Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1837/08.8TVLSB.L1-6
Relator: PEREIRA RODRIGUES
Descritores: POSSE
DETENÇÃO
POSSE PRECÁRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/04/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I. São havidos como detentores ou possuidores precários: os que exercem o poder de facto sem intenção de agir como beneficiários do direito; os que simplesmente se aproveitam da tolerância do titular e os representantes ou mandatários do possuidor e, de um modo geral, todos os que possuem em nome de outrem;
II. O mero detentor pode alcançar a inversão do título da posse, quando lograr substituir uma posse precária, em nome de outrem, por uma posse em nome próprio, ou seja, quando a uma situação sem relevo jurídico especial vem substituir-se uma posse com todos os seus requisitos e com todas as suas consequências legais.
III. A “traditio rei” do prédio operada formalmente pelo contrato-promessa não integra uma inversão do título;
IV. Assim, tendo o promitente-vendedor acordado com o promitente-comprador, que este ocupe o prédio a partir do respectivo contrato-promessa, o segundo passou a ser um mero detentor ou possuidor precário, até á aquisição da propriedade pela respectiva escritura, pelo que para adquirir posse própria, tem de inverter o título da mesma posse, designadamente por oposição contra o proprietário (o promitente-vendedor), dando-lhe a conhecer, de modo inequívoco, a sua intenção de actuar como titular do direito. E apenas se tal oposição não for repelida pelo proprietário, se inverterá o título da posse.(PR)
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
I. OBJECTO DO RECURSO.
No Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, A e B instauraram a presente acção declarativa de simples apreciação positiva contra C e D pedindo que:
- se declare que os mesmos detêm a posse pública, efectiva, titulada, pacífica e de boa fé, do bem imóvel que identifica, desde 2 de Janeiro de 1996 e
- se declare que, para além dos títulos que conferem aos AA a posse do presente imóvel, se declare que a mesma é efectiva desde essa data e sem interrupções e que os AA aí mantêm residência permanente, onde comem, dormem, confeccionam refeições e recebem correspondência.
Alegaram, em síntese, que detêm a posse do prédio urbano sito na Av. do Brasil, n° …, 8° Esq°, em Lisboa, sendo tal posse pública, pacífica, titulada e de boa fé, mantendo-se sem interrupções desde 2 de Janeiro de 1996.
Os títulos que legitimam tal posse são um contrato de arrendamento e um contrato promessa de compra e venda com direito de retenção, os quais foram outorgados pela 1.ª A com a 1.ª R, respectivamente, em 2 de Janeiro e 2 de Abril de 1996.
Logo a partir dessa data, os AA passaram a habitar a fracção, comportando-se como proprietários, ali mantendo a sua residência permanente e pagando todas as despesas ordinárias e extraordinárias.
A posse nunca foi registada e muitos anos volvidos o 2° R veio a obter a titularidade do direito de propriedade sobre a fracção que estava na posse dos AA, tendo o processo de aquisição corrido à revelia dos AA.
Regularmente citados, apenas o BCP contestou, invocando as excepções do caso julgado e da litispendência e sustentando que os AA apenas detêm a fracção, enquadrando-se tal utilização no exercício da qualidade de arrendatários e de promitentes-compradores.
Os AA exercem poderes de facto sobre o imóvel, mas sem animus domini e com a venda judicial caducou o contrato de arrendamento, não existindo posse titulada.
Ao instaurar a presente acção, os AA não poderiam desconhecer o teor do Acórdão do STJ proferido nos embargos de terceiro, nem tão pouco a Acção da Reivindicação, formulando uma pretensão cuja falta de fundamento não deviam ignorar, pelo que peticionam a condenação dos mesmos como litigantes de má fé no pagamento de uma indemnização não inferior a € 5.000,00.
Os AA replicaram, respondendo às excepções e ao pedido de litigância de má fé, peticionado, por sua vez, a condenação do R. nessa qualidade em indemnização a seu favor.
Prosseguindo os autos os seus trâmites, foi proferido despacho saneador-sentença, julgando a acção improcedente e absolvendo os RR do pedido.
Inconformados com a decisão, vieram os AA. interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando doutas alegações, com as seguintes CONCLUSÕES:
1. Os fundamentos da sentença recorrida estão em oposição com a decisão, o que conduz à sua nulidade (alínea c) do artigo 668º do CPC).
2. Se é o tribunal recorrido que dá como assente que os apelantes são tradiciários do bem em causa e tem o cuidado de transcrever e dar como assente a cláusula do contrato de promessa de compra e venda com direito de retenção que afirma “...a segunda outorgante toma no entanto, desde já, a posse do prédio que aliás já detém ... desde 1 de Janeiro de 1996...” , como é que pode afirmar que não ocorreu inversão do título de posse, a favor dos apelantes?
3. A subsistirem dúvidas, em relação aos articulados e à prova documental aos mesmos acoplada, sempre seriam as mesmas esclarecidas, na audiência de discussão e julgamento, com o contraditório e o confronto das provas documentais e testemunhais.
4. Ao não remeter o presente processo para o julgamento, o meritíssimo Juiz da 14ª Vara Cível de Lisboa, deixou de se pronunciar sobre questões que deveria ter apreciado. A saber e exemplificativamente: restante prova documental (7 documentos que não mereceram o mais leve reparo), confissões dos apelados (total e parcial) e prova testemunhal arrolada e não ouvida.
5. É esta ausência de fundamentação que conduz à nulidade da presente decisão, nos termos do disposto na primeira parte, da alínea d), do nº 1 do artigo 668º do CPC.
Termos em que se requer:
1) Se dê por nula e de nenhum efeito, a douta decisão de mérito da 1ª instância que sem julgamento, deu a presente acção por improcedente, substituindo-se a mesma por outra, donde resulte a total procedência da presente acção.
2) A não se entender como em 1), se dê por nula e de nenhum efeito a douta decisão recorrida e prossiga o presente processo a sua normal tramitação, até à audiência de discussão e julgamento como é de Direito e da mais elementar Justiça!
A R. contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Admitido o recurso na forma, com o efeito e no regime de subida devidos, subiram os autos a este Tribunal da Relação, sendo que nada obstando ao conhecimento do mesmo, cumpre decidir.
As questões a resolver são as de saber:
- Se a sentença recorrida enferme de nulidade, por oposição entre os fundamentos e a decisão e por falta de fundamentação;
- Não sendo nula, se o processo deve prosseguir para a audiência de discussão e julgamento.
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II.   FUNDAMENTOS DE FACTO.
A 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:
1- A A. e a R. … outorgaram o escrito cuja cópia se encontra junta aos autos de fls 12 a 14, intitulado "Contrato de Arrendamento para Habitação", através do qual esta declarou dar de arrendamento àquela, pelo prazo de um ano, com início no dia 1 de Janeiro de 1996, prorrogado automaticamente por períodos iguais e sucessivos, o prédio urbano sito na Av. do Brasil, n° … 8° Esq°, freguesia de S. João de Brito, em Lisboa, tendo a A declarado que aceitava o arrendamento;
2- Constam de tal documento as seguintes cláusulas:
"(...)
TERCEIRA
O presente contrato é destinado a habitação...
QUARTA
A renda mensal é de Esc. 70.000SOO (...) "
3- Em 2 de Abril de 1996, a A. e a 1.ª R., respectivamente, na qualidade de segunda e primeira outorgante, subscreveram o escrito junto por cópia de fls 16 a 18, intitulado "Contrato de Promessa de Compra e Venda com direito de retenção", do qual constam as seguintes cláusulas:
"(...) PRIMEIRA
A primeira outorgante é dona e legítima proprietária do prédio urbano sito na Av. do Brasil, n.º … 8° Esq°, freguesia de S. João de Brito, concelho de Lisboa,...
SEGUNDA
Pelo presente contrato, a primeira outorgante promete vender à segunda e esta promete comprar-lhe a referida fracção.
TERCEIRA
Em virtude de o referido prédio se encontrar onerado parcialmente com uma hipoteca a favor do Banco Pinto & Sotto Mayor, a 1.ª outorgante compromete-se a proceder ao distrate da aludida hipoteca até à celebração da escritura pública de compre e venda... "
QUARTA
A segunda outorgante toma no entanto, desde já, a posse do prédio que aliás já detém, em virtude de ser arrendatária do mesmo, desde 1 de Janeiro de 1996 e aí manter, com a sua família, a sua residência permanente.
QUINTA
O preço do montante total de Esc. 60.000.000$00 será liquidado da seguinte forma:
a) Esc. 2.000.000 (dois milhões de escudos) que já se encontram pagos, através de compensação de um mútuo efectivado pelo marido da 2.ª outorgante à 1.ª outorgante, no que se dá aqui para ambas as partes, completa quitação no referente a esta quantia.
b) Esc. 280.000 (duzentos e oitenta mil escudos) que igualmente já se encontram pagos (4xEsc.70.000), quantia que corresponde aos quatro meses de renda que a 2.ª outorgante já pagou à 1.ª, na qualidade de inquilina, uma vez que se encontra de posse do bem prometido vender, desde 1 de Janeiro de 1996.
c) Esc. 70.000 (setenta mil escudos) mensais, correspondente à renda convencionada para o arrendamento do bem prometido vender e que a 2.ª outorgante pagará à 1.ª, todos os meses, até à efectivação da escritura e com tais pagamentos amortizará o preço do remanescente que subsistir em débito. Motivo, porque se mantém em vigor até à celebração do contrato definitivo, o contrato de arrendamento celebrado entre as outorgantes, sobre o mesmo prédio, não podendo em caso algum, sobrepõe-se este contrato ao outro, salvo no respeitante a direitos de retenção.
d) O remanescente que subsista em débito à data da escritura, será pago aquando da outorga da mesma, (...) ".
SEXTA
A escritura será celebrada impreterivelmente até 30 de Abril de 1997, em data, dia e local a designar pela 1.ª outorgante ...
SÉTIMA
Até à celebração do contrato definitivo, a 1.ª outorgante compromete-se a desonerar o prédio prometido vender da hipoteca identificada na cláusula terceira, a fim de o mesmo transitar para a propriedade plena da 2.ª outorgante, livre de quaisquer ónus ou encargos (...)"
4 - Os AA encontram-se a utilizar o imóvel;
5 - Por despacho de 03/05/2002, proferido nos autos de execução com o n° …../1996, da 1.ª Vara Cível de Lisboa, 2.ª secção e nos quais é exequente o R. BCP e executada a R. e outro, foi apresentada pelo R. proposta em carta fechada com vista "a aquisição do imóvel identificado em 1, proposta essa que foi aceite, tendo, por despacho transitado em julgado, sido adjudicado àquele o imóvel em causa.
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III.  FUNDAMENTOS DE DIREITO.
Alegam os recorrentes que os fundamentos da sentença recorrida estão em oposição com a decisão, o que conduz à sua nulidade (alínea c) do artigo 668º do CPC), pois que se é o tribunal recorrido que dá como assente que os apelantes são tradiciários do bem em causa e tem o cuidado de transcrever e dar como assente a cláusula do contrato promessa de compra e venda com direito de retenção que afirma “...a segunda outorgante toma no entanto, desde já, a posse do prédio que aliás já detém ... desde 1 de Janeiro de 1996...” , como é que pode afirmar que não ocorreu inversão do título de posse, a favor dos apelantes?
Importa, desde já, deixar claro que a sentença sindicada se mostra correctamente estruturada e ampla e devidamente fundamentada, não apresentando qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão, nem sofrendo de omissão de pronúncia sobre questões de que devesse conhecer, pelo que este Tribunal considera dever seguir a fundamentação doutamente deduzida pelo tribunal recorrido, sem necessidade de reproduzir outros raciocínios ou explanar mais convincentes argumentos, pelo que, nos termos do art. 713º, n.º 5 do C. P. C., se remete, pois, para os fundamentos da decisão impugnada, que, no todo, se acolhem.
Aliás, quanto à questão essencial que se colocava na acção, ou seja, à qualificação da posse do prédio por parte dos apelantes, foi dada resposta de forma acertada e categórica na sentença recorrida, que na análise da questão em apreço invocou com rigor a lei aplicável, interpretando-a de acordo com o melhor entendimento da doutrina e da jurisprudência, para concluir, convincentemente, pela improcedência da acção.
Os Apelantes vêm produzir uma douta alegação, a apresentar o seu dissentimento em relação à decisão recorrida, batendo-se, assim, por uma solução diferente da seguida na sentença, mas sem atacar convincentemente a bem gizada fundamentação da decisão em apreço, ou atacando-a num ou outro ponto, mas sem convicção e até de forma pouco consistente, para procurar convencer da falta de fundamento para a procedência da acção.
Mas para o recurso poder ter algum êxito, careciam os Apelantes de demonstrar que os fundamentos aduzidos na sentença, de facto ou de direito, não eram válidos ou convincentes.
A sentença recorrida vale por si, pois que, repete-se, a questão que se colocava por via da acção foi nela ponderada e resolvida da forma que este tribunal de recurso considera correcta, tornando-se desnecessário reproduzir o que na decisão recorrida se encontra exarado, mas, por respeito pela douta alegação da recorrente que, em todo o caso, representa notável esforço argumentativo se acrescentam as seguintes notas:
Nos termos do art. 668º, n.º 1, al. c) do CPC, a sentença é nula quando os seus fundamentos estiverem em oposição com a decisão.
Nesse caso, como diz A. dos Reis, “a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas o resultado oposto”[1].
Por outras palavras: os fundamentos, de facto ou de direito, invocados pelo tribunal, devem conduzir a uma conclusão, que não pode ser oposta, ou tão pouco diferente, daquela que consta da decisão. Se os fundamentos apontarem em determinado sentido e na parte decisória se optar por solução diversa, estaremos em face de um erro lógico da argumentação jurídica que integra contradição ou oposição entre os fundamentos e a parte decisória, o que constitui motivo de nulidade da sentença.
Ora, no caso vertente não parece que a sentença enferme de tal vício.
O que o tribunal afirma na fundamentação produzida é que os factos invocados pelos AA, enquanto arrendatários do imóvel, não permitem, de modo algum, concluir pela inversão do título de posse por parte dos mesmos, pelo que com fundamento na qualidade de arrendatários não se poderá vir a concluir pela existência de posse (em nome próprio) pela sua parte.
E no que respeita ao contrato-promessa de compra e venda, refere como evidente que através do mesmo também não se transmite o direito de propriedade sobre a coisa, visto tratar-se de um contrato de natureza meramente obrigacional (por regra) cujo objecto não é o contrato prometido mas a obrigação de o celebrar (obrigação de facere), não sendo, pois, título de posse, que é um direito real.
E o facto de os Apelantes, enquanto promitentes-compradores, terem obtido a tradição da coisa objecto do contrato prometido, conferindo-lhes direito de retenção sobre ela para garantia do direito de crédito decorrente do incumprimento pelo promitente-vendedor, não significa que o mesmo confira aos Apelantes a posse legítima do bem.
Assim, finaliza o tribunal recorrido, independentemente das consequências que derivem para o arrendamento da venda judicial do imóvel, o certo é que os AA não invocam factos dos quais se possa vir a concluir pela existência de posse em termos de um direito real de propriedade, pelo que a acção terá que ser julgada improcedente.
Ora, esta fundamentação, que se sustenta nos factos considerados provados, não está em oposição com a decisão proferida, antes a escora de forma convincente e não pode deixar de ser acolhida.
Na verdade, os apelantes, em face dos factos que invocam na acção, enquanto arrendatários e promitentes-compradores com traditio rei, não são mais que meros detentores ou possuidores precários, pelo que não podiam adquirir para si o direito possuído, excepto se demonstrada fosse a inversão do título da posse.
Note-se que são havidos como detentores ou possuidores precários: os que exercem o poder de facto sem intenção de agir como beneficiários do direito; os que simplesmente se aproveitam da tolerância do titular e os representantes ou mandatários do possuidor e, de um modo geral, todos os que possuem em nome de outrem (art. 1253º).
Nestas condições encontram-se todos aqueles que, tendo embora a detenção da coisa, sobre a mesma não exercem poderes de facto com “animus” de exercer o direito real correspondente, como sucede com o locatário, o depositário e o comodatário.
Todavia, o mero detentor pode alcançar a inversão do título da posse, o que se verifica quando se substitui uma posse precária, em nome de outrem, por uma posse em nome próprio, ou seja, a uma situação sem relevo jurídico especial vem substituir-se uma posse com todos os seus requisitos e com todas as suas consequências legais.
A inversão pode dar-se: ou por oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía, ou por acto de terceiro capaz de transferir a posse (art. 1265º). O caso mais corrente é o do arrendatário que, em certo momento, se recusa a pagar as rendas, com alegado fundamento de que o prédio é seu. Torna-se, assim, necessário um acto de oposição contra a pessoa em cujo nome o oponente possuía, pelo qual o detentor torne directamente conhecida da pessoa em cujo nome possuía a sua intenção de actuar como titular do direito.
Ora, no caso em apreço, tendo embora os apelantes a detenção do prédio, primeiro porque arrendatários do imóvel e depois também porque, simultaneamente, promitentes-compradores “tradiciários” do mesmo, situações em que a posse se tem de considerar como em nome alheio ou precária - até porque a transferência da propriedade estava dependente da celebração da escritura e do distrate da hipoteca e até à dita escritura continuava em vigor o contrato de arrendamento, com o pagamento da respectiva renda – o certo é que não invocaram os apelantes qualquer facto susceptível de demonstrar a inversão do título da posse, ou seja, de uma posse em nome de outrem ter dado lugar a uma posse em nome próprio, a uma posse baseada numa actuação “uti dominus”.
A traditio rei do prédio operada formalmente pelo contrato promessa não integra uma inversão do título, tanto mais no condicionalismo em que se verificou de se identificar com a detenção que já existia e continuou a existir por força do existente, e mantido, contrato de arrendamento, em que o arrendatário não pode deixar de ser um possuir em nome do senhorio.
Em todo o caso, tendo o promitente-vendedor acordado com o promitente-comprador, que este ocupe o prédio a partir do respectivo contrato promessa, o segundo passou a ser um mero detentor ou possuidor precário, até á aquisição da propriedade pela respectiva escritura, pelo que para adquirir posse própria, tem de inverter o título da posse, designadamente por oposição contra o proprietário (o promitente-vendedor), dando-lhe a conhecer, de modo inequívoco, a sua intenção de actuar como titular do direito. E apenas se tal oposição não for repelida pelo proprietário, se inverterá o título da posse.
Nada tendo invocado os apelantes no sentido de demonstrar a inversão do título, tal como esta se deve caracterizar, tinha a acção de improceder, nada obstando que fosse decidida, como o foi, após a fase dos articulados, sem necessidade de prosseguimento para audiência de discussão e julgamento.
Daí que a situação, ao contrário do alegado pelos apelantes, não era a de subsistirem dúvidas, em relação aos articulados e à prova documental aos mesmos acoplada, que carecessem de ser esclarecidas, na audiência de discussão e julgamento, com o contraditório e o confronto das provas documentais e testemunhais.
Assim sendo, ao não remeter o presente processo para o julgamento, o meritíssimo juiz recorrido não deixou de se pronunciar sobre questões que devesse ter apreciado, pois que a questão essencial sobre o mérito da causa foi devidamente apreciada na sentença sindicada, como acima já se viu. Por isso, não ocorre qualquer ausência de fundamentação que conduza à nulidade da presente decisão, nos termos do disposto na primeira parte, da alínea d), do nº 1 do artigo 668º do CPC.
Em sumário:
I. São havidos como detentores ou possuidores precários: os que exercem o poder de facto sem intenção de agir como beneficiários do direito; os que simplesmente se aproveitam da tolerância do titular e os representantes ou mandatários do possuidor e, de um modo geral, todos os que possuem em nome de outrem;
II. O mero detentor pode alcançar a inversão do título da posse, quando lograr substituir uma posse precária, em nome de outrem, por uma posse em nome próprio, ou seja, quando a uma situação sem relevo jurídico especial vem substituir-se uma posse com todos os seus requisitos e com todas as suas consequências legais.
III. A “traditio rei” do prédio operada formalmente pelo contrato-promessa não integra uma inversão do título;
IV. Assim, tendo o promitente-vendedor acordado com o promitente-comprador, que este ocupe o prédio a partir do respectivo contrato-promessa, o segundo passou a ser um mero detentor ou possuidor precário, até á aquisição da propriedade pela respectiva escritura, pelo que para adquirir posse própria, tem de inverter o título da mesma posse, designadamente por oposição contra o proprietário (o promitente-vendedor), dando-lhe a conhecer, de modo inequívoco, a sua intenção de actuar como titular do direito. E apenas se tal oposição não for repelida pelo proprietário, se inverterá o título da posse.

Improcedem, por isso, as conclusões do recurso, sendo de manter a decisão recorrida.
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IV.  DECISÃO:
Em conformidade com os fundamentos expostos, nega-se provimento à apelação e confirma-se a decisão recorrida.
Custas nas instâncias pelos apelantes.
Lisboa, 4 de Junho de 2009. 
FERNANDO PEREIRA RODRIGUES
MARIA MANUELA GOMES
OLINDO SANTOS GERALDES
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[1] In Cod. Proc. Civil anotado, V, 141