Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
576/09.7TBBNV.L1
Relator: ROQUE NOGUEIRA
Descritores: DIREITO DE RESPOSTA TR LIBERDADE DE IMPRENSA.
LEI DE IMPRENSA
LIBERDADE DE IMPRENSA
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/13/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - A Lei de Imprensa (Lei nº2/99, de 13/1) não prevê a recusa de publicação da resposta por motivo de irregularidades formais desta, pelo que, no caso, a recusa não se podia fundar no desrespeito das regras de certificação da identidade do respondente.

II - Não é preciso que as referências feitas sejam objectivamente atentatórias da reputação e boa fama, bastando que o interessado as considere como tais, não cabendo ao director do jornal sindicar a idoneidade ou inidoneidade da notícia para lesar a reputação e a boa fama de outrem.

III - Só não existe relação directa e útil entre a resposta e o texto que a motiva, quando aquela seja de todo alheia ao tema em discussão e se mostre irrelevante para desmentir, contestar ou modificar a impressão causada pelo texto a que se responde.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

1 – Relatório.

No Tribunal Judicial , A deduziu a providência prevista no art.27º, nº1, da Lei de Imprensa (Lei nº2/99, de 13/1), para efectivação do exercício do direito de resposta, contra P, S.A., na qualidade de proprietária do jornal diário «C» e R, na qualidade de Director do mesmo jornal.
Para o efeito, alega que é Presidente da Câmara Municipal e que aquele jornal publicou uma peça cujo conteúdo põe em causa o bom nome e reputação do requerente, bem como, a imagem pública do próprio Município.
Mais alega que, por isso, solicitou ao referido jornal a publicação do texto da sua resposta, que, no entanto, lhe foi recusada.
Conclui, assim, que deve ser ordenado aos requeridos a publicação, com igual destaque, no jornal «C», da resposta recusada.
Os requeridos contestaram, invocando a ilegitimidade da P, S.A., e, ainda, a falta de requisitos formais do texto de resposta, a falta de legitimidade do Município de para apresentar um texto de direito de resposta, bem como, a falta de outros requisitos que justificaram a recusa de publicação daquele texto.
Concluem, deste modo, que a referida sociedade deve ser absolvida do pedido e que a acção deve ser julgada improcedente.
Seguidamente, foi proferida decisão, absolvendo a requerida P, S.A. da instância, por ser parte ilegítima, e, na procedência da acção contra o requerido, determinando a publicação da resposta no jornal «C».
Inconformados, os requeridos interpuseram recurso daquela decisão, que veio a ser admitido em sede de reclamação do despacho que havia indeferido o respectivo requerimento.
Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – Fundamentos.
2.1. Na decisão recorrida consideraram-se provados os seguintes factos:
1. No dia 2 do corrente mês de Abril de 2009 o jornal C publicou uma peça sob o título " - Suspeitas de tráfico de influências e corrupção - Autarquia na mira das autoridades", "Procuradoria confirma investigação a presidente da Câmara de , a presidente da junta de freguesia, a 2 empresários e a l engenheiro".
2. Tal peça jornalística foi ilustrada com uma fotografia do requerente e uma fotografia do edifício da Câmara Municipal, com a seguinte legenda: "A é presidente da Câmara Municipal e vice-presidente da N".
3. Na mesma peça pode, além do mais, ler-se o seguinte: «A queixa foi apresentada no dia 19 de Março deste ano à procuradora-geral do Tribunal da Comarca Judicial de e já está nas mãos da Polícia Judiciária (PJ), confirmou ao CM fonte da Procuradoria-Geral da República (PGR). Estão em causa crimes de corrupção, tráfico de influências, crime de participação em negócio e de favorecimento pessoal de que são suspeitos cinco intervenientes: o presidente da Câmara de e vice-presidente da Associação (N), A, o presidente da Junta de Freguesia de, C, dois empresários, D e E, e um engenheiro, F. O autor da queixa é G, um empresário local, que diz ter sido já alvo de ameaças físicas por parte do presidente da Junta de Freguesia . G comprou um terreno em 1994. Garante que na altura não estava dentro da Reserva Ecológica Natural (REN) e que esta só foi estabelecida posteriormente. Em finais de 2007 decidiu aproveitar o terreno para um negócio. Falou com o presidente da junta que lhe garantiu ter autorização de A. Porém, no final da construção do armazém, a câmara embargou-lhe a obra por violação da REN. O empresário contestou com o facto de existirem outras construções mesmo ao lado. "E começou uma guerra que já dura há mais de um ano", disse, sublinhando que foi por isso que decidiu avançar para a Justiça "e denunciar todas as ilegalidades na autarquia de ". Contactado pelo CM, A afirmou conhecer a queixa: "A construção violava a REN e por isso mandámos demolir e o senhor contestou apresentando-me alguns casos que estariam nas mesmas condições", disse, alegando que esses casos estão "a ser avaliados. Mas como é óbvio todas estas coisas levam o seu tempo", acrescentou, sublinhando que ainda não foi ouvido pelas autoridades.»
4. O requerente solicitou, por fax, no dia 2 de Abril de 2009, o exercício do direito de resposta, remetendo o texto constante do documento n.° 2 junto com a petição inicial e inserto a fls. 23 e ss. dos autos, que se dá aqui por integralmente reproduzido, o qual se mostra assinado "O Presidente da Câmara Municipal, A" e impresso em papel timbrado da Câmara Municipal de e, em 3 de Abril de 2009, remeteu novamente a primeira página de tal texto, solicitando a substituição da primitiva face à necessidade de rectificação de um lapso de escrita quanto à indicação de uma data. Em tal texto pode ler-se: "Porque o teor da notícia é difamatório do meu bom nome e do Município que presido, cumpre-me solicitar a V. Exa. ao abrigo da lei da Imprensa, a publicação dos seguintes esclarecimentos: l. O queixoso, Sr. G, formulou através de requerimento entrado nos serviços municipais em 2005.06.02, pedido de informação simples sobre a viabilidade de construção de um stand de exposição de ar condicionado e aquecimento central. 2. O supracitado requerimento foi objecto de informação do Sector de Arquitectura em 2005.06.13, no qual se emitiu parecer desfavorável, porquanto a propriedade, face ao PDM se inseria em Espaço Florestal, estando integralmente inserida na REN, pelo que não era possível o licenciamento de qualquer construção. 3. Tal informação foi homologada por despacho do Presidente da Câmara em 2005.06.14, e o seu teor transmitido a G através do ofício n.0 , de 2005-06.17. 4. Assim, desde a recepção do ofício que o Sr. G sabia que lhe era interdito erigir qualquer tipo de construção. 5. Não obstante tal conhecimento, o Sr. G, em Novembro c Dezembro de 2007 edificou um pavilhão com 240 m2/ sem licenciamento. 6. Quando em finais de Novembro de 2007 os serviços municipais detectaram que o Sr.G se encontrava a construir o pavilhão, foram adoptadas as primeiras medidas de legalidade urbanística - despacho determinando o embargo da obra (o qual não foi possível concretizar por nunca se encontrar ninguém no local), vistoria ao local, análise técnica e jurídica da situação concreta, bem como notificação da intenção de se proferir ordem de demolição. 7. Na sequência da ordem de demolição fui contactado pelo Sr. G em horário de atendimento ao público, questionando-me sobre a hipótese de se poder evitar tal demolição, tendo-o esclarecido, bem como ao seu advogado, H, que não seria viável a legalização do pavilhão, porquanto tal pretensão violava o disposto no PDM, bem como o regime jurídico da REN. 8. Na sequência dessa resposta, o queixoso G e o seu advogado afirmaram-me existirem outras construções que igualmente desrespeitavam o PDM e o regime jurídico da REN. Pedi-lhes que me indicassem as respectivas localizações, porque não deixaria de tomar as decisões consentâneas com o cumprimento da legalidade. 9. Perante a denúncia efectuada de edificações supostamente ilegais, num terreno dum vizinho, Sr. D, duma construção de barracão pertencente a E e de uma construção sita no …, foram imediatamente tomadas as decisões impostas por lei. Das decisões tomadas e informações prestadas pelos Serviços Técnicos foi dado conhecimento ao Dr. H, advogado do queixoso. 10. Tendo sido esta a minha actuação no processo, considero difamatória a notícia e a suspeição criada junto da opinião pública, pelo que não deixarei de actuar em conformidade com a defesa do meu bom nome e da Câmara Municipal a que presido. Suspeita de tráfico de influências? Corrupção? Quem as praticou? É o desafio que deixo aos autores da queixa. Mais quero afirmar que estou à inteira disposição dos inquiridores para prestar os esclarecimentos em sede do processo, bem como, coloco desde já à disposição dos mesmos o conhecimento de tudo o que diga respeito à minha vida pessoal considerado relevante para a descoberta da verdade".
5. A publicação do texto referido em 4, foi recusada ao requerente, por carta datada de 6 de Abril de 2009, na qual o requerido R apresenta para tal recusa os seguintes fundamentos: falta de requisitos formais, porque a resposta não foi acompanhada de documento de identificação do requerente; falta de legitimidade do requerente enquanto pretende exercer o direito de resposta do Município de , sendo que o direito de resposta apenas podia ser apresentado em exclusivo nome do requerente; inexistência de referências no texto publicado que possam afectar a reputação e boa fama do requerente; falta de relação directa e útil da resposta com o texto publicado; falta de referência directa no texto ao requerente; recusa implícita do requerente ao exercício do direito de resposta pois lhe foi disponibilizada a possibilidade de comentar, repudiar, corrigir, rectificar ou responder aos factos que iriam integrar a notícia, previamente à sua publicação, tendo o requerente decidido não exercer esse direito.
2.2. Os recorrentes rematam as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. Deve ser acrescentado à matéria de facto provada que: "a notícia limita-se a relatar um facto que é verdadeiro", uma vez que constam documentos juntos aos autos adequados a fazer essa prova e o próprio Recorrido não impugnou a veracidade dos factos constantes da notícia.
2. Nos termos do número 3 do artigo 25° da Lei 2/99, de 13 de Janeiro, "o texto de resposta ou rectificação, (...) deve ser entregue com (i) a assinatura e (ii) identificação do autor".
3. Entende o Recorrente que o número 3° do artigo 25 da Lei da Imprensa exige que o autor do direito de resposta prove a sua identidade, pelo envio de documento adequado ou simples referência do número, data de emissão e entidade que emitiu o referido documento, conforme melhor se evidencia nas alegações.
4. Pese embora o Recorrente ter alegado que o teor da noticia em nada ofendia o bom-nome ou reputação do Recorrido, decidiu o Tribunal "a quo" que, "o juízo primário sobre o carácter lesivo das referências do escrito original pertence ao visado" (...) e "o que importa é que o respondente considere que o texto é ofensivo ou que os factos referidos são atentatórios do seu bom-nome a reputação ou são simplesmente inverídicos ou erróneos".
5. Entende o Recorrente que o artigo 24° da Lei da Imprensa não prevê que o "visado" tenha total discricionariedade na determinação das referências que entenda serem ofensivas do seu bom-nome.
6. Na verdade, defende o Recorrente que deve existir um mínimo de bom senso, no sentido de não permitir que toda e qualquer referência seja passível de motivar a apresentação de um texto de resposta.
7. Ora, objectivamente, a referência de que alguém moveu contra outra pessoa uma queixa-crime não é passível de ofender o seu bom-nome ou a sua reputação.
8. Pelo acima referido, entende o Recorrente que, o Tribunal "a quo" ao reconhecer a possibilidade de o Recorrido se ter sentido ofendido no seu bom-nome e reputação, pela simples noticia de que contra este foi movido um processo crime, viola o artigo 38° da Constituição da República Portuguesa que prevê a liberdade de imprensa, direito de aplicação imediata nos termos do artigo 18 do mesmo diploma, e não faz a melhor interpretação do artigo 24° da Lei da Imprensa.
9. A informação foi confirmada junto da Procuradoria-geral da República que atestou que o processo fora recebido e remetido para a Polícia Judiciária, tendo o Recorrente junto cópia da queixa apresentada com carimbo de entrada junto do Tribunal de .
10. Ora, dispõe o número 8 do artigo. 26° da Lei da Imprensa que, "no caso de, por sentença com trânsito em julgado, vir a provar-se a falsidade do conteúdo da
resposta ou da rectificação e a veracidade do escrito que lhes deu origem, o autor da
resposta ou da rectificação pagará o espaço com ela ocupado pelo preço igual ao triplo da tabela de publicidade do periódico em causa, independentemente da responsabilidade civil que ao caso couber".
11. Contudo, defende a sentença objecto do presente recurso que, "...não compete ao director do periódico sindicar a verdade ou a falsidade da notícia".
12. A verdade é que, caso assim fosse, e se a veracidade dos factos noticiados não tivesse qualquer relevância, a Lei da Imprensa não proveria o mecanismo constante do número 8 do artigo 26° da Lei da Imprensa.
13. Ora, resulta evidente que, o mecanismo constante do referido normativo, aplicado à questão que o Recorrido alega ser ofensivo do seu bom-nome (ter sido contra ele movido um processo crime), associado ao facto de constar dos presentes autos cópia do comprovativo da referida participação, seria sempre possível a recusa de publicação do referido texto e o Tribunal "a quo" assim deveria ter decidido.
14. Contudo, ao admitir a publicação de um direito de resposta, mesmo quando este visa responder factos objectivos e verdadeiros, a decisão proferida pelo Tribunal ''a quo" viola os números 1 e 2 do artigo 24° da Lei da Imprensa.
15. Ora, o artigo 3° da Lei de Imprensa prescreve que "a liberdade de imprensa tem como únicos limites os que decorrem da Constituição e da lei, de forma a salvaguardar o rigor e objectividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defender o interesse público e a ordem democrática".
16. Assim, ao impor a publicação de um texto de direito de resposta, quando o texto da notícia se integra claramente dentro da previsão do artigo 3° da Lei da Imprensa, a sentença em recurso viola a referida disposição.
17. Por outro lado uma vez que a noticia publicada, relatou factos verdadeiros e o seu conteúdo é de interesse público, atenta a gravidade dos crimes noticiados, a divulgação dos factos está abrangida pelo direito de informar previsto no artigo 37° da Constituição da República Portuguesa,
18. Ao não permitir que a referida informação seja livremente publicada, a sentença viola o artigo 37° da Constituição da República Portuguesa
19. Por último, dispõe o número 4 do artigo 25° da Lei da Imprensa que "...o conteúdo da resposta ou da rectificação é limitado pela relação directa e útil com o
escrito ou imagem respondido…''
20. Ora, a notícia descreve uma situação que terá ocorrido entre o autor da queixa e o Presidente da Junta de Freguesia (e não_o_Presidente da Câmara__Municipal, Requerente do texto do direito_de_resposta e ora Recorrido) quando do pedido de aprovação de um licenciamento apresentado por aquele.
21. 0 objecto central da noticia não é o licenciamento ou falta de licenciamento do projecto apresentado por G mas antes a queixa crime que este apresentou contra várias pessoas.
22. Ora, entende o Recorrente que o texto apresentado não tem qualquer correspondência com o texto de noticia porque naquele o Recorrido, refere datas, procedimentos e pedidos que G terá feito junto da Câmara Municipal , na tentativa de edificar um pavilhão sem licenciamento.
23. Resulta claro da leitura do texto da noticia que, o objecto e tema central da mesma, não é o pedido de licenciamento que o referido munícipe terá apresentado, mas antes a queixa crime que este fez contra o Recorrido.
24. Assim, resulta evidente que, o texto apresentado não visava rectificar qualquer erro ou imprecisão, nem responder a qualquer imputação que tivesse sido feita ao Recorrido.
25. Assim, entende o Recorrente que a sentença referida peto Tribunal "a quo", ao admitir a publicação do texto do direito de resposta do Recorrido, viola o número 4 do artigo 25° da Lei da Imprensa.
26. Com a revogação da sentença em recurso, devem ser reposta a situação de facto que existia antes de ter sido publicado o texto do direito de resposta do Recorrido.
27. Assim, e uma vez que o texto de resposta foi publicado gratuitamente nos termos da Lei da Imprensa, entende o Recorrente que, com a revogação da sentença deve este receber do Recorrido, o montante que receberia caso o espaço onde o texto foi publicado tivesse sido vendido nos termos das tabelas publicitarias e a publicação de texto não tivesse sido feita gratuitamente.
28. Ao condenar a sociedade Recorrente em custas, uma vez que esta foi absolvida da instância, a sentença viola o artigo 446° do Código do Processo Civil.
Nestes termos e com o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência,
a) Alterada a matéria de facto julgada provada nos presentes autos, nos termos em que passe a constar que: "a 19 de Março de 2009 foi apresentada queixa-crime contra o Recorrido" e que "a notícia limita-se a relatar um facto que é verdadeiro".
b) Revogada a sentença do Tribunal da 1a Instância, nos termos acima referidos, julgando legítima a recusa de publicação do texto de direito de resposta, sob pena de violação dos números 3 e 4 do artigo 25°, 24° e 26° todos da Lei 2/99, de 13 de Janeiro, artigo 446° do Código do Processo Civil e artigo 42° da Lei n.° 33/99 de 18 de Maio (alterada pelo Decreto-Lei n° 323/2001, de 17 de Dezembro e pelo Decreto-Lei nº 194/2003, de 23 de Agosto) e artigo 37° da Constituição da República Portuguesa.
2.3. São as seguintes as questões que importa apreciar no presente recurso:
– saber se a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto deve ser alterada pela Relação, no sentido pretendido pelos recorrentes;
– saber se foi legítima a recusa de publicação do texto do direito de resposta.
2.3.1. Entendem os recorrentes que a matéria de facto julgada provada deve ser alterada, no sentido de dela passar a constar que «a 19 de Março de 2009 foi apresentada queixa-crime contra o Recorrido» e que «a notícia limita-se a relatar um facto que é verdadeiro».
Verifica-se, no entanto, que o facto de a referida queixa ter sido apresentada no dia 19 de Março daquele ano consta do ponto 3º da matéria de facto considerada provada, que, aliás, reproduz o teor da peça jornalística em questão.
Por outro lado, do que se trata é da selecção da matéria de facto relevante que se considera assente e não propriamente de conclusões e valorações de factos (cfr. os arts.508º-A, nº1, al.e) e 511º, do C.P.C.). Isto é, apenas há que atender aos factos materiais e concretos, já que as ilações derivadas desses factos há-de tirá-las o tribunal. Assim, não tem que constar da matéria de facto julgada provada que «a notícia se limita a relatar um facto que é verdadeiro».
Haverá, deste modo, que concluir que a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto não deve ser alterada pela Relação, no sentido pretendido pelos recorrentes.
2.3.2. No que respeita à 2ª questão, haverá que subdividi-la em três subquestões, a fim de se apurar se foi legítima a recusa de publicação do texto da resposta, quais sejam:
1ª – saber se tal recusa se podia fundar no desrespeito das regras de certificação da identidade do respondente;
2ª – saber se o respondente foi objecto de referências que podiam afectar a sua reputação e boa fama;
3ª – saber se o conteúdo da resposta não tem relação directa e útil com o escrito respondido.
2.3.2.1. Segundo os recorrentes, o nº3, do art.25º, da Lei de Imprensa (Lei nº2/99, de 13/1), exige que o autor do direito de resposta prove a sua identidade pelo envio de documento adequado ou simples referência do número, data de emissão e entidade que emitiu o referido documento.
Na decisão recorrida, considerou-se que, apesar de o citado artigo prescrever a obrigatoriedade de o texto de resposta ou rectificação conter a assinatura e identificação do seu autor, tal não impõe que o escrito se faça acompanhar de cópia do bilhete de identidade do interessado, nomeadamente quando, como sucede no caso dos autos, o texto foi remetido em papel timbrado da Câmara Municipal e de fax da mesma Câmara, encontrando-se assinado pelo requerente, na qualidade de Presidente da mesma. Acresce que, refere-se, ainda, naquela decisão, o próprio requerido respondeu ao requerente, dirigindo tal resposta ao Presidente da Câmara Municipal e atribuindo-lhe o título académico de «Dr.», que não constava do texto recusado, pelo que, é lícito supor que o requerido não duvidou da autoria de tal texto, sendo manifesto abuso de direito a sua invocação em tais circunstâncias.
Concorda-se com a argumentação expendida na decisão recorrida. Na verdade, o requerido não pôs em causa a autoria do texto da resposta, tanto mais quanto é certo que informou o requerente, por escrito, acerca da recusa da publicação da resposta e dos seus fundamentos. Assim, se tivesse dúvidas sobre a identidade do respondente, certamente que não lhe prestaria aquela informação, antes lhe comunicaria a alegada deficiência, até para lhe possibilitar o suprimento, já que, ainda que se tratasse de uma resposta em forma irregular, não deixaria de ser uma resposta. Refira-se, por último, que a lei não prevê a recusa de publicação da resposta por motivo de irregularidades formais desta (cfr. o art.26º, nº7, da Lei de Imprensa).
Haverá, deste modo, que concluir que tal recusa não se podia fundar no desrespeito das regras de certificação da identidade do respondente.
2.3.2.2. Segundo os recorrentes, ao admitir a publicação de um direito de resposta, mesmo quando este visa responder a factos objectivos e verdadeiros, integrando-se estes dentro da previsão do art.3º, da Lei de Imprensa, a decisão recorrida violou o disposto naquele artigo e no art.24º, nºs 1 e 2, da mesma Lei. Por outro lado, uma vez que o conteúdo da notícia publicada é de interesse público, atenta a gravidade dos crimes noticiados, ao não permitir que a referida informação seja livremente publicada, aquela decisão violou o art.37º, da CRP. Por último, ao reconhecer a possibilidade de o recorrido se ter sentido ofendido no seu bom-nome e reputação, a referida decisão violou o art.38º, da CRP.
Na sentença recorrida considerou-se que a peça jornalística em questão é objectiva e subjectivamente passível de afectar a reputação e boa fama do requerente, não podendo concluir-se que seja completamente exacta e verdadeira, pelo que, carece de base a recusa do exercício do direito de resposta alicerçada neste fundamento. Defendeu-se aí a posição perfilhada por Vital Moreira, in O Direito de Resposta na Comunicação Social, bem como, o entendimento seguido pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social, designadamente, nas Deliberações do Conselho Regulador nº4/DR-I/2007, de 24/1, e 4/DR-I/2009, segundo o qual «o instituto do direito de resposta reconhece a todos aqueles visados por referências que possam afectar a sua reputação e boa fama o direito de quanto a estas justaporem as suas contraversões, sendo pacífico o entendimento que sustenta neste domínio a insindicabilidade, em princípio, quer da apreciação subjectiva dos visados quanto ao carácter das referências de que sejam objecto, quer do conteúdo da resposta que por estes venha a ser apresentada».
Vejamos.
Nos termos do disposto no art.37º, nº4, da CRP, «A todas as pessoas, singulares ou colectivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de rectificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos». Assim, o direito de resposta é, nas palavras de Gomes Canotilho e Vital Moreira, 1993, 227, anotação X ao art.37º «um instrumento de defesa das pessoas contra qualquer opinião ou imputação de carácter ofensivo ou prejudicial, ou contra qualquer notícia ou referência inverídica ou inexacta». O que significa que o direito de resposta se encontra garantido na Constituição em termos bastante amplos, como direito de resposta e de rectificação.
Seguindo muito de perto o expendido por Vital Moreira, ob.cit., págs.72 e segs., dir-se-á que o direito de resposta, previsto na Constituição entre os «direitos, liberdades e garantias» de natureza pessoal, no contexto da «liberdade de expressão e informação», goza, assim, do estatuto de direito fundamental de nível constitucional, o que sublinha a importância que o instituto assume em Portugal, já que a sua guarida constitucional não é um fenómeno corrente em direito constitucional comparado, embora na maior parte dos países ele faça parte integrante do direito da comunicação social. Como direito fundamental, o direito de resposta é directamente aplicável e vincula as entidades públicas e privadas, não pode ser restringido, nem suspenso, a não ser em determinadas circunstâncias, e não é renunciável (cfr. os arts.18º e segs., da CRP). A sua consideração como direito fundamental constitucional assume particular significado, além do mais, na interpretação das normas infraconstitucionais que o regulam.
O direito de resposta tem subjacente a ideia de que todos devem ter o poder de ripostar com igualdade de armas às acusações de que são vítimas, sendo um instrumento ao serviço da afirmação e preservação da autonomia individual das pessoas e instituições, tanto mais necessário quanto é certo que, nas sociedades modernas, os meios de comunicação de massa são cada vez mais poderosos e castigam, muitas vezes, de forma mais severa do que os tribunais. Trata-se, pois, de um instrumento de defesa, por parte de qualquer pessoa visada por declaração ou afirmação pública de outrem, dos seus direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, nomeadamente, dos direitos pessoais mencionados no art.26º, da Constituição. O que revela a sua faceta de garantia dos direitos de personalidade.
Mas o direito de resposta é também um direito de acesso aos meios de comunicação social, para responder por palavras próprias às referências ofensivas ou inverídicas de que se seja objecto nos meios de comunicação. O que traduz uma forma do direito de expressão e de acesso individual aos meios de informação, proporcionando aos leitores diferentes pontos de vista sobre os mesmos factos. Aliás, o que há de específico no direito de resposta reside no facto de o respectivo titular ter o direito de fazer publicar ou emitir declaração própria no mesmo órgão de comunicação social onde foi proferida a declaração, gratuitamente e em prazo útil (cfr. os arts.24º e segs., da Lei de Imprensa).
Note-se que o princípio da igual eficácia da resposta é um princípio estruturante do estatuto constitucional do direito de resposta e que, por isso, deve funcionar como regra primordial de interpretação e aplicação do respectivo regime legal. Trata-se de igualdade quanto às condições de difusão e de eficácia quanto à capacidade de contrabater o impacto da notícia primeiramente veiculada.
Refira-se, ainda, que o direito de resposta é independente da culpa ou da responsabilidade do órgão de comunicação social, sendo também irrelevante o facto de o texto ser uma transcrição de outra fonte ou reprodução de declarações de terceiros, pois o que é decisivo é a publicação, na medida em que torna necessário levar junto do público o ponto de vista de quem responde.
Por conseguinte, o instituto do direito de resposta não visa garantir a verdade da comunicação, mas antes facultar a contraposição de um ponto de vista alternativo, proporcionando ao seu titular um direito à publicação da sua verdade pessoal no próprio órgão de informação em que surgiu o texto originário. O que, de todo o modo, não anula ou apaga integralmente os efeitos da notícia originária, pois que, para o leitor comum, a resposta é sempre defesa em causa própria.
Assim sendo, a questão de saber se as referências feitas podem afectar a reputação e boa fama de alguém ou se as referências de facto que digam respeito a alguém são inverídicas ou erróneas (cfr. o art.24º, nºs 1 e 2, da Lei de Imprensa), depende, em princípio, exclusivamente do interessado, isto é, não é preciso que o sejam objectivamente, sendo suficiente que o interessado as considere como tais. Ao responsável do órgão de comunicação social não compete, pois, controlar se a notícia é verdadeira ou falsa ou avaliar a sua idoneidade para lesar a reputação e boa fama de outrem. A não ser que, e por isso se disse atrás «em princípio», seja manifesto a todas as luzes que nenhuma dessas situações é sequer questionável. Na verdade, em caso de dúvida do director do jornal sobre o fundamento da resposta, deve prevalecer o direito de resposta, não bastando também que ele esteja convicto de que a notícia não é ofensiva ou que as referências de facto são verídicas. Ou seja, é indispensável que esteja de todo excluído que o respondente possa sentir-se ofendido ou possa ter motivos para contestar a veracidade dos factos, devendo, em caso de incerteza, ser publicada a resposta, pois que é mais grave a recusa de uma resposta devida do que a publicação de uma resposta indevida.
Não se defende, assim, uma total discricionariedade na determinação das referências que alguém entenda serem ofensivas do seu bom-nome. Do que se trata é de um controlo de limites, tendo esses limites a mesma função que noutros países é conferida à proibição do abuso de direito de resposta ou à exigência de um interesse legítimo na resposta, como refere Vital Moreira, ob.cit., pág.120.
Não se diga, pois, que, objectivamente, a referência de que alguém moveu contra outra pessoa uma queixa-crime não é passível de ofender o seu bom-nome ou a sua reputação e que, ao assim não entender, a decisão recorrida violou o art.38º, da CRP, que prevê a liberdade de imprensa, e não fez a melhor interpretação do art.24º, da Lei de Imprensa. E também não se diga que a notícia publicada relatou factos verdadeiros e que o seu conteúdo é de interesse público, pelo que, ao não permitir que a referida informação fosse livremente publicada, aquela decisão violou o art.37º, da CRP.
Como já se referiu, por um lado, não é preciso que as referências feitas sejam objectivamente atentatórias da reputação e boa fama, bastando que o interessado as considere como tais. Por outro lado, não é ao director do jornal que cabe sindicar a idoneidade ou inidoneidade da notícia para lesar a reputação e a boa fama de outrem. Por último, é evidente que, no caso, não está de todo em todo excluído que o respondente, ora recorrido, possa sentir-se ofendido com as referências feitas, ainda que constantes de uma queixa-crime. O facto de ser verdade que foi apresentada aquela queixa, não implica que seja verdade o conteúdo da mesma. Sendo que, este é objectiva e subjectivamente passível de afectar a reputação e boa fama do respondente, bastando atentar no seu teor, que se encontra reproduzido no ponto 3º da matéria de facto considerada provada.
Não se vê, pois, como possa entender-se ter sido violado o disposto nos arts.37º e 38º, da CRP, tanto mais que é o próprio art.37º, no seu nº4, que prevê o direito de resposta, que foi assim concebido como direito fundamental constitucional, pelo que, as normas que o regulam, designadamente, os nºs 1 e 2, do art.24º, da Lei de Imprensa, devem ser interpretadas em consonância com a Constituição, que assegura aquele direito em condições de igualdade e de eficácia, o que traduz um seu princípio estruturante, que deve funcionar como regra fundamental de interpretação do respectivo regime legal. Interpretação esta que aponta no sentido defendido na decisão recorrida e que ora se reitera, por ser a que está de acordo com o estatuto constitucional do direito de resposta.
E não se invoque o disposto no nº8, do art.26º, da Lei de Imprensa, para se defender a tese contrária, já que, apesar de estarmos perante um processo judicial para efectivação do direito de resposta (art.24º, daquela Lei), que é um processo especial de julgamento destes casos, particularmente célere e sumário, onde os poderes de cognição do juiz estão limitados pela natureza daquele direito e pelo carácter expedito do processo, não podendo, por isso, apreciar nem a natureza ofensiva ou prejudicial ou inverídica do texto respondido, nem escrutinar o mérito ou a veracidade da resposta, o que é certo é que, como já resulta do atrás exposto, bem pode acontecer que, por exemplo, a resposta seja carecida de toda a verosimilhança, caso em que, provando-se a falsidade do conteúdo da resposta e a veracidade do escrito que lhe deu origem, por sentença com trânsito em julgado, tem lugar a aplicação do disposto no citado art.26º, nº8. Consequentemente, não pode retirar-se deste artigo qualquer argumento em sentido desfavorável ao que ora se defende.
Haverá, assim, que concluir que o requerente foi objecto de referências que, no seu entender, e também objectivamente, podiam afectar a sua reputação e boa fama.
2.3.2.3. Entendem os recorrentes que o texto apresentado não tem qualquer correspondência com o texto da notícia porque, naquele, o recorrido refere datas, procedimentos e pedidos que G terá feito junto da Câmara Municipal, na tentativa de edificar um pavilhão sem licenciamento, enquanto que, neste, o objecto e tema central é a queixa-crime que aquele munícipe fez contra o recorrido, pelo que, a decisão recorrida, ao admitir a publicação do texto do direito de resposta violou o nº4, do art.25º, da Lei de Imprensa.
Na decisão recorrida considerou-se que o conteúdo da resposta se relaciona directamente com os factos descritos na notícia, pretendendo esclarecê-los e visando alterar a impressão que a leitura da peça respondida causa no leitor, qual seja, a da existência de ilegalidades e conivências no Município quanto a construções ilegais.
É certo que um dos fundamentos de recusa do direito de resposta tipificados na lei é a ausência de relação directa e útil entre a resposta e o texto que a motiva (cfr. o nº4, do art.25º, e o nº7, do art.26º, ambos da Lei de Imprensa). Todavia, como refere Vital Moreira, ob.cit., pág.122, este requisito deve ser entendido em termos hábeis, considerando-se que só não existe relação directa e útil quando a resposta seja de todo alheia ao tema em discussão e se mostre irrelevante para desmentir, contestar ou modificar a impressão causada pelo texto a que se responde. O que vale por dizer, como também refere aquele autor, ob.cit., pág.116, que o mencionado requisito não deve ser entendido em termos demasiado exigentes, sob pena de se aniquilar a função da resposta, não se podendo, assim, impedir que o interessado carreie todos os elementos razoavelmente necessários, designadamente, instrumentais, para desmentir ou contrariar a asserção que motiva a resposta, de forma a poder impressionar o leitor com a mesma intensidade da notícia respondida.
Ora, no caso dos autos, é manifesto, desde logo, que a resposta não é de todo alheia ao tema em discussão, nem é irrelevante para, nomeadamente, contestar a impressão causada pela notícia. Antes pelo contrário, tem tudo a ver com ela, já que, como resulta da leitura do texto que motivou a resposta (cfr. o ponto 3º da matéria de facto considerada provada), o queixoso «decidiu avançar para a Justiça e denunciar todas as ilegalidades na autarquia de », em virtude de a Câmara de lhe ter embargado a construção de um armazém por violação da REN, apesar de o Presidente da Junta de Freguesia lhe ter garantido ter autorização de A, Presidente da Câmara . O que fez com que o queixoso contestasse com o facto de existirem outras construções mesmo ao lado, e dizendo, ainda, na aludida peça jornalística, «E começou uma guerra que dura há mais de um ano».
Assim sendo, todos os esclarecimentos prestados pelo recorrido no texto da resposta, reproduzidos no ponto 4º da matéria de facto provada, ao procurarem dar uma explicação do que, no seu entender, se passou com o embargo da construção do armazém do queixoso e com a existência de outras construções no mesmo local, têm conexão directa com a notícia que lhe deu origem. Repare-se que foi o aludido embargo que fez despoletar toda a situação, considerando o queixoso que foi vítima de uma ilegalidade ou, então, que, havendo outros munícipes com construções no mesmo local, também deveriam ver as suas obras embargadas. Razão pela qual resolveu denunciar todas as ilegalidades. Deste modo, incidindo o texto da resposta, precisamente, sobre os referidos embargos e as mencionadas construções, não se vê como possa defender-se que o texto apresentado não tem qualquer correspondência com o texto da notícia.
Haverá, assim, que concluir que o conteúdo da resposta tem relação directa e útil com o escrito respondido.
Verifica-se, pois, que o director do periódico em questão não tinha fundamento para recusar a publicação da resposta, nos termos do disposto no art.26º, nº7, da Lei de Imprensa, pelo que, foi ilegítima tal recusa. Consequentemente, tendo o direito de resposta sido infundadamente recusado, a acção destinada à efectivação coerciva daquele direito não poderia deixar de ser, como foi, julgada procedente (cfr. o art.27º, nº1, da mesma Lei).
Refira-se, por último, que se é certo que a requerida foi absolvida da instância, é igualmente certo que não foi condenada em custas, ao contrário do que, certamente por lapso, alegam os recorrentes. Na verdade, como resulta da parte final da sentença recorrida, condenados em custas foram, tão só, o requerente e o requerido, na proporção de um décimo para aquele e nove décimos para este.
Improcedem, destarte, as conclusões da alegação dos recorrentes.
3 – Decisão.
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a sentença apelada.
Custas pelos apelantes.

Lisboa, 13 de Outubro de 2009

Roque Nogueira
Abrantes Geraldes
Tomé Gomes