Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
41/11.2TNLSB.L1-5
Relator: MARGARIDA BACELAR
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
CONTAGEM DOS PRAZOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/18/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: Iº O processo administrativo instaurado para aplicação de uma coima, por violação de um preceito de natureza contra-ordenacional, mantém-se na esfera do poder, direcção e regime do foro administrativo até ao momento em que é enviado para o Ministério Público;
IIº Até ao momento em que o processo é recebido no Ministério Público, toda a actividade processual desenrola-se e é tramitada segundo as regras e procedimentos do direito administrativo;
IIIº Por essa razão, o prazo previsto no art.59, nº3, do RGCO, não tem natureza judicial, mas sim administrativa, não sendo aplicável à sua contagem o disposto no art.107, nº5, do Código do Processo Penal e as normas do Código do Processo Civil;
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

                       1 – Nos Autos de Recurso de Contra-Ordenação nº 41/11.2TNLSB.L1 da Secção Única do Tribunal Marítimo de Lisboa, por decisão proferida a 17/01/2011, o Ex.mo Juiz "a quo" entendeu serem intempestivos, não os admitindo por extemporâneos, os recursos de impugnação interpostos por A... e B..., Unipessoal Lda., considerando já se mostrar ultrapassado o respectivo prazo de 20 dias previsto no art.59°, nº 3, do D.L. nº 433/82, de 27/10 (R.G.C.O.), uma vez que os mesmos foram apresentados nos dias 4/1/2011 e 5/1/2011, tendo os arguidos sido notificados da decisão administrativa no dia 22/11/2010 e terminando o prazo para interposição do recurso em 22/12/2010.
É desse despacho que A... e B..., Unipessoal Lda. ora recorrem, para esta Relação, formulando no termo da sua motivação, as seguintes conclusões:
“1.Os dois recursos de impugnação, das sanções contraordenacionais aplicadas aos Arguidos, foram apresentados antes de decorridos 20 dias úteis sobre a respectiva notificação aos visados;
2.A regra constante do número 5 do artigo 107° do Código de Processo Penal, é aplicável em processo de contraordenação, mas não se mostra necessária, no caso sub judice, por ter sido respeitado o prazo concedido para a prática do acto;
3. O número 1, do artigo 59° do Decreto-Lei n°433/82, de 27 de Outubro, determina que "A decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima é susceptível de impugnação judicial" e não administrativa;
4. O artigo 41° do Decreto-Lei n°433/82 de 27 de Outubro determina que os princípios e regras do Direito Penal e do Processo Penal são aplicáveis nas contraordenações.
5. Constituindo as férias uma emanação e corolário de um direito mais vasto – o Direito à Vida – tutelado constitucionalmente, a interpretação do tribunal a quo, excluindo tal direito, estaria ferida de inconstitucionalidade material, o que se invoca para todos os efeitos legais;  
6. Por tudo quanto acima ficou dito, devem ser admitidas as impugnações apresentadas pelos Arguidos, julgando-se a causa conforme for de Direito.”

O MINISTÉRIO PÚBLICO respondeu à motivação de recurso apresentada pelos Arguidos, pugnando pela improcedência do mesmo.
Nesta instância, o Exmo.Procurador-Geral Adjunto, emitiu parecer no sentido do não provimento do presente recurso.
Os recorrentes, notificado nos termos e para os efeitos previstos no art. 417º, nº 2, do CPP, quedaram-se pelo silêncio.
Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência prevista no art. 419º do C.P.P., cumpre agora apreciar e decidir.

O DESPACHO RECORRIDO
Nos termos do disposto no art. 59°, nº 3 do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro, o prazo para interposição de recurso da decisão que aplicou a coima é de 20 dias após o conhecimento da mesma pelo arguido. Tal conhecimento formal apenas pode ser aquele que resulta da notificação a que alude o artigo 46°, nº 2 do DL.
Os recorrentes foram notificados da decisão administrativa no dia 22/11/2010, cf. fls. 24 e 25.
Para além disso, este prazo é contado nos termos do art. 60° do mesmo diploma legal, isto é, o prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados.
Mas o prazo para a interposição deste recurso não se suspende durante as férias judiciais. Aliás, sendo o recurso interposto junto da autoridade administrativa, não fazia sentido que o respectivo prazo se suspendesse nas férias judiciais. Neste sentido estão de acordo ANTÓNIO BEÇA PEREIRA ANTÓNIO, ALMEDINA in REGIME GERAL DAS CONTRA-ORDENAÇOES E COIMAS e JORGE FERNANDES DE OLIVEIRA MENDES e HENRIQUE DOS SANTOS CABRAL in NOTAS AO REGIME GERAL DAS CONTRAORDENAÇOES E COIMAS, ALMEDINA nas anotações que os referidos autores fazem ao art. 60°.
Analisadas as normas aplicáveis, constatamos agora que a decisão administrativa foi notificada aos recorrentes no dia 22/11/2010.
Ora, resulta do art. 59° que o recurso tem de ser apresentado dentro de 20 dias contados do conhecimento da decisão, suspendendo-se a contagem do prazo aos sábados, domingos e feriados, mas não nas férias judiciais.
Assim, o prazo para apresentação do recurso expirou a 22/12/2010.
Os recursos da sociedade arguida e do arguido foram apresentados, respectivamente, a 5/1/2011 e a 4/1/2011 (cf. fax de fls. 37 e comprovativos do registo postal a fls. 58 e 59.).  
Não é de aplicar o disposto no art. 107°, nº 5 do Código de Processo Penal nem no art. 145° do Código de Processo Civil, pois o prazo não tem natureza judicial (Ac. STJ 2/94 com força obrigatória geral), tendo o Tribunal Constitucional, apreciando a questão, decidido que não é inconstitucional não aplicar neste caso o art. 145° do Código de Processo Civil. (Ac. TC 293/06 de 4/5/2006, DR II série de 7/6/2006). Neste sentido, entre outros, Ac. da Relação de Lisboa de 18 de Abril de 2002 e Ac. da Relação de Lisboa de 1 de Fevereiro de 2000, ambos in vvvvw.dgsi.pt/jtrl).
Resulta, pois, que os recursos foram apresentados extemporaneamente, pelo que se impõe a sua rejeição nos termos do art. 63°, nº 1 do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro.
Pelo exposto, rejeito os recursos interpostos por ambos os arguidos, por serem os mesmos intempestivos.
Custas pelos recorrentes, fixando em 1 UC, a taxa devida.
 Notifique.”

O OBJECTO DO PRESENTE RECURSO

Como se sabe, é pelas conclusões que o recorrente extrai da sua motivação que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem, sem prejuízo para a apreciação de questões de oficioso conhecimento e de que ainda se possa conhecer (cfr. o Ac do STJ de 3.2.99 in BMJ nº 484, pág 271; o Ac do STJ de 25.6.98 in BMJ nº 478, pág 242; o Ac do STJ de 13.5.98 in BMJ nº 477, pág 263; SIMAS SANTOS/LEAL HENRIQUES in “Recursos em Processo Penal”, 5ª. ed., 2002, pp. 74 e 93; GERMANO MARQUES DA SILVA in “Curso de Processo Penal”, vol. III, 2ª ed., 2000, pág. 335; JOSÉ NARCISO DA CUNHA RODRIGUES in “Recursos”, “Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de Processo Penal”, 1988, p. 387; e ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363).
«São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões [da respectiva motivação] que o tribunal [ad quem] tem de apreciar» (GERMANO MARQUES DA SILVA in “Curso de Processo Penal”, vol. III, 2ª ed., 2000, p. 335) «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões» (SIMAS SANTOS/LEAL HENRIQUES in “Recursos em Processo Penal”, 5ª. ed., 2002, p. 93, nota 108).
A única questão suscitada pelos Recorrentes (nas conclusões da sua motivação) é a seguinte:
a) Se os recursos de impugnação judicial interpostos pelos arguidos/Recorrentes, em 4/1/2011 e 5/1/2011, foram apresentados tempestivamente.


O MÉRITO DO RECURSO DOS ARGUIDOS

a) DA TESPESTIVIDAE/INTEMPESTIVIDADE DOS RECURSOS 

   Os arguidos ora Recorrentes A... e B..., Unipessoal Lda. foram sancionados em 16 de Novembro de 2010, pela Autoridade Marítima Nacional (Capitão do Porto de Setúbal), na coima única de €: 750,00 (setecentos e cinquenta euros), a arguida B..., Unipessoal Lda. e A... na coima de €: 550,00 (quinhentos e cinquenta euros) por ter infringido, respectivamente, o disposto no nº2 do art. 20º do D.L. 21/02 de 19/09 e nº1 do art. 21º do mencionado diploma legal.
Os arguidos foram notificados dessa decisão em 22/11/2010 por carta registada com aviso assinado nessa data (v.g. fls. 24 e 25).
 Inconformados, os arguidos ora Recorrentes interpuseram recurso de impugnação daquela decisão, tendo a respectiva motivação do arguido A... sido expedida por fax em 4/1/2011 (v.g. fls. 37) e o requerimento de impugnação da decisão da sociedade arguida apresentado em 5/1/2011 (v.g fls58 e 59).
Por despacho de 17 de Janeiro de 2011, os recursos por eles interpostos foram rejeitados, sob a invocação de os mesmos terem sido apresentados fora de prazo (prazo expirado a 22/12/2010).
É desse despacho de rejeição que os arguidos/recorrentes ora interpõem recurso, alegando, e em síntese, que os recurso de impugnação por eles apresentados em 4/1/2011 e 5/1/2011 o foram dentro do prazo legal, porquanto o prazo para a interposição de recurso se suspende durante as férias judiciais.
Quid juris?
«Preceitua a art. 59º, nº 3 do DL nº 433/82, de 27.10, na redacção que lhe foi dada pelo DL nº 244/95, de 14.9 que “o recurso é feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de vinte dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegação e conclusões”.
E o nº1 do art. 60ºdo RGCO (DL nº 433/82, de 27.10, com as alterações introduzidas pelos DL nº 244/95, de 14.9, 323/de 17.12 e Lei nº 109/2001, de 24 de Dezembro), prescreve que “o prazo para impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados” e o nº2 do mesmo normativo legal que: “O termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte”.
“Recebido o recurso, e no prazo de cinco dias, deve a autoridade administrativa enviar ao autos ao Ministério Público, que ao tornará presentes ao juiz, valendo este acto como acusação” – cf. nº1 do art. 62º. “Até ao envio dos autos, pode a autoridade administrativa revogar a decisão de aplicação da coima” – cf. nº2 do mesmo preceito legal.
Os actos administrativos válidos – cf. art.140º do Código de Procedimento Administrativo – e inválidos – cf. art. 141º do mesmo livro de leis – podem ser revogados, pelos seus autores e respectivos superiores hierárquicos, “desde que não se trate de acto da competência exclusiva do subalterno” – cf. art. 142º do CPA.
Do princípio da revogabilidade dos actos praticados por autoridade administrativa, decorre que o processo administrativo instaurado para aplicação de uma coima por violação de um preceito de natureza contra-ordenacional, se mantém na esfera do poder, direcção e regime do foro administrativo até ao momento em que é enviado para o Ministério Público, isto é, até cinco dias depois de haver sido recebida a impugnação da decisão que impôs uma coima ao administrado/arguido. Até o momento em que o processo é recebido no Ministério toda a actividade jusprocessual se desenrola e tramita segundo as regras e procedimentos do direito administrativo.
Só quando se constate a existência de uma lacuna no ordenamento que rege para a aplicação de uma coima é que será legítimo o recurso subsidiário aos preceitos reguladores do processo criminal – cf. art. 41º, nº1 do DL nº433/82, 27.10.» (Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 07/6/2006, proferido no Proc. nº1635/06 no site htpp//www.dgsi.pt).  
Acresce que, em reforço do exposto e reiterando o nosso entendimento convocamos o Ac. STJ nº 2/94 de 10 de Fevereiro de 1994 (DR, I-A, de 7 de Maio de 1994) que fixou jurisprudência no sentido de não ter natureza judicial o prazo mencionado no nº 3 do art. 59º do DL 433/82, de 27 de Outubro (RGCOC).
Por isso, é entendimento unânime que, não tendo tal prazo natureza judicial, mas sim administrativa, a sua contagem é feita nos termos do art. 60º do RGCOC, não sendo aplicável à respectiva contagem o disposto no art. 107º, nº 5 do CPP e, consequentemente, não lhe sendo aplicável as normas do CPC aplicáveis à contagem de prazos (cf., por todos, Ac. RC de 19/04/2006, CJ XXXI, II, 48, Ac. RL de 28/10/2004, processo nº 4294/2004, ITIJ, e de 17/01/2007, ITIJ);
  Assim, e face ao disposto no art. 60º do RGCOC, o prazo para recorrer da decisão administrativa só se suspende aos Sábados, Domingos e Feriados, mas não durante as férias judiciais pelo que, se o respectivo termo cai em férias judiciais, o acto não pode ser praticado no primeiro dia útil às mesmas subsequente pois será manifestamente extemporâneo (cf., por todos, Ac. RP de 17/02/2003, proc. nº 5030/03 e Ac. RL de 10/10/2007, proc. nº 6535/2007, ITIJ).
  Em face do que acaba de se exarar, constata-se, portanto, que os recursos interpostos pelos arguidos A... e B..., Unipessoal Lda., da decisão proferida pela Autoridade Marítima Nacional são extemporâneos, tal como bem se decidiu na decisão sob censura.
Por último diremos, que não pode passar em claro a difícil inteligibilidade da arguição de inconstitucionalidade feita pelos Recorrentes.
                      Como quer que seja, a decisão recorrida não coonestou nenhuma interpretação dos citados preceitos do RGCOC ofensiva do Direito à vida estabelecido no art. 24º da Constituição da República.
    Assim, e sem necessidade de mais extensa fundamentação, afigurasse-nos que o art. 60º do RGCOC, não padece de qualquer inconstitucionalidade material.
Eis por que o presente recurso improcede in totum.


DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes da 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto pelos Arguidos A... e B..., Unipessoal Lda., mantendo intocada a decisão recorrida.

Custas a cargo dos Arguidos/Recorrentes.
Taxa de justiça: 4 (quatro) UCs.

Lisboa, 18 de Outubro de 2011

Relator: Margarida Bacelar;
Adjunto: Agostinho Torres;