Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. “A” – Comércio de Automóveis, SA, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra “B”, Lda e “C”, peticionando a condenação destes no pagamento da quantia de €100.000,00, acrescida dos juros legais vencidos e vincendos, desde a citação e até integral pagamento.
Alegou, em síntese, que a sua actividade comercial inclui a compra e venda, bem como a reparação de veículos automóveis; que no dia 14/11/2003 o veículo de matrícula ...-...-...M, propriedade da 1ª ré e conduzido pelo 2ª réu, deu entrada na oficina da autora, com indicação da luz avisadora de anomalia nos pneumáticos, sendo que anteriormente a viatura havia sido sujeita a intervenção de um furo fora da rede autorizada pelo fabricante “D”; que a reparação a que procedeu no dia 25-11-2003 – que consistiu na verificação de pressão dos pneumáticos e inicialização do sistema de “R.P.A.” – decorreu no âmbito da garantia dada pela aludida marca, em conformidade com a técnica preconizada pelo fabricante; que em Abril de 2004 a autora substituiu as pastilhas de travão, bem como os respectivos sensores; que em Outubro de 2004 o veículo apresentava um erro de leitura na transferência de dados DSC, tendo a autora encomendado à fábrica na Alemanha o respectivo módulo, para substituição, que não pode instalar por recusa da ré, a qual alegou não ter confiança na qualidade dos serviços prestados; que os réus passaram a exigir a substituição da viatura por uma nova; que no dia …/…/2004 o Jornal “H” publicou uma entrevista com o réu, o qual chamou de incompetentes os técnicos da autora e referiu ter sofrido um acidente em plena auto-estrada por rebentamento de um pneu; que este deu essa entrevista com o propósito de provocar danos na imagem comercial da autora; que o entrevistado falou na qualidade de proprietário da viatura, mas esta pertence de facto à primeira ré, de que o segundo é o representante legal; que ambos os réus são civilmente responsáveis pelo ressarcimento à autora dos prejuízos provocados pela divulgação da entrevista; que esses danos são os resultantes de ver a boa imagem comercial posta em crise junto de terceiros, para além dos seus trabalhadores, clientes, concorrentes comerciais; que cerca de 50.000 pessoas tomaram conhecimento dessa entrevista, admitindo-se que um grande número delas tenha colocado fora de hipótese recorrer aos serviços da autora para efectuar reparações e assistência aos seus próprios automóveis; que toda a ofensa ao bom nome comercial acaba por se projectar num dano patrimonial, revelado pelo afastamento de clientela e frustração de vendas, o qual se computa em €80.000,00; que a autora deverá ainda ser compensada por força dos danos patrimoniais sofridos, designadamente em função da diminuição da confiança que clientes, efectivos e potenciais, sentiram em relação a esta, que se computam em valor não inferior a €20.000,00.
Citados os réus, estes apresentaram contestação, na qual se defenderam por excepção e impugnação.
Por excepção alegaram que o réu nunca foi representante da ré, tendo sido apenas sócio até 19/01/2004, e após essa data mero colaborador, pelo que não possui qualquer interesse em contradizer, sendo parte ilegítima; e que a ré não contribuiu para a presente lide, não tendo praticado qualquer dos factos descritos na petição inicial, a qual, relativamente a si, é inepta.
Por impugnação contestaram várias asserções factuais vertidas na p.i., nomeadamente os danos invocados, e alegaram, em síntese, que o réu nunca quis denegrir a imagem da autora, mas ambos os réus apenas quiseram a reparação ou eliminação dos defeitos na viatura adquirida em estado de nova em 17-09-2003 ao Concessionário “E”, S.A.; que até 31-12-2004 a autora foi a importadora para Portugal e a primeira responsável das viaturas da marca “D”; que o concessionário “E”, em poucas horas de trabalho, resolveu o que a autora, em mais de um ano, não quis ou não pôde ou não soube resolver, tendo solucionado todos os defeitos e avarias por programação do software.
Concluiu pela absolvição dos réus da instância ou, se assim se não entender, do pedido.
A autora replicou.
No despacho saneador julgou-se improcedente a excepção da ilegitimidade do réu, tendo a ré sido considerada parte ilegítima e absolvida da instância.
Fixados os factos assentes, elaborada a base instrutória e realizado o julgamento, foi proferida sentença, na qual se julgou a acção parcialmente procedente e se condenou o réu “C” a pagar à autora a quantia de €20.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal a contar da presente data até integral pagamento.
Inconformado, veio o réu interpor o presente recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões:
1º - De acordo com o pedido formulado nos art°s 53° e 55° da p.i., a recorrida peticionou a condenação do recorrente no montante de € 80.000,00 por danos patrimoniais, em resultado da conduta do apelante em função da perda de clientela, da diminuição de vendas, de viaturas e peças automóveis e da diminuição de adjudicação de reparações.
2° - Ainda de acordo com o pedido formulado nos artºs 54° e 55° da p.i., a recorrida peticionou a condenação do recorrente em € 20.000,00 como compensação" ... por força dos danos patrimoniais sofridos, designadamente, em função da diminuição da confiança que clientes da A., efectivos e potenciais, sentiram em relação a esta ... "
3° - A apelada, ao invés do que se refere na 1ª página da sentença (fls. 206), não peticionou qualquer verba a título de indemnização de danos não patrimoniais, pelo que se verifica um excesso de pronúncia por alterar a causa de pedir tal como é deduzida na p.i.
4 ° - A sentença reconheceu que a Autora não logrou provar que, em consequência, da conduta do Réu “C” perdeu clientela e tive diminuição de vendas, (de viaturas, peças automóveis e de serviços de reparação de viaturas), pelo que, julgou improcedente aquele pedido de indemnização de € 80.000,00.
5° - Além do que se refere na conclusão anterior, o tribunal também reconheceu na resposta à matéria de facto que não se provou que a actuação do Réu “C” provocou uma diminuição da confiança dos clientes, efectivos e potenciais na autora pelo que há uma manifesta contradição na sentença (pág. 214) ao defender que "Há, manifestamente, uma ofensa do bom nome e reputação da autora, pois é patente que tal imputação tem a virtualidade de diminuir a confiança quanto ao cumprimento das suas obrigações. Consequentemente,
6° - Não se tendo provado que ocorreu diminuição da confiança dos clientes efectivos e potenciais, o tribunal só poderia ter julgado improcedente o pedido de € 20.000,00 já que foi esse o nexo de causalidade invocado pela sociedade recorrida.
7° - Ao invés do que se defende na sentença recorrida não se provou a existência de quaisquer danos em consequência da conduta do Réu que tenham afectado a apelada.
8 ° - Para as sociedades comerciais, a ofensa do bom nome, reputação ou imagem comercial apenas pode produzir um dano indirecto e na medida em que se reflecte nos resultados dos seus exercícios não sendo susceptível de indemnização por danos não patrimoniais e, no caso concreto, não se apurou qualquer prejuízo.
9° - A sentença recorrida violou o disposto nos art.ºs 483° e 484° do Código Civil, e o disposto no n° 3 do art° 659° e alínea c) do n° 1 do art° 668°, ambos do C.P.C.
Termina pedindo a revogação da sentença recorrida, concluindo-se pela improcedência do pedido também quanto ao montante dos €20.000,00.
A apelada apresentou contra-alegações, nas quais levantou a questão prévia da incorrecto pagamento da taxa de justiça devida pela interposição do recurso, solicitando o desentranhamento das alegações apresentadas pelo apelante e, por via disso, a deserção do recurso; e, quando assim se não entenda, propugnou pela manutenção do julgado.
O apelante respondeu à questão prévia, sustentando ter liquidado correctamente a taxa de justiça.
Pelo despacho de fls. 271 o Sr. Juiz a quo determinou o cumprimento do disposto no n.º 1 do art.º 690º-B do CPC, tendo o apelado vindo juntar documento comprovativo do pagamento do complemento da taxa de justiça devida.
Posteriormente, após notificação, depositou a multa devida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Em 1ª instância, foi dada como provada a seguinte matéria factual (devidamente ordenada):
1. A autora dedica-se à actividade comercial de compra e venda, bem como a reparação, de veículos automóveis - al. A) dos factos assentes.
2. A autora comercializava veículos automóveis da marca "“D”" e prestava-lhes a assistência técnica que lhe fosse solicitada por qualquer detentor de um veículo dessa marca - al. B) dos factos assentes.
3. Entre 22.12.1999 e 29.01.2004, o réu “C” foi sócio da referida sociedade comercial "“B” - Gestão Imobiliária, L.da" e era quem, habitualmente, conduzia aquele veículo automóvel - al. D) dos factos assentes.
4. No dia 17.09.2003, "“B” - Gestão Imobiliária, L.da", com sede na Rua..., .. e .., em Lisboa, comprou a “E, S.A.", concessionária da "“D”" na cidade do Porto, pelo preço de € 79816,47, um veículo, novo, desta marca, modelo “...”, a que foi atribuída a matrícula ...-...-...M - al. C) dos factos assentes
5. Logo após a saída do "stand", durante a viagem entre Porto e Lisboa, surgiram várias deficiências técnicas na viatura ...-...-...M – resposta ao quesito 12º da base instrutória.
6. No âmbito da garantia, a viatura foi assistida e a autora tentou eliminar esses defeitos – resposta ao quesito 13º da base instrutória.
7. No dia 14.11.2003, o veículo ...-...-...M, deu entrada nas instalações da oficina da autora, sitas no Parque das Nações, em Lisboa, com indicação da luz avisadora de anomalia nos pneumáticos - al. E) dos factos assentes.
8. Nessa altura a viatura havia percorrido 8676 Km - al. F) dos factos assentes
9. Em data imediatamente anterior à entrada nas instalações da autora, a viatura identificada havia sido sujeita a intervenção (reparação de um "furo") fora da rede oficial autorizada pela fabricante "“D”, A.G." - al. G) dos factos assentes.
10. No dia 25.11.2003, no âmbito da garantia dada pela marca "“D”" a todos os seus clientes de veículos novos, os técnicos da autora iniciaram a reparação da viatura ...-...-...M, que consistiu na verificação de pressão dos pneumáticos e inicialização do sistema de "RP.A." - al. H) dos factos assentes.
11. Porque se acendera a luz avisadora do referido sistema, os técnicos da autora recorreram à solução técnica preconizada pelo fabricante: a reinicialização do sistema "R.P.A." - al. I) dos factos assentes.
12. No dia 25.11.2003, o veículo ...-...-...M regressou à oficina da autora, mas, depois da intervenção efectuada, nessa ocasião, pelos serviços da autora, continuou a evidenciar defeitos, designadamente:
• display da viatura bloqueado;
• gestão do motor desregulada, com perda de velocidade;
• telefonia com os ruídos do motor;
• travões descompensados e sem a eficiência normal;
• avaria no airbag;
· software desprogramado, causando descontrole na condução da viatura – resposta ao quesito 16º da base instrutória.
13. Posteriormente a essa reparação, em Abril de 2004, a autora substituiu, na sua oficina, as pastilhas de travão (frente e trás), bem como os respectivos sensores - al. J) dos factos assentes.
14. Em Outubro de 2004, o veículo "“D” “...”", de matrícula ...-...-...M, entrou, novamente, na oficina da autora, apresentando um erro de leitura na transferência de dados DSC – resposta ao quesito 1º da base instrutória.
15. A autora encomendou, então, à fábrica na Alemanha o respectivo módulo, para substituição, alegando que a tecnologia desse componente não permitia a sua reparação em oficina, pois tratava-se de material informático – resposta ao quesito 2º da base instrutória.
16. As entradas e paralisações da viatura na oficina da autora foram-se sucedendo e algumas delas nem eram documentadas – resposta ao quesito 14º da base instrutória.
17. Por carta datada de 22 de Novembro de 2004, assinada pelo réu “C”, a ré "“B”, L.da" comunicou que não procederia a qualquer marcação de reparação nas oficinas da autora, por não ter confiança na qualidade dos serviços prestados e exigiu a substituição da viatura em causa por uma nova, com as mesmas características, ou a devolução do montante global despendido na sua aquisição - al. K) dos factos assentes.
18. Em virtude dessa comunicação da ré "“B”, L.da", a autora não pôde instalar o referido componente, apesar de lhe ter comunicado a sua disponibilidade para efectuar a reparação, que decorreria ao abrigo da garantia – resposta ao quesito 3º da base instrutória.
19. O réu “C” remeteu um fax à “E, S.A.", com o seguinte conteúdo: "Caro amigo “F”, peço desculpa pelo incómodo mas a “A” insiste em descarregar para a “E” todo o drama que me vem causando C .. ). Agradeço que me informe se posso "partir a loiça"', porque estou convicto que terão de me substituir a minha viatura por outra com as mesmas características"- al. L) dos factos assentes.
20. Cerca de 15 dias depois deste fax, o jornal diário "“H”", na sua edição de .../.../2004, publicou uma notícia assinada pelo jornalista “G”, na qual se refere o seguinte: "No mês passado “C” ia pagando caro pelo que chama de incompetência dos técnicos da empresa. "Sofri um acidente em plena auto-estrada uma vez que um pneu rebentou. E após substituição foi-se decompondo em plena via, até à imobilização total", recorda"- al. M) dos factos assentes.
21. Com essa afirmação o réu “C” quis dizer que sofreu um acidente em virtude da intervenção efectuada pela autora na viatura ...-...-...M e da incompetência dos seus técnicos – resposta ao quesito 6º da base instrutória.
22. A notícia publicada no jornal "“H”", pelo menos, na parte reproduzida no n.º 16, fundamenta-se, essencialmente, em documentos da autoria do réu “C” – resposta ao quesito 11º da base instrutória.
23. Com essa imputação, o réu “C” previu que iria denegrir a imagem comercial da autora e, apesar disso, não se absteve de a fazer – resposta ao quesito 7º da base instrutória.
24. Em pouco tempo a “E” reparou as anomalias mencionadas no documento que está a fls. 104 dos autos – resposta ao quesito 4º da base instrutória.
25. Essa anomalias foram solucionadas através da actualização do software e da substituição do módulo múltiplo do sistema áudio e do sensor de detecção de passageiro e respectivo módulo de informação. – resposta ao quesito 5º da base instrutória.
26. A autora emprega mais de 600 trabalhadores e, em 2004, só na zona de Lisboa vendeu mais de 1200 automóveis – resposta ao quesito 9º da base instrutória.
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III. Nos termos dos art.ºs 684º, n.º 3, e 690º, n.º 1, do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2 do art.º 660º do mesmo Código.
As questões a decidir resumem-se a saber:
- se as alegações de recurso apresentadas pelo apelante devem ser desentranhadas – por pagamento de taxa de justiça de valor inferior ao devido - e, por via disso, ser julgado deserto o recurso;
- se a sentença é nula, nos termos do art. 668º, n.º 1, als. c) e e), do CPC;
- se a autora peticionou a condenação do réu no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais;
- se, relativamente às sociedades comerciais, o dano causado por imputações violadoras do direito ao bom nome comercial pode ser ressarcido ao nível do dano não patrimonial;
- se, perante a resposta negativa aos quesitos 8º e 10º, era legalmente admissível ao Sr. Juiz “a quo”, mediante o recurso a presunção judicial, extrair a ilação de que as afirmações do réu afectaram a imagem comercial da autora;
- se é caso de condenar o apelante numa indemnização por esses danos.
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IV. Quanto à questão prévia levantada pela apelada de desentranhamento das alegações do apelante/deserção do recurso:
Esta questão mostra-se ultrapassada, em face do despacho proferido pelo Sr. Juiz de 1ª instância e do pagamento do complemento da taxa de justiça devida, bem como da multa a que alude o art. 690º-B, n.º 1, do CPC.
Desatende-se, por isso, a questão prévia suscitada pela apelada.
V. Quanto às nulidades da sentença (arts. 661º, n.º 1, e 668º, n.º 1, als. c) e e) do CPC):
Estabelece a lei que a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir (art.º 661º, n.º 1, do CPC), estando ferida de nulidade se incorrer nesse vício (art. art. 668º, n.º 1, al. e) do aludido diploma).
Diz o apelante que a apelada, ao invés do que se refere na sentença (fls 206), não peticionou qualquer verba a título de indemnização de danos não patrimoniais, pelo que se verifica um excesso de pronúncia ao condenar-se a mesma por esses danos.
Não assiste razão ao apelante.
A questão reconduz-se à noção de causa de pedir e ao âmbito dos poderes de cognição do tribunal.
Como é sabido, o conceito de causa de pedir é delimitado pelos factos jurídicos concretos individualizados pelo autor dos quais procede a pretensão (cfr. arts. 264º e 498º, n.º 4, do CPC), assim ficando delimitado o pedido formulado.
É perante tal delimitação que o juiz fica limitado, nos termos do art. 661º, n.º 1, do citado diploma legal, e, consequentemente, impedido de ir além desses limites, quer em condenação, quer em absolvição ou encontrar coisa diversa da que foi pedida.
Ao julgador fica, porém, a liberdade de indagar, interpretar e aplicar as regras de direito, não estando, nesse particular, sujeito às alegações das partes (art. 664º, do CPC).
Ora, da leitura da p.i. pode concluir-se que a autora formulou um pedido de indemnização fundado na responsabilidade civil extracontratual, alegando factos (dolosos) integradores da violação do direito à imagem e que, alegadamente, lhe causaram danos, que qualificou como patrimoniais, que diferenciou.
Assim, alegou nos arts.53º e 54º da p.i. que:
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Releva assim a produção dos danos patrimoniais para a A., em resultado da conduta ilícita do R., designada mente em função da perda da clientela, da diminuição de vendas, de viaturas e peças automóveis, e da diminuição de adjudicação de reparações, cujos prejuízos se computam em quantia não inferior a Eur.80.000,00, em resultado das consequências patrimoniais relativas à frustração de possíveis futuras vendas, que a lesão do direito ao bom nome comercial da A. comporta.
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Igualmente, a A. deverá ser compensada por força dos danos patrimoniais sofridos, designadamente, em função da diminuição da confiança que clientes da A., efectivos e potenciais, sentiram em relação a esta, quando o R., nos termos supra descritos, colocou em crise a imagem comercial da A., que se computam em valor não inferior a 20.000 euros.
Ora, se bem que o Sr. Juiz tenha perspectivado estes últimos danos como não patrimoniais, a verdade é que se fundou nos mesmos factos que foram alegados e não em factos diferentes, pelo que o Sr. Juiz se conteve na causa de pedir invocada na p.i., tendo-se limitado ao uso da faculdade prevista no art. 664º do CPC na qualificação de tais danos.
Ao fazê-lo não incorreu, pois, em excesso de pronúncia, nem condenou em objecto diverso do pedido.
Sustenta ainda o apelante que os fundamentos estão em contradição com a decisão, por, apesar de não se terem provado os danos alegados pela autora (face às respostas negativas aos quesitos 8º e 10º), ter condenado o apelante no pagamento de uma indemnização no valor de €20.000,00.
Vejamos.
A nulidade a que se reporta a alínea c) do n.º 1 do art. 668º do CPC, visa as situações em que o juiz na fundamentação da decisão segue determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decide noutro sentido.
Ora, indubitavelmente, tal não ocorreu na sentença recorrida, pois que na mesma o Sr. Juiz deduziu dos demais factos apurados ter a conduta do réu abalado a imagem comercial da autora, por ter ocorrido, no meio em que esta se integra, uma diminuição de confiança na mesma quanto ao cumprimento das suas obrigações, fundando nesse facto a condenação do réu.
Saber se poderia deduzir tal factualidade é questão diversa de que adiante conheceremos.
Improcedem, por isso, as arguidas nulidades de sentença.
VI. Da questão de mérito:
Na p.i. a autora peticionou a condenação do réu no pagamento de uma indemnização pelos seguintes danos patrimoniais:
- pela perda de clientela, diminuição de vendas, de viaturas e peças automóveis, e da diminuição de adjudicação de reparações, a quantia de €80.000,00;
- pela diminuição da confiança que clientes da A., efectivos e potenciais, sentiram em relação a esta, quando o R., nos termos supra descritos, colocou em crise a imagem comercial da A., a quantia de €20.000,00.
Relativamente aos primeiros danos, por falta de prova dos mesmos, o réu foi absolvido do pedido.
No que toca aos restantes danos alegados na p.i., entendeu-se na sentença qualificar os mesmos como danos não patrimoniais e condenar o réu no pagamento da indemnização peticionada (€20.000,00).
Essa decisão fundamentou-se, em essência, nos seguintes considerandos:
“É bem evidente que o réu “C” quis passar para a opinião pública, através do referido jornal e jornalista, a ideia de que sofreu um acidente na auto-estrada quando conduzia aquela viatura e que esse acidente ficou a dever-se a maus serviços prestados pela autora porque os seus técnicos são incompetentes.
Há manifestamente, uma ofensa do bom nome e da reputação da autora, pois é patente que tal imputação tem a virtualidade de diminuir a confiança quanto ao cumprimento, pela empresa visada, das suas obrigações e de abalar o prestígio de que goza ou o conceito positivo em que é tida no meio em que se integra, concretamente como empresa que comercializa e repara veículos automóveis de uma marca prestigiada”(sublinhado nosso).
(…)
“Como já se frisou, a imputação feita pelo réu à autora é grave e, mesmo sabendo-se que é grande a fidelidade dos clientes que adquirem viaturas da marca "“D”", a imagem comercial da autora foi, inevitavelmente, beliscada” (sublinhado nosso).
É apenas quanto a esta condenação que incide o recurso ora em apreciação.
O direito ao bom nome e à reputação de outrem encontra consagração constitucional no art. 26º, n.º 1, da CRP e é realizada pelas normas de Direito Civil, através da tutela de personalidade (arts. 483º e 484º, do C. Civil).
Esse direito não é exclusivo das pessoas singulares, podendo também ser dele titular as pessoas colectivas – cfr. Ac. TC n.º 292/2008, in http:/www.tribunalconstitucional.pt.
Efectivamente, as pessoas jurídicas podem ser lesadas na sua boa imagem, no seu crédito.
Dispõe o art. 484º citado que quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados.
As pessoas colectivas não são portadoras do valor da honra, enquanto direito de personalidade, mas transmitem para o exterior uma certa e determinada imagem da forma como se organizam, prestam serviços ou fornecem bens que constituem o seu escopo.
Têm assim a defender o seu nome, o seu crédito comercial perante o mercado dos seus clientes, efectivos ou potenciais, na aquisição dos seus produtos ou na prestação dos seus serviços.
Questão de maior complexidade é saber se relativamente às pessoas colectivas, como é o caso da autora, o dano causado por imputações violadoras do direito acautelado apenas pode ser ressarcido ao nível do dano patrimonial ou se também o pode ser em sede de dano não patrimonial.
Esta questão tem sido alvo de decisões díspares por parte do S.T.J.
Assim, nos acórdãos de 23/01/2007 (relatado pelo Cons. Faria Antunes), 27/11/2003 (relatado pelo Cons. Quirino Soares) e 30-11-2004 (relatado pelo Cons. Araújo Barros), decidiu-se que a ofensa do bom nome e reputação das sociedades comerciais apenas releva como dano patrimonial indirecto (estes acórdãos podem ser consultados in www.dgsi.pt).
Em prol deste entendimento diz-se que os prejuízos estritamente morais implicados na ofensa do bom nome e reputação apenas calham aos indivíduos, para os quais a dimensão ética é importante, independentemente do dinheiro que poderá valer, e não às sociedades comerciais, pois a estas o bom nome e a reputação apenas interessam na justa medida da vantagem económica que deles podem tirar.
Aduz-se ainda que as sociedades comerciais não padecem de sofrimento moral e que toda a ofensa ao bom nome comercial acaba por se projectar num dano patrimonial indirecto revelado pelo afastamento da clientela e na consequente frustração de vendas por força da repercussão negativa no mercado que à sociedade advém por causa da má imagem que se propaga.
Na linha deste entendimento, num caso como o dos autos, não se tendo provado um dano patrimonial indirecto, a mera lesão da imagem comercial da autora não seria susceptível de fundamentar qualquer indemnização a título de dano não patrimonial.
Diferentemente, nos acórdãos do STJ de 12-02-2008 (relatado pelo Cons. Fonseca Ramos), 5-10-2003 (relatado pelo Cons. Neves Ribeiro), 8-03-2007 (relatado pelo Cons. Salvador da Costa) e de 27-09-2007 (relatado pelo Cons. Alberto Sobrinho), entendeu-se que pode também ser indemnizável o dano não patrimonial (estes acórdãos podem ser consultados in www.dgsi.pt).
Com o devido respeito pelo entendimento sufragado pela primeira corrente jurisprudencial citada, propendemos neste último sentido.
Se é certo que pela natureza das coisas, as pessoas colectivas não têm emoções, sofrimento, prazer, alegrias e tristezas, importa reconhecer que as mesmas são portadoras de determinada imagem, que transmitem para o exterior relativamente à forma como se organizam, funcionam e prestam serviços ou fornecem bens que constituem o seu escopo.
Trata-se de um direito análogo ao direito de personalidade reconhecido constitucionalmente aos indivíduos, sendo que as pessoas colectivas têm todo o interesse em defender o seu bom nome no universo dos seus negócios comerciais (crédito comercial), o prestígio de que gozam ou o conceito positivo em que são tidas no meio social em que se integram.
Ora, não se vê que, à semelhança do que acontece com os indivíduos em caso da violação dos seus direitos de personalidade, os danos morais provocados pela violação da imagem do ente colectivo não possam, por si só, dar lugar a uma indemnização em sede de danos não patrimoniais (e o art. 12º, n.º 2, da CRP, estabelece que as pessoas colectivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza), desde que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, tanto mais que, na maior parte das vezes, é muito difícil a demonstração dos chamados danos patrimoniais indirectos (afastamento da clientela e consequente frustração de vendas por força da repercussão negativa no mercado que à sociedade advém por causa da má imagem que se propaga) e a indemnização pelos danos não patrimoniais não reveste natureza exclusivamente ressarcitória, tendo também um cariz punitivo.
Seja como for, para que haja obrigação de indemnizar é necessário que o lesado prove a existência de danos.
O dano é a perda ou diminuição de bens, direitos ou interesses protegidos pelo direito, patrimonial ou não patrimonial, consoante tenha ou não conteúdo económico.
A verificação da existência de danos não patrimoniais, pressupõe o conhecimento da extensão da ofensa a bens de ordem moral experimentada pelo lesado.
Nos arts. 53º e 54º da p.i. a autora alegou ter a conduta do réu lhe provocado danos.
Essa matéria foi levada à base instrutória sob o quesito 8º e 10º, aos quais foi dada a seguinte redacção:
Quesito 8º - Essa actuação do réu “C” provocou uma diminuição da confiança dos clientes, efectivos e potenciais, na autora?
Quesito 10º - Em resultado da conduta do réu “C”, a autora perdeu clientela, teve uma diminuição de vendas, de viaturas e peças automóveis, bem como uma diminuição de adjudicação de reparações, com o que deixou de auferir €80.000,00?
Ora, a matéria destes quesitos, em especial do 8º, por ser a que está directamente em causa no recurso, foi considerada não provada.
Apesar disso, na sentença, o Sr. Juiz deduziu dos demais factos apurados ter a conduta do réu abalado a imagem comercial da autora, por ter ocorrido, no meio em que esta se integra, uma diminuição de confiança na mesma quanto ao cumprimento das suas obrigações, tendo condenado o réu numa indemnização do montante de €20.000,00 pelos danos não patrimoniais causados.
Sustenta o apelante que da circunstância de não se ter provado a matéria dos quesitos 8º e 10º, relativa aos alegados danos, não se podem deduzir aqueles factos.
Salvo melhor entendimento, assiste razão a este.
Efectivamente, perante as respostas negativas aos quesitos 8º e 10º, não é legalmente admissível, mediante o recurso a presunções judiciais, extrair a ilação de que as afirmações do réu afectaram a imagem comercial da autora, na medida em que nem sequer se apurou ter ocorrido “uma diminuição da confiança dos clientes, efectivos e potenciais, na autora”.
Ora, constitui jurisprudência pacífica, que se a matéria foi levada à base instrutória e mereceu resposta negativa – como ocorreu in casu – não se pode posteriormente, por via da presunção simples, natural ou judicial dar-se a mesma como verificada, sob pena de tal traduzir uma alteração da decisão proferida em 1ª instância que fixou a matéria de facto – vide neste sentido Acs. do STJ 18-12-2003 e 17-11-2005, relatados pelos Cons. Bettencourt de Faria e Ferreira Girão, in www.dgsi.pt; Antunes Varela RLJ 122 pag. 224.
O recurso às regras da experiência constitui um mecanismo para, em sede probatória (no momento que antecede a resposta à matéria de facto), ajudar a formar a convicção do julgador sobre a ocorrência de certo facto.
Não tendo sido impugnada a matéria de facto, não se pode agora, sob pena da lei permitir a entrada pela janela daquilo que não permite pela porta, pretender dar como assente, mediante o recurso a meras deduções fundadas em presunções judiciais, factualidade similar à considerada não provada.
Deste modo, e uma vez que a factualidade provada não revela que a acção do apelante/réu haja causado à apelada/autora prejuízos não patrimoniais, conclui-se pela não verificação de um dos pressupostos da obrigação de indemnizar.
Procede, por isso, a apelação.
***
V. Decisão:
Pelo acima exposto, julga-se a apelação procedente e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida, absolvendo-se o réu do pedido (na parte apreciada no recurso).
Custas (devidas em 1ª instância e nesta Relação) pela apelada.
Notifique.
Lisboa, 3 de Novembro de 2009
Manuel Marques - Relator
Pedro Brighton - 1º Adjunto
Anabela Calafate – 2ª Adjunta |