Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | EZAGÜY MARTINS | ||
Descritores: | PRINCÍPIO DISPOSITIVO VIOLAÇÃO ABALROAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/19/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | A nulidade de sentença, em que se resolve o excesso de pronúncia constitui corolário do princípio da disponibilidade objectiva, seja na vertente da disponibilidade sobre a conformação do objecto da causa, seja correspondendo ao chamado princípio da controvérsia, enquanto traduzido na disponibilidade relativa à alegação dos factos principais da causa. (EM) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 2ª Secção (cível) deste Tribunal da Relação I – B......, Lda., intentou acção declarativa especial nos termos do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, contra C....., S.A., pedindo a condenação da Ré a pagar à A. a quantia global de € 6.654,22, acrescida de juros de mora, sobre o capital de € 6.383,47, vencidos desde 01-03-2007, até integral pagamento. Alegando, para tanto, que no exercício da sua actividade comercial a A. celebrou com a Ré um contrato de prestação de serviços/materiais, pelo prazo de um ano, tendo como contrapartida a prestação mensal de € 2.178,31. Mais ficando acordado que se fosse efectuado pela A. algum fornecimento extra, esses bens e/ou serviços seriam facturados e pagos separadamente. Ora a Ré, apesar de interpelada, não pagou as facturas que discrimina, no montante total de € 6.383,47, o que deveria ter acontecido “a trinta dias”. Contestou a Ré, impugnando o indicado valor da contrapartida monetária acordada, o prazo de vencimento da factura n.º 700867, de 02-11-2007, que admite não ter pago, e “todo o restante teor da douta p.i.”, designadamente qualquer acordo quanto à existência de “extras”. Invocando ter pago, em Janeiro de 2006, o valor correspondente a dois meses, a considerar no apuro do valor efectivamente devido, e tendo em atenção que o contrato teve o seu termo no mês de Dezembro de 2007. Em conformidade com o que deve o valor da referida factura ser reduzido para € 1.600,52 + IVA, sendo a contagem de juros sobre aquele valor desde a data do efectivo vencimento, a saber, 90 dias sobre a data da sua emissão. Remata com a improcedência da acção, “na parte ora impugnada”, sendo “a Ré absolvida do pedido, que excede o valor que a Ré reconhece dever à Autora…”. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que – implicitamente julgando acção apenas parcialmente procedente condenou a Ré “a pagar à A. a quantia de mil novecentos e trinta e seis euros, acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde 2 de Fevereiro de 2008.”. Inconformada, recorreu a A., formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões: I – De acordo com o princípio - do dispositivo ou da disponibilidade das artes - que enforma o direito processual civil, não pode o Meritíssimo intervir em questões que lhe não tenham sido colocadas, sobre o direito de uma das partes se arrogar o fornecedor e logo o credor do preço, quando a demandada apenas impugna o fornecimento e não a legitimidade do A. para o cobrar, a qual aliás reconhece como sua exclusiva fornecedora, prestadora do serviço e credora do preço - a única questão em litígio é a existência ou não do fornecimento - na parte em que se confessa devedora. 1 - Mostra-se violado o aludido princípio do dispositivo ou da disponibilidade das partes, quando não se considere cometido excesso de pronúncia, o que, nos termos da al. e), do art. 668.°, do C.P.Civil, geraria a nulidade da sentença. II - Sendo a única questão em litígio, no processo, o fornecimento ou não de produtos extra contrato e tendo-se provado a existência daqueles fornecimentos, não poderia o Meritíssimo deixar de condenar a demandada no pagamento daqueles fornecimentos, a não ser que ela tivesse provado que o não pagamento não procede de culpa sua - e nunca, seguramente, julgar a existência do crédito reclamado na esfera jurídica de uma terceira entidade não interveniente, chamada ou sequer como tal ouvida nos autos - os legais representantes desta entidade foram, de facto ouvidos, mas como testemunhas da recorrente! 1 - Mostra-se violado o princípio e cometida a nulidade referidos na anterior conclusão e os artigos 879.º e 799.º, n.º 1, do C. Civil, os quais impunham a condenação da recorrida que se reclama no corpo desta conclusão. III- A análise e decisão de um pleito deve integrar necessariamente a ponderação das suas consequências, numa perspectiva de justeza da decisão, o que, no caso em apreço e face à matéria dada por provada, apenas confirmará a inoportunidade e o desperdício de tempo e de meios a que conduz a manutenção da decisão recorrida, com o consequente desprestígio do Tribunal.”. Requer a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que condene a recorrida nos exactos termos pedidos. Contra-alegou a Recorrida, dizendo, em conclusões: “1 – A douta sentença recorrida não violou o princípio do dispositivo nem cometeu excesso de pronúncia, visto que, ao declarar a ilegitimidade activa da A., ora recorrente, limitou-se a cumprir com o preceituado nos artigos 495 e 660 - 1 do C. P. C., em nada contendendo com o disposto no artigo 264º do C.P.C. - a decisão proferida não interferiu nem limitou ou aumentou os factos alegados pelas partes; 2 – Mesmo que assim não se entenda, e visto não ter sido proferida qualquer decisão sobre o mérito da causa (na parte afectada pela conhecimento de ilegitimidade), nunca o acolhimento da pretensão da Recorrente poderá conduzir à condenação da R., ora recorrida, nos termos por aquela peticionados, atenta matéria de facto provada nos autos, cuja sentença foi objecto do presente recurso.”. II- Corridos os vistos legais, cumpre decidir. Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objecto daquele – vd. art.ºs 684º, n.º 3, 690º, n.º 3, 660º, n.º 2 e 713º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil - é questão proposta à resolução deste Tribunal, a de saber se a sentença recorrida violou o princípio do dispositivo. Considerou-se assente, na 1ª instância: 1 – A A. é uma empresa que se dedica ao comércio de utilidades domésticas e produtos de higiene. 2 – A R. explora um “health club”/ginásio em ......, no qual consome produtos de higiene pessoal (nas instalações sanitárias e balneários) – e foi contactada pela A., que se apresentou como fornecedora de produtos de higiene para balneários e instalações sanitárias, apresenta(n)do as suas propostas de fornecimento daqueles produtos. 3 – Inicialmente ficou combinado – com o objectivo de aferir a receptividade dos utentes e definir a quantidade dos fornecimentos -, que a R. colocaria vários dispensadores daqueles produtos, procedimento que se prolongou até final do ano de 2005. 4 - Em 26 de Dezembro de 2005 a "D...." (E....) enviou à R. a mensagem junta a fls 37 (cujo teor se dá aqui por reproduzido). 5 -- No exercício da sua actividade, a A. celebrou com a R., em 2 de Janeiro de 2006, o "contrato de prestação de serviços n° S0230" (com a duração de um ano, e sendo o "valor mensal do serviço a prestar" de € 2.000,00, adicionado de IVA à taxa legal em vigor) junto a fls 34 a 36 (cujo teor se dá aqui por reproduzido — onde se lê que "É da exclusiva responsabilidade da D...., a entrega de equipamentos em perfeito estado de funcionamento.") — tendo a R. pago à A. a quantia de 2.420€ (com1.V.A.) relativa à "última renda". 6 - Em 28 de Março de 2006 a R. devolveu à A. (fls 38) as facturas n.ºs 639 e 623 (relativas a "fornecimento extra contrato"), reproduzidas a fls 39-40. 7 - Em 8 de Maio de 2006 A. e R. trocaram as mensagens juntas a folhas 42 (cujo teor se dá aqui por reproduzido). 8 - Em 24 de Maio de 2006 a R. (F....) enviou à A. (G....) a mensagem junta a fls 43 — onde se lê que: "Venho desta forma informar que aceitamos a alteração ao contrato conforme os meses que abaixo indico. Para os meses de maior consumo — Maio — Junho — Outubro — Setembro com o valor de 2265.37€ Para os meses de menor consumo — Julho — Agosto — Novembro —Dezembro com o valor de 1800.26€ Continuamos a não aceitar qualquer facturação extras contrato." 9 - Em 24 de Maio de 2006 a A. (G....) enviou à R. (F...) a mensagem junta a fls 44 — onde se lê que: "Sou então a confirmar teor da nossa proposta que como indicou seria da seguinte forma: época alta — Janeiro a Junho e Setembro a Outubro. Época baixa — Julho, Agosto, Novembro e Dezembro. Vou imediatamente dar indicação para proceder à correcção das quantidades entregues, desde Janeiro até ao momento, para assim, anular todos os extras até aqui facturados. Fazemos assim este acordo vigorar desde o início do ano até ao fim. Julgo ser uma boa proposta pois desta forma, não aumentamos o seu custo anual, apenas em 2 meses ele sairá um pouco fora.". 10 - Em 27 de Novembro de 2006 a A. (G....) enviou à R. (H....) os contratos juntos a fls 184 a 190 — onde se lê, nos "TERMOS E CONDIÇÕES GERAIS DO CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS": 3.1 O presente contrato é celebrado pelo prazo indicado nas ‘condições particulares', a contar da data da sua assinatura, sendo depois sujeito a renovações automáticas por períodos iguais na data do respectivo termo se antes não for denunciado por qualquer das partes com a antecedência mínima de 90 dias em relação à data da sua renovação. (...) 5 — Direitos da I.... 5.1. Cobrar o serviço J.... de acordo com o estipulado nas ‘condições particulares'. 5.2 Cobrar todas as outras despesas suplementares e produtos extra após a entrega dos mesmos. 5.3 Alterar o preço dos produtos extra em qualquer altura e sem qualquer pré-aviso. 5.4 Suspender os fornecimentos em caso de mora do CLIENTE no pagamento das facturas. 5.5 Em caso do Cliente cessar o presente contrato antecipada e unilateralmente, a B.... fica com o direito de facturar e cobrar àquele mesmo CLIENTE o montante equivalente ao serviço prestado ou a prestar relativamente a todo o período de vigência do contrato inicial ente previsto. (...) 7 São obrigações do CLIENTE: (...) 7.8 Pagar à B... as facturas por esta apresentadas em execução do presente contrato, nos termos e prazos nela previstos. 11 Em 6 de Março de 2007 a "D...." (E...) enviou a(o Advogado da) R. a mensagem junta a fls 62 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) — onde se lê que: "(...) Como nos referiram, por vezes falta produto no C..... Este facto fica somente a dever-se ao limite de crédito que quando ultrapassado gera um bloqueio emissão de Guias de remessa. Este bloqueio é ultrapassado sempre pela Direcção Comercial, em qualquer um dos escritórios, Porto, Vila do Conde ou Lisboa. (..) É de notar, que este facto só ocorre quando há contingências devidas a limitação de crédito. Como negociado no início do contrato, foram estabelecidos 60 dias para pagamento. A este prazo acrescemos uma tolerância de mais 60 dias. O que significa que o crédito só corta com a quarta entrega sem pagamento. Mas, atentos às vossas necessidades sempre, foi autorizada a saída do produto. Dispostos a ajudar, propomos criar um stock de segurança nas V/instalações, stock esse que não será pago por V/Exas. Se usado, será por nós feito o acerto na próxima entrega. O efeito desta medida é eliminar qualquer contingência que possa surgir, não ficando em falta qualquer produto. (…).” 12 - Em 30 de Março de 2007 a "D..." entregou à R. os produtos constantes da "Guia de Remessa a Cliente" 127000122 (junta a fls 162 - com a indicação "Fornecimento extra contrato"). 13 - Em 13 de Abril de 2007 a "D..." entregou à R. os produtos constantes da "Guia de Remessa a Cliente" 127000165 (junta a folhas 164 - com a indicação "Stock de Segurança"). 14 - Em 24 de Abril de 2007 a "D..." entregou à R. os produtos constantes da "Guia de Remessa a Cliente" 127000199 (junta a fls 60 e166). 15 - Em 8 de Maio de 2007 a R. devolveu à A. a factura 700241 de 13.04.2007 (fls 65-66 - relativa a "Stock Segurança"). 16 - Em 31 de Maio de 2007 a "D..." entregou à R. os produtos constantes da "Guia de Remessa a Cliente" 127000324 (junta a fls 169 - com a indicação "Fornecimento extra contrato"). 17- Em 18 de Setembro de 2007 a R. enviou à A. a carta junta a fls 46 (cujo teor se dá aqui por reproduzido – onde se lê que: "Dando cumprimento ao disposto na cláusula 3ª dos Termos e Condições Gerais do Contrato de Prestação de Serviços que, com o n.º SO230, mantemos com V.Exas desde 5 de Janeiro 2006, vimos proceder à Denúncia do mesmo. Assim, aquele contrato manter-se-á em vigor até ao dia 4 de Janeiro de 2008, data a partir da qual será considerado extinto."). 18- Em 30 de Setembro de 2007 a A. emitiu a factura 700764 junta a fls 12-11 (no valor total de 4.205,16€ - com a indicação "FORNECIMENTO EXTRA CONTRATO", e as referências "GR 127000122 de 30-03-2007", “GR 127000165 de 13-04-2007", "GR 127000199 de 24-04-2007" e "GR127000324 de 31-05-2007") - que a R. não pagou. 19 - Em 2 de Novembro de 2007 a A. emitiu a factura 700867 junta a fls 10 (no valor total de 2.178,31€ - com a indicação "RENDA MENSAL — 1 ANO De 2-11-2007 a 1-12-2007 Contrato J.... SO230”) – que a R. não pagou. 20 - Em 14 de Novembro de 2007 (fls 48 a 51) a R. devolveu à A. a factura n.º 700764 de 30.09.2007 no valor de 4.205.16€, declarando que "O contrato já contempla este tipo de fornecimentos, continuamos a não aceitar Facturas extra contrato." 21 - Em 26 de Novembro de 2007 a A. enviou à R. a carta junta a folhas 56 – onde declara que: "Vimos por este meio reenviar a n/factura n.º 700764 de 30.09.2007 relativa aos extras entregues nas v/instalações, conforme cláusula n° 5 dos termos e condições gerais do contrato de prestação de serviços (...)." 22 - Em 7 de Janeiro de 2008 (fls 52 a 54) a R. devolveu à A. a factura n.º 700764 de 30.09.2007 no valor de 4.205.16€, declarando que "O contrato já contempla este tipo de fornecimentos, continuamos a não aceitar Facturas extra contrato." 23 - Em 7 de Janeiro de 2008 a A. enviou à R. a carta junta a fls 63-64 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – onde se lê que: "(...) Foi expressamente acordado que o pagamento das facturas seria efectuado a 90 dias das respectivas facturas. (…).". Tal matéria não sofreu impugnação, nada impondo diversamente. Com a ressalva de se dever ter admitido por acordo e documento que: - “9-A – Em 25-05-2006 a Ré (F...) enviou à A. (G...) a mensagem reproduzida a folhas 44, metade superior, onde ler-se pode: “Conforme nossa conversa telefónica de hoje, penso que não será justo para a C... …estar já a suportar custos desde a 1ª prestação…Contudo e apesar do meu descontentamento proceda-se às alterações que propõe no e-mail.”. - De no n.º 8 dever passar a constar, mais rigorosamente “Em 24 de Maio de 2006, 6:52 PM”. - E, no n.º 9 “Em 24 de Maio de 2006, 19:08”. Vejamos então. II - 1 - Considerou-se na sentença recorrida: “Relativamente à factura 700867 (ponto 19 da matéria de facto), a R reconhece dever o valor mensal acordado – mas pretende que, tendo o contrato sido alterado (em Maio de 2006) com efeitos retroactivos, deve ser imputado no valor devido a diferença existente entre a ‘caução' ("última renda") inicialmente paga (2.000€+IVA=2.420€) e o valor mensal (Novembro de 2007) em vigor à data da emissão da factura (1.800€+IVA=2.178,31€); assim, deve ser condenada a pagar à A. a quantia de 1.936€ (1.600€+IVA21%), acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde 2 de Fevereiro de 2008 (90 dias após a emissão da factura, conforme acordado). No que respeita à factura 700764 (ponto 19 da matéria de facto), importa começar por notar que o fornecimento efectivo dos produtos (constantes das guias de remessa mencionadas na factura) foi realizado pela "D...", e que não se tratou de produtos incluídos na ‘avença mensal' contratada com a A.; assim sendo, ao exigir da R. o pagamento (de um ‘serviço' que não prestou), apenas o poderia fazer com base em transmissão de crédito da "D....", com base no artigo 577º/1 do Código Civil. Esta transmissão de créditos (com referência à possibilidade de emitir as facturas - de onde decorrerá o direito de cobrar a dívida) encontra-se prevista no contrato celebrado entre A. e R. – nomeadamente, na cláusula 5: constitui direito da "D..." cobrar todos os produtos extra após a entrega dos mesmos, podendo a ora A. ficar "com o direito de facturar e cobrar" à ora R. aqueles produtos extra "Em caso do Cliente cessar o presente contrato antecipada e unilateralmente". No presente caso, não foi isto que aconteceu: a R. não cessou o contrato "antecipada e unilateralmente" (ponto 17 da matéria de facto), antes o levou ao seu termo, declarando não pretender a sua renovação, nos termos (expressamente invocados) da cláusula 3; ora, chegando o contrato ao seu termo, não se pode considerar ter havido uma cessação "antecipada" – pelo que o direito de cobrar os produtos extra fornecidos se manteve na esfera jurídica da "D...", não podendo a R. ser condenada a pagar tais produtos à ora A..”. Sustentando a Recorrente, e como visto, que ao pronunciar-se sobre o direito de a A. se arrogar o fornecedor e logo o credor do preço, relativamente à factura 700764, quando a demandada apenas impugna o fornecimento e não a legitimidade daquela para o cobrar, a qual aliás reconhece como sua exclusiva fornecedora/prestadora do serviço, o tribunal teria conhecido de questões não colocadas pelas partes, violando o princípio do dispositivo, “quando não se considere cometido excesso de pronúncia”. Ora, desde logo, ponto é que, e precisamente, a nulidade de sentença prevista no art.º 668º, n.º 1, alínea d), 2ª parte, do Código de Processo Civil, traduzida no conhecimento pelo juiz “de questões de que não podia tomar conhecimento”, corresponde à violação do aludido princípio geral do processo civil – consagrado no art.º 264º do Código de Processo Civil – seja stricto sensu, na vertente da “disponibilidade sobre a conformação do seu objecto” – com substanciação de uma causa de pedir – seja correspondendo ao chamado princípio da controvérsia, traduzido – e pelo que agora pode interessar – na disponibilidade relativa à alegação dos factos principais da causa, isto é, os que integram a causa de pedir e os que fundam as excepções”. [1] Na verdade, corresponde o chamado excesso de pronúncia ao conhecimento de causas de pedir não invocadas ou de excepções na exclusiva disponibilidade das partes, que as não arguiram,[2] utilizando, como fundamento da decisão, matéria não alegada, contra o também expressamente disposto nos art.ºs 660º, n.º 2, e 664º, do Código de Processo Civil. Constituindo tal nulidade, nas palavras de Teixeira de Sousa, o “corolário do princípio da disponibilidade objectiva”. E, efectivamente, não foi introduzida por qualquer das partes a questão da “ilegitimidade” da A., face aos termos do contrato, para “exigir da R. o pagamento (de um ‘serviço' que não prestou)” tratando-se de um “crédito da "D..."”, que lhe não teria sido transmitido. Mostrando-se a questão controvertida balizada em termos de exigibilidade do pagamento dos “fornecimentos” efectivamente realizados, e como tal aceites, facturados pela A. – sem que se haja posto em crise caber àquela tal facturação e a recepção dos pagamentos que sejam devidos. Exigibilidade impugnada pela Ré, apelando à circunstância de se tratarem de produtos facturados ou como “Fornecimentos Extra Contrato”, ou referentes a “Stock de Segurança” – compreendidos na mensalidade acordada ou a “acertar” no fornecimento do mês seguinte – ou, finalmente, por corresponderem pura e simplesmente ao “fornecimento mensal contratado”, estando em causa, neste último caso, uma duplicação de facturação, vd. art.ºs 26º a 42º da contestação. Porém, uma tal – não nominada na sentença recorrida – “ilegitimidade” não é do domínio dos pressupostos processuais relativos às partes, como pretende a Recorrida, assim procurando subtrair o seu conhecimento oficioso à área da, concluída, nulidade de sentença. Para que assim fosse, teria de ter sido equacionada face aos termos da relação controvertida, tal como configurada pela A., cfr. art.º 26º, do Código de Processo Civil. O que não foi nem poderia ser o caso. Com efeito a A. peticionou a condenação da Ré no pagamento da importância de duas facturas por si emitidas, alegando a prestação de serviços/materiais à Ré, no âmbito do contrato que referencia, entre ambas celebrado. E, ter sido acordado “que se eventualmente fosse efectuado, pela A., algum fornecimento extra, esses bens ou serviços seriam facturados e pagos separadamente”. Nessa conformidade havendo sido por ela emitida e entregue à A., para além de outra referente a mensalidade, a aludida factura n.º 700764, cfr. art.ºs 3º a 5º, da p. i. Do que se trata, no plano abordado na sentença recorrida, assim nessa parte posta em crise, é pois da chamada legitimidade substantiva da A., interessando já ao mérito da causa. Com conhecimento, reitera-se, de questão que não havendo sido suscitada, não era de conhecimento oficioso. Aliás, assinala-se, conquanto apenas marginalmente, não vemos que a redacção do n.º 5 das “Condições Gerais” do contrato respectivo imponha o entendimento acolhido, “ex officio”, na sentença recorrida. E isto, assim, tendo presente que o contrato foi celebrado entre a A. e a Ré, apenas, sendo que o seu “objecto…é comercialmente designado por “J....”, vd. n.º 2-2.1. E nos termos do n.º 6 das mesmas “Condições” “O preço a pagar pelo CLIENTE pelas prestações da B... acima enunciadas será o indicado nas “Condições Particulares”. Sendo tais prestações da B.... …concretizadas no n.º 4 das mesmas “Condições Gerais”, com reporte às “Condições Particulares” e em comum para a D..., como da epígrafe respectiva resulta: “4 – Obrigações da B../I...”. Apenas se prevendo, no n.º 7.8, como “Obrigações do cliente”, “Pagar à B... as facturas por esta apresentadas em execução do presente contrato, nos termos e prazos nelas previstos”. E se é certo que no sobredito n.º 5 se estabelecem como ”Direitos da I...…5.1. Cobrar o serviço J... de acordo com o estipulado nas ‘Condições Particulares’. 5.2. Cobrar todas as outras despesas suplementares e produtos extra após a entrega dos mesmos.”, ponto também é que na economia do clausulado contratual se contemplam tanto a cobrança pela D..., como a facturação e recebimento de “pagamento” do cliente pela B.... Aliás, a corresponder o tal direito da D..., de cobrança do serviço J...., ao exclusivo da facturação e recebimento directo do respectivo pagamento, então o argumento da sentença relativo à factura 700764 valeria igualmente para a factura 700867, respeitante, e apenas, à renda mensal do “Contrato J....”. Nada sobrando para ser facturado pela B... e a esta pago. O que no n.º 5.5. das ditas “Condições Gerais” se estabelece – em conformidade com o disposto nos art.ºs 810º e 811º, do Código Civil – é uma verdadeira cláusula penal compensatória,[3] para a hipótese de o cliente fazer cessar o contrato “antecipada e unilateralmente”, fora dos casos contemplados no n.º 3 (denúncia com a antecedência mínima de 90 dias em relação à data da sua renovação). Definindo-se que, nessa eventualidade, “a B... fica com o direito de facturar e cobrar àquele mesmo CLIENTE o montante equivalente ao serviço prestado ou a prestar relativamente a todo o período de vigência do contrato inicialmente previsto.”. Independentemente de o serviço prestado o haver sido pela B... ou pela D.... E a previsão do accionamento de tal cláusula, pela AIKON, não exclui que quanto aos serviços prestados no âmbito do contrato celebrado entre ela e o cliente, não possa a mesma proceder à facturação e ao recebimento do pagamento correspondente, como aliás decorre dos citados n.ºs 6 e 7. Dir-se-á que na economia das cláusulas gerais do contrato se estabelecem obrigações de prestação de serviços comuns tanto à outorgante B... como à não outorgante D... …e o direito de “cobrar” os montantes correspondentes a esses serviços tanto da B... como da D..., embora cometendo apenas à primeira a correspondente facturação. A declaração da nulidade da sentença recorrida não obsta a que, substituindo-se ao Tribunal recorrido, conheça esta Relação do mérito da causa, cfr. art.º 715º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Como se passará a fazer. II-2- Para além da questão relativamente à qual se concluiu pelo excesso de pronúncia da sentença recorrida, uma outra porém se pode colocar no tocante à factura 700764 – e que se mostra aflorada na sentença recorrida – relativamente à existência do direito arrogado pela A. Considerou-se naquela, e quanto à referida factura, “que não se tratou de produtos incluídos na ‘avença mensal’ contratada com a A.”. E na verdade, de acordo com o aludido documento, trata-se de facturação de “Fornecimento extra contrato”, vd. folhas 12 e 11. Sendo, aliás, que verificando as guias de remessa a que aquela factura reporta – a saber, as n.ºs 127000122, 127000165, 127000199, 127000324 – constatamos que a 1ª e a 4ª respeitam expressamente a "Fornecimento extra contrato", e a 2ª a "Stock de Segurança". A 3ª, reproduzida a folhas 60 e 166 – com a indicação "Guia de Remessa a Cliente" – descreve todo um conjunto de produtos que, na espécie, corresponde exactamente ao elenco dos consumíveis a fornecer mensalmente, nos termos contratados, com diferenças pontuais relativas às quantidades. De extras se tratando também aí, já por tal ser assumido na factura respectiva, já por, doutro modo, ser forçoso concluir por alguma sorte de duplicação relativamente àquilo que contratualmente estava incluído na “renda mensal”… …Que debitada era sem discriminação, por redundante, das quantidades de produtos fornecidas e preço unitário, como da factura n.º 700867, a folhas 10, se alcança. Ora como decorre da factualidade apurada, o contrato de prestação de serviços inicialmente celebrado entre A. e Ré, veio a sofrer alterações – por acordo das partes, alcançado na correspondência a propósito documentada – no sentido de não haver lugar a facturação de extras contrato, e de ser criado um stock de segurança nas instalações da Ré, “que não será pago por V/Exas. Se usado, será por nós feito o acerto na próxima entrega.”, vd. n.ºs 7 a 11, da matéria de facto. Tratando-se, tal acerto, e como assim se nos afigura meridiano, da dedução às quantidades a entregar – contratualmente incluídas no “valor mensal” do serviço – das unidades retiradas do stock de segurança. Mas, isto posto, temos que na parte assim em causa, a A. veio a juízo pedir a condenação da Ré no pagamento de importâncias que lhe não são devidas, por respeitarem a “fornecimentos” de produtos que ou já estavam incluídos na contraprestação mensal fixa paga pela Ré – sendo que os termos do contrato passaram a excluir, com efeitos retroagidos ao início daquele, a facturação de produtos “extra contrato” – ou respeitavam ao tal “stock de segurança”, cuja utilização era “compensada”/acertada, no fornecimento do mês seguinte. O que sempre determinaria a improcedência parcial da acção. Em observância do disposto no n.º 7 do art.º 713º, do Código de Processo Civil, passa a elaborar-se sumário, como segue: “A nulidade de sentença, em que se resolve o excesso de pronúncia constitui corolário do princípio da disponibilidade objectiva, seja na vertente da disponibilidade sobre a conformação do objecto da causa, seja correspondendo ao chamado princípio da controvérsia, enquanto traduzido na disponibilidade relativa à alegação dos factos principais da causa.” III- Nestes termos, acordam em julgar a apelação improcedente, confirmando, embora com fundamentação não totalmente coincidente, a sentença recorrida. Custas pela Recorrente. Lisboa, 2009-03-19 (Ezagüy Martins) (Maria José Mouro) (Neto Neves) [1] Vd. José Lebre de Freitas, in “Introdução ao Processo Civil”, Coimbra Editora, 1996, págs. 121-123 e 130-132. [2] Cfr. José Lebre de Freitas. A. Montalvão Machado. Rui Pinto, in “Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 670, e Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, LEX, 1997, pág. 222. [3] Cfr. a propósito, João Calvão da Silva, in “Cumprimento e sanção pecuniária compulsória”, Coimbra, 1987, págs. 247-248. |