Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | MÁRCIA PORTELA | ||
| Descritores: | CUSTAS APOIO JUDICIÁRIO INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL ESPECIAL COMPLEXIDADE DO PROCESSO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/22/2009 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | AGRAVO | ||
| Decisão: | REVOGADA A DECISÃO | ||
| Sumário: | 1. O direito de acesso aos tribunais não compreende um direito a litigar gratuitamente, sendo legítimo ao legislador impor o pagamento dos serviços prestados pelos tribunais. 2. A larga margem de conformação constitutiva de que goza o legislador ordinário na definição dos custos dos processos, e designadamente da taxa de justiça, não o exonera naturalmente da observância de critérios de proporcionalidade decorrente dos princípios do Estado direito, consagrado no artigo 2º CRP, e do direito de acesso à justiça acolhido no artigo 20º CRP, sob pena de a legislação emanada em violação destes princípios padecer de inconstitucionalidade material. 3. Embora não em termos absolutos, deve existir correspectividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos tribunais. 4. O instituto do apoio judiciário está direccionado para a protecção dos economicamente carenciados, não devendo ser desvirtuado na sua essência para colmatar situações de insuficiência económica decorrente de um montante de custas exorbitante, que esteja fora das posses da generalidade dos cidadãos, sob pena de perversão do instituto. 5. As normas constantes dos artigos 13º, nº 1, 15º, nº 1, alínea m), e 18º, nº 2, CCJ, e tabela anexa a que se refere o artigo 13º do mesmo diploma, na redacção do Decreto-Lei 224-A/96, de 26.11, padecem de inconstitucionalidade material, por violação do direito de acesso aos tribunais e do princípio da proporcionalidade, na interpretação segundo a qual o montante das custas devidas num procedimento cautelar e recursos nele interpostos, ascende a € 217.797,43 (€ 47171,58 no apenso A + € 10.044,45 no apenso C + € 160.763,40 no apenso D), sendo a taxa de justiça determinada exclusivamente em função do valor da acção sem qualquer limite máximo, e na medida em que não se permite ao tribunal que limite o montante da taxa de justiça devido no caso concreto tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcionado do montante em questão. 6. Impondo-se a reformulação da conta em consequência do juízo de inconstitucionalidade formulado relativamente às normas que presidiram à sua elaboração, deve recorrer-se aos critérios emergentes do Decreto-Lei 323/2003, de 27.12, em vigor à data em que foi elaborada a conta, apesar de a nova redacção não ser directamente aplicável ao processo em causa, por traduzir então a mais recente valoração do legislador, conforme a jurisprudência do Tribunal Constitucional nesta matéria. 7. De igual modo, não fornecendo a lei então quaisquer parâmetros para a aferição da especial complexidade, nada obsta a que se recorra à definição emergente do Decreto-Lei 34/2008, de 26.02, que introduziu o artigo 447º A no CPC, cujo nº 7 é do seguinte teor: «Para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as acções que: a) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; e b) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova extremamente complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas». (Sumário da Relatora) | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa 1. Relatório Notificado das contas de custas no apenso A do processo supra identificado, os agravantes apresentaram reclamação da conta de custas, nos termos do artigo 60º, nº 2, alínea a), CCJ, com fundamento em as contas terem sido elaborada com base nos artigos 13º, nº 1, 15º, nº 1, alínea m), e 18º, nº 2, CCJ, directamente relacionados com a tabela a que se refere o artigo 13º do mesmo diploma, o qual fixa a taxa de justiça em função do valor da acção, incidentes ou recursos, até € 49.879,79, acrescendo, caso o valor seja superior, € 49,88 de taxa de justiça por cada € 4.978,98 ou fracção. Louvando-se no acórdão do Tribunal Constitucional nº 227/07, sustentam que tais normas, quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça devida em procedimentos cautelares e recursos nele interpostos, cujo valor excede € 48.879,79, é definido em função do valor da acção, sem qualquer limite máximo ao montante das custas, padecem de inconstitucionalidade material por violação do artigo 20º da Constituição que consagra o direito de acesso aos tribunais, conjugado com o princípio da proporcionalidade decorrente dos artigos 2º, e 18º, nº 2, da Constituição. Concluem pugnando que seja ordenada a reforma da conta tendo por referência a solução que veio a ser consagrada no artigo 27º, nº 3, CCJ, na versão de 2003, com o limite previsto no artigo 27º CCJ, na versão de 1996. Sobre esse requerimento recaiu despacho do seguinte teor: «Fls. 895 e ss: Vêm os reclamantes requerer a reforma das contas com o argumento da inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual o Art. 27° do C.C.J. não se aplicar aos processos anteriores à entrada em vigor do Dec.Lei n.° 324/2003, de 27/12, por tal constituir uma limitação injusta ao princípio constitucional do direito ao acesso à justiça. A parte contrária deduziu oposição à pretensão formulada pelos reclamantes, sustentado a inaplicabilidade do Art. 27º do CCJ, e que, de qualquer modo, não teria justificação a redução das custas requerida. O funcionário contador lançou informação nos autos segundo a qual a conta foi elaborada de acordo com a legislação em vigor, sendo que o Art. 27° do C.C.J. mencionado não se aplicaria a este processo. Dada vista ao M.° P.°, o mesmo deu parecer concordante com a informação do contador. Tudo visto, cumpre apreciar. Os reclamantes pretendem aplicar ao presente processo uma norma que não tem aplicação aos presentes autos, por vontade expressa pelo próprio legislador. O Sr. funcionário contador limitou-se a elaborar as contas de acordo com a legislação aplicável. O acórdão do Tribunal Constitucional invocado na reclamação não tem força obrigatória geral, não tendo assim aplicação a todos os processos a interpretação que no mesmo se mostra vertida. Os autos envolveram a discussão de questões de complexidade, sendo evidente o valor dos interesses em litígio, o que não justifica sequer a aplicação retroactiva do n º 3 do Art. 27º do C.C.J., na sua nova redacção. O estabelecimento do limite máximo da taxa de justiça decorrente do n.° 1 do Art. 27° do C.C.J., pode ter constituído a consagração duma medida ponderada por parte do legislador na administração da justiça, mas a sua não aplicação ao processos pretéritos não constitui a consagração de qualquer limitação ao acesso aos tribunais por parte dos cidadãos. Aliás, o legislador poderia não ter previsto tal solução, que nem por isso se poderia falar em inconstitucionalidade por omissão. Isto porque a ponderação das situações de necessidade, deficiência económica ou dificuldades particulares no pagamento das custas, mereceram por parte do legislador outras soluções válidas e ponderadas, como sejam o recurso ao beneficio do apoio judiciário nas modalidades de isenção total ou parcial de pagamento de custas, ou de pagamento fraccionado das custas e ainda o próprio pagamento em prestações, previsto no Art. 65° do C.C.J.. Decisão: Por todo o exposto, julgamos não existir qualquer fundamento para a reforma da conta, indeferindo assim a reclamação. Custas do incidente pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 1 U.C. (Art. 16° do C.C.J.). Notifique». Inconformados, agravaram os reclamantes, apresentando alegações com as conclusões seguintes: «1. Os arts. 13°/1, e tabela anexa, 15°/1 m) e 18°/2 do Cód. das Custas Judiciais, na versão de 1996, são inconstitucionais, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no art. 20° da Constituição da República Portuguesa, e do princípio da proporcionalidade, decorrente dos arts. 2° e 18°/2 da Constituição, "... na interpretação segundo a qual o montante da taxa de justiça devida em procedimentos cautelares e recursos nele interpostos, cujo valor excede 49.879, 79, é definido em função do valor da acção sem qualquer limite máximo ao montante das custas, e na medida em que se não permite ao tribunal que limite o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo, em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcionado do montante em questão" (Ac. TC n° 227/2007, de 28.3, e Ac. TC n° 116/2008, de 20.2, ambos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt). Esse juízo de inconstitucionalidade não pode deixar de ser extensível aos arts. 18°/4 e 19°. 2. São esses artigos do Cód. das Custas Judiciais, e a tabela anexa, interpretados naquele sentido, que estão na base do montante final de custas apurado (Eur. 47.171,58). 3. O facto de existir um sistema de protecção jurídica, vocacionado para garantir o acesso aos tribunais aos economicamente carenciados, não permite ao legislador desconsiderar, em matéria de custas judiciais, os princípios constitucionais do direito de acesso aos tribunais e da proporcionalidade. Aqueles princípios impõem que a justiça seja realmente acessível à generalidade dos cidadãos sem estes terem de recorrer ao apoio judiciário. 4. Assim, a conta de custas foi elaborada com base em disposições feridas de inconstitucionalidade, pelo que se impõe a sua reforma, na parte respeitante à providência cautelar e ao agravo julgado deserto. 5. Nos termos do art. 204° da Constituição da República Portuguesa, não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados. 6. A referida taxa de justiça (cerca de 9.500 contos, à moeda antiga) é manifestamente desproporcionada aos custos da actividade jurisdicional associados ao julgamento de uma providência cautelar, que tem índole provisória, e de um recurso de agravo (julgado deserto) e mostra-se incomportável para a capacidade contributiva de qualquer utilizador dos serviços. 7. A pretensa complexidade dos autos nunca poderia justificar um montante daquela ordem, tanto mais que a providência cautelar, apesar de evidenciar alguma complexidade factual, não reveste especial complexidade jurídica; o agravo nenhuma complexidade teve, pois foi julgado deserto, por falta de alegação. 8. Importa, pois, retirar as devidas consequências dos princípios constitucionais do direito de acesso aos tribunais e da proporcionalidade, limitando-se o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em consideração, nomeadamente, a natureza do processo (providência cautelar e agravo deserto) e o carácter manifestamente desproporcionado do valor em causa. 9. Uma das soluções passaria por ordenar a reforma da conta, tomando por referência a solução que veio a ser consagrada no art. 27°/3 do Cód. de Custas Judiciais, na versão de 2003, e considerando o limite previsto no art. 27° do mesmo código, na versão de 1996. 10. A alternativa pode passar por calcular a taxa de justiça final com base no valor de Eur. 1.393.659,00, o qual, segundo o tribunal de 1ª instância, corresponde ao valor dos interesses em litígio. "... o quinhão hereditário de cada um dos requerentes se quantifica em 464.553 euros, a soma destes quinhões cifra-se em 1.393.659 euros, sendo assim este o quantitativo do direito a tutelar provisoriamente no presente procedimento cautelar" (fls. 766 e 767). Note-se que, sendo esse o valor dos interesses em litígio, o facto de a taxa de justiça final ter sido calculada com base no valor de Eur. 10.631.534,22, correspondente à globalidade do acervo hereditário, acentua, indiscutivelmente, a sua desadequação e desproporcionalidade. 11. Se se considerar as contas dos apensos A, C e D, verifica-se que o montante total de custas da responsabilidade dos requerentes ascende a Eur. 217.979,43 (cerca de 44.000 contos, à moeda antiga) ! 12. O despacho recorrido violou os princípios constitucionais do direito de acesso aos tribunais (art. 20° da Constituição) e da proporcionalidade (arts. 2° e 18°/2 da Constituição) e, ainda, o art. 204° da Constituição». Contra-alegaram os recorridos, concluindo pela forma seguinte: 1. No entendimento dos agravantes, a norma colocada em crise, pelos elevados montantes de taxa de justiça a que permite chegar, viola dois princípios constitucionalmente consagrados — o princípio da proporcionalidade (Art.° 2.° e 18.° n.° 2 CRP) e o princípio do direito de acesso aos Tribunais (Art.° 20.° CRP). 2. Em função dessa alegada inconstitucionalidade, os agravantes concluem que, para efeito de cálculo de custas, o valor da acção deve ser limitado ao valor previsto no Art.°27.° CCJ, norma que, à época, dispunha o seguinte: "Nas causas de valor superior a (euro) 199.519,16 não é considerado o excesso para efeito do cálculo da taxa de justiça inicial e subsequente." 3. A procedência da reclamação dos requerentes e a elaboração da conta de custas com base nesse valor limite, implicaria uma taxa de justiça aplicável ao processo de 2.174,77 €. 4. No apenso objecto do presente recurso, a taxa de justiça ascenderia a 769,4 €! 769,4€ quando é certo que estão em causa mais de mil páginas num total de 5 volumes, a inquirição de 18 testemunhas, a análise de mais de 100 documentos e a elaboração de três doutas decisões, uma das quais com 60 páginas!!!! 5. A postura dos agravantes não é séria. Em momento algum da definição da sua estratégia, os agravantes cuidaram de requerer apoio judiciário, como bem nota a decisão recorrida. 6. Pelo contrário, tiveram a sorte e a capacidade financeira para se fazer representar por um dos mais Ilustres e notáveis Advogados da praça Lisboeta, o Dr. B..., colega de escritório do Dr. C.... 7. No Acórdão que os Agravantes citam, o Tribunal Constitucional determina que o Tribunal recorrido limite o montante das custas, tendo em consideração a natureza e complexidade do processo, bem como a indispensável proporcionalidade. 8. Em suma, nessa tese, é conferido ao Juiz um poder moderador que lhe permite, não como regra, antes como excepção, limitar o montante máximo da taxa de justiça no caso concreto, atendendo à especificidade da situação, à complexidade da causa, à conduta processual das partes e à proporcionalidade com o serviço prestado. 9. Não existe qualquer especificidade da situação que o justifique, bem pelo contrário, se considerarmos o anormal volume dos autos. Nem se diga que o facto de se tratar de procedimento cautelar consubstancia, para esse efeito, uma especificidade relevante. Porque essa especificidade já está generosamente considerada no valor da taxa de justiça, através da redução a ¼ (note-se que, no regime actual, a redução já é só de ½ ). 10. A complexidade da causa, por seu turno, também não parece justificar qualquer limitação. Além de volumosa a causa é inquestionavelmente complexa, tendo justificado a análise de centenas de documentos e a inquirição de várias testemunhas. 11. A conduta processual dos agravantes também não recomenda qualquer limitação no valor máximo da taxa de justiça. 12. Resta aferir da proporcionalidade das custas sob reclamação, considerando que os requerentes da providência foram 3 e que, a cada um, caberá pagar pouco mais de 70 mil euros. 13. O processo originou mais de 10 volumes, mais de duas mil folhas de processo e, seguramente, milhares de horas de trabalho por parte dos diferentes profissionais da Justiça. 14. Os custos de Administração da Justiça são elevados, como o próprio mercado demonstra: os custos de arbitragem para semelhantes demandas no seio da Associação Comercial de Lisboa, ascenderiam a 354.531,49 €. Quase o dobro daquele de que os requerentes reclamam. 15. Não está comprovado, ou sequer indiciado, que os agravantes não tenham posses para satisfazer custas desses montantes. O que de resto não sucede, pois o respectivo património é significativo e composto, inclusivamente, de valiosos imóveis. 16. Acresce, como bem nota o despacho recorrido, que a ponderação das situações de necessidade, deficiência económica ou dificuldades particulares no pagamento das custas, mereceram por parte do legislador outras soluções válidas e ponderadas, como sejam o recurso ao beneficio do apoio judiciários nas modalidades de isenção total ou parcial de pagamento de custas, ou de pagamento fraccionado das custas e ainda o próprio pagamento em prestações, previsto no art.° 65.° CCJ. 17. Os agravantes podiam ter requerido apoio judiciário até ao trânsito em julgado do Acórdão que pôs termo à providência. Decidiram, porém, não o fazer. 18. E, por fim, os agravantes já recorreram aos Tribunais, pelo que não se vê como possa o montante, na prática, limitar um direito já exercido. 19. Em suma, a questão que se coloca não está relacionada com a verdadeira liberdade de acesso aos tribunais, está relacionada, isso sim, com a falta de vontade dos agravantes em suportarem um custo a que deram azo. 20. Mas essa vontade, ou falta dela, não merece tutela jurídica». Também o M.P. contra-alegou, concluindo assim: 1 - Nos termos do art.° 1. ° da Constituição, é a dignidade da pessoa humana que serve de base à República Portuguesa, sendo a referência axiológica determinante da nossa lei fundamental. 2 - O princípio da dignidade da pessoa humana não se limita a proporcionar aos direitos fundamentais uma unidade de sentido abstracta, razão pela qual necessariamente se projecta na definição e delimitação do âmbito e do significado de cada um e de todos os direitos fundamentais. 3 - Consagrando e assegurando o art.° 20.° da CRP a todos o direito de acesso aos tribunais traduz, sem dúvida, um direito fundamental, que se concretiza no direito de acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efectiva. 4 - Direito fundamental que não está indexado à vontade soberana estadual ou de quem legisla, antes seu fundamento, impondo-se a qualquer ordem jurídica, dado ser inerente à qualidade de ser humano dos seus titulares, não apenas como direito de um núcleo restrito de pessoas, mas de todos os seres humanos. 5 - Também se concretiza e disponibiliza nos termos da lei, através do direito à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário, à assistência de advogado, não sendo tão só instrumento da defesa dos direitos, mas ainda parte integrante do princípio da igualdade. 6 - Nesta perspectiva, não podem os recorrentes vitimizar-se por alegada violação de acesso ao Direito, não só face à imposição de advogado (cfr. arts. 20.º, n. ° 2 e 208.º, CRP), como pelo direito de escolha (que exerceram), com a subsequente informação e condução técnico jurídico processual através de um profissional qualificado, inclusive para efeitos de custas. 7 - Atente-se, todavia, que a CR não prevê um direito de acesso ao Direito e aos tribunais gratuito ou tendencialmente gratuito, consagrando uma contrapartida pela prestação dos serviços de administração da justiça. 8 - Limitando-se a estabelecer que a justiça não pode ser denegada por insuficiência de meios económicos, apenas impondo que sejam asseguradas às pessoas economicamente carenciadas formas de apoio que tornem exequíveis a tutela dos seus direitos e interesses. 9 - Porém, como refere o despacho recorrido, nunca os agravantes requereram o apoio judiciário nas modalidades de isenção total ou parcial do pagamento de custas, a sua liquidação fraccionada ou o pagamento em prestações. 10 - O que não fizeram, razão pela qual se conclui que a causa última e iniciática deste recurso nada tem a ver com o direito e liberdade de acesso ao Direito e aos tribunais, não se percepcionando qualquer inconstitucionalidade em face do art.° 20.° da CRP, com a agravante de que esta adopta um conceito amplo de apoio ou de assistência, incluindo o pagamento de preparos, custas e encargos do patrocínio judiciário. 11 - Excepcionadas as situações de insuficiência de meios económicos e um sistema não gratuito de aplicação da justiça, há que ter sempre presente a proibição legal da adopção de soluções de tal modo onerosas que inviabilizem o acesso à justiça pelo cidadão comum. 12 - Nesta sequência, corroborando o teor do despacho recorrido e das contra-alegações dos recorridos, entendemos que o Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 227/07, não tem força obrigatória geral, para além de que ao conferir-se ao juiz um poder moderador e oficioso de excepção no sistema de crescimento ilimitado da taxa de justiça em função do valor da causa não acarreta, forçosamente, que o limite fixado pelo art.° 27.° do CCJ seja de aplicar aos processos pretéritos ou à data pendentes. 13 - Pelo que a sua não aplicação, aqui e agora, não traduz qualquer limitação de acesso ao Direito, tanto mais que o legislador podia não ter previsto tal solução, sendo de presumir, em tal caso, que não se falaria em inconstitucionalidade por omissão. 14 - Assim, foram as contas desta acção elaboradas de acordo com o DL n.° 224-A/96, de 26/11, dado ser anterior a 2004, sendo-lhe inaplicável o DL n.° 324/03, de 27/12. 15 - Por outro lado, atenta a complexidade dos autos, seu volume e o valor dos interesses em litígio, nunca seria de reconhecer, em qualquer circunstância, a excepcionalidade e especificidade da situação em apreço. 16 - No que toca à invocada desproporcionalidade das custas ora reclamadas, não se percepciona qualquer desproporção entre o montante da quantia a pagar a título de custas e o valor do serviço pretendido e prestado via acesso aos tribunais e à justiça, não havendo violação dos arts. 2. ° e 18.º, n.° 2 da CRP. 17 - Ao contrário da situação analisada no Ac. do TC já citado, e ser sabido não ter que existir uma equivalência económica rigorosa entre o valor do serviço e o montante da quantia a prestar pelo utente desse serviço (Ac. do TC n.° 349/02). 18 - Assim, deve negar-se procedimento ao recurso e manter-se o douto despacho recorrido». A fls. 141 foi proferido despacho solicitando à 1ª Instância o envio dos autos a fim de se poder aferir da respectiva complexidade. 2. Tramitação a considerar Atendendo ao objecto do recurso entende-se relevante estabelecer a dinâmica do processo donde foram extraídas as peças que instruem o presente agravo e que são insuficientes para que se possa apreender a sua complexidade. 2.1. O apenso A (decisão do procedimento cautelar) é composto por quatro volumes e 946 páginas (até à elaboração da conta), e o recurso da decisão relativa a reclamação da conta aí proferida constitui o apenso E. A tramitação relevante consistiu em: 2.1.1. Em 2002.12.06 foi instaurado procedimento cautelar de arrolamento, sendo o requerimento inicial integrado por 279 artigos e 24 documentos (fls. 1 a 175); 2.1.2. Em 2002.12.11 foi proferido despacho dispensando a prévia audição dos requeridos, designando data para o julgamento (fls. 178). 2.1.3. Em 2002.12.10 procedeu-se à inquirição de seis testemunhas, fixação da matéria de facto e decisão decretando a providência requerida (fls. 189-214). 2.1.4. Em 2003.01.03 foi lavrado auto de arrolamento de bens móveis composto por 113 verbas (fls. 235-43). 2.1.5. Em 2003.01.15 D... deduziu oposição, ao longo de 708 artigos, com junção de 59 documentos (fls. 254-446). 2.1.6. Em 2003.01.27 E..., F... e G... deduziram oposição, através de articulado com 77 artigos e juntando documentos (fls. 470-503 3 531-4). 2.1.7. Em 2003.03.26 os agravantes apresentaram 76 documentos (fls. 558-638). 2.1.8. Em 2003.04.03 foram inquiridas seis testemunhas (669-77). 2.1.9. Em 2003.04.11 foram inquiridas quatro testemunhas (681-7). 2.1.10. Em 2003.07.02 foram decididas as oposições, tendo o arrolamento sido revogado em relação a alguns bens e reduzido em relação a outros (fls. 712-71). 2.1.11. Em 2003.07.16 foi interposto recurso de agravo pelos requerentes, com pedido de atribuição de efeito suspensivo (fls. 791-2). 2.1.12. Em 27.03.21 foi admitido o recurso sendo ordenada a audição dos agravados acerca do efeito do recurso (fls. 796). 2.1.13. Em 2003.09.16 foi proferido despacho atribuindo efeito suspensivo ao agravo (fls. 811-4). 2.1.14. Em 2008.17.10 foi elaborada a seguinte conta (fls. 873-4): Descrição Valor Taxas Aplicáveis Processo Tributário: 10631534,22€; Art 15°/1 (1/4); Responsabilidade: 50%; 13,315.80 obs: fls. 770 Processo Tributário: 14963,95€; Art 14° (1/2); Redução: Art 17°12 (1/2); 89.78 Responsabilidade: 100%; obs: Apenso B) Recurso Tributário: 10631534,22€; Art 18°14 (1/8); Redução: Art 19° (1/2); 6,657.90 Responsabilidade: 100%; obs: fls. 862 Sub Total 20,063.48 Taxas Já Pagas Taxas de Justiça já pagas 638.48 Sub Total 638.48 Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça Taxa de Justiça devida ao IGFIJ 20,063.48 Reembolsos (Cível) - art 32° n° 2 254.20 obs: (76,80 + 177,40) Sub Total 20,317.68 Procuradoria Procuradoria 201.09 Procuradoria - C.P.A.S. 3,820.59 Sub Total 4,021.68 Custas de Parte Custas de Parte - Procuradoria (art 40° C.C.J.) 2,663.16 D...; obs: ProvidencApenso A) Custas de Parte - Procuradoria (art 40° C.C.J.) 17.96 H...; obs: Apenso B) Sub Total 2,681.12 Totais Taxas de Justiça já pagas 638.48 Total da Conta / Liquidação 27,020.48 Liquidação do Julgado 0.00 I.G.F.I.J. (art 57°12 C.C.J.) 0.00 Custas não cobradas (art 57°/1 C.C.J.) 0.00 Custas Prováveis 0.00 Total a pagar (EUR) 26,382.00 2.1.15. Por despacho de fls. 941 foi ordenada a reforma da conta de fls. 875, em que surgiam como responsáveis pelo pagamento das custas os requeridos quando os responsáveis eram os requerentes. 2.1.16. É o seguinte o teor dessa conta: Descrição Valor Taxas Aplicáveis Processo Tributário: 10631534,22€; Art 15°/1 (1/4); Responsabilidade: 50%; obs: fls. 770 (reforma ordenada fls. 890/941) 13,315.80 Sub Total 13,315.80 Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça Taxa de Justiça devida ao IGFIJ 13,315.80 Reembolsos (Cível) - art 32° n° 2 177.40 Sub Total 13,493.20 Procuradoria Procuradoria 199.74 Procuradoria - C.P.A.S. 3,795.00 Sub Total 3,994.74 Custas de Parte Custas de Parte - Procuradoria (art 40° C.C.J.) D... 2,663.16 Sub Total 2,663.16 Totais Taxas de Justiça já pagas 0.00 Total da Conta / Liquidação 20,151.10 Liquidação do Julgado 0.00 I.G.F.I.J. (art 57°/2 C.C.J.) 0.00 Custas não cobradas (art 57°/1 C.C.J.) 0.00 Custas Prováveis 0.00 Total a Pagar (EUR) 20,151.10 2.2. O apenso D (recurso de agravo da decisão relativa à oposição) é composto por cinco volumes e 1331 páginas até à elaboração da conta), e o recurso da decisão relativa a reclamação da conta aí proferida constitui o apenso F. A tramitação relevante consistiu em: 2.2.1. Em 2003.08.05 os requerentes do procedimento apresentaram alegações (fls. 1-17). 2.2.2. Em 2003.08.19 juntaram os requeridos do procedimento cautelar alegações, com impugnação da matéria de facto (fls. 21 a 127). 2.2.3. Em 2003.08.26 os requeridos do procedimento cautelar contra-alegaram (fls. 135-49). 2.2.4. Em 2003.09.04 contra-alegaram os requerentes do procedimento cautelar (fls. 153-75). 2.2.5. De fls. 187 a 960 constam certidões do procedimento cautelar. 2.2.6. Em 2003.09.30 os requeridos do procedimento cautelar apresentaram alegações complementares, reportadas ao efeito suspensivo atribuído ao agravo (fls. 973-82). 2.2.7. Em 2003.10.28 foi proferido pelo Desembargador Relator despacho ordenando o desentranhamento de documentos e solicitando à 1ª Instância o envio de elementos destinados a instruir o recurso (fls.988-9). 2.2.8. Os elementos solicitados constam de fls. 993-1130. 2.2.9. Em 2003.12.02 foi proferido despacho alterando o efeito do recurso e ordenando a remessa do recurso aos vistos (fls. 1132-4). 2.2.10. Em 2003.12.16 foi proferido acórdão decretando o levantamento total do arrolamento (fls. 1141-1186). 2.2.11. Em 2003.12.26 foi apresentado pelos requerentes do procedimento cautelar pedido de aclaração do acórdão (fls. 1191-6). 2.2.12. Em 2004.01.13 os requerentes arguíram a nulidade do acórdão por não se ter pronunciado relativamente ao agravo do despacho do Juiz da 1ª Instância que ordenou o desentranhamento de documentos (fls. 1199-1204). 2.2.13. Em 2004.01.30 foi proferida decisão singular indeferindo o pedido de aclaração e arguição de nulidade (fls. 1207-8). 2.2.14. Em 2004.02.02 os requeridos do procedimento cautelar requereram a condenação dos recorrentes como litigantes de má fé (fls. 1219-24) 2.2.15. Em 2004.02.12 foi interposto recurso da decisão que indeferiu a arguição de nulidade (fls. 1247-54). 2.2.16. Em 2004.03.01 foi proferido despacho interpretando o recurso relativamente à omissão de pronúncia como reclamação para a conferência. 2.2.17. Em conferência de 2004.03.23 foi deliberado deferir a arguição de nulidade quanto á decisão individual e indeferir a reclamação quanto à omissão de pronúncia (fls. 1309-13). 2.2.18. Em 2004.05.13 foi indeferido o pedido de condenação como litigantes de má fé referido em 2.2.15 (fls. 1318). 2.2.19. Em 2008.17.10 foi elaborada a seguinte conta (fls. 1329-30): Descrição Valor Taxas Aplicáveis Recurso Tributário: 10.631534,22€; Artigo: Art 18°12 (112); Responsabilidade: 100%; 53,263.19 obs: fls. 1.186 Incidente Tributário: 10631534,22€; Artigo: Art 16° (juiz); Responsabilidade: 100%; obs: fls. 989 159.62 Incidente Tributário: 10631534,22€; Artigo: Art 16° (juiz); Responsabilidade: 100%; obs: fls. 1.313 267.00 Recurso Tributário: 10631534,22€; Artigo: Art 18°/2 (112); Responsabilidade: 100%; obs: fls. 1.186 53,263.19 Sub Total 106,953.00 Taxas Já Pagas Taxas de Justiça já pagas 1,276.96 Sub Total 1,276.96 Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça Taxa de Justiça devida ao IGFIJ 106,953.00 Reembolsos (Cível) - art 32° n° 2 547.20 Sub Total 107,500.20 Procuradoria Procuradoria 1,597.90 Procuradoria - C.P.A.S. 30,360.02 Sub Total 31,957.92 Custas de Parte Custas de Parte - Procuradoria (art 40° C.C.J.) 21,305.28 D.... Sub Total 21,305.28 Totais Taxas de Justiça já pagas 1,276.96 Total da Conta / Liquidação 160,763.40 Liquidação do Julgado 0.00 I.G.F.I.J. (art 57°/2 C.C.J.) 0.00 Custas não cobradas (art 57°11 C.C.J.) 0.00 Custas Prováveis 0.00 Total a Pagar (EUR) 159,486.44 2.3. O apenso C (recurso de agravo do despacho que não admitiu documentos) é composto por um volume e 56 páginas até à elaboração da conta), e o recurso da decisão relativa a reclamação da conta aí proferida constitui o apenso G. A tramitação relevante consistiu em: 2.3.1. Em 2003.04.28 os agravantes apresentaram alegações (fls. 1-10). 2.3.2. Em 2003.05.14 os agravados apresentaram contra-alegações (fls. 32-47). 2.3.3. Em 2004.11.21 foi proferido o seguinte despacho (fls. 51): «Tendo em conta que, por Acórdão da Relação de Lisboa de 16.12.2003, foi determinado o levantamento total do arrolamento, com fundamento na ausência de factos suficientemente reveladores da existência de vício da vontade que tivesse afectado o testamento ou outros actos que beneficiaram a requerida D..., julga-se extinta a presente instância de recurso por inutilidade superveniente da lide - art° 287°, al. e) do C.P.C.. Custas pelos recorrentes - art° 447°, 1 a parte do mesmo diploma». 2.3.4. Em 2008.17.10 foi elaborada a seguinte conta (fls. 56): Descrição Valor Taxas Aplicáveis Processo Tributário: 10631534,22€; Art 18°14 (1/8); Redução: Art 19° (1/2); Responsabilidade: 100% 6,657.90 Sub Total 6,657.90 Taxas Já Pagas Taxas de Justiça já pagas 638.48 Sub Total 638.48 Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça Taxa de Justiça devida ao IGFIJ 6,657.90 Reembolsos (Cível) - art 32° n° 2 57.60 Sub Total 6,715.50 Procuradoria Procuradoria 3,328.95 Sub Total 3,328.95 Totais Taxas de Justiça já pagas 638.48 Total da Conta / Liquidação 10,044.45 Liquidação do Julgado 0.00 I.G.F.I.J. (art 57°/2 C.C.J.) 0.00 Custas não cobradas (art 57°11 C.C.J.) 0.00 Custas Prováveis 0.00 Total a Pagar (EUR) 9,405.97 3. Do mérito do recurso O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 684º, nº 3, e 690º, nºs 1 e 3, CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2, in fine), consubstancia-se em saber se as normas constantes dos artigos 13º, nº 1, 15º, nº 1, alínea m), e 18º, nº 2, CCJ, e tabela anexa a que se refere o artigo 13º do mesmo diploma, na redacção do Decreto-Lei 224-A/96, de 26.11, padecem de inconstitucionalidade material, por violação do direito de acesso aos tribunais e do princípio da proporcionalidade, na interpretação segundo a qual o montante das custas devidas num procedimento cautelar e recursos nele interpostos, ascende a € 217.797,43 (€ 47171,58 no apenso A + € 10.044,45 no apenso C + € 160.763,40 no apenso D), sendo a taxa de justiça determinada exclusivamente em função do valor da acção sem qualquer limite máximo, e na medida em que não se permite ao tribunal que limite o montante da taxa de justiça devido no caso concreto tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcionado do montante em questão. Atendendo a que o procedimento cautelar a que o presente agravo se reporta foi instaurado em 2002.12.06, é aplicável o Código das Custas Judiciais aprovado pelo Decreto-Lei 224-A/96, de 26.11, porquanto a redacção introduzida pelo Decreto--Lei 324/2003, de 27.12, apenas é aplicável aos processos instaurados após a sua entrada em vigor, por força do seu artigo 14º, nº 1. Embora estejam em causa quatro contas efectuadas em três apensos distintos, tratando-se da mesma questão impõe-se uma apreciação conjunta. Como se referiu supra, o que está em causa é saber se a quantia de custas exigida aos agravantes é desproporcionada em relação ao serviço prestado, de tal forma que seja susceptível de configurar um entrave ao recurso do tribunal e, nessa medida, violadora do princípio do acesso ao direito e ao tribunal e do princípio da proporcionalidade ínsito no Estado de Direito, decorrendo tal desproporcionalidade da circunstância de o valor da taxa de justiça ser calculado unicamente em função do valor da causa, sem qualquer limite máximo ou intervenção moderadora do tribunal. O artigo 20º, nº 1, CRP, consagra o princípio do acesso ao direito e aos tribunais ao estabelecer que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos. Este princípio tem sido densificado em inúmeros acórdãos do Tribunal Constitucional sendo reiteradamente afirmado que tal direito não implica necessariamente a gratuitidade do serviço de justiça, sendo, pois, legítima a exigência do pagamento do serviço de justiça. Assim, como se lê no acórdão do Tribunal Constitucional nº 352/91, Messias Bento (em www.tribunalconstitucional.pt), citado designadamente nos acórdãos nºs 116/2008, Vítor Gomes, e 227/2007, Paulo Mota Pinto, versando estes dois últimos os mesmos normativos questionados no âmbito deste recurso: «O direito de acesso aos tribunais não compreende, pois, um direito a litigar gratuitamente, pois, como decorre do que atrás se disse, não existe um princípio constitucional de gratuitidade no acesso à justiça (cfr., neste sentido, também o Acórdão n.º 307/90, Diário da República, II Série, de 4 de Março de 1991). O legislador pode, assim, exigir o pagamento de custas judiciais, sem que, com isso, esteja a restringir o direito de acesso aos tribunais. E, na fixação do montante das custas, goza ele de grande liberdade pois é a si que cabe optar por uma justiça mais cara ou mais barata. Essa liberdade constitutiva do legislador tem, no entanto, um limite — limite que é o de a justiça ser realmente acessível à generalidade dos cidadãos sem terem que recorrer ao sistema de apoio judiciário. É que, o nosso ordenamento jurídico concebe o sistema de apoio judiciário como algo que apenas visa garantir o acesso aos tribunais aos economicamente carenciados, e não como um instrumento ao serviço também das pessoas de médios rendimentos (salvo, naturalmente, se estas houverem de intervir em acções de muito elevado valor). Na fixação das custas judiciais, há-de, pois, o legislador ter sempre na devida conta o nível geral dos rendimentos dos cidadãos de modo a não tornar incomportável para o comum das pessoas o custeio de uma demanda judicial, pois, se tal suceder, se o acesso aos tribunais se tornar insuportável ou especialmente gravoso, violar-se-á o direito em causa. A este propósito escrevem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, na Constituição da República Portuguesa Anotada, 1.º vol., Coimbra, 1984, p. 182: Incumbe à lei assegurar a actuação desta norma constitucional [referem-se ao artigo 20.º, n.º 2, na redacção de 1982], não podendo, por exemplo, o regime de custas judiciais ser de tal modo gravoso que torne insuportável o acesso aos tribunais […]». É, pois, perfeitamente legítimo que os custos da justiça sejam suportados, pelo menos em parte, por aqueles que deles usufruem (o princípio do utilizador pagador), assim desonerando o Orçamento do Estado, cujos recursos são naturalmente limitados. E que seja o legislador ordinário a determinar o valor dessa contribuição. É nesse contexto que o artigo 1º, nº 2, do CCJ em causa estabelece que os processos estão sujeitos a custas, salvo se forem isentos por lei, estando a sua quantificação cometidas a várias normas, entre as quais as que são objecto deste recurso. E, por força do nº 1 desse artigo, as custas compreendem a taxa de justiça e os encargos. Os encargos, enunciados no artigo 32º, reconduzem-se ao reembolso de despesas com a tramitação do processo, pelo tribunal, por intervenientes incidentais e pela parte vencedora, configurando a taxa de justiça a remuneração devida ao Estado pelos serviços de administração da justiça prestados. A larga margem de conformação constitutiva de que goza o legislador ordinário na definição dos custos dos processos, e designadamente da taxa de justiça, não o exonera naturalmente da observância de critérios de proporcionalidade decorrente dos princípios do Estado direito, consagrado no artigo 2º CRP, e do direito de acesso à justiça acolhido no artigo 20º CRP, sob pena de a legislação emanada em violação destes princípios padecer de inconstitucionalidade material (cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 1182/96, Sousa e Brito, e 352/91, Messias Bento). Na ausência de mercado, nem sempre será fácil ao legislador ordinário estabelecer uma correspondência exacta entre o custo do serviço e a taxa de justiça cobrada, dada a complexidade da máquina judiciária (existem muitos custos indirectos que não é possível individualizar). Acresce que a função da taxa de justiça não se esgota na remuneração dos serviços prestados, podendo ser utilizada como instrumento da moderação do recurso ao tribunal (quanto mais baixo for o custo maior será a procura, com elevados riscos de ineficiência por manifesta incapacidade de resposta). A propósito da sinalagmaticidade entre o serviço prestado e o seu custo, e para maiores desenvolvimentos, veja-se o acórdão do Tribunal Constitucional, nº 471/2007, Cura Mariano. Assim, ao estabelecer o custo do serviço público de justiça, o legislador ordinário tem de equacionar diversos factores. Em primeiro lugar está em causa um serviço público essencial vocacionado para a concretização do direito de acesso aos tribunais que tem assento no artigo 20º CRP. Serviço esse que, tratando-se de procedimentos cautelares, é prestado em regime de monopólio, pois como tem sido entendido, não é admissível o recurso a arbitragem no âmbito dos procedimentos cautelares (Cfr. Paula Costa e Silva, A arbitralidade de medidas cautelares, Revista da Ordem dos Advogados, ano 63, vol. I/II). O mesmo sucedendo, aliás, com os recursos, já que das decisões arbitrais, a caber recurso, será para os tribunais (cfr. artigo 29º da Lei da Arbitragem Voluntária). O custo da justiça não pode ser tão elevado que não seja acessível ao comum das pessoas, ao cidadão médio. Como se lê no acórdão do Tribunal Constitucional nº 467/91, Assunção Esteves, «(…) esse espaço de conformação (o espaço de conformação do legislador em matéria de custas) tem os limites que são dados pela irredutível dimensão de defesa da tutela jurisdicional dos direitos, postulando soluções legislativas que assegurem um acesso igual e efectivo aos tribunais. Então, o princípio da proporcionalidade vem aqui «alicerçar um controlo jurídico-constitucional da liberdade de conformação do legislador e situar constitucionalmente o espaço de prognose legislativa» (J. J. Gomes Canotilho, Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, Coimbra 1982, p. 274). O asseguramento da garantia do acesso aos tribunais subentende uma programação racional e constitucionalmente adequada dos custos da justiça: o legislador não pode adoptar soluções de tal modo onerosas que impeçam o cidadão médio de aceder à justiça». Nem se diga que para os casos em que a taxa de justiça seja particularmente elevada deve ser accionado o instituto do apoio judiciário. Este instituto está direccionado para a protecção dos economicamente carenciados, não devendo ser desvirtuado na sua essência para colmatar situações de insuficiência económica decorrente de um montante de custas exorbitante, que esteja fora das posses da generalidade dos cidadãos, sob pena de perversão do instituto. O cidadão com recursos económicos médios não deve ser «atirado» para o instituto do apoio judiciário por o montante das custas cobrado ser exorbitante, não se podendo esquecer que a impugnação da decisão que indefere apoio judiciário está sujeita a custas se for julgada improcedente (cfr. a situação versada no acórdão da Relação de Lisboa, de 2007.05.05, Pimentel Marcos, www.dgsi.pt.jtrl, proc. nº 5708/2006). Com efeito, e como se sublinha no acórdão do Tribunal Constitucional nº 495/96, Luís Nunes de Almeida, «O instituto do apoio judiciário não é, pois, um instrumento generalizado, ou pressuposto primário de acesso ao direito: é, antes, um remédio, uma solução a utilizar, de forma excepcional, apenas pelos cidadãos economicamente carenciados ou desfavorecidos, e não de forma indiscriminada pela globalidade dos cidadãos. Isto implica, necessariamente, que também o sistema das custas judiciais tenha que ser um sistema proporcional e justo, que não torne insuportável ou inacessível para a generalidade das pessoas o acesso aos tribunais.» E mesmo o cidadão de posses, que disponha de recursos elevados (e que eventualmente seja já fortemente tributado pelos mesmos), tem direito a uma justiça a custos razoáveis, a fim de não ser inibido do acesso ao tribunal face à contingência de terem de suportar montantes exorbitantes em custas em caso de decaimento. De todo o modo, o critério a atender tem de ser o critério do rendimento do cidadão médio, pois em regra só se tem acesso à situação económica da parte quando esta solicita apoio judiciário, e já não quando litiga sem essa protecção. E não se pode abdicar de uma certa correspectividade entre o custo e o serviço prestado, embora não tenha de ser absoluta, como já se referiu. O direito de acesso aos tribunais pressupõe, pois, custos razoáveis, mesmo para os cidadãos mais abastados. O cerne da questão reside, pois, em saber se as taxas exigidas ultrapassam sensivelmente custo o serviço prestado, se estão de tal modo divorciadas do serviço prestado que não se possa estabelecer uma correspectividade entre as duas prestações, e se são tal modo elevadas que o cidadão médio se sinta inibido de recorrer aos serviços de administração da justiça. Como dá conta Cura Mariano no acórdão supra citado, «Podem ser utilizados os mais variados critérios para a fixação das taxas devidas pela tramitação de processo judicial, sendo os mais utilizados os seguintes: - taxa fixa prevista na lei para cada acto processual, sendo o número e o tipo de actos praticados em cada processo que determinará o seu custo final; - taxa fixada pelo juiz, com limites previamente estabelecidos na lei; - taxa fixa prevista na lei, proporcional ao valor da causa». O diploma em que se inserem as normas em apreço optou pelo último critério. É o seguinte o teor dos artigos cuja inconstitucionalidade material foi suscitada: Artigo 13º, nº 1: Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes, a taxa de justiça é a constante da tabela anexa, sendo calculada sobre o valor das acções, dos incidentes ou dos recursos. Artigo 15º, nº 1, alínea m): A taxa de justiça é reduzida a um quarto nos procedimentos cautelares e respectiva oposição. Artigo 18º, nº 2: Nas apelações revistas e agravos de decisões proferidas em quaisquer acções ou incidentes, sem prejuízo do disposto no artigo 16º, a taxa de justiça é de metade, constante da tabela anexa. O artigo 27º, nº 3, do mesmo diploma, na versão de 1996, estabelecida que nas acções de valor superior a quarenta milhões de escudos, não é considerado o excesso para o cálculo da taxa de justiça inicial e subsequente. A tabela em causa estabelecia o valor da taxa de justiça em função do valor, sendo que nas acções de valor superior a Esc. 10.000.000$00 (€49.879.79) acrescia 10 contos (€ 49,88) por cada 1.000 contos (€ 4.987,98) ou fracção, indefinidamente, sem qualquer limite. Da leitura destas normas resulta que, e continuamos a acompanhar Cura Mariano no acórdão supra citado, «Apesar da complexidade processual ter alguma conexão com o valor da causa e do resultado puro do critério adoptado se encontrar atenuado por várias normas que previam a redução da taxa de justiça, em função da natureza das espécies processuais (artº 14.º e 15.º, do C.C.J., na redacção do D.L. nº 224-A/96, de 26 de Novembro), da hierarquia do tribunal onde se processavam (artº 18.º, do C.C.J., na redacção do D.L. nº 224-A/96, de 26 de Novembro), ou da fase em que terminavam (artº 17.º, do C.C.J., na redacção do D.L. nº 224-A/96, de 26 de Novembro), o facto do valor da taxa de justiça acompanhar automática e ilimitadamente o aumento do valor da causa, permitia que se atingissem taxas de justiça de elevadíssimo montante, flagrantemente desproporcionadas relativamente ao custo do serviço prestado, não podendo as mesmas, em regra, ser aferidas com o benefício obtido, uma vez que no nosso sistema processual, em matéria de responsabilidade pelo pagamento de custas, vigora o princípio da causalidade, segundo o qual quem paga as custas é quem não obtém vencimento na causa, dela não retirando qualquer benefício. O C.C.J., na redacção do D.L. nº 224-A/96, de 26 de Novembro, não previa mecanismos, como a fixação de um limite máximo para a taxa de justiça ou a possibilidade do juiz, a partir de determinado valor, reduzir o seu montante, atendendo ao grau de complexidade da causa, os quais só foram posteriormente introduzidos pelo Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de Dezembro (artº 73.º-A e 27.º, nº 3), que permitem evitar a cobrança de taxas desproporcionadas. Mas a cobrança de taxas elevadas pela prestação dos serviços de justiça, não só pode determinar a sua desproporcionalidade, afrontando o princípio constitucional estruturante da proibição do excesso, como também pode pôr em risco o próprio direito fundamental dos cidadãos de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos (artº 20.º, nº 1, da C.R.P.). Na verdade, quando as taxas de justiça atingem um montante de tal modo elevado que dificultem, de modo inexigível, a generalidade dos cidadãos de recorrer aos tribunais para defesa dos seus direitos, estamos perante inequívocas violações daquele direito constitucional». E continua: «Apesar de não caber a este Tribunal aferir qual o concreto patamar em que se situa o limite em que a prestação pública se desliga dos custos da respectiva actividade ou em que o cidadão fica inibido de recorrer aos tribunais, por força do valor das custas, deve, contudo, velar pelo respeito pelos referidos parâmetros constitucionais, perante o concreto valor das taxas cobrada num determinado processo, como resultado da aplicação da tabela legal, segundo o princípio do controlo da evidência. Foi este controlo que o Tribunal Constitucional efectuou com resultados diferentes, entre outros, nos acórdãos nº 1182/96 (em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 35º vol., pág. 447), nº 521/99 (em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 44º vol., pág. 793), nº 349/2002 (em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 53º vol., pág. 693), e nº 227/07 (no Diário da República, II Série, de 22-5-07)». Face aos considerandos supra enunciados, importa avaliar a situação concreta que é veiculada neste recurso. Estão em causa as reclamações das contas elaboradas nos apensos A, C e D, relativamente ao procedimento cautelar de arrolamento. No despacho recorrido se afirma que os autos envolveram a discussão de questões complexas, sem que se enuncie qualquer critério a partir do qual essa complexidade tenha sido inferida. Os recorrentes dizem, na conclusão 7ª da respectiva alegação, que «A pretensa complexidade dos autos nunca poderia justificar um montante daquela ordem, tanto mais que a providência cautelar, apesar de evidenciar alguma complexidade factual, não reveste especial complexidade jurídica». Os agravados sustentam na conclusão 10ª que «Além de volumosa a causa é inquestionavelmente complexa, tendo justificado a análise de centenas de documentos e a inquirição de várias testemunhas». Finalmente o MP, na conclusão 15ª da suas alegações refere «a complexidade dos autos, o seu volume e o valor dos interesses em litígio». Importa, pois, objectivar o grau de complexidade dos autos. Os autos são efectivamente volumosos, em alguma medida devido à prolixidade dos articulados. E os agravos em separado implicam alguma duplicação que não existiria se a subida se processasse nos próprios autos. A tramitação do procedimento cautelar é a que foi enunciada no ponto 2. Embora os apensos A e D, correspondentes ao procedimento cautelar de arrolamento e ao recurso da decisão na sequência de oposição, sejam volumosos e impliquem algum trabalho material, não se pode dizer que envolvam uma complexidade tal que justifique o montante das custas que se atingiu (€ 47.171,58 e 160.673,40, respectivamente). A versão do CCJ em apreço não fornecia qualquer noção de complexidade para efeito de tributação, uma vez que atendia apenas ao critério do valor, alheio a qualquer intervenção da complexidade na fixação dos custos das acções. O Decreto-Lei 324/2003, de 27.12, que introduziu alterações a vários artigos do CCJ, estabeleceu no nº 1 do artigo 27º um tecto para o pagamento da taxa de justiça inicial e subsequente - € 250.000,00, fazendo considerar o remanescente na conta final (nº 2), admitindo, porém, a intervenção moderadora do juiz, que, se a especificidade da situação o justificasse, poderia dispensar o remanescente, em decisão fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à actuação processual das partes (nº 3). Contudo, este diploma também não fornece critérios orientadores para a aferição da complexidade que justifique a dispensa do remanescente. Diversamente, o Decreto-Lei 34/2008, de 26.02, que introduziu alterações em diversos diplomas, designadamente no CPC, e aprovou o Regulamento das Custas Processuais, introduziu limites máximos nas tabelas anexas, admitindo o agravamento da taxa de justiça em situações de especial complexidade (vg., artigos 6º, nº 5; 7º, nº 5). E desta vez não deixou de densificar o conceito de especial complexidade, no novo artigo 447º A, nº 7, CPC, nos termos do qual «Para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as acções que: a) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; e b) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova extremamente complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas». E no preâmbulo do diploma descortina-se o fundamento deste novo regime. Aí se lê: «De um modo geral, procurou também adequar-se o valor da taxa de justiça ao tipo de processo em causa e aos custos que, em concreto, cada processo acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva à qual não deve ser imune o sistema de custas processuais, enquanto modelo de financiamento dos tribunais e de repercussão dos custos da justiça nos respectivos utilizadores. De acordo com as novas tabelas, o valor da taxa de justiça não é fixado com base numa mera correspondência face ao valor da acção. Constatou-se que o valor da acção não é um elemento decisivo na ponderação da complexidade do processo e na geração de custos para o sistema judicial. Pelo que, procurando um aperfeiçoamento da correspectividade da taxa de justiça, estabelece-se agora um sistema misto que assenta no valor da acção, até um certo limite máximo, e na possibilidade de correcção da taxa de justiça quando se trate de processos especialmente complexos, independentemente do valor económico atribuído à causa. Deste modo, quando se trate de processos especiais, procedimentos cautelares ou outro tipo de incidentes, o valor da taxa de justiça deixa de fixar-se em função do valor da acção, passando a adequar-se à afectiva complexidade do procedimento respectivo». À falta de outros critérios, e por forma a obviar ao subjectivismo e à arbitrariedade, podemos considerar os critérios aferidores da complexidade estabelecidos pelo Decreto-Lei 34/2008, de 26.02, com a advertência de que não se trata de aplicar retroactivamente a nova legislação, mas tão só lançar mão da mais recente valoração do legislador nesta matéria e equacionar a problemática da complexidade dos autos em apreço à luz desses parâmetros. Assim sendo, se é verdade que o processo é volumoso, em parte pelas já apontadas razões (prolixidade dos articulados e duplicação de processado devido à subida em separado do recurso da decisão), e trabalhoso (foram ouvidas seis testemunhas sem contraditório e dez com contraditório – artigos 2.1.3, 2.1.8 e 2.1.9 da matéria de facto e houve impugnação da matéria de facto), não se pode dizer que revista especial complexidade, tanto mais que estamos em sede de procedimento cautelar, onde basta uma prova sumária do direito e dos factos em que o requerente fundamenta o receio do seu extravio ou dissipação (cfr. artigo 423º, nº 1, CPC). E a questão jurídica nuclear prendia-se com a alegada invalidade do testamento outorgado pelo de cujus, que não estaria no uso das suas faculdades quando o outorgou. Seja como for, é evidente que o montante das custas ultrapassa muito aquilo que é razoável e aceitável. Atendendo que o único critério a que as normas sob apreciação apelam é o do valor, facilmente se conclui que acções com as mesmas características, que envolvessem o mesmo trabalho, importariam montantes substancialmente inferiores de custas. E se atendermos a que no dia a dia dos tribunais nos deparamos com acções substancialmente mais complexas que estão longe de atingir os montantes em causa no presente recurso, a conclusão não pode ser a de que existe uma flagrante desproporcionalidade entre o serviço prestado e os custos cobrados. Desproporção especialmente flagrante no caso do apenso G, em que a única intervenção do magistrado consistiu na prolação de um despacho declarando a inutilidade da lide, em oito linhas, e em que a conta ascendeu a € 10. 044.45 ! O preço da justiça arbitral não pode servir como termo de comparação, já que depende da vontade das partes, sendo certo que nos procedimentos cautelares existe um verdadeiro monopólio da justiça prestada pelos tribunais, como já se referiu. O montante que está em causa no âmbito do arrolamento (procedimento cautelar de arrolamento e recursos) - € 217.797,43 – encontra-se completamente desfazado quer dos serviços prestados, quer da situação do cidadão médio a que se tem de atender, na esteira da jurisprudência constitucional. E nem se diga, como fazem os recorridos, que sendo três os requerentes, caberá a cada um pouco mais de € 70.000,00! São valores que decididamente não estão ao alcance da generalidade dos cidadãos não economicamente carenciados. A situação dos autos é muito semelhante àquelas que foram apreciadas nos acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 227/2007, Paulo Mota Pinto, e 116/2008, Vítor Gomes, que se pronunciaram sobre as mesmas normas impugnadas no recurso. Nem se diga, com os recorridos, que estes acórdãos não têm força obrigatória geral, Aliás, se a tivessem certamente este recurso não existiria. A circunstância de um acórdão não ter força obrigatória geral não invalida a força da sua argumentação. Assim, e utilizando a formulação do primeiro daqueles acórdãos, podemos afirmar que as normas constantes dos artigos 13º, nº 1, 15º, nº 1, alínea m), e 18º, nº 2, CCJ, e tabela anexa a que se refere o artigo 13º do mesmo diploma, na redacção do Decreto-Lei 224-A/96, de 26.11, padecem de inconstitucionalidade material, por violação do direito de acesso aos tribunais e do princípio da proporcionalidade, na interpretação segundo a qual o montante das custas devidas num procedimento cautelar e recursos nele interpostos, ascende a € 217.797,43 (€ 47171,58 no apenso A + € 10.044,45 no apenso C + € 160.763,40 no apenso D), sendo a taxa de justiça determinada exclusivamente em função do valor da acção sem qualquer limite máximo, e na medida em que não se permite ao tribunal que limite o montante da taxa de justiça devido no caso concreto tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcionado do montante em questão. Formulado um juízo de inconstitucionalidade relativamente às normas do CCJ na versão de 1996, com base nas quais foi elaborada a conta, objecto de reclamação indeferida pelo despacho sob recurso, importa determinar quais os critérios que devem nortear a reformulação da conta. O legislador interveio por duas vezes na legislação de custas, em qualquer delas estabelecendo critérios mais favoráveis. Assim, através do Decreto-Lei 324/2003, de 27.12, conferiu a seguinte redacção ao artigo 27º, epigrafado «Limite das taxas de justiça inicial e subsequente»: 1 — Nas causas de valor superior a 250 000 não é considerado o excesso para efeito do cálculo do montante da taxa justiça inicial e subsequente. 2 — Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, o remanescente é considerado na conta a final. 3 — Se a especificidade da situação o justificar, pode o juiz, de forma fundamentada e atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento do remanescente. 4 — Quando o processo termine antes de concluída a fase de discussão e julgamento da causa não há lugar ao pagamento do remanescente. E nos termos do RCP (Regulamento das Custas Processuais), aprovado pelo Decreto-Lei 34/2008, a taxa de justiça devida pelo recurso seria 10 a 20 UC (tabela 1B – artigo 7º, nº 2) e pelo procedimento cautelar seria de 8 UC, salvo se de especial complexidade, caso em que oscilaria entre 9 e 20 UC (tabela II – artigo 7º, nº 3). No voto de vencido ao acórdão do Tribunal Constitucional, nº 471/07, Benjamim Rodrigues, referindo-se ao diploma de 2003, afirma que: «A circunstância de o legislador ter actualmente estabelecido um critério de tributação mais favorável não quer dizer que esse seja o patamar em que o montante das custas se deve considerar conectado com a utilidade da prestação. Basta notar que o legislador pode, sem converter a actividade da justiça numa actividade lucrativa, o que lhe estará constitucionalmente vedado, suportar em maior medida os custos da justiça, desonerando quem a ele acede.» No entanto crê-se que o legislador não terá deixado de ser sensível à jurisprudência constitucional, podendo afirmar-se que a intervenção de 2003 se destinou a atenuar as consequências de o valor da taxa de justiça depender unicamente do valor da acção, do procedimento cautelar ou do incidente. À data em que as contas em questão foram elaboradas já se encontrava em vigor a redacção introduzida pelo 324/2003, de 27.12, que não logrou aplicação ao caso dos autos por a nova redacção apenas se aplicava aos processos instaurados a partir de 1 de Janeiro de 2004 (artigo 14º, nº 1, e 16º, nº 1). Ora, padecendo as normas aplicáveis de inconstitucionalidade material que justificam a sua desaplicação, torna-se necessário determinar qual o critério que há-de presidir à reformulação das contas. Uma das hipóteses será a de se fixar uma determinada proporção das custas contadas (1/5, 1/10, 1/20, etc), com o inconveniente da subjectividade inerente. Outra hipótese seria expurgar a norma do segmento que conduz à inconstitucionalidade: atender-se-ia apenas ao limite máximo de Esc. 10.000.000$00 (dez mil contos), correspondente a € 49.879,79, desprezando-se o segmento que diz que por cada 1.000 contos (€ 4.987,98) ou fracção acresce 10 contos (€ 49,88) de taxa de justiça. Tal solução, no entanto, não seria equilibrada, por o valor de € 49.879,79 ser um valor relativamente baixo, já que o legislador não tinha em vista nenhum limite, nem previa qualquer intervenção do juiz. O diploma de 2003, que veio permitir uma intervenção moderadora do juiz estabeleceu o limite em € 250.000,00. E se é certo que a partir deste montante, por cada €25.000,00 ou fracção, acrescia 5UC a final, não é menos verdade que o juiz poderia, atendendo à complexidade dos autos e à conduta processual das partes dispensar o pagamento do remanescente (artigo 27º, nº 3). Parece ser este o regime que deve ser aplicado, o que não significa, mais uma vez, que estejamos a aplicar retroactivamente o diploma de 2003: apenas estamos fazendo uso do mesmo critério face à necessidade de colmatar a lacuna decorrente da desaplicação das normas consideradas inconstitucionais. É um regime equilibrado, que permite atender à complexidade dos autos e à conduta processual das partes, evitando que se atinjam montantes exorbitantes. E correspondia à valoração do legislador ao tempo em que foi elaborada a conta. Relativamente à complexidade, já se referiu que, apesar de trabalhoso, o processo em causa não pode ser considerado de especial complexidade, quer atendendo aos critérios emergentes do Decreto-Lei 34/2008, de 26.02, quer às pendências no Tribunal onde foi tramitado (Palácio da Justiça de Lisboa). No tocante à conduta processual das partes, não se considera que os agravantes tenham tido conduta censurável que justifique uma penalização em sede de taxa de justiça. Aliás, a sua conduta processual foi apreciada no âmbito do apenso D, a propósito de um pedido de condenação como litigantes de má fé formulado pelos agravados, tendo escapado ao juízo de censura (artigo 2.2.20 da matéria de facto). 4. Decisão Termos em que, concedendo provimento ao agravo: a) se declara que as normas constantes dos artigos 13º, nº 1, 15º, nº 1, alínea m), e 18º, nº 2, CCJ, e tabela anexa a que se refere o artigo 13º do mesmo diploma, na redacção do Decreto-Lei 224-A/96, de 26.11, padecem de inconstitucionalidade material, por violação do direito de acesso aos tribunais e do princípio da proporcionalidade, na interpretação segundo a qual o montante das custas devidas num procedimento cautelar e recursos nele interpostos, ascende a € 217.797,43 (€ 47171,58 no apenso A + € 10.044,45 no apenso C + € 160.763,40 no apenso D), sendo a taxa de justiça determinada exclusivamente em função do valor da acção sem qualquer limite máximo, e na medida em que não se permite ao tribunal que limite o montante da taxa de justiça devido no caso concreto tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcionado do montante em questão; b) determina-se a reforma das contas tendo em conta o máximo de € 250.000,00 fixado na tabela I na redacção do Decreto-Lei 324/2003, de 27.12, desconsiderando-se o remanescente. Custas pelos agravados, atenta a isenção do MP. Lisboa, 2009.10.22 Márcia Portela Carlos Valverde Granja da Fonseca |