Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | SOUSA PINTO | ||
| Descritores: | NULIDADE PROCESSUAL AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO ADIAMENTO FALTA DE ADVOGADO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/22/2009 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA A DECISÃO | ||
| Sumário: | I - O adiamento da audiência de julgamento com fundamento na falta de advogado, nas situações em que tenha havido acordo na marcação do dia e hora daquele, ou o advogado faltoso comunica atempadamente ao tribunal a impossibilidade de comparecer e a audiência é adiada, ou não o comunica e não é adiada; II - Havendo tal comunicação, a lei não exige (vide art.º 651º, nº 1, al. d), por remissão para a comunicação prevista no artº 155º, nº 5) a apresentação das razões justificativas da falta; III - Ao ter-se determinado a realização do julgamento sem a presença da advogada - pese embora a mesma tivesse comunicado antecipadamente a sua ausência e pedido o adiamento daquele – praticou-se acto que a lei não admite, sendo certo que o mesmo é susceptível de influir objectivamente no exame e decisão da causa; IV – Tal implicará a anulação da audiência de discussão e julgamento, bem como os demais termos subsequentes do processo, atento o disposto no art.º 201.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. (Sumário do Relator) | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam neste Tribunal da Relação de Lisboa, I – RELATÓRIO B..., C... e D..., intentaram acção especial de prestação de contas contra E..., pedindo a condenação desta a apresentar as contas da administração dos bens da herança aberta por óbito de F.... Para fundamentarem tal pedido alegaram, em síntese: - são contitulares da herança aberta por óbito de F..., falecido em 24/12/1987, por terem sucedido a sua mãe, G..., falecida a 25/04/1998, a qual era filha do inventariado - a Ré é filha do inventariado, tendo assumido o cabeçalato naquela herança por óbito da anterior cabeça de casal G...; - a herança integra bens imóveis, sitos no concelho de Armamar, os quais se encontram por partilhar; - a Ré não prestou contas da administração dos bens da herança. Regularmente citada a Ré apresentou contestação nos termos constantes de fls. 26-27, tendo apresentado as contas da administração dos bens da herança, as quais apresentam um saldo negativo de € 14.963,95, concluindo pelo pedido de autorização de recebimento do saldo pelos fundos da herança. Os Autores apresentaram contestação às contas da administração nos termos constantes de fls. 238-246, no qual impugnaram o valor da maioria das despesas apresentadas, assim como, o valor da receita. Foi proferido despacho saneador e organizados os factos assentes e a base instrutória sendo que estes foram objecto de reclamação por parte dos AA. (no sentido de verem ser aditados alguns factos à base instrutória), a qual veio a ser indeferida (por despacho de fls. 292). Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, sem a presença do mandatário dos AA., sendo que o pedido de adiamento da mesma que aquele apresentara foi indeferido. Foi dada resposta à matéria de facto quesitada, a qual não sofreu qualquer reclamação. Proferiu-se sentença onde, na parte dispositiva, se veio a decidir: “Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo as contas da administração efectuada pelo cabeça de casal E... da herança aberta por óbito de F... referente ao período compreendido entre 1998 e 2002 prestadas na forma acima exposta, apresentando um saldo negativo acumulado de € 3.782,15.” Inconformados com tal decisão vieram os AA. recorrer da mesma, tendo apresentado as suas alegações, nas quais verteram as seguintes conclusões: I - Ao contrário daquilo que consta no relatório da aliás douta sentença recorrida, foi apresentada pelos aqui Recorrentes reclamação contra a Organização dos Factos Assentes e da Base Instrutória (cfr. a fls. 280-281), a qual foi indeferida. lI - 0 despacho de condensação violou o disposto no art. 511.°, n.° 1 do Cód. de Proc. Civil, motivo pelo qual se vem impugnar o mesmo, nos termos do disposto no art. 511.°, n.° 3 do Cód. de Proc. Civil. III - 0 que está em causa nos autos são, única e exclusivamente, as receitas geradas e as despesas suportadas em consequência da administração daquela herança pela cabeça-de-casal, aqui Recorrida. IV - A Ré apresentante das contas tem não só o ónus da prova da realização das despesas mas também que as realizou no exercício da administração da herança. - cfr. a titulo de exemplo os Ac. do STJ de 20 de Dezembro de 1992 e de 21 de Outubro de 2003 in www.dgsi.pt. V - Deveria ter sido levada à Base Instrutória a matéria constante do art. 13° da sua contestação às contas apresentadas, onde se alegou que "não é exercida qualquer actividade de exploração agrícola ou qualquer outra nos prédios que integram a herança em causa nos autos”. VI - Este facto é relevante para a decisão da matéria da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, atendendo a que, ainda que se demonstrasse que a Ré realizou as despesas a que se reportam os documentos dos autos, tornava-se necessário apurar em que consiste a actividade de administração da herança, e designadamente se nos prédios da herança era exercida alguma actividade que justificasse a realização de despesas com almoços, jantares, pinturas ou limpezas, despesas estas que constituem a maioria das despesas apresentadas. VII - Por outro lado, os Autores alegaram nos arts. 45° a 47° da contestação às contas apresentadas que existe uma receita não incluída nas contas, correspondente à venda de um pomar de macieiras, facto que por ser relevante para a decisão da matéria da causa, segundo as varias soluções plausíveis da questão de direito, deveria ter sido levado à Base Instrutória, para apuramento da verdadeiro montante das receitas da herança. VIII - Ao indeferir a reclamação dos Autores de fls. 280-281, o aliás douto despacho de fls..violou por errada interpretação e aplicação o disposto nos arts. 2090.° a 2093.° do Cód. Civil e o art. 511.°, n.° 1 do Cód. de Proc. Civil. IX - Existe erro na apreciação da prova documental e testemunhal, porquanto os documentos por si só não revelam qualquer nexo de causalidade com a administração da herança e por outro lado nenhuma testemunha teve um depoimento credível que permita concluir que conhece os factos. X - Assim que tomou conhecimento do teor das declarações feitas pela testemunha H..., a Autora B... apresentou contra aquela uma participação pela prática dos crimes de difamação, injúrias e ofensa à memória de pessoa falecida, dada a falsidade das declarações que proferiu sob juramento. XI - A testemunha H..., cujo depoimento foi o único considerado relevante pelo Tribunal a quo para efeitos de fundamentação das respostas à matéria de facto, e que se encontra, por referência ao assinalado na acta, na cassete 1, lado A de rotações 0380 a 1199 e de rotações 2247 a 0143 lado B, depôs de modo vago e inconsistente. XII - A testemunha H... apenas foi confrontada com os documentos na sua globalidade, não lhe tendo sido perguntado nem tendo respondido relativamente a cada uma despesa ou relativamente sequer a grupos de despesas. XIII - A testemunha H... pronunciou-se sobre os documentos sem os examinar e muito provavelmente sem sequer os conhecer, afirmando que "sabia" serem documentos verdadeiros por terem sido apresentados pela sua própria Mãe, aqui Recorrida, pelo que também por isto não merece o seu depoimento qualquer credibilidade. XIV - Face ao exposto, as respostas da testemunha H... não podem fundamentar as respostas positivas aos quesitos 3.º a 7.°. XV - Por ter existido erro na apreciação da prova, deve a mesma ser reapreciada, alterando-se as respostas dadas aos quesitos 3.° a 7.°, os quais devem ser dados como não provados. XVI - Existiu erro na valoração dos documentos de fls. 31 a 220, porquanto não resulta da sua análise a existência de nexo de causalidade com a causa, tendo em atenção que o que está em causa nos autos e a realização de despesas com a administração da herança. XVII - Cabia à Ré o ónus de provar que as despesas foram realizadas em consequência da administração da herança. Tal prova não foi feita nem se pode entender que resulta dos documentos, porquanto não há nexo de causalidade com a herança. XVIII - 0 cabeça-de-casal apenas pode realizar despesas por conta da herança quando esta tenha receitas, ou seja, quando há um saldo positivo. Não havendo receitas, a administração da herança não equivale à realização de despesas. A única verba de despesas aceitável é, por conseguinte, aquela relativa ao seguro de incêndio referente aos prédios, por se tratar de uma despesa necessária. XIX - Apenas podem ser consideradas como despesas da herança aquelas inerentes à administração da herança, despesas de amanho e conservação, contribuições, obras indispensáveis, dívidas do autor da herança que se pagaram com urgência, defesa dos bens da herança contra terceiros e demais obrigações próprias duma administração prudente. (...) Mas naquilo que exceda essa prudência, designadamente em negócios arriscados ou benfeitorias voluptuárias, no pagamento de dívidas não aprovadas ou litigiosas, cessa a obrigação da herança custear tais despesas que se reputam da exclusiva responsabilidade de quem as efectuou. XX - Também as quantias dispendidas, sem o acordo dos herdeiros, não podem ser consideradas no passivo das contas. (...). As despesas desnecessárias não são de conta da herança, compreendendo-se naquela designação não só as supérfluas (v.g. benfeitorias voluptuárias - Cod. Civil, art. 216°, n.º 3), como também as não indispensáveis à conservação dos bens, posto lhes aumentem o valor (benfeitorias úteis - idem, n.° 3) e ainda as que a administração dispensava ou podiam e deviam efectuar-se mais economicamente. XXI - São coisas diversas provar que pagou e provar a necessidade da despesa. XXII - Uma vez que a Ré não demonstrou que as despesas alegadamente realizadas eram necessárias à administração da herança ou que se destinaram a conservação dos bens, as mesmas não podem ser atendidas. XXIII - A douta decisão recorrida errou na apreciação da prova, ao dar como provados os quesitos 3.º a 7.°, quando deveria ter dado os mesmos por não provados, atendendo à falsidade de depoimento da testemunha H... e à circunstância de a grande maioria dos documentos juntos aos autos pela Recorrida não revelarem qualquer nexo com a herança. XXIV - Ao dar como provada a matéria constante dos quesitos 3.° a 7.°, a aliás douta decisão recorrida violou, por inadequada interpretação e aplicação, o disposto no art. 516.° do Cod. de Proc. Civil. XXV - Ao julgar prestadas as contas pela Ré, considerando as despesas apresentadas por esta, a aliás douta sentença recorrida violou o disposto nos arts. 2090.°, 2092.° e 2093.º do Cod. Civil. Termos em que, Deve ser dado provimento ao presente recurso, e em consequência, ao abrigo do disposto no art. 511.°, n.° 3 do Cod. de Proc. Civil, ser anulada a aliás douta sentença recorrida, proferindo-se douto Acórdão que ordene a baixa do processo ao Tribunal a quo, para que sejam aditados à Base Instrutória quatro novos artigos, dos quais constem os factos alegados nos arts. 13°, 45°, 46.° e 47º da contestação às contas apresentadas, seguindo-se depois os demais termos da lei até final; se assim não for entendido, deverá ser reapreciada a prova gravada e a prova documental, alterando-se as respostas dadas aos quesitos 3.° a 7.º, os quais deverão ser considerados não provados; ainda que assim não seja, sempre deverá ser proferido douto Acórdão que julgue as contas prestadas apenas no que se refere às receitas alegadas, não considerando as despesas, com o que se fará a costumada JUSTIÇA! A Ré apresentou contra-alegações, nas quais defendeu a bondade da decisão recorrida e o infundado do recurso. Os AA. entretanto arguíram a nulidade do já indicado indeferimento do adiamento da audiência (fls. 400-403) e, posteriormente, a nulidade do despacho em que se deu a resposta à matéria de facto quesitada, com fundamento na circunstância de tais respostas terem sido dadas antes do termo do prazo concedido aos AA. para se pronunciarem sobre um doc. apresentado em audiência de julgamento (fls. 410-411). Por despacho constante de fls. 509, julgaram-se improcedentes as indicadas nulidades. Inconformados com tal despacho vieram os AA. recorrer do mesmo, tendo apresentado as suas alegações, donde constam as seguintes conclusões: I – O presente recurso tem, assim, como fundamento, a não declaração de nulidade de dois despachos ilegais: aquele que indeferiu o adiamento da audiência por falta da mandatária da Agravante e aqueloutro que contém as respostas à matéria de facto. II - Três dias antes da data designada para a primeira marcação da audiência de discussão e julgamento, a mandatária dos Autores comunicou ao tribunal que se encontrava impossibilitada de comparecer na data e hora designadas, requerendo o seu adiamento. III – Por despacho proferido apenas já depois de aberta a audiência de discussão e julgamento foi indeferido ao requerido adiamento, “por a falta do mandatário não constituir fundamento de adiamento”. IV – O aliás douto despacho em causa enferma de nulidade, por total falta de fundamentação. V - Face à lei vigente e aplicável em 27 de Maio de 2004 a audiência final era adiável quando se tratasse da primeira marcação e faltasse algum advogado que tivesse comunicado a sua impossibilidade de comparência nos termos do n.º 5 do art. 155º do Cód. de Proc. Civil. VI - A realização da audiência na ausência de um dos advogados, que comunicara com antecedência a sua impossibilidade de comparência, constitui uma nulidade susceptível de influir no exame e decisão da causa, o que determina a repetição da audiência final. (art. 201º, n.º 1 do Cód. de Proc. Civil). VII - O preâmbulo do Decreto-Lei nº 183/2000, de 10/8 é perfeitamente explícito sobre esta matéria, no segmento em que se consigna: «... No que concerne aos mandatários judiciais... só existirá adiamento da audiência por falta de advogado se... ou se, tendo havido tentativa de marcação da audiência por acordo, o advogado comunicar atempadamente a sua impossibilidade de comparecer». VIII - Não se exige no art. 155º, n.º 5 do Cód. de Proc. Civil que o advogado justifique a falta que vai dar, mas que comunique atempadamente a sua impossibilidade de comparecer. É o que resulta do teor do dispositivo legal e ressumbra do dito preâmbulo onde se alude a «...comunicar atempadamente a sua impossibilidade de comparecer» e a «...se, tendo havido acordo na marcação, o faltoso não tiver cumprido o dever de comunicar atempadamente a falta ao tribunal.» IX - A falta de advogado a um acto judicial não carece de ser justificada já que o advogado não está propriamente obrigado, em todos os casos, a "justificar" a sua falta, mas tão somente a comunicar ao tribunal que não pode comparecer na data designada, de modo a que os restantes intervenientes processuais possam ser ainda desconvocados. X - O regime legal é este: tendo havido acordo na marcação do dia e hora do julgamento, ou o advogado faltoso comunica atempadamente ao tribunal a impossibilidade de comparecer e a audiência é adiada, ou não comunica e não é adiada. XI - Como no caso vertente houve a referida comunicação, cumprindo-se todas as exigências do artº 651º, nº 1, al. d) (por remissão para a comunicação prevista no artº 155º, nº 5) não havia motivo para não adiar a audiência de discussão e julgamento, nem era caso de aquilatar da justificação ou não da falta da Advogada dos Autores. XII – Assim, a aliás douta decisão de indeferimento e de improcedência da invocada nulidade violou, por inadequada interpretação e aplicação, o disposto nos arts. 651º e 201º, ambos do Cód. de Proc. Civil. XIII – Dizendo a lei, clara e expressamente, que é ilícito decidir de questões de direito ou de facto sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem, torna-se despiciendo saber se o documento junto em audiência pela Ré e notificado aos Autores relevou ou não para a decisão da causa, atendendo a que a lei diz ser ilícita a inobservância daquele dispositivo, sendo certo que a decisão ora em causa foi proferida antes de esgotado o prazo para impugnação do documento. XIV – A aliás douta decisão de indeferimento e de improcedência da invocada nulidade violou, por inadequada interpretação e aplicação, o disposto nos arts. 3º e 201º, ambos do Cód. de Proc. Civil. Termos em que devem ser anuladas as doutas decisões recorridas, ordenando-se a baixa do processo para realização de nova audiência de discussão e julgamento. A Ré, também quanto a este recurso, apresentou contra-alegações onde sustentou que o mesmo deveria improceder, por não assistir qualquer razão aos agravantes. II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DOS RECURSOS Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir as questões suscitadas pelos recorrentes, sendo certo que o objecto dos recursos se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artgs. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 690.º, n.º 1, todos do CPC. No caso, há assim que apreciar um agravo e uma apelação. Desta forma no que concerne ao AGRAVO, são as seguintes as questões que se colocam: 1- Da nulidade do despacho que indeferiu o adiamento da audiência de discussão e julgamento. 2- Da nulidade do despacho que apreciou a matéria de facto, sem que tivesse decorrido o prazo para que os AA. se tivessem pronunciado sobre documento apresentado. Quanto à APELAÇÃO, são as seguintes as questões suscitadas: 1- Ampliação da matéria de facto – consagração na base instrutória dos factos constantes dos artgs. 13.º, 45.º, 46.º e 47.º, da contestação às contas apresentadas pela Ré. 2- Modificação da matéria de facto – alteração das respostas dadas aos quesitos 3.º a 7.º. 3- Erro de julgamento – Falta de nexo causal entre as despesas apresentadas e a sua relação com a administração da herança. III – FUNDAMENTOS 1. De facto São os seguintes os factos que a sentença deu como provados: 1. A herança aberta por óbito de F... teve uma receita no ano de 2001 no montante de €10.375,00 (resposta aos quesitos 1.º e 2.º). 2. A herança aberta por óbito de F... teve despesas no ano de 1998 no montante de € 4.172,59 (resposta ao quesito 3.º). 3. A herança aberta por óbito de F... teve despesas no ano de 1999 no montante de € 3.620,40 (resposta ao quesito 4.º). 4. A herança aberta por óbito de F... teve despesas no ano de 2000 no montante de € 3.180,97 (resposta ao quesito 5.º). 5. A herança aberta por óbito de F... teve despesas no ano de 2001 no montante de € 1.223,06 (resposta ao quesito 6.º). 6. A herança aberta por óbito de F... teve despesas no ano de 2002 no montante de € 1.960,13 (resposta ao quesito 7.º). Atento o disposto no artigo 659.º n.º 3 do Código Processo Civil, por acordo e por documentos juntos aos autos principais, têm-se ainda como provados os seguintes factos: 7. Os Autores B..., C... e D.... são interessados no processo de inventário judicial para partilha da herança aberta por óbito de F...., falecido em 24/12/1987, por terem sucedido a sua mãe, G...., falecida a 25/04/1998, a qual era filha do inventariado. 8. A Ré E... é filha do inventariado, tendo assumido o cabeçalato naquela herança por óbito da anterior cabeça de casal G. 9. A herança integra, além do mais, bens imóveis, sitos no concelho de Armamar. 10. Em 30/12/1997, a Ré E... efectuou o depósito no montante de 1.304.700$00 na conta n.º .... titulada por G..., sediada na agência de ... da "Caixa..., S.A." para liquidação do empréstimo n.º ..., contraído por G..., na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de F.... 11. No âmbito do processo de inventário judicial que corre termos no ... Juízo, ... Secção dos Tribunais Cíveis de Lisboa, sob o n.º ..., a quantia de 1.304.700$00 foi relacionada como passivo da herança. 2. De direito Apreciemos agora as questões suscitadas pelos recorrentes, sendo certo que dando cumprimento ao disposto no art.º 710.º do Código de Processo Civil se começará pela apreciação do AGRAVO. 1. Da nulidade do despacho que indeferiu o adiamento da audiência de discussão e julgamento. Sustentam os agravantes que a decisão do Meritíssimo Juiz ao não ter deferido a pretensão pelos mesmos formulada no requerimento que apresentaram em que comunicavam a impossibilidade do seu advogado comparecer na audiência de julgamento, é ilegal, por violar o disposto nos artgs. 651.º, n.º1, al. c), com referência ao art.º 155.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, implicando a nulidade. Vejamos a matéria factual provada que se mostra relevante para a apreciação desta questão: a)- Na sequência da audição das partes e em cumprimento do disposto no art.º 155.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, em 12/03/2004 o Meritíssimo Juiz do processo designou o dia de 20/04/2004, pelas 14,30h para a realização do julgamento (fls. 294 e 298); b)- Por despacho de 01/04/2004, o Meritíssimo Juiz do processo proferiu o seguinte despacho: “Por motivos pessoais que impedem a comparência na data designada para julgamento, dou a mesma sem efeito. Notifique e desconvoque. A fim de designar nova data, contacte os mandatários das partes nos termos do art.º 155.º, 1, do Código de Processo Civil, indicando as seguintes datas: 20/05/2004, às 14,30h; 27/05/2004, às 14,30h; e 03/06/2004, às 14,30h” (fls. 336). c)- Na sequência da audição das partes, em 02/04/2004 o Meritíssimo Juiz do processo designou o dia de 27/05/2004, pelas 14,30h para a realização do julgamento (fls. 337). d)- No dia 24/05/2004, a mandatária dos AA., apresentou requerimento do seguinte teor: “I..., mandatária constituída dos Autores (…), nos autos acima indicados em que é Ré (…), vem nos termos do disposto no n.º 5, do art.º 155.º do Código de Processo Civil comunicar que se encontra impedida de comparecer na data designada para julgamento, isto é, no dia 27 de Maio de 2004. Requer, pois, o adiamento da audiência e a marcação de nova data. (…).”(fls. 364). e)- Tendo sido aberta conclusão ao Meritíssimo Juiz, em 26/05/2004, o mesmo, nessa mesma data, proferiu o seguinte despacho: “Aguardem os autos a data designada para julgamento.” (fls. 365). f)- No início da audiência de julgamento de dia 27/05/2004, tendo-se verificado que não se encontrava presente a mandatária dos AA., foi proferido o seguinte despacho: “Requerimento de fls. 364, vistos os autos, a falta de mandatário judicial não constitui fundamento de adiamento. Tão pouco, a mandatária dos Autores esclareceu o motivo do impedimento. Termos em que indefiro o requerido. (…).” (fls. 369 e 370). g)- Os AA. vieram através de requerimento apresentado em 14/06/2004, arguir a nulidade derivada do facto de se ter realizado a audiência de julgamento sem a presença de advogado, que teria comunicado a sua impossibilidade de presença e tinha requerido o adiamento da mesma, como melhor consta de fls. 400-403. h)- A Ré pronunciou-se sobre tal requerimento, através da peça de fls. 427, onde defendeu a bondade da decisão. i)- Por despacho de fls. decidiu-se o invocado incidente de nulidade, o qual reza assim: “Incidente de nulidade de fls. 400/403: Compulsados os autos, não se vislumbra que a autora tenha razão quanto à invocada nulidade. Com efeito, o requerimento de fls. 364 não aponta nenhuma razão que justifique o impedimento da mandatária da autora. Assim, tal requerimento não dá cumprimento ao disposto no art.º 155.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, que impõe a alegação dos factos impeditivos por forma a preencher o conceito de imprevisibilidade e a natureza inadiável do facto. Pelo exposto, considera-se improcedente a invocada nulidade. Custas pela autora. Notifique. (…).” Apreciemos então esta questão. Nos termos do disposto no art.º 201.º, n.º 1, do Código de Processo Civil “… a prática de um acto que a lei não admita, … só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.” Por seu turno o n.º 2 do mesmo dispositivo legal, refere que “quando um acto tenha de ser anulado, anular-se-ão também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente. … .” Entendemos que no caso se regista a invocada nulidade. Seguiremos de perto na exposição que segue o teor do douto acórdão do S.T.J. de 08/07/2003, em que foi relator o Senhor Juiz Conselheiro Dr. Faria Antunes Disponível em www.dgsi.pt , dado que a situação nele descrita é muito semelhante à aqui vivenciada: “No caso sub judice a data e hora do julgamento foram marcadas por acordo entre os mandatários judiciais das partes, conforme o determinado pelo artº 155ºº, nº 1 do CPC. Na véspera do dia aprazado (no caso dos nossos autos, tal aconteceu três dias antes) para a realização da audiência de discussão e julgamento, foi remetido um fax ao tribunal dando conta de que por imponderáveis e inadiáveis motivos de ordem pessoal, o mandatário do autor não poderia estar presente naquela audiência, obrigando assim ao adiamento da mesma. A Mmª Juíza Presidente, porém, não determinou o adiamento da audiência com o fundamento de a data ter sido designada por acordo, e não justificou a falta do mandatário do autor atenta a "índole generalista e abstracta" dos motivos invocados. Sustenta a recorrente ser este o entendimento jurídico correcto, que não o da Relação. Concordamos porém com a decisão da Relação e respectiva fundamentação, para a qual remeteremos a final, nos termos dos artºs 713º, nº 5, 749º e 762º, nº 1 do CPC. Com efeito, não se pode aceitar a tese de que, havendo marcação por acordo (como foi o caso), não há lugar ao adiamento da audiência, «mesmo em caso de o Advogado faltoso justificar a sua falta» (2ª conclusão recursória). Nem se sufraga o entendimento de que, havendo marcação por acordo, o advogado faltoso que comunique prontamente as circunstâncias impeditivas da sua presença apenas terá o direito de pedir nova inquirição de testemunhas nos termos do artº 651º, nº 5 (3ª conclusão do agravo). A triunfar a tese da recorrente, o artº 651º, nº 1, d) ficaria sem campo de aplicação, como bem se escalpeliza no acórdão em crise e na contra-minuta recursória a fls. 424. O preâmbulo do Decreto-Lei nº 183/2000, de 10/8 é perfeitamente explícito sobre esta matéria, no segmento em que se consigna: «... No que concerne aos mandatários judiciais... só existirá adiamento da audiência por falta de advogado se... ou se, tendo havido tentativa de marcação da audiência por acordo, o advogado comunicar atempadamente a sua impossibilidade de comparecer». E, como se menciona logo a seguir no mesmo preâmbulo, fora destas circunstâncias a falta de advogado não determina o adiamento da audiência. Só no caso de não adiamento nas sobreditas circunstâncias é que se põe a questão da concessão ou não da faculdade de o advogado faltoso proceder à audição do registo dos depoimentos e de requerer nova inquirição da testemunha (artº 651º, nº 5). Por outro lado, com o tempestivo conhecimento dado ao tribunal de que o Advogado do autor por imponderáveis e inadiáveis motivos de ordem pessoal não poderia estar presente na audiência de discussão e julgamento, foi dado cabal cumprimento ao artº 155º, nº 5 do CPC que reza deverem os mandatários judiciais comunicar prontamente ao tribunal quaisquer circunstâncias impeditivas da sua presença e que determinem o adiamento de diligência marcada. Não se exige nesse preceito que o advogado justifique a falta que vai dar, mas que comunique atempadamente a sua impossibilidade de comparecer. É o que resulta do teor do dispositivo legal e ressumbra do dito preâmbulo onde se alude a «...comunicar atempadamente a sua impossibilidade de comparecer» e a «...se, tendo havido acordo na marcação, o faltoso não tiver cumprido o dever de comunicar atempadamente a falta ao tribunal». É esta também a interpretação de Rodrigues Bastos (Notas ao Código de Processo Civil, 3ª Edição, vol. III, pág. 166). Nas mesmas águas navegando Lopes do Rego (Comentários ao Código de Processo Civil, pág. 134), ao expender que o referido dever de comunicação não implica a pura e simples revogação do DL nº 330/91, de 5/9 (em cujo artº 1º se determina que a falta de advogado a um acto judicial não carece de ser justificada nem pode dar lugar à sua condenação em custas) já que o advogado não está propriamente obrigado, em todos os casos, a "justificar" a sua falta, mas tão somente a comunicar ao tribunal que não pode comparecer na data designada, de modo a que os restantes intervenientes processuais possam ser ainda desconvocados. O regime legal é este: tendo havido acordo na marcação do dia e hora do julgamento, ou o advogado faltoso comunica atempadamente ao tribunal a impossibilidade de comparecer e a audiência é adiada, ou não comunica e não é adiada. Como no caso vertente houve a referida comunicação, cumprindo-se todas as exigências do artº 651º, nº 1, al. d) (por remissão para a comunicação prevista no artº 155º, nº 5) não havia motivo para não adiar a audiência de discussão e julgamento, nem era caso de aquilatar da justificação ou não da falta do Advogado do autor. Sendo de notar que de todas as disposições legais citadas, só do artº 651º, nº 5 ressalta, unicamente para o caso de que trata e para os fins aí tidos em vista, a necessidade da justificação da falta do advogado. Sendo que este último normativo, como se refere no acórdão sindicado, rege para os casos em que, por força do nº 3 do artº 651º (casos em que já tenha havido um adiamento prévio) não possa já existir qualquer adiamento. (…).” Como referimos supra, encontramo-nos inteiramente de acordo com a tese defendida neste acórdão, a qual, afigura-se-nos, é a que melhor leitura faz dos normativos envolvidos e do pensamento legislativo que esteve subjacente à sua criação. Com efeito, e no que concerne à questão do indeferimento com fundamento no facto da advogada dos AA. não ter esclarecido o motivo do impedimento, sempre se dirá que não estando em causa uma situação em que a lei atribua ao juiz poder de justificação, antes conferindo ao advogado o dever de comunicação da sua ausência, a invocação do motivo específico e concreto da ausência revela-se inócuo, logo, quanto a nós, insusceptível de poder levar a uma situação de indeferimento do pedido de adiamento. Entendendo-se a questão como vimos de a relatar, há assim que considerar que foi efectivamente cometida uma nulidade integrante da previsão do aludido art.º 201.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, pois que ao ter-se determinado a realização do julgamento sem a presença da advogada dos AA. - pese embora a mesma tivesse comunicado antecipadamente a sua ausência e pedido o adiamento daquele – praticou-se acto que a lei não admite, sendo certo que o mesmo é susceptível de influir objectivamente no exame e decisão da causa. Basta ter presente a manifesta desigualdade em que as partes se apresentaram em tal audiência, onde não terá sido possível à mandatária dos AA. questionar directamente as suas testemunhas ou instar as da parte contrária, sendo certo que a presença do Meritíssimo Juiz na presidência da mesma, não será suficiente para substituir o papel do mandatário da parte, atentas as funções específicas que a este são cometidas. Desta forma, julgando-se verificada a indicada nulidade, tal implicará a anulação da audiência de discussão e julgamento, bem como os demais termos subsequentes do processo, atento o disposto no art.º 201.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. A decisão ora assumida prejudicará também a apreciação das demais questões colocadas, quer em sede de agravo, quer em sede de apelação, dado que os actos processuais na origem de tais recursos são também eles abrangidos pela anulação ora determinada. IV – DECISÃO Assim, pelas razões supra expostas, acorda-se em anular o julgamento levado a efeito pelo tribunal da 1ª instância bem como todos os actos subsequentes, devendo designar-se nova data para a sua realização. Custas pela Ré. Lisboa, 22 de Outubro de 2009. (José Maria Sousa Pinto) (Jorge Vilaça Nunes) (João Vaz Gomes) |