Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | CRISTINA COELHO | ||
Descritores: | SOCIEDADE COMERCIAL SÓCIO GERENTE VINCULAÇÃO DE PESSOA COLECTIVA TÍTULO EXECUTIVO | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/13/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | A vinculação de uma sociedade pode resultar de o acto ser praticado “em nome” da sociedade, não sendo exigível palavras sacramentais ou a assinatura com a própria sociedade. (sumário da Relatora) | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam na 7ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
RELATÓRIO. Por apenso aos autos de execução comum nº 786/08.4TBPDL, em que é exequente M e executados T, Lda., R e L, vieram estes deduzir oposição à execução, pedindo que: a) se ordene a suspensão da instância executiva nos termos do art. 818º do CPC; b) se entenda que o documento apresentado à execução não constitui título executivo, sem prejuízo de se entender ser inexistente e inexequível, julgando-se extinta a execução, por falta de título válido; e c) sempre sem prescindir mais se deverá entender ser a instância executiva irregular na parte em que ocorre ilegitimidade passiva dos executados. Notificada, a exequente contestou, propugnando pela improcedência da oposição. Não se conformado com a decisão, os executados / opoentes interpuseram recurso, tendo no final das respectivas alegações formulado as seguintes conclusões: A) Foi requerida a execução para liquidação da quantia de € 58.905,59, da recorrente . T, Lda, com base num documento particular denominado “ Documento Particular à Cessação de Quotas e Alteração do Pacto Social.” B) Cotejado o mesmo resulta à evidencia que os sócios da T,Lda., identificados nessa qualidade não intervirem na sua subscrição como, aliás, não constam do cabeçalho do mesmo. C) O Artigo 260º, n.º 4 do Código das Sociedades Comerciais é imperativo na exigência (formal) da vinculação das sociedades mediante a intervenção dos gerentes apondo a sua assinatura nessa qualidade; D) Para o Tribunal “a quo” esta exigência formal no caso “sub judice” é inócua e /ou despicienda na parte em que os recorrentes pessoas singulares confundem-se com os representantes da pessoa colectiva. E) Ao assim entender, salvo o devido respeito e melhor opinião, a decisão recorrida errou a apreciação da matéria de direito na parte em que, atentou contra o disposto nas normas conjugadas dos artigos 260º, n.º 4 do Código das Sociedades Comerciais ex vi Artigo 220º do C. Civil e Artigo 46º, n.º 1, alínea e) do C. P. Civil. Terminam pedindo a revogação da sentença recorrida e a procedência da oposição à execução. A recorrida contra-alegou, propugnando pela improcedência do recurso.
QUESTÕES A DECIDIR. Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões dos recorrentes ( art. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC ) a única questão a decidir é se a executada T, Lda. se vinculou no título executivo.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO. O tribunal recorrido considerou provados, com base nos documentos juntos aos autos, os seguintes factos: 1) Foi dado à execução um documento particular denominado “Documento Complementar à Cessão de Quotas e Alteração do Pacto Social”, celebrado em 29 de Setembro de 2007 entre as cedentes M (primeira) P (segunda) e C (terceira) e os cessionários R e L, do qual constam as seguintes expressões, com interesse para a decisão: “Conforme consta do referenciado documento de cessão de quotas e alteração do pacto social, que ao diante se junta e aqui se dá por integrado e reproduzido, o valor total da cessão das três quotas é de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil Euros). Contudo, as partes, cedentes e cessionários, acordam pelo presente documento complementar o seguinte: nesta data a conta de depósitos à ordem revela um saldo de € 7 568,85, os créditos sobre clientes € 49 396,00, a conta sector público estatal € 250,87 e a conta de suprimentos € 5500, somando o valor activo de 62 715,72. Por outro lado, a conta de empréstimos revela um saldo de € 1368,90, a de sector público estatal € 176,12 mais € 586,27 e a conta outros credores € 2758,26 somando assim um valor passivo de € 4889,56. Todos estes valores constam do balancete analítico nesta data. Em complemento do contrato de cessão de quotas, adquirentes e cedentes acordam que o saldo activo de € 57 826,17 (62 715,72 – 4 889,56) seja pago às cedentes na proporção das suas quotas, pela forma seguinte: a) Até 31 de Janeiro de 2008, a sociedade “T, Lda.”, com sede na Rua, com o capital social de cinco mil Euros e matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o n.º liquidará as contas .. e.., respectivamente, no valor de € 5 500 e € 39 089,21 às cedentes. b) Até 31 de Janeiro de 2008, o restante, no montante de € 13 236,96, deverá ser liquidado pela conta particular dos cessionários R e L, atrás identificados, às sócias cedentes, na proporção das suas quotas. O imobilizado da sociedade consta do balancete analítico que se junta e aqui se dá por integrado e reproduzido – doc. n.º 1, devidamente rubricado pelo Técnico Oficial de Contas, sr. V, TOC ... Pelo presente documentos, as partes acordam que a autorização consentida no documento particular de cessão de quotas e alteração do pacto social, quanto à manutenção dos apelidos que figuram na firma social, só se manterá enquanto vigorar o contrato de arrendamento – fim não habitacional – exercício do comércio, a celebrar entre as aqui cedentes e a sociedade, e 1 de Outubro de 2007”. 2) O documento descrito em 1) é datado de 29 de Setembro de 2007 e contém as assinaturas das cedentes e dos cessionários, cujo teor se dá aqui por reproduzido. 3) É acompanhado dos balancetes do razão e analítico do mês de Outubro de 2007, de que constam as rubricas de “R” e “L”. 4) Em 29 de Setembro de 2007, reunidos os sócios na sede social da “T, Lda.”, com sede na Rua, foi celebrado por documento particular intitulado “Cessão de quotas e Alteração do pacto social” um acordo entre as cedentes M (primeira) P (segunda) e C (terceira) e os cessionários R e L, do qual constam as seguintes expressões, com interesse para a decisão: “Que elas outorgantes, cedentes, são as únicas sócias da sociedade comercial por quotas “ T Lda.”. (…) a primeira outorgante, cedente, cede a sua quota no valor nominal três mil e trezentos Euros, a R, casado sob o regime da comunhão geral de bens com L, residente em (…) pelo preço de € 99.000,00 (noventa e nove mil Euros) pago nesta data e cujo recebimento dá pelo presente documento quitação; a segunda outorgante, cedente, cede a sua quota no valor nominal de oitocentos e cinquenta Euros, a L, casado sob o regime da comunhão geral de bens com R, residente em (…) pelo preço de € 25.500,00 (vinte e cinco mil e quinhentos Euros) pago nesta data e cujo recebimento dá pelo presente documento quitação; a terceira outorgante, cedente, representada neste acto pela segunda outorgante, cede a sua quota no valor nominal de oitocentos e cinquenta Euros, a L, casado sob o regime da comunhão geral de bens com R, residente em (…) pelo preço de € 25.500,00 (vinte e cinco mil e quinhentos Euros) pago nesta data e cujo recebimento dá pelo presente documento quitação. DECLARAÇÕES NEGOCIAIS As cedentes afirmam sob a sua responsabilidade exclusiva que são as legítimas donas e possuidoras das quotas cedidas, as quais se encontram totalmente liberadas e livres de quaisquer ónus ou encargos e não são objecto de qualquer litígio de natureza judicial ou extrajudicial. As sócias cedentes, M e P, que exerciam o cargo de gerentes, renunciam à gerência, nesta data (…) Pelo presente documento, os cessionários alteram o artigo 3.º e n.º 1 e n.º 2 do artigo 4.º do pacto social da sociedade, que passam a ter a seguinte redacção: Artigo 3.º O capital social, integralmente subscrito e realizado em dinheiro, é de cinco mil Euros, e encontra-se divido em três quotas, sendo duas delas no valor nominal de oitocentos e cinquenta Euros, cada, pertencentes à sócia L e outra no valor nominal de três mil e trezentos Euros, pertencente ao sócio R. Artigo 4.º 1- A gerência da sociedade, remunerada ou não, conforme for deliberado em assembleia-geral, fica afecta aos sócios, R e L, que desde já são nomeados gerentes. 2- A sociedade vincula-se, em juízo e fora dele, activa e passivamente, pela assinatura de um só gerente. As partes declaram aceitar o contrato nos termos exarados. 5) O documento referido em 4) está assinado pelas cedentes, pelos cessionários, respectivos procuradores e por E, intervindo a cedente P como procuradora de C, que prestaram o consentimento à cessão das quotas. Nos termos do disposto no art. 55º, nº 1 do CPC “ a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor ”. Em anotação ao art. 55º do CPC de 1939 ( com redacção similar ) escrevia o Prof. Alberto dos Reis, Vol. I, pág. 180, que “ a legitimidade deriva, em princípio, da posição que as pessoas têm no título executivo. A inspecção deste deve, em regra, habilitar a resolver o problema da legitimidade. ... Se o título é negocial, é parte legítima como exequente a pessoa que nele figura como credor, isto é, a pessoa a favor de quem foi constituída a obrigação, e como executado a pessoa que figura como devedor, isto é, a que se obrigou ”. A posição da exequente no título como credora, não é questionada, nem tão pouco a dos 2º e 3ª executados, como devedores. O que se põe em causa é que a 1ª executada – a sociedade - figure no título como devedora. O título executivo consubstancia, como o próprio nome indica, um documento complementar à cessão de quotas da sociedade T, Lda. e alteração do respectivo pacto social, celebrada em 29 de Setembro de 2007 [3], entre as cedentes M, P e C e os cessionários R e L - que passaram a ser os únicos sócios e gerentes da referida sociedade -, e encontra-se assinado pelas cedentes e pelos cessionários. Não está posto em causa que foram os executados que assinaram tal documento particular, apondo a sua assinatura. A questão está em que, do título executivo, constam obrigações não só dos executados, mas, também, da executada [4], defendendo os recorrentes que, não constando expressamente que os sócios gerentes assinavam por si e na qualidade de sócios gerentes, não se vincularam nesta qualidade, ou seja, não vincularam a sociedade, mas apenas individualmente. A pessoa singular pode actuar, no giro comercial e contratual em que se inserem as relações em causa, quer em nome próprio (individual), quer em nome de uma pessoa colectiva/sociedade que representa por força das suas funções de gerência, assim se vinculando ou vinculando a sociedade que representa (arts. 252º, nº 1 e 260º, nº 1 do CSC). De facto, dispõe o art. 260º, nº 1 do Código das Sociedades Comerciais que “os actos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes confere, vinculam-na para com terceiros, não obstante as limitações constantes do contrato social ou resultantes de deliberações dos sócios” [5]. Por seu turno, o nº 4 do mencionado artigo estabelece que “os gerentes vinculam a sociedade, em actos escritos, apondo a sua assinatura com indicação dessa qualidade”. Como refere Pinto Furtado, in Código das Sociedades Comerciais, 4ª Edição, pág. 244, “a vinculação da sociedade resulta de o acto ser praticado, na expressão do preceito, “em nome” da sociedade, não se exigindo, pois, palavras sacramentais ou, sequer, a assinatura com a própria firma da sociedade. Obriga-a portanto a mera assinatura pessoal do gerente “em nome ” da sociedade – nome que não tem obviamente de ser invocado de forma expressa, podendo igualmente resultar das circunstâncias em que a assinatura pessoal foi subscrita ou o acto praticado” [6]. O Acórdão do STJ nº 1/2002, publicado no DR, Iª Série A, de 24.01.2002, uniformiza jurisprudência no sentido de que “a indicação da qualidade de gerente prescrita no nº 4 do art. 260º do Código das Sociedades Comerciais pode ser deduzida, nos termos do art. 217º do Código Civil, de factos que, com toda a probabilidade, a revelem”. Dispõe o art. 217º, nº 1 do CC que “a declaração negocial pode ser expressa ou tácita: é expressa quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação da vontade, e tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade a revelam”. Veio, pois, o acórdão determinar a possibilidade da indicação da qualidade de gerente de uma sociedade vinculando-se enquanto tal, resultar de forma tácita, em sentido contrário ao defendido pela recorrente que propugna por uma declaração expressa. Escreve-se no Acórdão Uniformizador de jurisprudência supra referido que “o pensamento legislativo objectivado no texto legal em questão tem suficiente suporte verbal para permitir que o intérprete conclua que a indicação da qualidade de gerente pode ser expressa ou tácita – art. 9º, nº 2 do CC, ex-adversus”. E refere, ainda, que “a interpretação que circunscreve a indicação da qualidade de gerente às manifestações expressas no acto escrito desprotege a confiança no tráfico jurídico, não tutela a boa-fé dos que negoceiam com a sociedade e permite a esta o subterfúgio de, quando lhe convier, se desvincular das obrigações que assumiu”. São, portanto, de aplicar aos títulos de crédito os princípios de interpretação da declaração negocial estabelecidos nos arts. 236º e 238º do CC. No caso em apreço, acompanhamos, plenamente, o entendimento sufragado na decisão recorrida de que resulta das circunstâncias em que o documento foi subscrito [7], que os executados, ao subscreverem o título executivo, fizeram-no não só em nome individual, mas, também, na qualidade de gerentes da sociedade executada, que foi, de forma cabal, identificada no título executivo. Os executados assumiram obrigações, distinguindo, de forma clara, a quem incumbia o seu cumprimento - uma parte à sociedade, outra aos executados (inclusivamente esclarecendo, quanto a estes últimos, a forma de pagamento através de conta pessoal). Atentas as circunstâncias em que foi subscrito o documento, a exigência legal da menção da qualidade de gerente, entendida em termos rigorosos formais, revelar-se-ia ofensiva da boa fé negocial. Assim, das declarações que constam do título executivo, e das suas circunstâncias, apreciadas de acordo com os usos comerciais e a impressão do declaratário ( art. 236º do CC ), afigura-se-nos ser de concluir que os executados assinaram o documento executivo na qualidade de legais representantes ( gerentes ) da sociedade e em nome individual, vinculando-se e vinculando a sociedade [8]. Improcede, assim, o recurso, nada havendo a censurar à decisão recorrida. Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida. ----------------------------------------------------------------------------------------- [5] Como refere Raúl Ventura, in Sociedades por Quotas, Vol. III, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, pág. 170, “ o art. 260º trata da vinculação da sociedade; os actos dos gerentes, em determinadas circunstâncias vinculam a sociedade. Isto significa que o poder representativo funciona plenamente e os efeitos jurídicos dos actos praticados pelos gerentes nascem directamente na esfera jurídica da sociedade e não na esfera pessoal dos gerentes. Numa terminologia corrente, o acto é da sociedade, é esta que o pratica, é esta que recebe os seus efeitos”. |