Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | EZAGÜY MARTINS | ||
Descritores: | COMPETÊNCIA TERRITORIAL LITISCONSÓRCIO PESSOA COLECTIVA PESSOA SINGULAR | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/16/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | I- Em caso de litisconsórcio passivo ou coligação de réus, sendo um deles uma sociedade comercial, e o outro uma pessoa singular, não residente na área metropolitana de Lisboa ou Porto, sobreleva a regra geral – em matéria de competência para as acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações – do art.º 74º, n.º 1, 1ª parte, do Código de Processo Civil. II- Nesse caso a acção deverá ser proposta no tribunal do domicílio do R. pessoa singular (Sumário do Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 2ª Secção (cível) deste Tribunal da Relação I – Banco, S. A., intentou acção com processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, contra JC, Lda., , e D...., pedindo que sejam os RR. condenados solidariamente entre si, a pagar à A. as importâncias de € 6.433,28, mais € 710,66 de juros vencidos até 27-06-2008, € 28,43, de imposto de selo sobre estes juros e ainda os juros vincendos, à taxa global moratória acordada de 20,74%, que se vencerem desde 28 de Junho de 2008, até integral pagamento, bem como o imposto de selo que à taxa de 4% sobre estes juros recair. Alegando, para tanto, e em suma, ter concedido à Ré um empréstimo de € 7.88,00, para aquisição por aquela de um veículo automóvel. Não tendo a Ré, das acordadas 48 prestações mensais, pago as 21ª, vencida em 10-12-2007, vencendo-se então as seguintes, que não foram também pagas. O 2º R. assumiu, por termo de fiança, a responsabilidade de fiador solidário. E “Porque a R. JC…é uma pessoa colectiva, o A. opta pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa como sendo o competente”. Por despacho 20-10-2008, reproduzido a folhas 31 a 33, considerando que “a competência do Tribunal terá de ser aferida de acordo com o critério estabelecido no art.º 74º, n.º 1 do CPC, na redacção da lei n.º 14/2006, de 26 de Abril”, declarou-se a incompetência, em razão do território do tribunal, julgando-se competente o Tribunal Judicial da Comarca da Lourinhã, para o qual foi ordenada a remessa, após trânsito, dos autos. Inconformada, recorreu a Requerente, formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões: “1. 0 Senhor Juiz a quo ao julgar o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa territorialmente incompetente para conhecer da presente acção pelos motivos e razões que nele se consigna, tendo-se ordenado a remessa dos autos ao Tribunal Judicial da Comarca de Lourinhã, por se ter considerado ser o competente, violou o disposto no artigo 74°, n° 1, e no artigo 87°, n° 1, ambos do Código de Processo Civil 2. Porque a 1ª R é uma pessoa colectiva, o A, ora recorrente, optou pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, como sendo o competente, aliás de harmonia com o disposto no artigo 74°, n° 1, do Código de Processo Civil, na redacção dada pela Lei 14/2006, de 26 de Abril," e como lhe assiste e permite consequentemente o artigo 87°, n° 1, do mesmo normativo legal 3. Impõe-se, pois, como se requer, procedência do presente recurso, a revogação do despacho recorrido, e a sua substituição por outro que reconheça a competência territorial do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa para conhecer dos autos onde o mesmo foi proferido, desta forma se fazendo JUSTIÇA” II – Dispensados que foram os vistos legais, cumpre decidir. Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objecto daquele – vd. art.ºs 684º, n.º 3, 690º, n.º 3, 660º, n.º 2 e 713º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil – é questão proposta à resolução deste Tribunal, a de saber se os Juízos Cíveis de Lisboa são competentes, em razão do território, para a presente acção, ou, pelo contrário, tal competência é do Tribunal Judicial da comarca da Lourinhã. * Emerge da dinâmica processual, com interesse para o julgamento do recurso, o que se deixou referido supra, em sede de relatório. * Vejamos: 1. Com a nova redacção introduzida pelo art.º 1º da Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, passou o art.º 74º, do Código de Processo Civil a dispor: “1- A acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento é proposta no tribunal do domicílio do réu, podendo o credor optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, quando o réu seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicílio do credor na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o réu tenha domicílio na mesma área metropolitana.”. Estabelecendo-se, no art.º 87º, n.º 1, do mesmo Código, que “Havendo mais de um réu na mesma causa, devem ser todos demandados no tribunal do domicílio do maior número; se for igual o número nos diferentes domicílios, pode o autor escolher qualquer deles.”. E, o art.º 110º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Civil, também na redacção introduzida pela sobredita Lei, e no que agora interessa, definiu que: “A incompetência em razão do território deve ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, sempre que os autos fornecerem os elementos necessários, nos casos seguintes: a) Nas causas a que se referem…a primeira parte do n.º 1 e o n.º 2 do art.º 74ª…”. A aplicabilidade do art.º 87º, n.º 1, ao caso em apreço mostra-se porém arredada, à partida. Pois no cabeçalho da sua p.i deu a A. ambos os RR. como domiciliados na mesma morada, a saber, na Rua ...., Moita dos Ferreiros Não existindo assim “diferentes domicílios” relativamente aos quais o autor pudesse exercer opção. O que também prejudica a questão de saber se, quando existissem, poderia o A./credor optar pelo domicílio do réu pessoa colectiva em desfavor do domicílio do réu pessoa singular. E à qual – assinala-se marginalmente – foi dada resposta negativa, v.g., no Acórdão desta Relação de 10-04-2008.[1] Por outro lado, é certo que, como visto, a segunda parte do art.º 74º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ressalva a possibilidade de o credor optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, quando o réu seja pessoa colectiva. Temos para nós, porém, que em caso de litisconsórcio passivo ou coligação de réus, sendo um destes uma pessoa singular, não residente na área metropolitana de Lisboa ou Porto, sobreleva a regra geral – em matéria de competência para as acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações – do art.º 74º, n.º 1, 1ª parte, do Código de Processo Civil. Ou seja, a acção deverá ser proposta no tribunal do domicílio do R., e sem prejuízo de o ser no do maior número de RR., ou, sendo igual o número nos diferentes domicílios, em qualquer deles (cfr. cit. art.º 87º, n.º 1, com que, em caso de RR. com diferentes domicílios, e não tendo todos eles, tal como o credor, domicílio em qualquer das áreas metropolitanas de Lisboa ou Porto, deverá ser articulado o art.º 74º, n.º 1). Com afastamento da possibilidade de o A. actuar a opção pelo tribunal do lugar do cumprimento da obrigação, verdadeira excepção à enunciada regra geral. 2. Com efeito: Nos termos do art.º 9º, n.º 1, do Código Civil, “A interpretação da lei não deve cingir-se à letra desta, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.”. Em anotação ao preceito, referem P. Lima e A. Varela,[2] que resumindo o pensamento geral desta disposição “pode dizer-se que o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal, do relatório do diploma ou dos próprios trabalhos preparatórios da lei”. Ora, conforme se alcança do Plano de Descongestionamento dos Tribunais publicitado pelo Ministério da Justiça,[3] a proposta de Lei n.º 47/X subjacente à Lei n.º 14/2006 firmou-se na seguinte ordem de considerações: - os grandes litigantes promovem frequentemente acções nos tribunais onde lhes é mais conveniente e barato litigar; - a litigância de massa concentra-se sempre nos mesmos locais, congestionando os tribunais nesses locais; - os consumidores são frequentemente obrigados a grandes deslocações para poder contestar essas acções; - para o evitar, o autor passa a ter de propor a acção no tribunal do domicílio do réu, excepto quando ambas as partes tenham domicílio nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto; - evita-se a concentração da litigância de massa e promove-se a proximidade entre o cidadão e a Justiça. Sendo, nos dizeres da Exposição de Motivos da referida Proposta – discutida na generalidade na Assembleia da República, em 2/02/2006 – que: “A necessidade de libertar os meios judiciais, magistrados e oficiais de justiça para a protecção de bens jurídicos que efectivamente mereçam a tutela judicial e devolvendo os tribunais àquela que deve ser a sua função, constitui um dos objectivos da Resolução do Conselho de Ministros n.º 100/2005, de 30 de Maio de 2005, que, aprovando um Plano de Acção para o Descongestionamento dos Tribunais, previu, entre outras medidas, a «introdução da regra de competência territorial do tribunal de comarca do réu para as acções relativas ao cumprimento de obrigações, sem prejuízo das especificidades da litigância característica das grandes áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto». A adopção desta medida assenta na constatação de que grande parte da litigância cível se concentra nos principais centros urbanos de Lisboa e do Porto, onde se situam as sedes dos litigantes de massa, isto é, das empresas que, com vista à recuperação dos seus créditos provenientes de situações de incumprimento contratual, recorrem aos tribunais de forma massiva e geograficamente concentrada. Ao introduzir a regra da competência territorial do tribunal da comarca do demandado para este tipo de acções, reforça-se o valor constitucional da defesa do consumidor – porquanto se aproxima a justiça do cidadão, permitindo-lhe um pleno exercício dos seus direitos em juízo – e obtém-se um maior equilíbrio da distribuição territorial da litigância cível. O demandante poderá, no entanto, optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, quando o demandado seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicílio do credor na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o demandado tenha domicílio nessa mesma área. No primeiro caso, a excepção justifica-se por estar ausente o referido valor constitucional de protecção do consumidor; no segundo, por se entender que este intervém com menor intensidade. Com efeito, nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, não se afigura especialmente oneroso que o réu ou executado singular continue a poder ser demandado em qualquer das demais comarcas da área metropolitana em que reside, nem se descortinam especiais necessidades de redistribuição do volume processual hoje verificado em cada uma das respectivas comarcas.”. (o realce a negrito é nosso). 3. Tendo-se assim, e de modo incontornável, que a ratio da Lei n.º 14/2006 é, desde logo, a protecção do consumidor perante os grandes litigantes, designadamente bancos e sociedades financeiras, aproximando o centro da decisão do litígio da residência do consumidor. Na verdade, a pendência do pleito em foro distante do da residência do consumidor importa despesas acrescidas, e designadamente com mandatários. E, por outro lado, o poder económico da contraparte e a sofisticação da sua estrutura operativa suportam melhor os incómodos e despesas de uma acção judicial proposta em foro distinto do foro do local da respectiva sede. Depois, teve-se em vista mitigar os efeitos nefastos da litigância de massa. Deste modo, e na perspectiva de alcançar uma conjugação entre a protecção dos direitos dos consumidores – art.º 60º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa – e o direito à iniciativa privada e de acesso ao direito – art.ºs 61°, n°1 e 20° da mesma C.R.P. – se justificando o regime da Lei n.º 14/2006. Ora, se for unicamente demandada uma sociedade, justifica-se a primeira das excepções previstas na lei, por nesse caso, não se verificarem as referidas exigências constitucionais de protecção do consumidor, como se considerou no transcrito excerto da exposição de motivos respectiva. Desde que, porém, exista uma pluralidade de demandados, entre os quais uma sociedade e uma pessoa singular, já se equacionará a necessidade de protecção do consumidor, ressalvada a contemplada hipótese de tanto o autor como o réu pessoa singular terem ambos domicílio na área metropolitana de Lisboa ou do Porto. A protecção do Réu consumidor – erigida como objectivo primordial das alterações legislativas em apreço – não pode ficar dependente da simples contingência de o mesmo ser demandado isoladamente ou em conjunto com outro que tenha a natureza de ente colectivo. Os seus direitos terão que ser salvaguardados incondicionalmente, em qualquer uma das referidas circunstâncias. Neste sentido, correspondente ao que reputamos ser a orientação dominante na jurisprudência, podendo ver-se, entre outros, para além do já citado supra, os Acórdãos desta Relação, de 22-04-2008 e 29-04-2008,[4] e de 16-10-2008.[5] Deste modo, sendo o réu pessoa singular – como aliás também a ré sociedade comercial – indicado na p. i. como residente em Moita dos Ferreiros, Lourinhã, é competente em razão do território para conhecer da acção o Tribunal Judicial da Comarca da Lourinhã, cfr. ainda art.º 1º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 186-A/99, de 31 de Maio, e mapa III anexo a esse diploma. Improcedendo pois as conclusões da Recorrente. Em observância do disposto no n.º 7 do art.º 713º, do Código de Processo Civil, passa a elaborar-se sumário, como segue: “I- Em caso de litisconsórcio passivo ou coligação de réus, sendo um deles uma sociedade comercial, e o outro uma pessoa singular, não residente na área metropolitana de Lisboa ou Porto, sobreleva a regra geral – em matéria de competência para as acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações – do art.º 74º, n.º 1, 1ª parte, do Código de Processo Civil. II- Nesse caso a acção deverá ser proposta no tribunal do domicílio do R. pessoa singular”. III – Nestes termos, acordam em negar provimento ao agravo, confirmando a decisão recorrida. Custas pela Recorrente. Lisboa, 2009-07-16 (Ezagüy Martins) (Maria José Mouro) (Neto Neves) [1] Proc. 2347/2008-6, in www.dgsi.pt/jtrl.nsf. [2] In “Código Civil, Anotado”, Vol. I, Coimbra Editora, 3ª ed., 1982, pág. 58. [3] In www.mj.gov.pt. [4] Proc. 2901/2008-7, proc. 2926/2008-1, ambos in www.dgsi.pt/jtrl.nsf. [5] Agravo 7997/08-2, de que foi o mesmo o relator. |