Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA AMÉLIA AMEIXOEIRA | ||
Descritores: | DESPACHO DO RELATOR RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA CONCLUSÕES | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 01/20/2011 | ||
Votação: | MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECLAMAÇÃO | ||
Decisão: | NÃO ADMITIDA | ||
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Sumário: | I - A conjugação do disposto nos artigos 688º e 700º do CPC, leva-nos a concluir, face à excepção consagrada no início do artº700º, nº3, que não é admissível conferência sobre o despacho do relator que incidiu sobre a reclamação contra o indeferimento. II- A alteração introduzida ao artº 688º do CPC pela reforma resultante do DL nº 303/2007, de 24 de Agosto visou retirar do Presidente do Tribunal (no caso da Relação), a competência para apreciar a reclamação contra o indeferimento ou retenção do recurso, atribuindo-a ao relator a quem foi distribuída a reclamação. III - No caso de o relator admitir o recurso, requisita-o ao tribunal recorrido e, após, seguirá com a tramitação normal apreciando o recurso e elaborando o respectivo Acórdão, este Colegial. IV -No caso de não admitir o recurso, atenta a ressalva feita no nº3 do artº700º do CPC, entende-se que da decisão que incidiu sobre a reclamação não cabe reclamação para a conferência, sendo definitiva a decisão proferida pelo Relator. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | RELATÓRIO DLI----, S.A. moveu acção declarativa sob a forma de processo ordinário, contra F---s, S.A. Na sua contestação a Ré provocou o incidente de intervenção acessória de Miguel ---. Por despacho proferido em 18/01/2010 foi deferido o referido incidente e admitido a intervir nos autos o chamado Miguel ---, como auxiliar na defesa da Ré. Dessa decisão interpôs a Autora recurso de apelação para este Tribunal da Relação. Por despacho proferido em 08/03/2010 foi entendido que a decisão que admita o incidente de intervenção de terceiros apenas poderá ser impugnado no recurso que venha a ser interposto da decisão final, pelo que concluiu não ser o recurso interposto pela A. legalmente admissível, tendo-o indeferido. A Autora veio reclamar desse despacho ao abrigo do disposto no art.688º, nº1, do CPC e na sua minuta não formulou conclusões. * Foi então proferida a seguinte decisão singular pela Exmº Desembargador a quem foi distribuído o processo: “….Dispõe o artigo 688º CPC que do despacho que não admita o recurso pode o recorrente reclamar para o tribunal que seria competente para dele conhecer no prazo de dez dias contados da notificação da decisão ( 1); o recorrido pode responder à reclamação apresentada pelo recorrente, em prazo idêntico ao referido no número anterior (2); a reclamação, dirigida ao tribunal superior, é apresentada na secretaria do tribunal recorrido, autuada por apenso aos autos principais e é sempre instruída com o requerimento de interposição e as alegações, a decisão recorrida e o despacho objecto de reclamação (3). Como sustentei com Henrique Antunes, na obra Dos Recursos, 2009, 207, aliás na linha da doutrina de Castro Mendes, Teixeira de Sousa, Pessoa Jorge e José João Baptista, o recurso do despacho de indeferimento do requerimento de interposição do recurso é materialmente um verdadeiro recurso (ordinário, agora a acrescentar à apelação e à revista) e não uma mera reclamação. De resto, esta natureza explica a razão pela qual, como vimos, a lei se refira repetidamente ao tribunal recorrido e não apenas, como se impunha, em coerência com o nomem júris que o designou, ao tribunal reclamado. Quando tenha a forma escrita, o requerimento de interposição do recurso deve incluir a alegação do recorrente (artigo 684º-B, nº2, CPC). As alegações devem fechar com a apresentação de conclusões, isto é, de proposições sintéticas que contenham, por súmula, resumidamente, as razões por que se pede o provimento do recurso (artigo 685º-A do CPC). No regime pretérito, a falta de conclusões era suprível, dado que a lei vinculava o relator do tribunal ad quem a convidar o recorrente a apresentá-las e só no caso de aquele não aceder ao convite é que mandava aplicar-lhe a sanção de não conhecimento do recurso (artigo 690º, nº4, do CPC). Ora a reforma de 2007 optou por um regime mais radical: a falta de conclusões impede irremissivelmente o conhecimento do objecto do recurso (artigo 685-C, nº2 CPC). Pelo exposto não admito o recurso interposto. Custas pela recorrente. * Os recorrentes vieram ao abrigo do disposto no art.700º, nº3 requerer que sobre a matéria seja proferido Acórdão, em conferência, dando provimento à reclamação apresentada. Concluem o requerimento da forma seguinte: a) O meio de impugnação jurisdicional legalmente adequado para se reagir contra o despacho que não receba um recurso é a reclamação prevista no art.688º do Cód. Proc. Civil. b) Este último preceito processual fixa o regime a que a reclamação se encontra sujeito e de onde não consta o ónus de alegar e concluir no correspondente requerimento. c) Esse ónus é próprio do regime do recurso jurisdicional, que é inaplicável à dita reclamação. d) Como tal, nunca poderia legalmente decidir-se no sentido de não admissão da reclamação “sub-judice” com fundamento na falta de conclusões. e) A interpretação adoptada pelo Sr. Relator, assim como o art.685º-C, nº2, al.c) do Cód. Proc. Civil, para além de ilegal, é inconstitucional por violação do princípio do direito ao processo equitativo consagrado no art.6º da Convenção dos Direitos do Homem e no art.20º, nº4 da Constituição da República Portuguesa. f) O despacho do Relator proferido sobre a reclamação é sindicável em conferência nos termos previstos no art.700º, nº3 do Cód. Proc. Civil. g) A reclamação “sub-judice” deve ser apreciada, desta feita em sede de conferência, decidindo-se admiti-la e julgar procedente a respectiva pretensão, determinando-se a subida imediata do processo judicial para apreciação do recurso interposto da decisão da 1ª instância que deferiu o incidente de intervenção acessória de terceiro nos termos e ao abrigo do disposto no art.688º, nº6 do Cód. Proc. Civil. Conclui no sentido de ser concedido provimento à reclamação. * A reclamada respondeu no sentido de ser recusada a admissibilidade da reclamação interposta pela reclamante e confirmada a decisão que não admitiu a reclamação, formulando as conclusões seguintes: 1-A presente reclamação para a conferência tem como objecto a douta decisão do Exmo. Senhor Juiz Desembargador-Relator do Tribunal da Relação de Lisboa que não admitiu o reclamação apresentada pela Reclamante nos termos do art. 688.º do Código de Processo Civil, porquanto a Reclamante não formulou conclusões. 2-A reclamação apresentada pela Reclamante encontra-se regulada no art. 688.º, o qual se encontra inserido na Secção I (Disposições Gerais) do Capítulo VI (Dos Recursos) do Código de Processo Civil. 3-Tal reclamação visa a reapreciação de uma decisão judicial – a decisão de não admissão do recurso -, a qual, nos termos do art. 676.º, n.º 1 do Código Processo Civil, é impugnável por meio de recurso (lato sensu). 4-O art. 688.º, n.º 3 do Código do Processo Civil qualifica o tribunal onde é apresentada a reclamação de “tribunal recorrido”. 5-A reclamação a que se refere o artigo 688.º do Código de Processo Civil tem por finalidade o controlo da decisão de indeferimento do requerimento de interposição do recurso, sendo decidida por um órgão judiciário hierarquicamente superior ao órgão que proferiu a decisão impugnada. 6-O tribunal ad quem entendendo que o Tribunal a quo não fez uma correcta interpretação do Direito aplicável, proferirá uma decisão judicial que prevalecerá sobre a decisão tomada pelo Tribunal a quo. 7-No âmbito do Código liberal de 1876, o meio de reagir contra o despacho de não admissão de um recurso era a “carta testemunhável”, sendo que, com o Código de 1939, o recurso de carta testemunhável deu lugar ao “recurso de queixa”. 8-Tanto a “carta testemunhável”, como o “recurso de queixa”, eram pacificamente considerados verdadeiros recursos. 9-Com a reforma de 1961, o “recurso de queixa” passou a chamar-se “reclamação”, não tendo, não obstante, perdido a sua natureza de verdadeiro recurso. 10-Não existem dúvidas que a reclamação do despacho de não admissão de um recurso, é, pelo menos materialmente, um verdadeiro recurso. 11-Encontrando-se, como tal, sujeito ao regime geral dos recursos, em tudo o que não contrarie o disposto no art. 688.º do Código de Processo Civil. 12-Recai sobre a Reclamante o ónus de formular conclusões, nos termos do n.º 1 do art. 685.º-A do Código do Processo Civil. 13-Sempre que o recurso não contenha as respectivas conclusões há lugar ao indeferimento do requerimento de interposição de recurso, nos termos da al. b) do n.º 2 do art. 685.º-C do Código de Processo Civil. 14-No caso em apreço, a Reclamante, apesar de dever ter conhecimento do ónus que sobre a mesma recaia, não formulou conclusões no recurso que interpôs. 15-A decisão do Exmo. Senhor Juiz Desembargador-Relator junto do Tribunal da Relação de Lisboa, ao não ter admitido o recurso interposto pela Reclamante, porquanto a mesma não formulou conclusões, não padece, pois, de qualquer vício. Conclui no sentido de ser recusada a admissibilidade da reclamação interposta pela Reclamante e, deste modo, confirmada a douta decisão que não admitiu a reclamação. * Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. * QUESTÃO A DECIDIR A única questão a decidir consiste em saber se é admissível conferência incidente sobre o despacho do Relator que indeferiu a reclamação. * DECIDINDO: Dispõe o art.700º, nº3 do CPC, o seguinte: Salvo o disposto no artigo 688º, quando a parte se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria recaia um acórdão, o relator deve submeter o caso à conferência, depois de ouvida a parte contrária. Por sua vez o art.688º, subordinado à epígrafe “reclamação contra o indeferimento”, determina no seu nº1 que, “do despacho que não admita recurso pode o recorrente reclamar para o tribunal que seria competente para dele conhecer… E o nº4 dispõe que a reclamação é logo apresentada ao relator, que, no prazo de dez dias, profere decisão que admita o recurso ou mantenha o despacho reclamado. A conjugação do disposto nos dois normativos legais leva-nos a concluir, face à excepção consagrada no início do art.700º, nº3, que não é admissível conferência sobre o despacho do relator que incidiu sobre a reclamação contra o indeferimento. A alteração introduzida ao art.688º do CPC pela reforma resultante do DL nº303/2007, de 24 de Agosto visou retirar do Presidente do Tribunal (no caso da Relação), a competência para apreciar a reclamação contra o indeferimento ou retenção do recurso, atribuindo-a ao relator a quem foi distribuída a reclamação. No caso de o relator admitir o recurso, requisita-o ao tribunal recorrido e, após, seguirá com a tramitação normal apreciando o recurso e elaborando o respectivo Acórdão, este Colegial. No caso de não admitir o recurso, atenta a ressalva feita no nº3 do art.700º do CPC, entende-se que da decisão que incidiu sobre a reclamação não cabe reclamação para a conferência, sendo definitiva a decisão proferida pelo Relator. Em razão da posição exposta, decide-se inferir o requerido, mantendo a decisão já proferida nos autos. * DECISÃO Nos termos vistos, Acordam os Juízes da 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em não admitir a reclamação para a conferência, considerando-se definitiva a decisão proferida pelo Exmº Desembargador Relator a quem foram distribuídos os presentes autos. Custas a cargo dos reclamantes Lisboa, 20 de Janeiro de 2011 Maria Amélia Ameixoeira (por vencimento) Carlos Marinho Luís Correia Mendonça (Voto de vencido) Como consta do livro que publiquei com Henrique Antunes sob o título Dos Recursos, Lisboa, 2009: 221 ss, a posição que me parece adequada é a seguinte: «O tribunal ad quem é um juiz colegial, i.e., constituído por várias pessoas. É, além disso, um tribunal colegial homogéneo, quer dizer, constituído por pessoas com as mesmas características fundamentais, e igualitário, i.e., em que os seus componentes concorrem em paridade de situação na formação da decisão, sem prejuízo das particulares funções de ordenação que possam caber a um dos seus componentes: o juiz relator (artigos 700.°, n°s 1 a 4, 708.°, n°s 1 e 2, e 709.° n°s 3 e 4, do CPC). Como esse tribunal tem uma estrutura colectiva, uma vez que é integrado por três juízes – o juiz relator, determinado através da distribuição, e dois juízes-adjuntos, que são os juízes seguintes ao relator na escala de antiguidade – coloca-se, naturalmente, também a propósito da reclamação, o problema da repartição da competência funcional entre o relator e a conferência (artigo 700.°, n° 2, 2a parte, CPC). E neste contexto, que deve ser situado o problema da impugnação da decisão proferida pelo relator sobre a reclamação. Pode, na verdade, discutir-se se a decisão do relator pode, por sua vez, ser objecto de impugnação por meio de reclamação para a conferência. De harmonia com a regra geral; sempre que a parte se considere prejudicada por qualquer despacho do relator que não seja de mero expediente, pode reclamar para a conferência; o relator deve, depois de ouvida a parte contrária, submeter a questão à conferência (artigo 700°, n° 3, CPC). Uma coisa que parece certa é que a exclusão da impugnação da decisão do relator, por meio de reclamação para a conferência, não pode fundar-se na ressalva do artigo 688.° realizada no artigo 700.°, n° 3 – de resto, sistematicamente inexplicável uma vez que, apesar de surgir na regulação própria da fase de preparação do julgamento do recurso, ela só é aplicável, nas fases de interposição e de expedição desse mesmo recurso. Aquela ressalva não tem, em caso algum, o sentido de estabelecer qualquer alternatividade entre os meios de reclamação do despacho do relator do tribunal ad quem – mas o de distinguir os casos em que o relator da Relação intervêm como juiz a quo nas fases de interposição e de expedição do recurso para o Supremo e os casos em que esse relator actua como juiz ad quem nas fases de preparação e julgamento de um recurso para a Relação e para o Supremo: só naquelas primeiras hipóteses está aberta a reclamação, prevista no artigo 688.° para o tribunal superior; naquelas últimas, cabe sempre reclamação para a conferência (artigo 700.°, n° 3 do CPC) (Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, 1998:544.). Sendo este o sentido da ressalva do artigo 688.° realizada no preceito regular da impugnação das decisões do relator, segue-se, com naturalidade, esta conclusão: dado que no julgamento da reclamação deduzida contra o despacho que não admitiu o recurso, o relator age como juiz ad quem, as decisões proferidas por este no procedimento de reclamação, são, em princípio, sempre impugnáveis por meio reclamação para a conferência (nestas condições, não é exacto o argumento que, no sentido da exclusão da reclamação da conferência, ao menos no caso de a decisão do relator confirmar o despacho reclamado, é retirado da ressalva do artigo 688.° do CPC, contida no n° 3 do artigo 700.° do mesmo diploma, adiantado por Luís Filipe Brites Lameiras, in Notas Práticas ao Regime dos Recursos, Coimbra, 2008: 93; no sentido da admissibilidade da impugnação da decisão do relator – quer mantenha quer revogue o despacho reclamado - por meio de reclamação para a conferência, cfr. Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8.a ed., 2008:98, Cardona Ferreira, Guia de Recursos em Processo Civil, 4.a ed., 2007:119, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 2007: 163 e José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, CPC Anotado, Vol 3.0, 2.a ed., 2008: 75). A lei fornece, aliás, duas concretizações deste princípio. E o que ocorre com o despacho do relator que admita o recurso de revista per saltum e com a decisão do relator que, no recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, indefira o requerimento de interposição: em ambos os casos, a decisão do relator é impugnável por meio de reclamação para a conferência (artigos 725.°, n° 5, e 767.°, n° 2, CPC)». |