Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1075/06.4TBFUN-A.L1-7
Relator: CRISTINA COELHO
Descritores: INVENTÁRIO
RELAÇÃO DE BENS
RECLAMAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/09/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: 1. Em processo de inventário, versando a reclamação apresentada sobre a mesma questão que versava reclamação anterior, é inaplicável o disposto no nº 6 do art. 1348º do CPC.
2. Decidido o incidente de reclamação da relação de bens, por excesso de uma das verbas, por despacho transitado em julgado, no qual se mandou relacionar essa verba de determinada forma, impõe-se o caso julgado formal daquele despacho a impedir a reapreciação da mesma matéria.
3. As “questões” sobre as quais cabe à conferência de interessados deliberar, nos termos do art. 1353º, nº 4, al. b) do CPC, devem ser questões de facto, isto é, não devem ser problemas de direito.
(sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam nesta 7ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO.
I requereu processo de inventário facultativo por óbito de J, seu pai, falecido em 28.07.1999.
São herdeiras a requerente I e M, suas filhas.
Foi nomeada cabeça-de-casal a requerente que, em 1.08.2006, apresentou relação de bens.
Em 4.09.06, a interessada M reclamou da relação de bens apresentada, pedindo a exclusão da verba nº 2 da mesma, por não fazer parte do acervo hereditário, alegando, em síntese, que:
- Aquando da realização da escritura de habilitação de herdeiros, a cabeça de casal declarou que o falecido não havia deixado testamento, pelo que impugna o mesmo;
- Apenas fazem parte do acervo hereditário os bens que o J detinha na sua propriedade à data da morte, sendo que nenhum dos contratos celebrados com a V teve a intervenção do de cujus, mas sim das interessadas, em nome próprio e não como herdeiras, pelo que o prédio não era propriedade daquele.
Juntou 3 escrituras de compra e venda, uma de prédio rústico e 2 de fracções autónomas.
A cabeça de casal respondeu, defendendo a improcedência da reclamação, e juntou 1 contrato de compra e venda e justificação, no qual outorgou o de cujus, um “contrato” para construção de um conjunto residencial, outorgado entre as interessadas e a V e um contrato de compra e venda de fracção autónoma.
Foi proferido despacho, a apreciar a reclamação apresentada, indeferindo-a e ordenando que a cabeça-de-casal juntasse nova relação de bens, na qual constasse o produto da venda/permuta das benfeitorias pertencentes ao inventariado (preço e fracções autónomas) [1].
Notificado às interessadas, não foi objecto de recurso, tendo a cabaça de casal, em cumprimento do ordenado, junto nova relação de bens, mais informando que a cabeça de casal já vendeu a verba nº 3 e a interessa M já vendeu as verbas nºs 4 e 5 [2].
Marcada conferência de interessados, veio a interessada M, em 28.06.07, alegar que as interessadas fizeram entre si partilha parcial de bens de J, pelo que devem ser excluídas do inventário as verbas nºs 2 a 5 da relação de bens [3].
No dia da conferência de interessados [4], o mandatário da interessada M ditou para a acta requerimento reclamando da relação de bens apresentada na sequência do despacho judicial, alegando que as interessadas venderam o prédio então pertencente à herança pelo preço de 6.000.000$00, valor esse que deve ser relacionado, excluindo-se da relação de bens as fracções relacionadas sob as verbas nºs 2 a 5.
Após o mandatário da cabeça de casal se ter pronunciado, foi proferido despacho que indeferiu a reclamação.
Não se conformando com o teor deste despacho, dele agravou a interessada M, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões:
            1. Foi aberto um processo de inventário facultativo, por morte de J, pai da duas interessadas no processo sub judice.
            2. Por despacho do Tribunal a quo foi ordenado que se juntasse uma nova relação de bens pela cabeça de casal.
            3. Na nova relação de bens, a cabeça de casal juntou nas verbas 2 a 5, quatro unidades habitacionais.
            4. As referidas quatro unidades habitacionais vieram à posse das duas interessadas, duas para cada um, por compra escritura à sociedade V, LDA.
            5. A nova relação de bens devia apenas incluir a verba de seis milhões de escudos produto recebido a título de preço pelas duas interessadas, de comum acordo, por venda de um prédio pertencente à herança do pai.
            6. Ao venderem o prédio, bem da herança na qualidade de herdeiras, de comum acordo, e por escritura pública, as interessadas fizeram uma verdadeira partilha extrajudicial.
            7. Este valor, os 6.000.000$00, resultante do produto da venda/alienação de um bem da herança, é que deveria ter sido relacionado, e não as quatro unidades habitacionais.
            8. A interessada, M, em conferência de interessados, reclamou da relação de bens apresentada, reclamação que foi indeferida pelo Tribunal a quo.
            9. Ao abrigo, tanto do artigo 1348º, nº 6, como do artigo 1553º, nº 4 do CPC, a reclamação da relação de bens interposta pela interessada M em plena conferência de interessados, é tempestiva e não transitou em julgado a decisão de que reclamou.
            Termina pedindo que se considere tempestiva a reclamação sobre a relação de bens apresentada pela interessada M na conferência de interessados e se considere que houve uma verdadeira partilha extrajudicial de um bem da herança, pelas duas únicas herdeiras e interessadas, devendo ser relacionado o produto da alienação de um bem da herança, os 6.000.000$00 em substituição das quatro unidades habitacionais.
A cabeça de casal contra-alegou, propugnando pela manutenção do despacho recorrido.

            QUESTÕES A DECIDIR.
            Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões da recorrente ( arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC ), as questões a decidir são:
            1ª- Se é tempestiva a reclamação apresentada pela interessada M, na conferência de interessados, contra a relação de bens apresentada pela cabeça de casal na sequência do despacho que ordenou a correcção da mesma;
            2ª- Se houve partilha extrajudicial quanto a um bem da herança.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
Para além do que consta do relatório, mostra-se relevante a seguinte factualidade:
1º- Na relação de bens apresentada pela cabeça de casal constavam os seguintes bens: “VERBA UM – Metade de prédio urbano térreo composto de um quarto e uma arrecadação à Rua  a confrontar de Norte com V, de Sul com A, de Nascente com A e de Poente com logradouro público, inscrito na matriz da freguesia com o Artigo matricial nº  implantado sobre terreno de T com o valor de 1.000,00 €. VERBA DOIS – Crédito da Herança sobre a interessada M relativo à diferença entre a sua quota parte – 1/3 – e aquela que recebeu – ½ - resultante da venda ou permuta das benfeitorias por apartamentos celebrada com a V em consequência do aparecimento posterior ao negócio do testamento junto aos autos e de valor ilíquido, mas nunca inferior a 100.000,00 €” [5].
2º- Sobre a reclamação apresentada pela interessada M à relação de bens foi proferido despacho com o seguinte teor: “... A verba em causa é a seguinte: crédito da herança sobre a interessada M relativo à diferença entre a sua quota parte – 1/3 – e aquela que recebeu – ½ - resultante da venda ou permuta das benfeitorias por apartamentos celebrada com a V em consequência do aparecimento posterior ao negócio do testamento junto aos autos e de valor ilíquido, mas nunca inferior a 100.000,00 €. A razão de ser da relacionação do referido crédito reside no facto de as interessadas terem dividido ao meio o produto da venda/permuta realizada com a V, quando, no entender da cabeça de casal, por força do testamento que lhe deixou a quota disponível, a cabeça de casal tinha direito a uma quota superior.. Vejamos. Estipula o art. 1345º nº 1 do CPC que os bens que integram a herança são especificados na relação por meio de verbas (...). O cabeça de casal deve relacionar todos os bens da herança que hão-de figurar no inventário ainda que a respectiva administração lhe não pertença. Como tais se consideram os que se encontravam na posse do inventariado ao tempo da sua morte. Entre os bens a relacionar compreendem-se, sem margem para dúvidas, o produto da alienação dos bens da herança levada a cabo por acordo entre os interessados, no período decorrente da sua abertura à investidura no cabeçalato (Cfr. LOPES CARDOSO, Partilhas Judiciais, vol. I, reimp. Da 4ª ed. De 1990, Coimbra, 2000, p. 422). É, pois, pacífico, que deve ser relacionado o produto da venda/permuta das benfeitorias que à data da abertura da sucessão pertenciam ao património do inventariado. Tal conclusão é independente da existência ou não de testamento. Ainda que não existisse testamento tal bem carecia de ser relacionado. O testamento apenas influirá, no momento processual oportuno, na forma da partilha. Não obstante, a cabeça de casal não relacionou o produto da venda/permuta referida, mas o crédito a que julga ter direito. Ora, como vimos, nesta sede o que importa é verificar quais os bens que integram a herança e relacionar tais bens. Consequentemente, não é de crédito que se trata. Pelo exposto, indefere-se a reclamação e ordena-se que a cabeça de casal junte nova relação, em 10 dias, na qual conste o produto da venda/permuta das benfeitorias pertencentes ao inventariado (preço e fracções autónomas).
3º- A nova relação de bens apresentada pela cabeça de casal é do seguinte teor: “VERBA 1 ..., VERBA 2 Unidade habitacional, designada pela letra “M”, localizada no quarto andar, tipo T-dois, zona poente, com o local de estacionamento automóvel nº 11 e arrecadação com o nº 12, sito à Rua , inscrito na matriz predial sob o artigo  e descrito na C. R. Predial  com o valor de 115.000,00 €. VERBA 3 Unidade habitacional, designada pela letra “O”, localizada no quarto andar, tipo T-um, com o local de estacionamento automóvel nº 15 e arrecadação com o nº 16, sito à Rua , inscrito na matriz predial sob o artigo descrito na C. R. Predial , com o valor de 105.840,00 €. VERBA 4 Unidade habitacional, designada pela letra “J”, localizada no terceiro andar, tipo T-dois, com o local de estacionamento automóvel nº 12 e arrecadação com os nºs 10 e 11, sito à Rua  inscrito na matriz predial sob o artigo e descrito na C. R. Predial com o valor de 115.000,00 €. VERBA 5 Unidade habitacional, designada pela letra “L”, localizada no terceiro andar, tipo T-um, com o local de estacionamento automóvel nº 10 e arrecadação com o nº 14, sito à Rua , inscrito na matriz predial sob o artigo e descrito na C. R. Predial , com o valor de 105.840,00 €”.
4º- O despacho recorrido é do seguinte teor: “Insurge-se a interessada M contra a relação de bens junta a fls. 141. Entende a mesma que apenas deve ser relacionado o valor de 6.000.000$00, uma vez que foi esse o valor do produto da venda do prédio pertencente à herança. Todavia, em nosso entender não pode a referida interessada ignorar os restantes documentos juntos aos autos dos quais resulta, inequivocamente, ter existido uma permuta de tal prédio pelas fracções que vieram a ser relacionadas a fls. 141 sobre as verbas 2 a 5. Acresce que, como bem nota a cabeça de casal, o despacho de fls. 94 que ordenou a junção da relação de bens naqueles moldes não mereceu qualquer reparo por parte das interessadas, já que do mesmo não foi interposto recurso, tendo tal decisão transitado em julgado. Assim, uma vez que a reclamante não suscitou qualquer questão que ainda não haja sido decidida por despacho transitado em julgado, encontra-se esgotado o poder jurisdicional nessa matéria, já que a cabeça de casal através da relação junta mais não fez do que cumprir um despacho judicial transitado em julgado. Pelo exposto, indefere-se a reclamação. ...”.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Conforme resulta do relatório, a interessada M insurge-se contra o despacho da Mma Juiz recorrida que lhe indeferiu, em sede de conferência de interessados, um requerimento a pedir a exclusão das verbas relacionadas sob nºs 2 a 5 da relação de bens, por entender que tal questão já tinha sido objecto de apreciação por despacho transitado em julgado, mostrando-se esgotado o poder jurisdicional nessa matéria.
Pretende a recorrente, em primeiro lugar, e como não podia deixar de ser, que se reconheça que estava em tempo para apresentar tal reclamação, face ao disposto nos arts. 1348º, nº 6 e 1353º, nº 4, ambos do CPC.
Dispõe o art. 1348º do CPC que “1. Apresentada a relação de bens, são os interessados notificados de que podem reclamar contra ela, no prazo de 10 dias, acusando a falta de bens relacionados, requerendo a exclusão de bens indevidamente relacionados, por não fazerem parte do acervo a dividir, ou arguindo qualquer inexactidão na descrição dos bens, que releve para a partilha. ... 6. As reclamações contra a relação de bens podem ainda ser apresentadas posteriormente, mas o reclamante será condenado em multa, excepto de demonstrar que a não pôde oferecer no momento próprio, por facto que não lhe é imputável”.
Como escreve Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. II, 2ª ed., pág. 265, “o nº 6 vem esclarecer que a não apresentação de oportuna reclamação, no prazo legal, contra a relação de bens não tem efeito preclusivo, podendo ainda ser apresentada ulteriormente, mediante o pagamento de uma multa, quando se não baseie em factos objectiva ou subjectivamente supervenientes – adoptando, deste modo, regime análogo ao previsto para a junção tardia de documentos ...” (sublinhado nosso).
O nº 6 do art. 1348º do CPC funciona como uma “válvula de escape, de modo a permitir a partilha integral e justa do acervo hereditário, mas sem prejuízo da observância da disciplina processual” [6].
A reclamação contra a relação de bens deve fazer-se no prazo de 10 dias a contar da notificação aos interessados da junção daquela aos autos.
Não reclamando o interessado naquele prazo, pode, contudo, posteriormente [7], reclamar, embora sujeito a multa nos termos do mencionado artigo.
E mesmo que tenha reclamado contra a relação de bens naquele prazo, pode, posteriormente, reclamar, mais que uma vez, desde que tal reclamação não verse sobre os mesmos bens de que já havia reclamado [8].
Ou seja, a reclamação continua a dever ser feita no prazo previsto no nº 1 do mencionado artigo.
Contudo pode, ainda, ser feita posteriormente, se não tiver sido feita no momento certo ou se respeitar a outros bens.
No caso sub judice, notificada da relação de bens junta aos autos pela cabeça de casal, a recorrente, em tempo, apresentou reclamação contra a mesma, requerendo a exclusão de uma das verbas dela constantes.
Posteriormente, em sede de conferência de interessados [9] vem, de novo, reclamar contra a “nova” relação de bens apresentada, pedindo a exclusão de quatro das verbas nela relacionadas.
Embora esta nova reclamação não incida sobre os mesmos bens [10], o que é um facto é que versa sobre a mesma questão, reconduzindo-se à mesma reclamação, com base nos mesmos factos.
Tanto assim é que os bens relacionados na 2ª relação de bens sob as verbas 2 a 5 foram relacionados naqueles termos, em substituição da verba nº 2 da 1ª relação de bens, por ordem do tribunal e na sequência da apreciação da reclamação apresentada pela recorrente à 1ª relação de bens.
Com base nos documentos juntos aos autos pela recorrente com a sua reclamação e pela cabeça de casal na resposta àquela, a Mma Juiz recorrida indeferiu a reclamação, mas mandou corrigir a relação de bens, ordenando que a verba nº 2 fosse substituída por forma a constar da relação de bens “o produto da venda/permuta das benfeitorias pertencentes ao inventariado (preço e fracções autónomas)” (sublinhado nosso).
E foi isso que a cabeça de casal fez: retirou a verba que relacionava o crédito da herança e, em substituição, fez constar 4 verbas relacionando as 4 fracções autónomas em causa.
Ora, na reclamação apresentada na conferência de interessados a recorrente insurge-se contra a inclusão das 4 fracções na relação de bens.
Ou seja, suscita a mesma questão já anteriormente colocada, pondo em causa, no fundo, o despacho que determinou que a relação de bens fosse elaborada daquela forma.
Sendo a questão a mesma, versando sobre o mesmo “bem”, não podia a recorrente beneficiar do disposto no art. 1348º, nº 6 do CPC.
Como se sumariou no Ac. do STJ de 5.11.02, P. 02A3262, in www. dgsi.pt (embora em causa estive reclamação contra a falta de relacionação de bens), “não se pondo o problema em termos de uma 1ª reclamação quanto à falta de relacionação de bens em processo de inventário, mas de repetição da anterior, é inaplicável o disposto no nº 6 do art. 1348º do CPC”.
Mas mais do que isso, a questão suscitada pela recorrente na conferência de interessados versava, como já referido, questão já devidamente apreciada pelo tribunal, e transitada em julgado, uma vez que nenhuma das interessadas dela recorreu.
O processo de inventário assume natureza mista: tanto graciosa como contenciosa.
No decurso do processo de inventário, surgem questões em termos discordantes entre os interessados (nomeadamente no que respeita aos bens a partilhar) que têm de ser resolvidas através de uma decisão judicial.
Como escrevia Alberto dos Reis in CPC Anotado, Vol. III, pág. 117, “há evidentemente questões que podem e devem decidir-se no processo de inventário; quanto a elas, o inventário funciona precisamente como uma acção, assume o aspecto de processo contencioso”.
Também Lopes Cardoso in Partilhas Judiciais, 1979, Vol. I, pág. 23 defendeu que “já se sustentou que a partilha é mais um acto de carácter administrativo do que um acto de carácter jurisdicional .... Certamente que o inventário pode revestir esta feição e algumas vezes a reveste, mas noutras apresenta-se como um processo contencioso nitidamente definido. É um processo complexo que pode revestir uma e outra natureza, consoante no seu decurso surjam ou não questões entre os interessados e a actividade jurisdicional é ou não provocada para decidir controvérsias. Quer dizer: - se o Juiz, no inventário, é solicitado para autenticar o deliberado pelos interessados, sem oposição de ninguém, pode dizer-se que ele é um processo gracioso; se, ao contrário, os interessados não estão de acordo, suscitam questões quanto à falta de descrição de bens, validade ou interpretação do testamento ou doação,  impugnam a legitimidade própria ou alheia, opõem-se à prática de determinados actos ..., o juiz é forçado a decidir, a administrar justiça e o processo transforma-se em contencioso”.
Neste casos, ao decidir sobre determinada questão, se a decisão não for objecto de recurso, forma-se caso julgado formal a impedir a reapreciação da mesma matéria.
No caso em apreço, a questão suscitada na reclamação apresentada na conferência de interessados é a mesma que foi suscitada na 1ª reclamação apresentada, que foi objecto de despacho judicial, transitado em julgado e que fez caso julgado formal quanto à questão apreciada e decidida.
Aí se apreciou se devia ou não fazer parte da relação de bens o preço e fracções resultantes da venda e permuta de um bem pertencente ao de cujus à data da morte e mandou-se descrever tais fracções.
Não tendo tal decisão sido objecto de impugnação por meio de recurso, transitou em julgado, não podendo ser reapreciado, como pretendia (e pretende) a recorrente, se tais fracções devem ou não ser relacionadas [11].
Bem andou, pois, a Mma Juiz recorrida ao entender que o seu poder jurisdicional sobre tal matéria se encontrava esgotado (art. 661º, nº 1 do CPC).
A reclamação apresentada na conferência de interessados foi, pois, intempestiva ao contrário do defendido pela recorrente.
Acresce referir que também não permite concluir pela sua tempestividade o disposto no art. 1353º, nº 4 do CPC, como defende a recorrente.
O artigo 1353º tem por epígrafe “Assuntos a submeter à conferência de interessados” e estatui no seu nº 4 que “Na falta do acordo previsto no nº 1, incumbe ainda à conferência deliberar sobre: a) as reclamações deduzidas sobre o valor atribuído aos bens relacionados; b) Quaisquer questões cuja resolução possa influir na partilha”.
Em causa estaria a al. b), uma vez que a questão não se prende com o valor atribuído aos bens.
Lopes Cardoso, in ob. cit., Vol. II, pág. 182, sublinha que a lei não diz quais são essas questões cuja resolução pode influir na partilha. Mas adianta que “a necessidade de resolver questões, a sua influência na determinação da partilha e a ausência de problemas de direito, são os princípios que hão-de servir de critério orientador nesta matéria”.
A este propósito também Carvalho de Sá in “Do Inventário - Descrever, Avaliar e Partir”, pág. 112, escreve que “a lei, como é óbvio, não as enumera e apenas aponta, de um modo geral, para a influência que a resolução delas possa ter na partilha, devendo, no entanto acrescentar-se que devem ser questões de facto, isto é, não devem ser problemas de direito”.
Ora, no caso sub judice, são, manifestamente, questões de direito que se suscitam.
E sobre as mesmas existia (e existe) já decisão judicial transitada em julgado.
            Assim sendo, para além de não ter sido tempestiva a reclamação contra a relação de bens apresentada na conferência de interessados, não cumpre a este tribunal apreciar a outra questão suscitada pela recorrente, ou seja, se existiu partilha extrajudicial de um bem da herança.
Ao apreciar a 1ª reclamação contra a relação de bens apresentada pela cabeça de casal, tendo em conta toda a documentação junta aos autos, entendeu a Mma Juiz que não tinha existido qualquer partilha extrajudicial de um bem da herança, mas a venda do mesmo, por comum acordo das interessadas, como resulta do despacho dado por reproduzido sob o ponto 2 da fundamentação de facto supra.
Não assiste, pois, qualquer razão à recorrente, nada havendo a criticar à decisão recorrida.

DECISÃO.
            Pelo exposto, acorda-se negar provimento ao agravo, mantendo-se a decisão recorrida.
            Custas pela recorrente.
                                                                       *
                                                           Lisboa, 2009.06.09

                                                          
(Cristina Coelho)


(Soares Curado)


(Roque Nogueira)

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[1] Cfr. fls. 76.
[2] Cfr. fls. 78 e 79.
[3] Cfr. fls. 80.
[4] Que teve lugar a 12.07.07.
[5] Cfr. fls. 50.
[6] Ac. da RL de 4.12.2008, P. 10348/2008-6, in www.dgsi.pt.
[7] Até à sentença homologatória da partilha.
[8] Neste sentido, cfr. Ac. da RP de 27.01.05, P. 0437302, in www.dgsi.pt.
[9] E mesmo por requerimento aos autos antes da conferência.
[10] Na 1ª o pedido de exclusão reportava-se à verba 2 que relacionava um crédito da herança, e na 2ª reporta-se às verbas 2 a 5 que relacionam fracções autónomas.
[11] Neste sentido, cfr., entre outros, os Acs. da RP de 10.03.92, P. 9110619, de 9.11.92, P. 9220236, de 08.05.97, P. 9631208, todos in www. dgsi.pt.