Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1484/07.1TVLSB.L1-2
Relator: TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
OBRAS
FALTA DE ENTREGA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/14/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE A DECISÃO
Sumário: I - Tendo a R. - sociedade comercial que se dedica à actividade de promoção imobiliária, comprando terrenos aptos para a construção, adjudicando as empreitadas de construção a terceiros e celebrando as escrituras de compra e venda dos imóveis construídos - prometido vender aos AA. um lote de terreno com uma moradia construída, deve a empreiteira que a construiu por adjudicação da R ter-se como auxiliar desta, nos termos e para o efeito do art 800º/1 CC, pelo que o atraso na realização da moradia não configura uma impossibilidade objectiva de cumprimento do contrato promessa, antes é de se imputar à R, não obstando a essa conclusão o facto da única prestação a que esta ficou obrigada para com os AA. se traduzir numa obrigação de “facere”, consubstanciada na emissão da declaração de vontade de vender.
II -A cláusula do contrato promessa, segundo a qual só existiria incumprimento definitivo, se a não realização da escritura de compra e venda, no prazo de 45 meses a contar da data da assinatura do contrato ocorresse por causa imputável exclusivamente à promitente vendedora, podendo configurar-se como uma cláusula de exclusão da responsabilidade do devedor por actos de auxiliares, não se deve ter como válida em face do disposto no nº 2 do art 800º CC quando se admita que através do seu funcionamento poderia resultar excluída a responsabilidade da R. perante os AA. pelos incumprimentos temporários das empreiteiras que se tenham ficado a dever a culpa grave ou dolo.
III- Se, para efeitos do nº 1 do art 800º CC os actos dos auxiliares, numa ficção jurídica, devem ser tidos como actos praticados pelo próprio devedor, então, excluir a responsabilidade por actos de auxiliares praticados com dolo ou culpa grave, equivalerá a excluir a responsabilidade por actos do devedor praticados por dolo ou culpa grave, o que a ordem pública não pode tolerar.
IV- Constituiria abuso de direito invocar perante os AA. a cláusula em referência para obter tal resultado, por corresponder a um excesso nos limites da boa fé, desconsiderar ostensivamente durante anos os interesses da contraparte, admitindo que desse desinteresse pudesse advir um avolumar de prejuízos, e no fim, vir invocar que não se pode ser responsável por quaisquer deles em função de cláusula contratual que se “teve o cuidado” de inserir no contrato, isso, “porque se não começou há pouco tempo a actividade”…
V- Não é questionável a ressarcibilidade do dano moral correspondente à instabilidade vivida pelos AA e respectivo agregado familiar durante o período temporal de 18 meses, não podendo fazer-se equivaler tal dano a simples incómodos ou contrariedades não tuteláveis pelo direito e considerando estas como “inerentes à própria compra de uma moradia quando a mesma ainda se encontra apenas em planta”.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I – B.... e marido, C..., vieram propor contra P..., S.A., a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a condenação da R. a pagar-lhes a quantia de € 39.994,56 a título de indemnização pelos danos causados em virtude da mora no cumprimento das obrigações resultantes de contrato-promessa que celebraram, e bem assim da má-fé negocial em toda a contratação e relacionamento prévio à celebração da escritura publica de compra e venda,  quantia aquela acrescida do valor dos honorários pagos à mandatária dos AA. na presente lide e, ainda, juros sobre a mesma, desde a citação, até integral pagamento.
Alegam que em 3.10.2001, celebraram com a R., esta na qualidade de promitente vendedora, eles na de promitentes compradores, um contrato promessa de compra e venda de um lote de terreno para construção, sendo o lote vendido já com a moradia totalmente acabada, pelo preço de 238.634,89 € a pagar em dez prestações. Os AA. pagaram atempadamente todas as prestações. A escritura devia ter tido lugar até 30/4/2004 e só foi realizada em 28/7/2006. Em Julho de 2002 a moradia não tinha ainda sido iniciada. Em reunião com a R. esta garantiu que a moradia estaria construída e seria entregue em Julho de 2005, pelo que os AA. matricularam os filhos em escolas do concelho de Palmela e puseram à venda a fracção onde moravam no Seixal. Em Setembro de 2005 foi feita vistoria à fracção e foram detectadas irregularidades, e em Novembro desse ano ainda subsistiam algumas dessas irregularidades. Concluem os AA. que a R. está obrigada a ressarci-los em relação aos danos patrimoniais e não patrimoniais que lhes implicou o atraso na celebração da escritura. No que respeita a danos não patrimoniais pedem a compensação de 7.500.00. No que respeita a danos patrimoniais, pedem € 13.258,95, quantia que corresponde a juros sobre 143.180,91 € (que por sua vez corresponde a 60% do valor do total da moradia) desde 13/4/2004 (data em que a mesma deveria ter sido entregue) até 28/7/06 (data em que na realidade o foi); € 5.348,61 correspondente à diferença entre o valor que poderiam ter obtido em 2004 com a venda da sua fracção autónoma e o valor que vieram a obter com a mesma em Dezembro de 2006; € 3.537,00 correspondente ao valor da matricula e frequência relativa ao ano de 2005/2006 com o filho mais novo no colégio que frequentava e que deixaria de frequentar para o passar a fazer na escola pública se se tivesse concretizado a mudança dos AA. para a nova moradia; € 350,00 referente a deslocações, emails, cartas, faxes e telefonemas que não teriam feito se a R. tivesse cumprido os prazos a que estava contratualmente obrigada.
 A R contestou  invocando que a não outorga da escritura na data prevista não se ficou a dever a causa que lhe seja exclusivamente imputável, pois a Câmara de Palmela não emitiu as licenças antecipadas de construção, como se comprometera, e a obra foi adjudicada à empreiteira que não veio a cumprir os prazos acordados, tendo sido resolvido o contrato de empreitada. Por outro lado, colocaram-se problemas de registo. Conclui que esteve temporariamente impossibilitada de prestar aquilo a que estava obrigada e que por isso nos termos do art. 792º do CC não responde pela mora, devendo a acção improceder.

Em audiência preliminar foi proferido despacho saneador e seleccionada a matéria de facto.
 Realizado julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a R. a pagar aos AA. a quantia de € 8.590,85 a título de  danos patrimoniais e a quantia de € 1.500 a título de danos morais, acrescidas de juros vencidos e vincendos desde a citação – 3/4/2007- até integral pagamento à taxa de 4%, absolvendo a R. do demais peticionado.

II -Inconformada a R. apelou, tendo extraído das respectivas alegações, as seguintes conclusões:
1-A R., ora Apelante, não é responsável pelos erros e atrasos dos empreiteiros, uma vez que os mesmos não podem considerar-se auxiliares na realização da prestação a que a mesma se encontrava adstrita.
2- Ainda que se pudessem considerar verdadeiros auxiliares, no que não se concede e apenas por dever de patrocínio se equaciona, sempre haverá que considerar que a possível responsabilidade da R. foi afastada por acordo das partes, consagrado na Cláusula Sexta, nº 5, do contrato-promessa de compra e venda em apreço nos presentes autos.
3- Não lhe podendo ser imputáveis os erros e atrasos do empreiteiro, a R. não pode ser responsabilizada pelos danos que a mora poderá ter causado aos AA., nos termos do art. 792º do Código Civil.
4- Caso se considere que a R., ora Apelante, é responsável pelo ressarcimento dos alegados danos causados pela mora, nunca o ressarcimento dos mesmos poderia ser feito através da arbitragem de juros moratórios sobre o capital entregue a título de sinal.
5- Tal regime de ressarcimento encontra-se estabelecido para os casos de prestações pecuniárias, sendo que a prestação a que a R., ora Apelante, se encontrava adstrita era uma prestação de “facere”.
6-Acresce que, não se tratando de prestação pecuniária e não se aplicando o regime consagrado no art. 806º do Código Civil, tanto o dano causado como o nexo de causalidade entre o facto e o dano não são presumidos.
7- Sendo que resulta da factualidade dada como provada que os AA. não lograram provar a existência de quaisquer danos patrimoniais.
8- Os danos não patrimoniais alegados pelos AA., ora Apelados, não são tuteláveis pelo Direito, já que não passam de meras contrariedades inerentes à compra de uma moradia quando a mesma ainda se encontrava apenas em planta.
9-A haver condenação da R., ora Apelante, na condenação de quaisquer montantes, os juros moratórios sobre tais montantes só podem ser contabilizados a partir da data do trânsito em julgado da sentença, uma vez que apenas com a mesma tais montantes se tomam exigíveis.

Os AA apresentaram contra-alegações nelas defendendo o decidido.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
 
III- Resultaram provados os seguintes factos:
1. Em 3 de Outubro de 2001, os AA, na qualidade de promitentes compradores, e a R. na qualidade de promitente vendedora, celebraram entre si o acordo escrito designado por" contrato promessa de compra e venda" junto por cópia a folhas 24 a 34, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, designadamente: "Primeira - A promitente vendedora é dona do lote de terreno para construção de uma moradia designado por" Lote n° ....", com a área de 422,35 m2, sito na Quinta da S..., freguesia da Quinta do Anjo, concelho de Palmela, que integra o Processo de Loteamento n° ... aprovado pela Câmara Municipal de Palmela, correspondente ao empreendimento turístico denominado" Palmela V... . Segunda (Promessa de Compra e Venda) Pelo presente contrato a promitente vendedora promete vender à promitente compradora e esta promete comprar, pelo preço total de Esc: 47.842.000$00 (quarenta; sete milhões oitocentos e quarenta e dois mil escudos), a que corresponde o preço em Euros de E 238.634,89 (duzentos e trinta e oito mil seiscentos e trinta e quatro euros e oitenta e nove cêntimos), livres de ónus, hipotecas ou quaisquer outros encargos e totalmente acabado, o lote com a moradia correspondente ao projecto do tipo G3, conforme planta anexa (Anexo I ao presente contrato), com os acabamentos e equipamentos constantes do Anexo 11 ao presente contrato, anexos estes que são rubricados pelas partes e farão parte integrante do presente contrato. Terceira (Condições de Pagamento) O preço de venda acordado será pago pela promitente compradora à promitente vendedora da seguinte forma: a) Esc:4.784.200$00 (quatro milhões setecentos e oitenta e quatro mil e duzentos escudos) ou E 23.863,49 (vinte e três mil oitocentos e sessenta e três euros e quarenta e nove cêntimos), nesta data a título de sinal e princípio de pagamento, pelo qual a promitente vendedora dá à promitente compradora a respectiva quitação, correspondente a 10% (dez por cento) do valor de aquisição; b) Esc:2.392.100$00 (dois milhões trezentos e noventa e dois mil e cem escudos) ou E 11.931,74 (onze mil novecentos e trinta e um euros e setenta e quatro cêntimos), a título de reforço de sinal, no prazo de 90 (noventa) dias a contar da assinatura do presente contrato promessa de compra e venda, correspondente a 5% (cinco por cento) do valor de aquisição; c) Esc:4.784.200$00 (quatro milhões setecentos e oitenta e quatro mil duzentos escudos) ou € 23.863,49 (vinte e três mil oitocentos e sessenta e três euros e quarenta e nove cêntimos), a título de reforço de sinal, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias após a assinatura do presente contrato de compra e venda, correspondente a 10% (dez por cento) do valor de aquisição; d) Esc:2.392.100$00 (dois milhões trezentos e noventa e dois mil e cem escudos) ou € 11.931,74 (onze mil novecentos e trinta e um euros e setenta e quatro cêntimos), a título de reforço de sinal, no prazo de 270 (duzentos e setenta) dias após a assinatura do presente contrato promessa de compra e venda, correspondente a 5% (cinco por cento) do valor de aquisição; e)  Esc:4.784.200$00 (quatro milhões setecentos e oitenta e quatro mil duzentos escudos) ou € 23.863,49 (vinte e três mil oitocentos e sessenta e três euros e quarenta e nove cêntimos), a título de reforço de sinal, no prazo de 360 (trezentos e sessenta) dias após a assinatura do presente contrato de compra e venda correspondente a 10% (dez por cento) do valor de aquisição; t) Esc:2.392.100$00 (dois milhões trezentos e noventa e dois mil e cem escudos) ou € 11.931,74 (onze mil novecentos e trinta e um euros e setenta e quatro cêntimos), a título de reforço de sinal, no prazo de 450 (quatrocentos e cinquenta) dias após a assinatura do presente contrato de promessa de compra e venda, correspondente a 5% (cinco por cento) do valor de aquisição; g) Esc:2.392.100$00 (dois milhões trezentos e noventa e dois mil e cem escudos) ou € 11.931,74 (onze mil novecentos e trinta e um euros e setenta e quatro cêntimos), a título de reforço de sinal, no prazo de 540 (quinhentos e quarenta) dias após a assinatura do presente contrato promessa de compra e venda, correspondente a 5% (cinco por cento) do valor de aquisição; h)Esc:2.392.100$00 (dois milhões trezentos e noventa e dois e cem escudos) ou € 11.931,74 (onze mil novecentos e trinta e um euros e setenta e quatro cêntimos), a título de reforço de sinal, no prazo de 630 (seiscentos e trinta) dias após a assinatura do presente contrato promessa de compra e venda, correspondente a 5% (cinco por cento) do valor de aquisição; i) Esc:2.392.100$00 (dois milhões trezentos e noventa e dois mil e cem escudos) ou € 11.931,74 (onze mil novecentos e trinta e um euros e setenta e quatro cêntimos), a título de reforço de sinal, no prazo de 720 (setecentos e vinte) dias após a assinatura do presente contrato promessa de compra e venda, correspondente a 55 (cinco por cento) do valor de aquisição; j) O remanescente do preço, no montante de Esc.19.136.800$00 (dezanove milhões cento e trinta e seis mil e oitocentos escudos) ou € 95.453,96 (noventa e cinco mil quatrocentos e cinquenta e três euros e noventa e seis cêntimos), correspondente a 40% (quarenta por cento) do valor de aquisição, será pago no acto da outorga da escritura pública de compra e venda. § Único: A entrega de qualquer valor, que não seja em dinheiro, só será dada a  respectiva quitação, após a boa e efectiva cobrança do respectivo meio de pagamento. Todos os pagamentos efectuados após 01 de Janeiro de 2002 serão obrigatoriamente efectuados em Euros. Quarta (Escritura Pública) A escritura pública de compra e venda será celebrada em dia, hora e cartório notarial a designar pela promitente vendedora, até ao termo do prazo de 30 (trinta) meses após a assinatura do presente contrato de compra e venda, obrigando-se esta a avisar a promitente compradora, por carta registada com aviso de recepção com a antecedência mínima de oito dias da data marcada. Quinta (Resolução do contrato) Caso a escritura de compra e venda objecto do presente contrato não seja outorgada no prazo previsto neste contrato, terá a promitente compradora a faculdade de interpelar a promitente vendedora, para proceder à marcação da respectiva escritura e, caso tal não seja efectuado no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, poderá então resolver este contrato, devendo então a Promitente Vendedora devolver-lhe as quantias recebidas ao abrigo do mesmo, a título de sinal e princípio de pagamento, acrescidas de juros calculados de juros calculados à Taxa Euribor a 6 meses, mais 2 p.p. (dois pontos percentuais), pelo período compreendido entre a(s) data(s) da(s) suas respectivas entregas e data da sua efectiva restituição. Sexta (Incumprimento do Contrato) 6. (...) Considera-se incumprimento para o efeito do número anterior, a não realização da escritura pública de compra e venda, por causa imputável exclusivamente à promitente vendedora, no prazo de 45 (quarenta e cinco) meses a contar da data da assinatura do presente contrato promessa de compra e venda.(...).
2 - Os AA. pagaram à Ré todas as prestações acordadas, do seguinte modo: - Entre 03 de Outubro de 2001 e 03 de Outubro de 2003, os AA entregaram à R como sinal, princípio de pagamento do preço e reforços de sinal, e com uma periodicidade trimestral, as quantias referidas nas alíneas a) a i) da Cláusula Terceira do contrato promessa de compra e venda, que perfizeram o total de 143.180,91 e (cento e quarenta e três mil, cento e oitenta euros e noventa e um cêntimos), correspondente a 60% do valor total do preço; - Os restantes 40% do valor do preço total, a que corresponde a quantia de 95.453,96 E (noventa e cinco mil quatrocentos e cinquenta e três euros noventa e seis cêntimos) foram pagos, conforme a alínea j) da cláusula terceira do contrato na data da outorga da escritura que se veio a realizar em 28.07.2006.
3. A escritura pública de compra e venda foi realizada em 28-07-2006.
4. Os Autores emitiram e enviaram à Ré a carta junta por cópia a folhas 39 cujo teor se dá por integralmente reproduzido, solicitando que lhes fosse enviado um plano de trabalhos referentes à moradia.
 5. A Ré emitiu e enviou aos Autores a carta datada de 05-09-02, junta por cópia a folhas 40, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, comunicando a intenção da Ré cumprir os prazos estabelecidos no contrato de promessa e informando ainda que o início da construção se encontrava previsto para o último trimestre desse ano.
 6. A ré emitiu e enviou aos Autores a carta datada de 08-11-04, junta por cópia a folhas 47 a 49, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e anexando um esclarecimento da presidente da Câmara Municipal de Palmela.
 7. Em 28 de Junho de 2005, os Autores remeteram ao Director de Marketing da Ré, o e-mail junto a folhas 50, solicitando informação sobre o prazo de entrega da casa.
 8. Em 21 de Agosto de 2005 os autores enviaram ao Director de Marketing da Ré, Eng.o D... o e-mail, junto a folhas 51 e 52, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, e no qual elencam uma lista dos pormenores que dizem em falta para aceitarem a moradia como concluída.
 9. O A. elaborou o "Relatório de Vistoria pelo Condómino", junto por cópia a folhas 53 e 5 4 datado de 01 -09- 2005, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, encontrando-se o mesmo assinado por representante da Ré sob a menção "Tomei conhecimento".
10. Em 19 de Setembro de 2005 os Autores enviaram à Ré um e-mail, junto a folhas 55 a 58, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, informando que aceitam assinar o aditamento apenas com três alterações aí propostas.
 11. Em 27 de Setembro de 2005, os Autores emitiram e enviaram à Ré o e-mail junto a folhas 60 e 61, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, informando da recusa em assinar o aditamento ao contrato promessa por o mesmo não reflectir a realidade dos factos e das razões para a sua celebração e alertando a Ré para prejuízos que orçavam o valor de 15.000 €, bem como a informação de como pretendiam compensá-los de tais prejuízos.
12. O A. elaborou o "Relatório de Vistoria pelo Condómino", datado de 18 de Outubro de 2005, junto por cópia a folhas 62, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, encontrando-se o mesmo assinado por representante da Ré sob a menção "Tomei conhecimento".
 13.Em 19 de Outubro de 2005 os Autores emitiram e enviaram à Ré o e-mail junto a folhas 63 a 65,cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, comunicando a disponibilidade para aceitar o aditamento ao contrato desde que as irregularidades da moradia fossem objecto de regularização.
 14. O A. elaborou o "Relatório de Vistoria pelo Condómino", datado de 16 de Novembro de 2005, junto por cópia a folhas 66, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, encontrando-se o mesmo assinado por representante da Ré sob a menção "Tomei conhecimento".
15. Os Autores emitiram e enviaram à Ré o fax junto por cópia a folhas 67,cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
 16. Os Autores, através da sua advogada emitiram e enviaram à Ré a carta junta por cópia a folhas 68 a 70,cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
17. A Ré emitiu e enviou aos Autores a carta junta por cópia a folhas 71 a 72,cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, comunicando que a escritura pública se encontrava designada para o dia 11 de Abril de 2006.
 18. Os Autores enviaram à Ré a carta junta por cópia a folhas 73 e 74,cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, comunicando que a moradia não se encontrava em condições de ser habitada e impondo como condições para a realização da escritura e entrega da moradia, a conclusão das obras e a regularização das irregularidades.
19. Em 03 de Maio de 2006, a Ré emitiu e entregou na Câmara Municipal de Palmela, o documento junto a folhas 80, requerendo que fosse junta "a Ficha Técnica de Habitação ao Processo de Licença n° ...., referente ao Lote ..., sito na Urbanização Palmela V...., freguesia da Quinta do Anjo, concelho de Palmela".
20. Os Autores emitiram e enviaram à Ré o fax junto por cópia a folhas 81 a 83, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
 21. Consigna-se que resulta do Relatório de Vistoria, junto a folhas 84, 85 e 86 as seguintes declarações respectivamente: 1-" Declaro que aceito o bom estado de construção da moradia acima identificada nesta data, incluindo nomeadamente todos os acabamentos interiores, sem prejuízo da necessidade de cumprimento das observações acima discriminadas e do período legal de garantia. Mais declaro que aceito celebrar a escritura pública de compra e venda do lote com a moradia acima identificados, na data que for designada pela P...., S.A" . - (fls. 84). 2-" Declaro que aceito o bom estado de construção da moradia acima identificada nesta data, incluindo nomeadamente todos os acabamentos interiores, sem prejuízo da necessidade de cumprimento das observações acima discriminadas e do período legal de garantia. Mais declaro que aceito celebrar a escritura pública de compra e venda do lote com a moradia acima identificados, na data que for designada pela P...., S.A".- (fls.85). 3-" Declaro que aceito o bom estado de construção da moradia acima identificada nesta data, incluindo nomeadamente todos os acabamentos interiores, sem prejuízo da necessidade de cumprimento das observações acima discriminadas e do período legal de garantia. Mais declaro que aceito celebrar a escritura pública de compra e venda do lote com a moradia acima identificados, na data que for designada pela P...., S.A". - (fls.86).
 22. Os Autores, através da sua advogada emitiram e enviaram à Ré a carta junta a folhas 87 e 88,cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
23. A Ré emitiu e enviou aos Autores na pessoa da sua advogada a carta junta a folhas 89 a 9l,cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
 24. A R. é uma sociedade comercial que tendo-se fundido, por incorporação, com a sociedade M..., absorvendo-a, se dedica à actividade de promoção imobiliária, a qual consiste, em síntese, no seguinte: a) compra de terrenos aptos para a construção; b) elaboração de projectos de empreendimentos imobiliários; c) comercialização dos empreendimentos (captação de clientes e celebração de contratos-promessa de compra e venda); d) adjudicação de empreitadas de construção; e) celebração das escrituras de compra e venda dos imóveis construídos.
 25. A Ré não procede à construção dos empreendimentos que comercializa, adjudicando a sua construção a terceiros.
26. A R. tem a seu cargo toda a parte administrativa dos empreendimentos que comercializa, sendo em especial da sua responsabilidade a apresentação, junto das entidades municipais competentes, dos projectos imobiliários que pretende promover, dos pedidos de emissão de licença de construção e posteriormente dos pedidos de licenças de utilização
27. A R assinou com a Câmara Municipal de Palmela o Protocolo junto a fls 127 a 142, cujo teor se dá como reproduzido.
28. A R emitiu o requerimento dirigido ao Presidente da Câmara Municipal de Palmela recebido em 13/3/2003, junto por cópia a fls 143 a 145, cujo teor se dá como reproduzido
29. A Câmara Municipal de Palmela notificou a R no dia 30/6/03 do conteúdo do doc junto a fls 146 a 148 cujo teor se dá como reproduzido
30. A R emitiu o requerimento dirigido ao Presidente da Câmara Municipal de Palmela e recebido em 10/7/03, junto por cópia a fls 149 a 150, cujo teor se dá como reproduzido
31. Em 25/11/03 a Câmara Municipal de Palmela emitiu o Alvará de autorização de obras de construção nº .... em nome da R e que titula a aprovação das obras que incidem sobre o prédio em Palmela V.... Lote  ..... da freguesia de Palmela, descrito na Conservatória do   Registo Predial de Palmela, sob o n° ..... e Omisso na Matriz da respectiva freguesia de Quinta do Anjo.
32.A Ré enviou aos Autores o e-mail junto a folhas 50 (13 parte), cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, indicando as datas de 10 a 15 de Julho para entrega da moradia.
Da base instrutória:
33.A Ré vedou o acesso à obra.
34. Em 14 de Setembro de 2004 foi autorizada a primeira visita dos Autores à obra.  
35. Na data referida no artigo anterior os Autores constataram que os trabalhos da moradia se encontravam muito atrasados.
36. Em Março de 2005 foi, pela segunda vez, e mediante pedido dos Autores, autorizada pela Ré visita à obra de construção da moradia destinada àqueles, a qual se encontrava ainda, nessa data, em fase de aplicação de revestimentos.
 37.Em 16 de Maio de 2005 os Autores tiveram uma reunião com o Eng.o D....
38. Os Autores colocaram à venda a fracção onde residiam no concelho do Seixal.
39. No dia 16 de Novembro, os Autores em reunião com um outro representante da Ré, foi-lhes garantido avançar com a alteração por eles proposta ao aditamento ao contrato promessa, de modo a estipular que as irregularidades ficariam reparadas antes da escritura de compra e venda.
40. Para efectua à ré o pagamento de algumas prestações os AA contraíram junto de um tio da autor um empréstimo.
41. Os AA esperavam pagar tais encargos com o lucro que obtivessem na venda da fracção onde habitavam.
42. Os AA tiveram que manter a fracção referida no artigo 8°, enquanto não lhes foi entregue a casa, pela Ré.
43. Em face da perspectiva de mudarem para a nova moradia em 2004, os AA puseram à venda a fracção em que residiam no Seixal em finais de 2003.
44. A fracção referida no artigo anterior tinha 4 assoalhadas e 8 anos.
45. Em finais de 2003 a fracção em que os autores residiam no Seixal foi avaliada por uma mediadora imobiliária em e 160.000.
46. No primeiro trimestre de 2004, por não se ter ainda realizado a escritura da moradia, os AA retiraram do mercado imobiliário a venda da sua fracção.
 47. A fracção em que os Autores residiam foi novamente colocada à venda após a escritura da moradia.
 48. A fracção só veio a ser vendida em Dezembro de 2006.
 49. Entre 2004 e 2006 o mercado imobiliário sofreu oscilações de preço e as casas/apartamentos foram também alvo de desvalorização no seu preço de mercado.
 50. Os Autores venderam a fracção pelo preço de 144.651,39
 51. Os Autores despenderam a quantia de 3.537,00 t (três mil quinhentos e trinta e sete euros) com a matrícula e frequência relativa ao ano lectivo 2005-2006 do filho mais novo dos AA, E..., no Colégio.
 52. Na zona da nova moradia existia uma escola pública onde os Autores pretendiam matricular o seu filho.
 53. O atraso na entrega da moradia causou instabilidade aos Autores.
54. A nova casa é localizada num ambiente mais saudável do ponto de vista dos espaços verdes envolventes e da proximidade da Serra da Arrábida.
 55.A R. adjudicou a construção do empreendimento Palmela V... ao grupo de construção civil A&F... Lda./PF, S.A., que se obrigou a concluir todas as moradias até Julho de 2004.
56. No pressuposto de que a Câmara Municipal de Palmela e o empreiteiro contratado cumpririam o acordado a ré iniciou a comercialização do empreendimento turístico Palmela V.....
 57. No empreendimento Palmela V.... a Câmara Municipal de Palmela não emitiu as licenças antecipadas de construção, como se comprometera.
58. Desde data não concretamente apurada a A&F, Lda./PF, S.A. deixou de respeitar os prazos de execução da obra acordados.
 59. Em Agosto de 2003, a execução da obra relevava um atraso de 25%.
60. Em 19/03/2004, a R. resolveu o contrato de empreitada celebrado com A&F, Lda./PF, S.A.
61. Quando o contrato foi resolvido, a A&F, Lda./PF, S.A.: a) não tinha concluída nem entregue, nenhuma das 142 moradias que já devia ter entregue até essa data (as correspondentes à 18 fase, 28 fase e 38 fase); b)estavam construídas em apenas cerca de 40% quer essas 142 moradias, quer as demais 63 que deveriam ser entregues até final desse mês de Março de 2004; c )em geral, a obra só estava executada em apenas 27,81 %, quando já devia estar executada em 58%, havendo zonas que ainda nem sequer tinham sido iniciadas, tomando impossível a conclusão e entrega, nos prazos contratualmente previstos, de qualquer uma das moradias objecto do empreendimento.
62. A R. detectou anomalias nos edifícios do Palmela V..., cuja gestão e fiscalização da empreitada estava a cargo da A&F, Lda./PF, S.A., tendo ordenado a sua reparação, com mais sobre custo.
 63. Quando o contrato de empreitada, com a A&F, Lda./PF, foi resolvido pelo P...., pessoas da A&F, Lda./PF levaram material da obra, designadamente documentos e ficheiros informáticos, o que dificultou a retoma da obra pela nova empreiteira.
 64. A R. teve que contratar uma outra empresa - a M...., SA - que ficou encarregada da gestão e fiscalização da obra e dos subempreiteiros, com quem teve um custo de € 3.502.272,00 (acrescido de IVA).
65. A R. para entregar atempadamente as moradias aos seus clientes, contratou uma conhecida empresa de fiscalização - a PrC, S.A. - para fiscalizar, por conta do dono da obra, o trabalho da M...., com o que teve mais custos.
 66. A R. propôs que os AA. fossem habitar a moradia antes de ser outorgada a escritura pública sem receber o remanescente do preço.
 67. Depois da conclusão da obra da moradia prometida vender aos autores, sobreveio, no Outono/Inverno de 2005/2006, um problema registral, decorrente de alteração do alvará de loteamento a que a Câmara Municipal de Palmela procedeu, que impediu a obtenção das necessárias certidões para a celebração das escrituras públicas de compra e venda.
68. O problema registral começou com o entendimento da Conservatória do Registo Predial de Palmela, por força de um parecer emitido pelo Conselho Técnico da Direcção-Geral dos Registos e Notariado, segundo o qual, devido à notificação oficiosa da alteração ao alvará de loteamento, que a Câmara fez à Conservatória, todos os registos teriam de ficar provisórios por dúvidas, ou ser recusados, consoante se tratasse de inscrições ou averbamentos (como foi o caso dos averbamentos de construção das moradias nas descrições dos lotes), respectivamente, até que fosse, pelo particular interessado, requerido tal registo.
 69. O título camarário tinha várias deficiências e, por causa destas, o registo da alteração ao alvará requerido pela Ré foi, por sua vez, lavrado como provisório por dúvidas, o que levou à emissão de um novo título pela Câmara.
70. Em meados de Março de 2006 é que se conseguiu sanar completamente o problema registral, ficando todos os registos lavrados definitivamente.
 71. Finda a construção, a Câmara Municipal de Palmela, entendeu, durante largos meses, que, por o empreendimento Palmela V..... ser um empreendimento turístico, não era ela que tinha que licenciar a utilização de cada moradia, mas sim a Direcção Geral do Turismo que tinha a obrigação de licenciar todo o empreendimento turístico, ou quanto muito, fases ou sub- fases do mesmo.
72. Só após muitas reuniões entre a Ré e a Câmara Municipal de Palmela esta aceitou que o licenciamento da utilização de cada moradia era da sua competência.


IV- Das conclusões das alegações resulta para o presente recurso o seguinte objecto:
- Saber se a empreiteira a quem a R. adjudicou a construção da moradia objecto do contrato promessa celebrado com os AA., ao contrário do que foi considerado na sentença recorrida, não deve ser tida como “auxiliar” nos termos e para o efeito do disposto no art 800º/1 CC, pelo que a R. não poderá ser responsabilizada perante os AA., promitentes compradores da moradia já construída, relativamente aos atrasos da empreiteira nessa construção;
- Saber se, e ainda que se tenha a empreiteira como “auxiliar” da R. perante os AA., do conteúdo da clausula 6ª/5 e 6 do contrato promessa, resulta consensual e validamente afastada a possível responsabilidade da R. por tais atrasos;
- Sendo a resposta negativa, saber se os AA. resultaram prejudicados pelo facto de em 3/4/2004 terem cumprido, nos termos a que os obrigava o contrato, a sua prestação de pagamento de 40% do preço da moradia a comprar,  quando, por sua vez, a R. se atrasou 18 meses sobre essa data no cumprimento da sua prestação referente à outorga da escritura de venda, e se esse prejuízo poderá ser indemnizado através da fixação de juros sobre aquele capital mediante a aplicação do disposto no art 806º CC, quando é certo que a mora se verifica não em relação a uma obrigação pecuniária mas uma obrigação de “facere”;
- Saber, quando se entenda não estar em causa a aplicação do art 806º/1 CC, se resulta afastada quer a existência de dano patrimonial, quer o nexo de causalidade entre esse dano e a mora da R., na medida em que os AA. não lograram a respectiva prova;
- Saber se os danos não patrimoniais que a sentença recorrida entendeu ter como ressarcíveis não merecem a tutela do direito;
- Saber se, entendendo-se existir responsabilidade da R., os juros de mora deverão ser contabilizados apenas desde a data do trânsito em julgado da sentença recorrida e não desde a data da citação, como se afirmou na sentença recorrida.

Para melhor contextualização das questões acima referidas, entende-se conveniente recordar os entendimentos perfilhados na sentença recorrida para vir a concluir pela (parcial) responsabilização da R.
Entendeu-se na sentença, em primeiro lugar, que a R. dispunha do prazo de 30 meses a contar do contrato promessa – cujo terminus ocorreu em 3 Abril de 2004 - para marcar a escritura de compra e venda, e a partir do momento em que o não fez nesse prazo sem que se tenha verificado actuação de terceiro que a tivesse impedido desse cumprimento, constituiu-se em mora perante os AA. Para chegar a esse resultado, sustentou, por um lado, que a R. é responsável face aos promitentes compradores pelos atrasos da(s) empreiteira(s), visto ter-se socorrido desta(s) para o cumprimento da obrigação, aplicando a disciplina que decorre do art 800º/1 CC, e por outro, que a circunstância do alvará de autorização da obra ter sido emitido pela Câmara Municipal de Palmela apenas em 25/11/03 não obstaculizava ao início e prossecução da obra, pois que efectivamente o não obstaculizou, na medida em que o facto de se ter provado que em Agosto de 2003 a execução da obra revelava um atraso de 25% , pressupunha, só por si, que a obra sempre se tinha iniciado e prosseguido sem aquela alvará. Assim, a mora da R. iniciou-se logo em 3 Abril de 2004 e manteve-se, do ponto de vista do tribunal recorrido (com o efeito que lhe é próprio de tornar responsável o credor pelos prejuízos que para o devedor decorram do atraso em que mesma se traduz), até ao momento em que tal atraso passou a encontrar justificação objectiva em actuações de entidades públicas, cujos comportamentos a R. não podia controlar, assim tendo sucedido  a partir do Outono/Inverno de 2005/2006 com o problema registral decorrente de alteração do alvará de loteamento que impediu à R. até Março de 2006 a obtenção de certidões para a celebração da escritura, obstáculo a  que  sobreveio o entendimento da Câmara Municipal de Palmela de que a licença de utilização da moradia tinha de ser emitida, não por ela,  mas  pela Direcção Geral do Turismo, questão que, por sua vez, atrasou vários meses a possibilidade de realização da escritura pública. Deste modo, concluiu-se na sentença que a R. esteve em mora sensivelmente 18 meses, resultando  correlativamente restringida a impossibilidade objectiva temporária com que a R. se defendera para se eximir à responsabilidade que os AA. lhe assacam, ao período compreendido entre Abril de 2004 a Setembro de 2006. Devendo ser responsabilizada pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que esse atraso ocasionou aos AA, considerou-se na sentença constituir dano patrimonial a circunstância dos AA   resultarem desembolsados em 3/4/04 do capital correspondente a 60% do preço total da moradia quando a R. nessa data não cumprira correlativamente a sua prestação ficando em mora relativamente a esse cumprimento por 18 meses, tendo-se entendido ressarcir tal prejuízo através dos juros que tal quantia (de € 143.180,91) podia produzir, à semelhança do que acontece nas obrigações pecuniárias (art 806º CC), aplicando sobre ela e relativamente aos 18 meses de mora a taxa de juros de 4%. Entendeu ainda a sentença que a instabilidade que o atraso na entrega da moradia causou aos AA. naquele período de 18 meses, constituiu dano não patrimonial com gravidade bastante para ser ressarcido, compensando-o com o valor de 1500 €. Do que resultou a condenação da R. a pagar aos AA. a quantia de € 8.590,85 a titulo de danos patrimoniais e a quantia de 1500 € a titulo de danos morais, sendo uma e outra acrescidas de juros vencidos e vincendos, desde a citação, até integral pagamento, à taxa legal de 4%.
O art 800º do CC, disposição inserida “na falta de cumprimento e mora imputáveis ao devedor” refere:
“1. O devedor é responsável perante o credor pelos actos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor.
 2. A responsabilidade pode ser convencionalmente excluída ou limitada, mediante acordo prévio dos interessados, desde que a exclusão ou limitação não compreenda actos que representem a violação de deveres impostos por normas de ordem pública.”
A primeira questão acima evidenciada analisa-se em saber se tendo a R. prometido aos AA. vender-lhes um lote de terreno com uma moradia construída, devendo esta, para tal efeito, estar completamente construída em 30/4/04, sendo que quem a construía não era a R. mas uma terceira em relação a ela, o facto desta terceira ter atrasado a realização da obra em questão se deve ter como facto alheio à R., de tal modo que se haja de concluir que esta ficou impedida objectivamente de cumprir o contrato promessa, ao invés de se entender, como o fez a sentença recorrida, que tal facto é de se imputar à R. nos termos do nº 1 do art 800º CC, por se dever ter a empreiteira como pessoa por ela utilizada para o cumprimento da obrigação.
Para assim entender argumenta a apelante no sentido de que o auxiliar a que se refere o art 800º tem de ser utilizado para o cumprimento da prestação do devedor no âmbito (estrito) da sua relação obrigacional com o credor. Ora, se a única prestação a que a R ficou obrigada para com os AA se traduz numa obrigação de “facere” –consubstanciada na emissão da declaração de vontade de vender – não se vê como é que a empreiteira poderia intervir no cumprimento desta obrigação.
Lembre-se a respeito desta questão, (bem como da que se lhe segue), que ficou provado nos autos que a R. é uma sociedade comercial que se dedica à actividade de promoção imobiliária, comprando terrenos aptos para a construção, elaborando projectos de empreendimentos imobiliários, comercializando os empreendimentos (através da captação de clientes e celebração de contratos-promessa de compra e venda), adjudicando as empreitadas de construção, celebrando as escrituras de compra e venda dos imóveis construídos. E que não procede à construção dos empreendimentos que comercializa, adjudicando a sua construção a terceiros, sendo que tem a seu cargo toda a parte administrativa desses empreendimentos, em especial a responsabilidade e apresentação junto das entidades municipais competentes dos projectos imobiliários que pretende promover, dos pedidos de emissão de licença de construção e posteriormente dos pedidos de licenças de utilização.
Provou-se ainda com relevo para as questões em análise, que a R. adjudicou a construção do empreendimento Palmela V...., onde se inseria a moradia objecto da promessa de venda, ao grupo de construção civil A&F, Lda./PF, S.A., o qual se obrigou a concluir todas as moradias até Julho de 2004. Porém, esta, desde data não concretamente apurada, deixou de respeitar os prazos de execução da obra acordados, pelo que em 19/03/2004 a R. resolveu o contrato de empreitada com ela celebrado. Nessa altura, e em geral, a obra só estava executada em 27,81 %, quando já devia estar executada em 58%, havendo zonas que ainda nem sequer tinham sido iniciadas, tomando impossível a conclusão e entrega, nos prazos contratualmente previstos, de qualquer uma das moradias objecto do empreendimento. Acresce que a R. detectou anomalias nos edifícios do Palmela V..., tendo ordenado a sua reparação, e verificou que aquando da resolução da empreitada, houve pessoas da A&F Lda./PF que levaram material da obra, designadamente documentos e ficheiros informáticos, o que dificultou a retoma da obra pela nova empreiteira. A R. teve que contratar uma outra empresa - a M...., SA, que ficou encarregada da gestão e fiscalização da obra e dos subempreiteiros.
Refere Antunes Varela [1] a respeito da responsabilidade do devedor pelos actos dos seus representantes legais ou auxiliares: “A impossibilidade da prestação, sendo imputável a terceiro, exonera, em princípio, o devedor de responsabilidade. A solução não seria, no entanto, justa, quando a impossibilidade provenha, não de estranhos ao processamento da relação obrigacional, mas de pessoas que legalmente representem o devedor ou que o devedor utiliza no cumprimento, como seus auxiliares”.
Não são apenas os mandatários, os procuradores, os comissários ou depositários do devedor que podem equacionar-se como auxiliares deste no cumprimento da obrigação. A qualidade de “auxiliar”, enquanto pessoa que o devedor utiliza para o cumprimento da obrigação, tem que ser aferida em função da concreta situação.
No caso dos autos, se é verdade que a R. apenas está obrigada com os AA. a realizar o contrato prometido – e que efectivamente se analisa numa obrigação de “facere” – e se é verdade que a empreiteira não intervém directamente no cumprimento dessa obrigação, é inegável que a sua actividade é essencial ao cumprimento dessa obrigação, pois que a realização prévia da obra se comporta como condição para o cumprimento pela R. Se a R., promitente vendedora, só se pode  exonerar da sua obrigação para com o promitente comprador, quando realize a escritura de compra e venda do imóvel, mas, se para a realizar, é forçoso é que o imóvel objecto da compra e venda esteja construído,  se quem fiscaliza o cumprimento da empreitada é a R., que, aliás, nega qualquer intervenção a esse nível aos AA. entendendo não terem os mesmos sequer o direito de visitarem a obra, se como o assinala a R – cfr arts 38º e 39º da contestação – é absolutamente essencial à sua actividade que os empreiteiros cumpram os prazos de entrega dos imóveis a construir, pois se esses prazos não forem cumpridos  vê-se por sua vez impossibilitada de cumprir pontualmente os contratos promessa celebrados com os seus clientes, se apenas a R. poderia tomar medidas que se revelassem adequadas para impedir o futuro incumprimento dos prazos de entrega das construções – cfr art 40º da contestação -, não pode deixar de se reconhecer que as empreiteiras se comportam para com a R. como suas auxiliares no cumprimento do contrato promessa, para efeitos do art 800º/1 do CC.
A R. sabe, desde que assumiu a referida obrigação de “facere”, que a não poderá cumprir, se, e, enquanto, a empreiteira não tenha por concluída a moradia objecto do contrato prometido. 
Na situação dos autos a estreita relação de dependência relativamente à prévia actividade da empreiteira decorre do próprio objecto social da R. que dedicando-se à actividade de promoção imobiliária, comprando terrenos aptos para a construção, elaborando projectos de empreendimentos imobiliários, comercializando os empreendimentos através da captação de clientes e celebração de contratos-promessa de compra e venda, celebrando as escrituras de compra e venda dos imóveis construídos, não pode passar sem empreiteiras a quem adjudique as empreitadas de construção. Acresce que, tendo a R. a seu cargo toda a parte administrativa dos empreendimentos que comercializa, em especial a responsabilidade e apresentação junto das entidades municipais competentes dos projectos imobiliários que pretende promover, dos pedidos de emissão de licença de construção e posteriormente dos pedidos de licenças de utilização, não pode também deixar de manter uma continuada e permanente relação de colaboração com as empreiteiras a quem adjudica as construções.
 È manifesto que a R. se socorre para a concretização e realização do seu objecto social dessas empreiteiras, sem cuja actividade, a sua, não existiria.
Aliás, a razão de ser da ficção estabelecida no nº 1 do art 800º - consistente em fazer dos actos do (representante legal) ou do auxiliar, actos do próprio devedor [2]  - e que é a protecção do credor, sente-se claramente na situação sub judice, como bem o assinalou a sentença recorrida, permitindo-nos neste particular transcrever da mesma a seguinte passagem : “ (…) para cumprir a obrigação a que se vinculou pelo contrato promessa socorreu-se a R. do empreiteiro, mas por causa do art 800º/1 os atrasos do empreiteiro ou incumprimento deste para com ela R. não podem ser opostos aos AA. em termos de afastar a responsabilidade da R. pelo incumprimento das suas obrigações. E compreende-se que assim seja, porque não podem os AA. que nenhuma relação negocial têm com a empresa empreiteira, responsabiliza-la directamente,  e por outro lado, pode a R. indemnizar-se dos prejuízos  que venha a ter com o incumprimento dessa empreiteira  e assim a anular os encargos  que advenham da falta de cumprimento  ou do cumprimento tardio com os seus credores. Logo, apesar de ter havido atrasos na construção por parte da empreiteira contratada pela R., atrasos que determinaram que a sua própria prestação não fosse feita atempadamente, a R. continua responsável como se esses atrasos fossem por si praticados”. [3]
Escreve Vaz Serra[4]: “ O devedor que se aproveita de auxiliares no cumprimento, fá-lo a seu risco e deve, portanto, responder pelos factos dos auxiliares que são apenas um instrumento para o seu cumprimento. Com tais auxiliares, alargam-se as possibilidades do devedor, o qual, assim como tira benefícios, deve suportar os prejuízos inerentes à utilização deles”.
A circunstância de na situação dos autos, o auxílio do terceiro se situar a montante da estrita obrigação que o devedor mantém com o credor, não deverá obstar à conclusão da existência desse auxílio, como o decidiu o STJ no seu acórdão de 4/5/2000 [5], justamente a propósito de uma empreitada, referindo que “a obrigação a que esta norma (art 800º CC)  se reporta não é (nem pode ser) apenas o dever principal e estruturante da relação obrigacional: é também todo e qualquer dever acessório que o devedor tem de satisfazer para que, segundo a lisura e boa fé contratuais, seja satisfeito o dever principal e por extensão seja cumprido o negócio acordado”.
Por fim, não pode deixar de se assinalar, até como forma de se transitar para a análise da segunda questão acima colocada, que o próprio entendimento da R. a respeito do clausulado na cláusula 6ª/5 e 6 do contrato promessa, só faz sentido, como melhor se verá de seguida, quando se tenha a empreiteira na situação dos autos como auxiliar da R. no cumprimento da obrigação que esta mantém perante os AA.
Esta segunda questão analisa-se em saber se o referido clausulado – cláusula 6ª/5 e 6 - constituirá, ou implicará, uma cláusula de exclusão da responsabilidade do devedor por actos de auxiliares, que se possa ter como válida em face do disposto no nº 2 do art 800º (acima transcrito).
Dispõe o contrato promessa na sua cláusula 5ª (Resolução do contrato): “Caso a escritura de compra e venda objecto do presente contrato não seja outorgada no prazo previsto neste contrato, terá a promitente compradora a faculdade de interpelar a promitente vendedora, para proceder à marcação da respectiva escritura e, caso tal não seja efectuado no prazo de 180 dias, poderá então resolver este contrato, devendo então a Promitente Vendedora devolver-lhe as quantias recebidas ao abrigo do mesmo, a título de sinal e princípio de pagamento, acrescidas de juros calculados à Taxa Euribor a 6 meses, mais 2 p.p. (dois pontos percentuais), pelo período compreendido entre a(s) data(s) da(s) suas respectivas entregas e data da sua efectiva restituição.
E na sua cláusula  6ª - cujo conteúdo e validade no que respeita aos seus nº 5 e 6 está agora em questão – refere, sob a epígrafe “Incumprimento do contrato”: 5.“O incumprimento definitivo pela promitente vendedora traduzido na não tradição de pleno direito da fracção ora prometida comprar e vender a favor da promitente compradora, confere a esta última o direito de resolver o presente contrato e exigir da promitente vendedora a restituição em dobro de todas as importâncias entregues ao abrigo do mesmo, nomeadamente às a titulo de sinal e sucessivos reforços de sinal”. 6. “Considera-se incumprimento para o efeito do número anterior, a não realização da escritura pública de compra e venda, por causa imputável exclusivamente à promitente vendedora, no prazo de 45 (quarenta e cinco) meses a contar da data da assinatura do presente contrato promessa de compra e venda.(...).
Entende a apelante que tendo resultado consensuado que o incumprimento definitivo por parte dela do contrato promessa só seria passível de se verificar – com o efeito que lhe é próprio, da devolução do sinal em dobro – 45 meses a contar da data da assinatura do contrato promessa, mas, apenas quando, a não realização da escritura pública se tenha ficado a dever a causa que seja exclusivamente a ela imputável, “a contrario”, não existirá, contratualmente, incumprimento definitivo, se a não realização da escritura se ficar a dever a terceiros, no que se incluirão eventuais auxiliares da R.
Apesar da cláusula em referência reger para o incumprimento definitivo do contrato promessa e não propriamente para a mora, a partir do momento em que aquele incumprimento postula esta, poder-se-á dizer, com base no argumento “a fortiori” (no modo “a maiori ad minus”), que se o contrato exclui a responsabilidade da R. por actos dos seus auxiliares para o mais (incumprimento definitivo da contrato promessa), então, também terá de o excluir para o menos (para o mero retardamento da prestação).

Independentemente de outras considerações (e, porventura, objecções) que a cláusula em referência poderia suscitar, no que aos autos respeita, a questão que imediatamente coloca, é a de saber se, admitindo-se através do seu funcionamento, que resulte excluída (toda) a responsabilidade da R. perante os AA. pelos incumprimentos temporários das empreiteiras, se poderá ter tal cláusula como válida à luz do disposto no nº 2 do art 800º.
A doutrina a propósito desta norma não se mostra pacífica.
 Nuno Pinto Oliveira[6] dá conta da existência de três “teses interpretativas” a respeito de tal norma. Escreve o mesmo: “A primeira - de Antunes Varela e de Ribeiro Faria - considera que as cláusulas de exclusão ou de limitação da responsabilidade do devedor por actos de auxiliares ou de representantes legais  em caso de incumprimento imputável a título de dolo ou de culpa grave são em princípio válidas. A segunda - de Ana Prata e de Galvão Teles - considera que tais cláusulas são sempre inválidas por representarem a “violação de deveres impostos por ordem pública (cfr art 800º/2 in fine); a terceira, de Pinto Monteiro, distingue as cláusulas de exclusão ou limitação de responsabilidade do devedor por actos de auxiliares dependentes e as cláusulas de exclusão ou de limitação da responsabilidade do devedor por actos de auxiliares independentes. Inserida no contrato uma cláusula de exclusão ou de limitação da responsabilidade do devedor por actos de auxiliares dependentes, ela seria em princípio válida se afectasse exclusivamente a responsabilidade por culpa leve, e seria sempre inválida se afectasse a responsabilidade por dolo ou culpa grave; inserida no contrato uma cláusula de exclusão ou de limitação da responsabilidade do devedor por actos de auxiliares autónomos ou independentes, ela seria em princípio válida em ambas as situações, quer afectasse a responsabilidade por culpa leve quer afectasse a responsabilidade por culpa grave ou dolo”.

Importa, pois, ter em consideração o que se haja de ter no contexto em causa por responsabilidade por dolo ou por culpa grave. Carneiro da Frada [7] refere que se deve entender por actuação dolosa do auxiliar, a actuação do mesmo quando não haja adoptado deliberada ou intencionalmente a conduta exigível ao devedor; e por actuação com culpa grave, quando não haja adoptado o grau mínimo de cuidado ou de diligência exigível ao devedor.
Com estas noções, aliás muito genéricas, sempre será de concluir que atentos os factos dados como provados e atrás referidos referentes à actuação da empreiteira A&F Lda que o seu incumprimento da empreitada se ficou a dever, no mínimo, a culpa grave.    
Quando se queira compreender a tese atrás referida de Pinto Monteiro, haverá, por outro lado, que distinguir os auxiliares dependentes dos independentes. A este respeito dá Nuno Oliveira notícia [8] que aquele autor, ao que parece, numa primeira fase, distinguia uns e outros daqueles auxiliares, com base em critérios essencialmente económicos: “dir-se-iam dependentes os auxiliares integrados na empresa ou unidade económica do devedor” e independentes os que não se encontram integrados nessa empresa ou unidade económica, sendo “ocasionalmente chamados pelo devedor para cumprir as suas obrigações”; mas, numa segunda fase, combina um critério económico com um critério jurídico, “contrapondo as duas espécies de auxiliares com base na existência ou inexistência de uma relação de comissão: “dir-se-iam dependentes os auxiliares a quem o devedor pudesse dar ordens ou instruções, dir-se-iam independentes os auxiliares a quem o devedor não pudesse dá-las.
Num critério e noutro, com os dados que a matéria de facto nos faculta, ter-se-ia de considerar que qualquer uma das empreiteiras a quem a R. adjudicou a obra de que resultaria a construção da moradia prometida vender aos AA. colaboraria com a  mesma em termos independentes, desde logo em face da inexistência de subordinação jurídica do empreiteiro em relação ao dono da obra.
Sucede que, tal como o conclui Nuno Oliveira na obra referida [9], o entendimento que se nos afigura preferível daqueles três referidos, é o sustentado por Ana Prata. Diz esta autora que a ideia de ordem pública exprime o conjunto dos princípios fundamentais do ordenamento jurídico com valor supra ordenador e básico, cuja salvaguarda tem em vista, não apenas a tutela de interesses privados, mas e prioritariamente, a de interesses colectivos. E sustenta que o conteúdo jurídico do direito do credor ficaria desfigurado (“destruído”) pela cláusula de exclusão da responsabilidade do devedor pelos actos dos seus auxiliares ou representantes legais em caso de dolo ou de culpa grave. Com efeito, naquela definição de ordem pública [10] o respeito pela mesma não parece ser compatível com a inclusão em contratos de cláusulas “capazes de conduzir à degradação do direito de crédito a um direito desprovido de garantia indemnizatória”, como sucederá quando, independentemente do auxiliar se configurar perante o devedor como dele autónomo ou não, tenha incumprido com dolo ou culpa grave o contrato que traduz o auxílio ao devedor, e se admita que este possa validamente clausular perante o credor a exclusão da responsabilidade dos actos daquele, ainda que, como se referiu, hajam sido praticados por dolo ou culpa grave. Se, para efeitos do nº 1 do art 800º os actos dos auxiliares devem ser tidos como actos praticados pelo próprio devedor – na ficção acima já referida – então, excluir a responsabilidade por actos de auxiliares praticados com dolo ou culpa grave, equivalerá a excluir a responsabilidade por actos do devedor praticados por dolo ou culpa grave, o que a ordem pública não pode tolerar.
È, pois, este tribunal do entendimento de que, “eliminando em ampla medida, a eficácia preventiva do direito da responsabilidade civil contratual”, as cláusulas de exclusão (ou de limitação) da responsabilidade por actos dos auxiliares (ou de representantes) em caso de incumprimento imputável a título de dolo ou de culpa grave, devem considerar-se como nulas (art 294º CC).

Assim sendo, haverá que concluir que quando se admita que a cláusula 6ª/5 e 6  do contrato promessa dos autos contém uma cláusula de exclusão da responsabilidade da R. por incumprimentos das empreiteiras a quem a mesma tenha adjudicado a construção do imóvel a vender, tal cláusula de exclusão só se pode ter como válida no que respeita a incumprimentos daquelas que redundem em actos por culpa leve.
 Não estando em causa no incumprimento das empreitadas referidas nos autos – maxime na primeira- actos desta natureza, mas actos praticados, no mínimo, com culpa grave, a R. não pode eximir-se perante os AA. da responsabilidade que em função do disposto no nº 1 do art 800º lhe advém daqueles incumprimentos.
Do que resulta que nada há a alterar no aspecto em referência na decisão recorrida.
Mas mesmo que assim não fosse, e se tivesse, portanto, como válida a exclusão da total responsabilidade da R. pela mora em que incorreram as empreiteiras na execução da obra em função daquela cláusula, nem por isso seria admissível que a R. se tivesse como irresponsável pelos danos que para os AA. sobrevieram da não realização atempada da escritura de compra e venda, na medida em que, crê-se, constituiria abuso de direito invocar perante estes a cláusula em referência para obter tal resultado.
Repare-se que a causa de pedir utilizada na acção não se esgota na mora, mas surge integrada com a “má fé negocial durante toda a contratação e relacionamento prévio à celebração da escritura pública de compra e venda”, como resulta claro da formulação do pedido e de alegações várias ao longo da petição, de que se salientam as contidas nos arts 14º 78º 79º 80º e 112º [11] .

Dispõe o art 762º/2 do CC: “No cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente devem as partes proceder de boa fé.”
A boa fé no cumprimento das obrigações exprime um juízo de valor a respeito de uma atitude ética e não psicológica [12]. Agir com boa fé, como repetidamente tem sido colocado em evidência pela jurisprudência, é agir com diligência, zelo e lealdade, correspondente aos legítimos interesses da contraparte; é ter uma conduta honesta e conscienciosa, uma linha de correcção e probidade a fim de não prejudicar os legítimos interesses da contraparte e não proceder de modo a alcançar resultados opostos aos que uma consciência razoável poderia tolerar [13].
A boa fé no cumprimento das obrigações constitui um imperativo tal para ambas as partes, que um comportamento anti-ético no desenvolvimento das relações contratuais pode acabar por implicar o cumprimento defeituoso da obrigação [14]. Ou  quando se verifique pelo titular do direito um excesso manifesto dos limites que a boa fé implique no concreto relacionamento negocial, pode redundar em abuso de direito (art 334º CC).
O relacionamento entre AA. e R. afigurava-se à partida longo, destinando-se a perdurar por um prazo que poderia alcançar, pelo menos, em condições de saudável cumprimento contratual, os 30 meses.
Sucede que, por vicissitudes várias, em que avulta o incumprimento do primeiro contrato de empreitada, tal relacionamento manteve-se quase  por 5 anos.
 No entanto, se se verificarem as vezes que a R. ao longo deste apreciável período contactou (por escrito) os AA. verifica-se que tais contactos se resumem a três ! (carta de 5/9/02 junta a fls 40, carta de 8/11/04 de fls 47, email de 28/6/05 a fls 50 e  carta de 27/3/06 de fls 71, esta marcando inutilmente dia para a escritura pública). E não se diga que os AA. no relato desse relacionamento que fazem na petição omitiram contactos da R., pois que esta, na contestação, não invocou ou juntou quaisquer outros.
 Assim, verifica-se um primeiro contacto dos AA. pela R., através da referida  carta de 5/9/02, correspondente ao escrito de fls 40; sucede que tal contacto constitui uma resposta (aliás, atrasada) a um contacto prévio dos AA - realizado em Julho de 2002, cfr escrito de fls 39 - a respeito do atraso que nessa altura – quase um ano depois da assinatura do contrato promessa – já a obra evidenciava. O que significa que durante praticamente um ano houve um silêncio absoluto da R. para com os AA, não obstante a R. saber que a obra nesse ano se atrasara relevantemente e que estes não tinham acesso ao local onde as obras decorriam para se aperceberem do seu andamento. E, note-se, que a R não podia desconhecer, o que os AA. lhe lembraram na acima referida carta de 3/7/02: que a entidade financiadora lhes dificultaria as “tranches” de empréstimo de que necessitavam para proceder ao pagamento faseado do sinal em face do não andamento correspondente da obra.
Os AA, ao que parece, só foram autorizados a visitar a obra em 14/9/2004 – quando já se mostrava ultrapassado o prazo para a realização da escritura! - e foi meses  depois dessa 1ª visita que a R os  contactou pela segunda vez - em 13/11/2004 – pelo escrito correspondente a fls 47, tentando tranquiliza-los a respeito das noticias “desagradáveis” publicadas no “Expresso” de .... sobre o Palmela V...., juntando a tal carta um documento da Câmara Municipal de Palmela de que resultam afinal nenhuns esclarecimentos a respeito do previsível andamento da obra.
É no ano de 2005 que se constatam maiores contactos da R. relativamente aos AA.,mas claramente estimulados e pressionados por estes, desagradados há muito com o atraso da obra e com o comportamento de indiferença da R. a respeito do mesmo.
 Os autos revelam trocas de “emails” entre o A. marido e D... (pertencente aos quadros da R) – v g fls 50 - depreendendo-se do teor dos mesmos a existência de relações prévias e cordiais de conhecimento pessoal entre os dois (em face do que ocorre perguntar o que sucederia se tais relações não existissem). Tal como os AA. o evidenciam na petição, este chegou a responder-lhes à concreta questão que aqueles lhe colocaram, “se continuam a pensar entregar a casa até final de Julho?”, situando como data possível para a mudança dos AA  “15-20 Julho de 2005”.  Não obstante não poder desconhecer gerar com tal declaração uma expectativa susceptível de implicar alterações relevantes na vida dos AA, manteve-se o mesmo (isto é, a R.) em silêncio, tendo sido estes quem de novo teve que pedir à R esclarecimentos a respeito daquela referida mudança.
A R. não reagiu mesmo à carta dos AA. de 21/8/2005 em que os mesmos a confrontaram com a possível responsabilidade com os prejuízos que o atraso lhes iria provocar. 
Foi só em Setembro de 2005 que a R. sugeriu aos AA. a entrega da moradia sem a realização da escritura, mas não o fez “gratuitamente”, pois que condicionou tal “traditio” à assinatura de um aditamento ao contrato promessa de que constaria o reconhecimento pelos AA. de que a moradia se “encontra sem qualquer vício ou defeito de construção visível”, bem sabendo que tal não sucedia (vg, relatório de vistoria de fls 62) e que os AA andavam longe de o entenderem como resulta dos escritos de fls 55 e 60.
 Como já se assinalou, a boa fé no cumprimento do contrato implica um dever de agir segundo um comportamento de lealdade e correcção, tendo sempre em vista a concreta realização dos legítimos interesses que as partes pretendem obter com a celebração do contrato.
Ora, será porventura honesto, leal, correcto ou são, manter os AA desinformados a respeito dos reais e sucessivos obstáculos à realização do contrato prometido? Ou, tal como os mesmos conclusivamente se exprimem, “não lhes prestarem os esclarecimentos necessários ao entendimento da mora”? Ou não lhes dar sequer resposta quando os mesmos se queixam de estarem a sofrer prejuízos, numa verdadeira indiferença pelo próprio avolumar destes?
 A R., que se dedica à comercialização de obras para habitação, não pode desconhecer que lida com bens da maior importância na vida das pessoas, relativamente aos quais as mesmas canalizam muito mais do que as suas poupanças, e em que depositam enormes expectativas de mudança para melhor das respectivas vidas. Isto é, a R. não pode desconhecer que lida com bens cuja aquisição interfere intensa e directamente com o património e com as expectativas de bem estar pessoal e social, conforto e até de realização pessoal dos clientes. A desconsideração e o desinteresse por tais bens que o comportamento da R. demonstra - sobretudo na sua primeira fase, quando, como admite na contestação, sabendo já bem, pelo incumprimento da primeira empreiteira, ser impossível vir a cumprir o prazo contratado, não dá disso conhecimento aos AA., com o que poderia obviar a possíveis prejuízos da parte destes – não é compatível com o vir agora eximir-se à responsabilidade por todos os prejuízos com base numa cláusula contratual.
É que a indiferença que a R. demonstra pelos interesses contratuais dos AA. sugere que tal procedimento foi sendo adoptado por a mesma se saber a coberto da cláusula em referência, quer dizer, a R. não terá tido o cuidado de evitar prejuízos de ordem patrimonial e não patrimonial aos AA., mantendo-os transparentemente ao corrente das vicissitudes das empreitadas, porque, em última análise, já preveria vir a  defender-se da alegação desses prejuízos com o acima referido clausulado e a interpretação que dele faz.
E que assim seria, revela-o, afinal, claramente, a R., quando na sua contestação (art 15º) alega: “Porque a R não começou há pouco tempo a sua actividade, teve o cuidado de fazer constar do contrato, expressamente, a possibilidade do prazo acordado de 30 meses para a outorga da escritura pública vir a ser ultrapassado, definindo contratualmente que a consequência de tal facto não seria o incumprimento mas sim uma condição resolutiva especifica – cfr cláusula 5º do contrato promessa de compra e venda; a que se junta o alegado no art 18º da mesma peça processual: “Mais contrataram as partes que apenas seria considerado incumprimento definitivo do contrato promessa de compra e venda a não outorga da escritura de compra e venda no prazo de 45 meses contado da celebração do contrato promessa de compra e venda, desde que a não outorga da escritura de compra e venda decorresse de causa imputável exclusivamente à ora R – cfr clausula 6ª/6 do contrato promessa  de compra e venda.
Ora, não pode deixar de corresponder a um excesso nos limites da boa fé, desconsiderar ostensivamente os interesses da contraparte admitindo que desse desinteresse pudesse advir um avolumar de prejuízos, e no fim, vir invocar que não se pode ser responsável por quaisquer deles em função de cláusula contratual que se “ teve o cuidado” de inserir no contrato, isso “porque se não começou há pouco tempo a actividade”…
 Age com abuso de direito quem reclama prestação que embora porventura esteja de harmonia com a letra da lei ou do contrato, seja contrária ao seu espírito [15].
É a respeito desta modalidade de abuso de direito, que Menezes Cordeiro [16]   refere: “A exceptio doli generalis aplica-se por violação da boa fé; aceitando este pressuposto, a apreciação jurídica é simplesmente esta: a exceptio funciona, de facto, sempre que, do recurso a interpretações tendenciosas da lei, da utilização de particularidades formais das declarações de vontade ou do aproveitamento de incompleções em regras jurídicas se pretendam obter vantagens não conferidas pela ordem jurídica e desde que tais práticas sejam consideradas contrarias à boa fé”.
Donde se conclui, em última análise, que o comportamento da R. ao longo do vigência do contrato promessa foi contrário à boa fé, e que excede os limites desta vir agora excluir a sua responsabilização pelos prejuízos que o retardamento da realização do contrato definitivo causou aos AA, invocando cláusula contratual, cuja interpretação, do seu ponto de vista defensivo, sempre a protegeria de tal responsabilidade. Esta actuação corresponde a abuso de direito, pelo que não podem admitir-se os resultados que a R. pretendia com ela atingir.
Na 1ª instância, apenas se considerou como prejuízo patrimonial a circunstância de tendo os AA. entregue à R. as prestações referentes ao preço da moradia a adquirir nas datas previstas no contrato, se terem estes visto desembolsados desse valor desde 3/4/2004, quando a R., por sua vez, se manteve em mora relativamente à sua prestação, por 18 meses, tendo o Exmo Juiz  a quo  entendido ressarcir esse prejuízo através da taxa de juros civis aplicada sobre aquele capital.
Mas veja-se o que concretamente foi referido na sentença recorrida a respeito desta matéria:  
«Provou-se que os AA pagaram à R todas as prestações acordadas e que deviam ser pagas antes da data prevista para a celebração da escritura num total de € 143.180,91 (ponto 2 dos factos provados). O remanescente do preço – 40% - seria pago aquando da outorga da escritura. O acordado quanto ao pagamento do preço tem subjacente a realização do contrato definitivo na data prevista, o que não veio a ocorrer. À prestação dos AA contrapunha-se a prestação da R, pelo que, esta usufruiu de tais pagamentos para além do tempo previsto para a correspectiva prestação, ou seja apesar das partes terem acordado aqueles pagamentos antes da entrega da coisa, o certo é que essa entrega justificativa do pagamento prévio foi atrasada e esse atraso terá de ser compensado com o rendimento que tal montante poderia ter gerado pelo período de tempo que não se encontra justificado contratualmente – o tempo de duração da mora. Não se vê razão para fazer essa compensação de forma diversa da peticionada – através dos juros que tal quantia podia produzir, à semelhança do que acontece nas obrigações pecuniárias (art 806º CC). Assim, aplicando a taxa de juros legal de 4% desde 4/4/2004 (o dia 3 é o último dia para a realização em prazo da prestação) e durante os mencionados 18 meses, sobre o montante de € 143.180,91, obtemos o valor de € 8.590,85, valor que corresponde ao dano pela indisponibilidade do capital sem a correspectiva prestação».
Insurge-se a R contra este entendimento sustentando a inaplicabilidade da norma do art 806º CC, com base no facto de não estar em mora uma obrigação pecuniária mas uma obrigação de “facere” e entendendo que afastando-se a aplicação do referido art 806º teriam os AA. que ter demonstrado a existência de danos e o nexo causal entre eles e a mora da R., o que, no seu entender, não fizeram.
            Ora, é certo que a obrigação ilicitamente retardada pela R. não é uma obrigação pecuniária, mas uma obrigação “de facere”. Simplesmente, tal obrigação, na relação sinalagmática em que se traduz o contrato promessa em causa nos autos, configura-se como a contrapartida contratual da obrigação de preço em que os AA. ficaram constituídos. E esta obrigação de preço é uma obrigação pecuniária [17] .
Sabemos que o principio geral da interdependência das obrigações sinalagmáticas [18] justifica que se uma dessa obrigações não for cumprida a outra o não seja também (é a suspensão do contrato por inexecução, conhecida por “exceptio non adimpleti contractus”), como justifica a rescisão do contrato pela parte que o cumpriu ou se dispôs a cumpri-lo (rescisão do contrato por inexecução), sendo uma e outra dessas medidas meios de repor o equilíbrio interno do contrato que a mora colocou em risco. Sucede que quando o contraente que não está em falta e que cumpriu já a sua prestação não pretenda a rescisão do contrato (como sucedeu nos autos, pois que os AA., pese embora o muito atraso da R., se mantiveram sempre interessados na sua execução) desde que para ele constitui uma faculdade a de optar entre a rescisão e a execução do contrato, não pode, naturalmente, resultar prejudicado quando opte pela manutenção deste. Nessa situação terá de ser colocado na situação patrimonial que teria se o contrato tivesse sido cumprido. É a chamada indemnização dos danos positivos.   
            Aplicado à situação dos autos, importaria recolocar o património dos AA. na situação em que o mesmo estaria se o contrato tivesse sido cumprido em 3/4/2004, isto é, se até tal data tivesse sido outorgada a escritura pública de compra e venda da moradia, com a correspondente entrega do objecto vendido. Como é evidente, a reconstituição natural dessa situação não é possível. Daí que se imponha a indemnização em dinheiro.
Nem se diga que não há aí prejuízo a ressarcir, pois constitui facto notório – a dispensar a respectiva alegação e prova, art 514º/1 CPC – o de que o dinheiro rende sempre, pelo que quem dele se desapossa procedendo à sua entrega, se vê privado da remuneração do correspondente capital.
 Não se diga igualmente que na situação dos autos não ocorre nexo de causalidade entre o prejuízo acima referido e a mora da R, pois que é bem claro que se a R. não tivesse estado em mora e tivesse outorgado a escritura de compra e venda atempadamente, cumprindo-se então o contrato promessa, já não se verificaria que os AA. tivessem ficado sem a disponibilidade do capital que àquela entregaram sem a correspondência contratual da entrega do imóvel, não havendo necessidade de reequilibrar o contrato compensando-os do rendimento que perderam pelo período da mora da R.
È que é indiscutível que a privação temporária de uma quantidade de coisas fungíveis denominada capital gera no património privado o prejuízo correspondente ao valor dos respectivos juros, sendo que a causa destes necessariamente se encontra no acto (ilícito) de quem gerou a privação temporária desse capital.
Quer dizer, a existência na situação dos autos de prejuízo e de nexo causal é tão evidente como o é na mora nas obrigações pecuniárias.
Note-se, de todo o modo, que na sentença recorrida não se aplicou o disposto no art 806º CC, pois o que nela se diz é que “não se via razão” para se compensarem os AA “de forma diversa da peticionada” – através dos juros que a quantia por eles entregue à R até 3/4/04 podia produzir, “à semelhança do que acontece nas obrigações pecuniárias”. Ora a aplicação à situação dos autos da “tarifa indemnizatória” que decorre desse dispositivo, faz todo o sentido, pois como acima se referiu, o que está em causa ressarcir é o rendimento perdido em função do cumprimento sem correspectivo de uma obrigação pecuniária.
 Questionar a ressarcibilidade do dano moral correspondente à instabilidade vivida pelos AA e respectivo agregado familiar durante o período temporal significativo de 18 meses, fazendo equivaler tal dano a simples incómodos ou contrariedades não tuteláveis pelo direito e considerando estas como “inerentes à própria compra de uma moradia quando a mesma ainda se encontra apenas em planta”, é atitude pouco responsável da R. que, como acima se referiu, devia ter sempre presente que na sua actuação lida com bens da máxima importância para o património e bem estar dos seus clientes. A R. parece fazer corresponder as queixas dos AA a um excesso da sua sensibilidade, postulando que ninguém normalmente sensato “acreditaria” à partida no cumprimento de prazos na aquisição de imóvel cuja construção se iniciasse em planta, como se fosse obrigatória a larga ultrapassagem de (todos) os prazos (mesmo o mais cauteloso previsto na acima referida cláusula 6ª/5) por estar em causa uma empreitada. Ora esse é entendimento que não se pretende encorajar, sob pena de se ratificar a irresponsabilidade dos vários agentes económicos intervenientes na actividade da construção civil. Acresce que os danos não patrimoniais em referência, sempre mereceriam a tutela da respectiva ressarcibilidade, não apenas em função do atraso culposo na realização da escritura, mas também em função do denunciado desinteresse da R. pelos interesses dos AA. ao não os manter devida e seriamente informados a respeito das reais vicissitudes ocorridas no andamento da obra, como se viu acima ter ocorrido.
Conclui-se, pois, ser impensável retirar a compensação que a 1ª instância encontrou para os danos em referência, que, a pecar, só pode ser pela sua exiguidade.
Por fim, resta saber se assiste razão à R. quando pretende que a sentença deveria condenar em juros apenas a contar da data do respectivo trânsito, ao invés de o ter feito relativamente à data da citação, fazendo-o indiferentemente quer para o assinalado dano patrimonial quer para o assinalado dano não patrimonial.
            Ora a obrigação de indemnizar é uma dívida de valor - quer dizer, uma dívida cujo objecto não é directamente uma soma de dinheiro, mas uma prestação de outra natureza, intervindo o dinheiro como meio de liquidação. Sendo uma dívida subtraída ao princípio nominalista do art 550º CC, está no entanto sujeita à actualização prevista no art 551º do CC.
No complexo e não inteiramente pacífico acórdão de fixação de jurisprudência nº 4/2002 de 9/5/02, in DR I Série- A de 27/6/02, ficou doutrinado que os juros de mora, relativos a quantia fixada a título de indemnização, por danos patrimoniais, ou não patrimoniais,  por facto ilícito, ou pelo risco, serão devidos, em qualquer caso, a partir da decisão, desde que o seu montante tenha sido actualizado no momento da respectiva fixação.
Ora, relativamente à fixação das indemnizações na sentença recorrida, só houve actualização, decorrente da forma necessariamente actualizada da respectiva fixação, para o dano de carácter não patrimonial.
Assim, no respeito pelo critério regra enunciado no referido Acórdão do STJ,  segundo o qual, “a aplicação simultânea do nº 2 do art 566º e do art 805º/3 conduziria a uma duplicação de benefícios resultantes do decurso do tempo, pelo que o nº 3 do art 805º cederá quando a indemnização for fixada em valor determinado por critérios contemporâneos da decisão”, o quantitativo indemnizatório atribuído aos AA em virtude do aludido dano de carácter não patrimonial, de 1.500 €, vencerá juros de mora, por efeito do disposto no art 805º/3 (interpretado restritivamente) e 806º/1 CC, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação, o que significa que os juros sobre tal quantia correrão desde a data da prolação da sentença em 1ª instância.
Já o quantitativo encontrado para o dano de carácter patrimonial vence juros desde a citação da R. para a acção.
Assim, a apelação apenas procederá relativamente ao vencimento de juros no tocante à indemnização encontrada para os danos de carácter não patrimonial que será devida desde a data da sentença da 1ª instância.
V – Pelo exposto, acorda este tribunal em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando correlativamente a sentença recorrida, determinando que a quantia de € 1500 vença juros desde a data da prolação da sentença da 1ª instância, confirmando no demais a sentença recorrida.
   Custas pela apelante e pelos apelados na proporção do decaimento.
Lisboa, 14 de Janeiro de 2010                                                                                                            Maria Teresa Albuquerque
Isabel Canadas
José Maria Sousa Pinto
                                                                                                                 


[1] “ Das Obrigações em Geral”, 7ª ed, II, p. 312
[2]- Carneiro da Frada “Contrato e Deveres de Protecção” separata do vol XXXVIII do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, 1994, p 301, refere que “em termos inteiramente rigorosos, o cumprimento não é, em caso algum, imputável ao auxiliar ou ao representante, nem a titulo de dolo, nem a titulo de negligência. A obrigação em cujo cumprimento o auxiliar é utilizado não vincula outrém senão o devedor. Sucede que para maior protecção do credor, o nº 1 do art 800º ficciona que os actos do auxiliar (ou do representante) são actos do próprio devedor.

[3] Não ter a promitente vendedora como responsável perante o promitente comprador pelos atrasos no cumprimento, ou pelo cumprimento defeituoso que ocorra por parte da construtora do imóvel, seria solução inconciliável com os desideratos do DL 267/94 de 25/10, ao dar nova redacção ao nº 3 do art 916º CC- ampliando para 5 anos o prazo de denúncia de defeito do imóvel na compra e venda – e nova redacção ao art 1225º CC, maxime através do nº 4 que lhe introduziu - permitindo que o terceiro adquirente tenha legitimidade  para pedir a eliminação dos defeitos, ou a indemnização pelos prejuízos causados, em relação ao vendedor que tenha sido simultaneamente construtor, ou contra o empreiteiro. Diz se no preâmbulo do DL em causa: “Na realidade trata-se de processo complexo no qual, relativamente a todos os intervenientes o cidadão adquirente assume, economicamente, uma posição mais desprotegida. E, numa perspectiva de bem estar social aquele tem o direito a exigir  o reconhecimento da qualidade do bem que compra, assim como, em situações adversas, a responsabilização dos vários agentes intervenientes no sector em causa  (…). Acresce que a complexidade do contrato de empreitada, sempre subjacente ao desenvolvimento do mercado imobiliário e a negligência verificada em inúmeros casos de construção, exigem a responsabilização do empreiteiro, tenha ou não sido ele o vendedor, não só perante o dono da obra, como já sucedia anteriormente, mas também o terceiro que adquiriu o imóvel, sempre sem dependência da gravidade dos defeitos que a obra apresente”.

[4] “Responsabilidade do devedor pelos factos dos auxiliares, dos representante legais ou dos substitutos”,  nº 2, B. nº 72
[5] Acórdão relatado pelo Cons. Noronha do Nascimento, cujo sumário, acessível em www dgsi pt, é o seguinte: “I- O devedor é responsável pelos actos dos auxiliares que utiliza no cumprimento da sua obrigação: tal é a doutrina do art 800º CC que neste ponto consagra uma autêntica responsabilização objectiva do devedor. 2-A obrigação a que esta norma se reporta não é (nem pode ser) apenas o dever principal e estruturante da relação obrigacional: é também todo e qualquer dever acessório que o devedor tem de satisfazer para que, segundo a lisura e boa fé contratuais, seja satisfeito o dever principal e por extensão seja cumprido o negócio acordado. III- Aliás, nem faria sentido englobar na responsabilização objectiva do devedor o comportamento negligente do auxiliar utilizado para o mais (as obrigações genéticas do contrato) e exonerar dela a utilização do auxiliar para o menos, onde forçosamente ele será, naturalmente, mais utilizado”.

[6] Cfr “Cláusulas Acessórias ao Contrato – Cláusula de Exclusão e de Limitação de Dever de Indemnizar, Cláusulas Penais”, 2º ed, p 40
[7]- Obra citada
[8] Obra citada, p 44
 [9]“ Maxime”,  p 53
[10]Ou na definição de Mota Pinto, para o efeito mais esclarecedora - “princípios fundamentais, subjacentes ao sistema jurídico que o Estado e a sociedade estão particularmente interessados em que prevaleça e que têm uma acuidade tão forte que devem prevalecer sobre as convenções privadas”.
[11] No art 14º refere-se que (o interesse dos AA no contrato manteve-se) não obstante todo o comportamento da R. que durante todo o tempo da relação negocial com os AA. foi do ponto de vista contratual e de relacionamento, incorrecto e enganador para com estes”.
 No art 78º alega-se que “com  a sua conduta violou  (a R) o princípio da boa fé contratual não prestando aos AA os esclarecimentos necessários ao entendimento da mora”.
No art 79º que “a R. garantiu aos AA que os prazos iam ser cumpridos quando tal já não se mostrava manifestamente possível”.
No art 80º que “Não obstante os vários avisos dos AA para os avultados prejuízos em que incorriam face à mora da R. que se vinha verificando no cumprimento da promessa e nos sucessivos adiamentos na entrega da moradia, a R nada fez, nem nenhuma proposta apresentou para obviar a tais prejuízos“.
No art 114º refere-se a ”forma extremamente enganosa que a R usou ao longo de todo o tempo que levou até à celebração da escritura”.

[12] Neste sentido, entre outros, Pessoa Jorge, “Direito das Obrigações”, ed AAFDL, 1981,p 256
[13] Cfr por todos o Ac STJ 10/12/91 B 412º-609
[14]  Cfr Ac STJ 15/12/96 in CJ/STJ 3º-51.
[15] Cfr Pessoa Jorge, “Direito das Obrigações”, ed AAFDL, 1981, 276
[16] “Direito Civil Português”, Parte Geral, Tomo IV, 2005 p 271-272
[17] Obrigações pecuniárias são as que tendo por objecto uma prestação em dinheiro visam proporcionar ao credor o valor que as respectivas espécies possuam como tais – Antunes Varela, “Direito das Obrigações, I, 845.

[18] Princípio que Galvão Telles (“Direito das Obrigações”, ed AAFDL, 1981,  p 451) refere como latente no Código Civil