Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3432/08.2TBTVD-A.L1- 8
Relator: CAETANO DUARTE
Descritores: APREENSÃO DE VEÍCULO
LESÃO GRAVE
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/08/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: - Os factos provados quanto ao justo receio da requerente resumem-se à desvaloriza­ção do veículo decorrente do seu uso e agravada pelo decurso do tempo. Parece-nos que este efeito é uma consequência normal da existência dum veículo: desvaloriza com o uso e com o decurso do tempo pelo que estaríamos perante facto notório que nem era preciso alegar.
-não se vê em que medida a falta de entrega do veículo torna mais gravosa essa desvalorização: se o veículo não for usado, a sua desvalorização será provavelmente maior e o tempo decorreria e desvalorizaria sempre o veículo quer este fosse entregue ou não.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

M – S.A. intentou providência cautelar não especificada contra J pedindo a apreensão imediata do veículo M com a matrícula -76.. Alega ter celebrado com o requerido contrato de aluguer de longa duração de veículo sem condutor, tendo-se este obrigado a pagar mensalmente € 400,26. Estão por pagar as mensalidades 21 a 26 no valor global de € 2 478,68. A continuação da utilização do veículo pelo requerido importa uma desvalorização do mesmo, agravada pelo decurso do tempo e acarreta perigos de acidentes sem protecção de seguro ou a apreensão do veículo.
Efectuada a produção da prova oferecida pela requerente, foi proferida a decisão de fls. 33 e 40 que julgou improcedente a providência. Desta decisão, vem o presente recurso de apelação interposto pelo requerente.
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Nas suas alegações, defende o apelante, em resumo:
- O direito que se pretende acautelar com esta providência é o da restituição do veículo e não apenas um direito de natureza obrigacional;
- O simples facto de o veículo não ser restituído justifica o receio do requerente em que lhe seja causada lesão grave e dificilmente reparável do seu direito à restitui­ção do veículo;
- Este receio resulta da recusa do requerido em proceder à entrega voluntária do veículo à requerente, continuando ilicitamente na posse do mesmo com os ineren­tes riscos e inconvenientes para a requerente;
- A não restituição do veículo acarreta prejuízos irreparáveis, decorrentes da desvalorização da viatura pelo uso e pelo decurso do tempo.
A recorrida não contralegou.
O juiz a quo manteve a sua decisão.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
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Foram considerados provados os seguintes factos:
- A requerente é uma sociedade que tem por objecto o exercício da actividade de aluguer de veículo automóvel sem condutor;
- No exercício da sua actividade, a requerente celebrou com o requerido o contrato de aluguer de longa duração de veículo sem condutor n.º ..., o qual teve por objecto o veículo automóvel, marca M, com matrícula 76, chassis n.º adquirido pela requerente ao fornecedor designado ML, pelo preço de € 29 300,00, IVA incluído;
- A propriedade sobre o veículo automóvel objecto do contrato ALD encontra-se ins­crita a favor da requerente;
- Nos termos do contrato ALD celebrado, o requerido obrigou-se a pagar à reque­rente alugueres mensais no valor de € 400,26, cada um, aos quais acresce o valor do IVA, calculado à taxa em vigor na data dos respectivos vencimentos;
- No n.º 3 da clausula 4 da condições gerais do contrato de ALD, requerente e reque­rido acordaram em que o valor dos alugueres seria alterado em função de variações que viessem a verificar-se na taxa Euribor (a 3 meses);
- O requerido não pagou à requerente, nem na data do seu vencimento, nem posterior­mente, os alugueres a seguir descriminados, que somam o valor de € 2 478,68, IVA incluído:
- aluguer 21 vencido em 20.04.2008 no valor de € 30,38;
- aluguer 22 vencido em 20.05.2008 no valor de € 49,70;
- aluguer 23 vencido em 20.06.2008 no valor de € 491,70;
- aluguer 24 vencido em 20.07.2008 no valor de 487,64;
- aluguer 25 vencido em 20.08.2008 no valor de € 488,63;
- aluguer 26 vencido em 20.09.2008 no valor de € 488,63;
- Em face do exposto no artigo precedente, a requerente comunicou ao requerido, através da carta registada datada de 08.10.2008 que deveria proceder à liquidação dos alugueres vencidos e não pagos no prazo máximo de 8 dias, sob pena de se considerar o contrato de ALD automaticamente rescindido nessa data e, consequentemente, constituído o requerido na obrigação de proceder à imediata devolução à requerente, nas instalações desta do veículo automóvel dele objecto;
- Nos termos do disposto no nº 1 da clausula 14 das condições gerais do mesmo, tendo decorrido o prazo referido no artigo anterior, sem que o requerido tenha pago à requerente os alugueres vencidos, deve considerar-se o contrato de ALD automaticamente rescindido sendo o requerido obrigado a proceder à imediata devolução à requerente do veículo automóvel objecto do contrato, por força do disposto no n.º 3 da aludida clausula;
- Até à presente data, o requerido não só não pagou à requerente os alugueres venci­dos até à resolução do contrato de ALD, como não procedeu à devolução do veículo automóvel dele objecto;
- Mesmo depois de contactado pela requerente nos termos atrás referidos, o reque­rido não pagou as quantias em dívida nem devolveu o veículo;
- A circunstância de o veículo automóvel propriedade da requerente continuar a ser utilizado pelo requerido implica uma desvalorização do veículo;
- A desvalorização do veículo automóvel é ainda acentuada pelo mero decurso do tempo.
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O objecto do recurso é delimitado pelas alegações dos recorrentes – artigo 684º do Código de Processo Civil. No caso dos autos, há que decidir se pode considerar-se verificado o requisito do periculum in mora.
Dispõe o n.º1 do artigo 381º do Código de Processo Civil:
“1 –Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, (…)
A interpretação que tem sido dada a este dispositivo legal é de se entender que basta um juízo de verosimilhança ou probabilidade relativamente ao direito cuja titulari­dade se invoca e, no que se refere à lesão grave e de difícil reparação, que se forme um juízo de verdade, de realidade ou certeza sobre o mesmo. Por outras palavras, basta que o direito que se pretende defender seja provável mas é necessário que a lesão exista efectiva­mente e se prove que é grave e a sua reparação se mostre difícil.
Os factos provados quanto ao justo receio da requerente resumem-se à desvaloriza­ção do veículo decorrente do seu uso e agravada pelo decurso do tempo. Parece-nos que este efeito é uma consequência normal da existência dum veículo: desvaloriza com o uso e com o decurso do tempo pelo que estaríamos perante facto notório que nem era preciso alegar. Por outro lado, não se vê em que medida a falta de entrega do veículo torna mais gravosa essa desvalorização: se o veículo não for usado, a sua desvalorização será provavel­mente maior e o tempo decorreria e desvalorizaria sempre o veículo quer este fosse entregue ou não.
Mas admitamos que esta desvalorização pode ser considerada uma lesão grave do direito da requerente. Onde podemos encontrar a difícil reparabilidade dos prejuízos decorren­tes desta desvalorização? A requerente não o explica e não vemos qualquer razão para o dar como assente. Se houvesse prova que o requerido tinha descaminhado ou visava descaminhar o veículo ou, por outra qualquer forma, tinha a intenção de não entregar o veículo nem pagar nada à requerente, poderíamos dar por provada essa difícil reparabilidade. Mas nada disso resulta dos autos e pode-se admitir que o requerido irá indemnizar a requerente por todos estes prejuízos. Por outras palavras, a desvalorização invocada e pro­vada pela requerente não é, só por si, suficiente para justificar e dar como provado que o direito da requerente foi alvo de lesão grave e de difícil reparação.
Em resumo, a requerente não logrou provar que o seu receio de lesão do seu direito se justifique. Não podia, por isso, a providência deixar de ser indeferida.
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Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando na íntegra a decisão recorrida.
Custas pela apelante.

Lisboa, 8 de Outubro de 2009
José Albino Caetano Duarte
António Pedro Ferreira de Almeida
Fernando António da Silva Santos