de cautelas legais destinadas a garantir a sua imparcialidade e a assegurar a confiança geral na objectividade da jurisdição.» As causa de suspeição são «quaisquer motivos, sérios e graves, adequados a gerar desconfiança sobre a imparcialidade dos juizes» – cf. art. 43.°, n.° 1, do CPP e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 1, ed. Verbo, 1996, pág. 203. Os motivos sérios e graves, adequados a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do julgador, hão-de pois resultar de objectiva justificação, avaliando-se as circunstâncias invocadas pelo requerente não pelo convencimento subjectivo deste, mas pela valoração objectiva das mesmas circunstâncias a partir do senso e experiência comuns, conforme juízo do cidadão de formação média da comunidade em que se insere o julgador. Assim, e no caso vertente trata-se de avaliar uma mesma questão de facto, sobre o qual a Requerente Mma Juíza já se pronunciou e já julgou, pelo que se encontram eventualmente comprometidos quer o distanciamento necessário para o novo julgamento sobre o qual já tem um juízo anteriormente “fixado”; quer por poder suscitar por parte dos intervenientes, maxime por parte do assistente, um motivo sério gerador de desconfiança sobre a sua imparcialidade.(.. J. A requerida já ouviu as pessoas cuja audição terá de realizar no âmbito deste processo, quanto à mesma questão de facto, sendo certo que analisou ainda outros elementos de prova, que certamente serão pertinentes para apreciação da questão decidenda, como as cartas escritas pelo assistente. Tais circunstâncias, não constituindo impedimento taxativamente referido no art. 40° do CPP, enquadram-se no entanto no âmbito de previsibilidade do art.° 43° n°s 1 e 2 do CPP. 4 - Pelo exposto defere-se a recusa da Mma Juíza do 4° Juízo Criminal, Sra. Dra. A… B… para intervir no julgamento do mencionado processo, sendo substituída de acordo com as regras de organização judiciária. Sem custas. |