Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
808/10.9TBLNH.L1-2
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: PETIÇÃO INICIAL
RECUSA
FALTA DE PAGAMENTO DA TAXA DE JUSTIÇA
NOVA PETIÇÃO
PRECLUSÃO
PRAZO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/10/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I No caso de o Tribunal proferir uma decisão equivalente à de recusa da petição inicial, vg de desentranhamento deste articulado por falta de pagamento da taxa de justiça, a Lei confere aos interessados duas alternativas: ou recorrem da decisão que lhes não admite a petição inicial, nos termos do artigo 475º, nº2 do CPCivil, ou apresentam nova petição no prazo de dez dias subsequentes à notificação da decisão, nos termos do artigo 476º do mesmo diploma legal, considerando-se, neste caso, a providência interposta na data de entrada da primeira petição.
II Se os interessados, embora se conformem com o despacho equivalente a recusa, apresentarem uma nova petição inicial cumprindo as formalidades que lhes foram impostas pelo mesmo, mas decorrido o aludido prazo de dez dias, deixando transitar em julgado aquele despacho, fica precludida a possibilidade de se aproveitarem daquela data e encontrando-se a exercer um direito sujeito a caducidade, sujeitam-se à declaração da sua extinção.
(Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM, NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA


I J e M, requereram contra V e A providência cautelar de ratificação judicial de embargo de obra nova.
Alegaram, em síntese, que o Requerente se dirigiu a umas obras que os Requeridos estariam a realizar e que as mandou suspender o que teve lugar no passado dia 23 de Outubro de 2010.

A providência veio a ser indeferida nos seguintes termos:
«(…) Ora, de acordo com o disposto no art. 412.°, n.° 3, do Código de Processo Civil, o embargo extrajudicial fica sem efeito se não for requerida a ratificação judicial, no prazo de cinco dias. Tal prazo foi cumprido pelos requerentes, pois apresentaram o respectivo requerimento no passado dia 28 de Outubro de 2010. Porém, tal requerimento veio a ser indeferido, por falta de pagamento da taxa de justiça devida, despacho do qual os requerentes foram notificados em 19 de Novembro de 2010 (cf. art. 254.°, n.° 5, do Código de Processo Civil.
Sucede que os requerente só vêm interpor novo requerimento no passado dia 9 de Dezembro de 2010, ou seja, já não podendo beneficiar do disposto no art. 476.°, do mesmo Código porque decorridos mais de dez dias desde a data da aludida notificação. E, se assim é, o presente requerimento de ratificação de embargo extrajudicial não pode ser considerado como tendo dado entrada no referido dia 28 de Outubro, mas apenas no dia 9 de Dezembro, data na qual já haviam decorrido mais de cinco dias desde a data do alegado embargo extrajudicial. Consequentemente, tal embargo fica sem efeito (como já referido), sendo despiciendo conhecer de quaisquer outras questões alegadas por requerentes ou requeridos, pois o conhecimento das mesmas fica, desde logo, prejudicado pela ausência de efeitos do embargo extrajudicial.
Consequentemente, indefiro o presente requerimento de ratificação judicial de embargo de obra nova.(…).».

Inconformados os Requerentes vieram interpor recurso, apresentando as seguintes conclusões:
- Os Requerentes apresentaram o Requerimento de início de processo de procedimento cautelar para ratificação judicial de embargo de obra nova no dia 28 de Outubro de 2010, e por isso em prazo;
- O M° Juiz "a quo" indeferiu o referido Requerimento por considerar ser necessário num litisconsórcio o pagamento da taxa de justiça por cada um dos litisconsortes;
- Não obstante não concordarem, os Requerentes não recorreram da decisão para não se perder o efeito útil da providência com o tempo de julgamento do recurso;
- E apresentaram o segundo Requerimento inicial no prazo de 10 dias após aquele trânsito, nos termos do art. 476° do Cód. Proc. Civil;
- Sucede que aquela decisão de indeferimento liminar é uma decisão que põe termo ao processo;
- E as decisões que põem termo ao processo são passíveis de recurso, nos termos do Art. 679º do Cód. Proc. Civil, a contrario;
- Logo, teriam os Requerentes de aguardar pelo prazo do trânsito em julgado de tal decisão para instaurar nova petição;
- E assim o que fizeram, a 9/12/2010, dentro do prazo legalmente previsto;
- Com o devido respeito, que é muito, só podem discordar o Requerentes da douta decisão/Sentença de que se recorre, na qual se considera que a nova petição foi instaurada fora de prazo;
- Devendo a Sentença de que se recorre ser substituída por outra que considere que a nova petição foi instaurada em prazo, e, em consequência, ordene, assim, o prosseguimento dos Autos.

Os Requeridos contra alegaram, tendo concluído do seguinte modo:
- Os Requerentes, ora Recorrentes, não podem vir em sede de recurso da decisão que indeferiu o pedido de ratificação judicial de embargo de obra nova, nos presentes autos, pedir a apreciação do despacho que pôs termo ao Procedimento Cautelar n°.695/10.7.TBLNH, suscitando a legalidade da exigência pelo Tribunal "a quo" do pagamento de uma taxa de justiça inicial, por cada litisconsorte, mesmo tratando-se de "litisconsórcio legal ou necessário", independentemente da legalidade de tal decisão.
- Os Apelantes teriam que atacar tal despacho através de recurso, quando na verdade o mesmo transitou em julgado, pelo que está, em nosso entendimento, tal questão prejudicada, não podendo "in casu" os Requerentes beneficiar do regime constante do artigo 476°. do Cód. de Proc. Civil.
- Quanto ao presente recurso interposto da decisão proferida nos autos (Procedimento Cautelar n°. 808/10.9TBLNH), não podem os mesmos proceder, porque na verdade o alegado "embargo extrajudicial" que os Requerentes dizem ter efectuado sempre teria que ficar sem efeito, pois não foi requerida a respectiva ratificação judicial no prazo legal de cinco dias, nos termos do disposto no n°. 3 do artigo 412°. do Cód. de Proc. Civil.

II Põe-se como problema a resolver no âmbito do presente recurso o de saber se os Apelantes apresentaram o seu Requerimento de ratificação de embargo em prazo.

Com interesse para a economia do presente recurso, mostram-se provados os seguintes factos:
- No dia 23 de Outubro de 2010 o Requerente dirigiu-se a umas obras que os Requeridos estariam a realizar e ordenou-lhes que as suspendessem.
- Os Requerentes apresentaram um Requerimento Inicial de procedimento cautelar para ratificação judicial de embargo de obra nova no Tribunal recorrido, no dia 28 de Outubro de 2010, o qual foi autuado com o nº695/10.7.TBLNH.
- O referido Requerimento foi liminarmente indeferido por se considerar ser necessário num litisconsórcio o pagamento da taxa de justiça por cada um dos litisconsortes, cfr teor do despacho de fls 67 e 68, proferido em 19 de Novembro de 2010.
- Os Requerentes, ora Apelantes, não interpuseram recurso de tal decisão.
- Em 9 de Dezembro de 2010, os Requerentes, ora Apelantes, requereram o presente procedimento cautelar para ratificação judicial de embargo de obra nova, o qual foi autuado com o nº808/10.9TBLNH.
- No artigo 41º do seu Requerimento Inicial os Apelantes alegaram o seguinte: «A presente acção é instaurada ao abrigo do disposto no art. 476º do CPCivil, pelo que deve considerar-se como instaurada em 28 de Outubro de 2010, por corresponder à data em que foi apresentada em juízo o processo que correu termos sob o nº695/10.7.TBLNH.».

Vejamos.

Os Requerentes, aqui Apelantes, conforme alegam, procederam extrajudicialmente à suspensão de uma obra que os Requeridos se encontravam a realizar, dando-lhes ordem verbal, no dia 23 de Outubro de 2010, para que parassem os trabalhos em curso numa sua propriedade.

O embargo de obra nova, como resulta do artigo 412º, nº1 do CPCivil, é a providência cautelar adequada a evitar a violação, ou a continuação da violação de um direito, real ou pessoal, de gozo, ou da posse de uma coisa, por via de uma obra em curso, cfr José Lebre de Freitas, a. Montalvão Machado, Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, 2001, volume 2º/138.

Tal procedimento depende da verificação dos seguintes pressupostos: i) que o requerente seja titular do direito de propriedade, singular ou comum, de qualquer outro direito real de gozo, ou de posse; ii) que o requerente se julgue ofendido no seu direito em consequência de obra, trabalho ou serviço novo; iii) que a obra, trabalho ou serviço novo cause ou ameace causar prejuízo ao requerente.

Como deflui do normativo inserto no artigo 412º, nº2 do CPCivil, o embargo de obra nova pode ser feito directamente pelo interessado, o qual, neste caso, deverá requerer a sua ratificação judicial no prazo de cinco dias, nº3 do mesmo normativo.

Resulta da matéria dada como assente, o que nem se mostra sequer questionado, que tal ratificação judicial de embargo foi suscitada pelos Apelantes em 28 de Outubro de 2010, a qual correu no Tribunal recorrido com o nº695/10.7.TBLNH, sendo que veio a ser ordenado o seu desentranhamento, por despacho de 19 de Novembro de 2010, face à ausência de pagamento da totalidade da taxa de justiça por cada um dos Apelantes/litisconsortes, entendimento esse expresso pelo Tribunal recorrido.

Todavia, como se entendeu naquele despacho, a decisão proferida não prejudicava a aplicação do preceituado no artigo 476º do CPCivil, quer dizer, entendeu-se, e bem, que este caso seria equivalente ao de recusa de recebimento da petição inicial, tendo-se dado aos Apelantes o beneficio de apresentação de uma nova petição, no prazo de dez dias – subsequentes à notificação da decisão – considerando-se a providência interposta na data de entrada da primeira petição.

Os Apelantes renovaram o seu petitório em 9 de Dezembro de 2010, o qual foi julgado extemporâneo, insurgindo-se os mesmos contra tal decisão uma vez que entendem que teriam de aguardar pelo prazo do trânsito em julgado primeira decisão para apresentarem nova petição, pois na sua tese tratava-se de uma decisão que punha termo ao processo e as decisões que põem termo ao processo são passíveis de recurso, nos termos do artigo 679º do CPCivil, a contrario.

Antes de mais, convém aqui frisar, ao contrário do que defendem os Apelados, que os Apelantes não estão neste recurso a suscitar a reapreciação da legalidade da exigência pelo Tribunal recorrido do pagamento de uma taxa de justiça inicial, por cada litisconsorte, mesmo tratando-se de “litisconsórcio legal ou necessário”, naquele primeiro processo (nem poderiam estar por se tratar de questão estranha ao objecto destes autos, para além de se tratar de decisão já transitada em julgado).

A questão daqui é diversa, pondo-se em sede de saber se o prazo concedido pelo artigo 476º do CPCivil é imediatamente subsequente à notificação do despacho de recusa ou equivalente, ou se tal prazo se conta do trânsito em julgado do mesmo?

Qui inde?

Conforme decorre do artigo 475º, nº2 do CPCivil «Do despacho que confirme o não recebimento cabe sempre recurso até à Relação, aplicando-se com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 234º-A.».

Quer dizer, havendo despacho de recusa, ou equivalente, a Lei concede aos interessados duas alternativas: ou dele recorrem ou usam do benefício concedido pelo normativo inserto no artigo 476º do CPCivil, apresentando uma nova petição inicial no prazo de dez dias.

No caso dos autos, os Apelantes apesar de não estarem de acordo com o primeiro despacho, conformaram-se com o mesmo, não tendo dele recorrido, sendo certo que eram os únicos interessados em fazê-lo pois a Lei só permite a utilização deste meio de impugnação a quem fique prejudicado pela decisão, como decorre do artigo 680º do CPCivil.

Ora, nessa situação de conformação com o decidido, e pretendendo usar da faculdade que lhes foi concedida de apresentarem nova petição inicial, com o cumprimento das formalidades exigidas, isto é, o pagamento da taxa de justiça por cada um dos Apelantes, deveriam tê-lo feito imediatamente após a notificação do despacho e no prazo de dez dias, sendo o novo articulado apresentado no mesmo processo, isto é, no processo nº695/10.7.TBLNH, cfr José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado, Rui Pinto, ibidem, 250.

Mas não foi isso que os Apelantes fizeram.

Apesar de manifestarem a intenção de se quererem aproveitar do benefício que lhes foi concedido, tanto assim, que o invocaram no seu articulado, instauraram um novo procedimento, muito após aquele prazo de dez dias, no dia 9 de Dezembro de 2010, requerimento esse que mereceu uma nova autuação e deu origem aos presentes autos.

Nestas circunstâncias, a petição inicial agora introduzida em juízo, não se poderia reportar à data de 28 de Outubro, porque havia expirado o prazo concedido aos Apelantes para usarem da faculdade que lhes foi concedida nos termos do artigo 476º do CPCivil.

Os Apelantes deixaram transitar em julgado o despacho produzido naqueles autos e assim ficou precludida a possibilidade de se aproveitarem daquela data de 28 de Outubro de 2010 e como se encontravam a exercer um direito sujeito a caducidade, viram o mesmo extinto, como se decidiu na decisão recorrida.

As conclusões improcedem in totum.

III Destarte, julga-se improcedente a Apelação, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pelos Apelantes.

Lisboa, 10 de Março de 2011

Ana Paula Boularot
Lúcia de Sousa
Luciano Farinha Alves