Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6102/2006-2
Relator: NETO NEVES
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
REQUISITOS
CERTIDÃO
INSTITUTO PÚBLICO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/27/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1- A obrigação do beneficiário de reembolsar o IFADAP das importâncias das ajudas por este concedidas no âmbito de contrato de atribuição de ajudas agro-ambientais ao abrigo do Decreto-Lei nº 31/94, de 5 de Fevereiro, só se constitui no caso de o beneficiário/executado incumprir qualquer das obrigações para ele emergentes do contrato de atribuição de ajuda oportunamente celebrado entre ele e o IFADAP.
2 – Assim, da conjugação dos requisitos do artigo 8º com o artigo 6º daquele diploma, resulta que a indicação da proveniência da dívida, mencionada no nº 2 do primeiro artigo, deve ser consubstanciada com a invocação da causa de incumprimento do contrato, nos termos previstos no segundo artigo, constituindo assim requisito de exequibilidade da certidão emitida pelo IFADAP a indicação da causa do reembolso.
3 – Carece do requisito de exigibilidade a certidão de dívida emitida pelo IFADAP que não contém qualquer referência à causa de exigência do reembolso das ajudas agro-ambientais concedidas.
(N.N)
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – A deduziu, por apenso à acção executiva que com o nº , lhe foi movida por I, os presentes embargos de executado, em que invocou – além da nulidade da sua citação, questão processual entretanto já sanada – a inexistência de título executivo e a inexistência do crédito do embargado, pedindo a final que, com a procedência dos embargos, fosse a dita execução julgada finda.
Relativamente ao título – uma certidão de dívida que pelo próprio embargado foi emitida com base em processo de concessão de ajudas ao rendimento ao abrigo do Regulamento (CEE) nº 2078/92 do Conselho, de 30 de Junho (Medidas Agro-Ambientais) – diz que não contém referência à proveniência da dívida, a qual é um dos elementos constitutivos do título executivo previsto no artigo 8º do Decreto-Lei nº 31/94, de 5 de Fevereiro.
Relativamente à dívida, alega que, tendo recebido as ditas ajudas, e tendo-as afectado aos fins para que foram concedidas, no estrito cumprimento da vinculação a que estava adstrito, cumpriu todas as demais obrigações resultantes do contrato.
Acresce que do requerimento executivo não consta a alegação de factos consubstanciadores de incumprimento contratual.
Conclui, assim, pela inexistência da dívida exequenda.
Respondeu o embargado, dizendo que a certidão contém todos os requisitos legalmente exigidos, incluindo a indicação da proveniência da dívida (com referência à falta de pagamento de importâncias), sendo por isso título executivo válido e que de acção inspectiva levada a cabo pelos seus serviços, veio a apurar que, por falta de afectação das quantias recebidas às culturas ou ao desenvolvimento das culturas para que haviam sido concedidas (em 4 modalidades que enuncia), se não verificavam as condições de elegibilidade das medidas, o que levou o embargado a resolver nos termos legais o contrato de ajuda e a reclamar a restituição das quantias pagas, não tendo o embargante satisfeito tal obrigação, apesar de interpelado duas vezes para o efectuar.
Juntou documentos referentes aos factos invocados.
Conclui pela improcedência dos embargos.
Foi seguidamente, com dispensa de realização da audiência preliminar, proferido despacho saneador, em que a questão da inexistência de título executivo foi julgada improcedente e foram organizados os factos assentes por prova documental e os artigos da Base Instrutória, uns e outros sem reclamação.
Do despacho saneador na parte em que decidiu o primeiro fundamento dos embargos interpôs o embargante recurso de apelação, recebido com efeito devolutivo e subida com o primeiro recurso que após ele devesse subir imediatamente, tendo das partes oferecido as respectivas alegações, cujas conclusões adiante serão transcritas.
Prosseguindo os autos, teve lugar, após oferecimento das provas, audiência de discussão e julgamento, com gravação dos depoimentos testemunhais, sendo decidida no seu termo a matéria de facto, por despacho também não objecto de reclamação.
Por último foi prolatada sentença, que julgou os embargos improcedentes e ordenou o prosseguimento da execução.
Novamente deduziu o embargante recurso de apelação, no qual, e no concernente à questão da existência da dívida, impugnou a decisão da matéria de facto constante da Base Instrutória, que toda havia sido julgada não provada.
São as seguintes as conclusões que apresentou no primeiro recurso:
I – A certidão apresentada pela ora Recorrida como título executivo, aquando da propositura da acção executiva para pagamento de quantia certa contra o Recorrente, não pode ser utilizada com esse fim, uma vez que não reúne os elementos constitutivos de título executivo administrativo, nos termos do nº 2 do artigo 8º do Decreto-Lei 31/94.
II – Dispõe o nº 1 do referido artigo que «constituem títulos executivos as certidões de dívida emitidas pelo I e, nos termos do disposto no nº 2 da mesma norma, do teor desses títulos executivos a lei exige que constem diversos elementos, entre os quais, a proveniência da dívida.
III – Segundo uma interpretação literal, afigurar-se-ia que tal requisito se preencheria com a simples invocação do contrato celebrado entre as partes, ou seja, com esta invocação ter-se-ia por verificada a condição da exequibilidade "indicação da proveniência da dívida".
IV – Tal interpretação não será admissível, uma vez que se haverá inequivocamente de tomar em consideração, por um lado, o elemento sistemático (cfr. nº 1 do artigo 9º do C. Civil) e, por outro lado, a natureza do contrato em causa, e as condições e circunstâncias de reembolso nele previstas.
IV – Ora, apenas confrontando o artigo 8º do Decreto-Lei 31/94 com o disposto no artigo 6º do mesmo diploma, será possível aferir quais as circunstâncias que em abstracto determinam a exigibilidade da dívida: dispõe o seu nº 1 que "em caso de incumprimento pelos beneficiários das obrigações decorrentes do contrato, o IFADAP pode modificar ou rescindir unilateralmente os contratos".
V – Torna-se evidente que a exequibilidade da certidão de dívida emitida está dependente do incumprimento do contrato por parte do beneficiário, e da consequente resolução do mesmo por parte do I.
VI – Assim quando no referido artigo 8º, se fala em "proveniência da dívida", tal expressão tem de ser entendida como a obrigação decorrente do incumprimento do contrato.
VII – Conclui-se que não basta a indicação na certidão do contrato celebrado entre o Recorrente e o Recorrido, porque apenas da sua celebração não podia resultar a dívida do Recorrente no confronto do direito de crédito invocado pelo Recorrido.
VIII – Não se tratando tal certidão de dívida de título executivo que consubstancie o próprio facto constitutivo do crédito, é imperativo que a mesma invoque tal facto, o incumprimento de obrigação por parte do Recorrente, pois só assim poderá fazer sentido a exigência legal do n.° 2 do artigo 8º - "indicação da proveniência da dívida".
IX – Sucede que a certidão do I se refere somente ao reembolso pelo Recorrente ao Recorrido das ajudas financeiras que havia recebido ao abrigo do regulamento n. ° 2078/92 da CEE, não fazendo qualquer menção da razão/ fundamento desse reembolso.
X – Na verdade, a referida certidão apenas qualifica a dívida mas nada concretiza quanto à sua origem e/ ou fonte.
XI – A origem da dívida é simples: o contrato celebrado entre Recorrente e Recorrido, do qual decorrem direitos e obrigações para cada uma das partes e a violação contratual por parte do beneficiário da ajuda, sendo que o incumprimento tem de ser necessariamente invocado e integrado factualmente (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Março de 2004, referente ao Processo 04B2862, in www.dgsi.pt).
XI – Sobre o Exequente recai o ónus da prova do direito que arroga, designadamente a invocação do incumprimento do contrato e dos factos que o determinaram, cabendo ao Executado alegar e provar os factos modificativos, impeditivos ou extintivos daquele direito, todavia, o Recorrido, naquela qualidade, não logrou cumprir o referido ónus da prova.
XIII – De tudo supra exposto resulta que o título executivo em causa não insere no seu texto um dos requisitos específicos da acção executiva, ou seja, a expressão da razão ou razões que integram o necessário incumprimento, de resto, nunca invocado, e que determinaria a rescisão do contrato celebrado.
XIV – Apenas a invocação expressa de tais factos e circunstâncias consubstanciaria a indicação da proveniência da dívida prescrita na lei.
XV – O título executivo não obedece a um dos requisitos específicos previstos na lei, a proveniência da dívida, concluindo-se que estamos perante a falta de um requisito de exequibilidade do título.
XVI – A consequência jurídica da falta do referido pressuposto processual específico da acção executiva, implica a sua inadmissibilidade e, consequentemente, a sua extinção.
XVII – A decisão recorrida viola o disposto nos artigos, artigo 6.°, n.° 2 do artigo 8º do Decreto-Lei 31/94.
Contra-alegou o embargado, em termos que se dão aqui por reproduzidos.

Na segunda apelação, concluiu o embargante as suas alegações da seguinte forma:
1 - O Tribunal a quo julgou os embargos improcedentes, considerando que o Embargante não logrou provar os factos por si alegados, designadamente o cumprimento das medidas agro-ambientais que lhe estavam impostas, em virtude do contrato de financiamento outorgado com o I em 31 de Janeiro de 1995.
2 - Efectivamente julgou não provados os factos constantes da base instrutória, nos quais se questionava o cumprimento, à data de 27 de Agosto de 1996, das citadas medidas.
3 - Não pode o Embargante conformar-se com as respostas dadas aos quesitos primeiro a sexto da base instrutória: não obstante as testemunhas terem confessado desconhecer quais os objectivos a atingir pelo Embargante no âmbito do referido contrato de financiamento, a verdade é que, a testemunha J – Cfr. cassete 1, lado A, voltas 0040 a 0891 -, no depoimento por si prestado, confessa conhecer pessoalmente todas as culturas agrícolas, criações de animais - todos existentes nas propriedades do Embargante - e ainda os trabalhos de mobilização de terrenos e poda, realizados dentro dos termos prescritos no contrato de subscrição de benefícios.
4 - Na verdade, quando confrontada com a enunciação do teor das medidas 08, 12, 13 e 15, a testemunha confirmou a implementação, e existência, nas propriedades do Embargante, de todas as actividades contidas naquelas medidas agro-ambientais.
5 - Não obstante a testemunha não lograr estabelecer qualquer correspondência entre tais factos – culturas agrícolas, criações animais, trabalhos de mobilização e poda realizados nas propriedades do Embargante, dentro dos períodos temporais em causa (Agosto de 1996) – e os objectivos contidos nas medidas, a verdade é que, os quesitos formulados não pretendiam determinar o objecto das medidas exigidas pelo contrato, mas sim, e tão só, se aquelas culturas e demais actividades foram efectivamente implementadas e prosseguidas pelo Embargante.
6 - A testemunha, pelo depoimento prestado em audiência de julgamento, demonstrou conhecer à saciedade tal realidade de facto – que integra o objecto das medidas agro-ambientais impostas pelo contrato –, não obstante ter confessado desconhecer o contrato celebrado entre o Embargante e o I, e por consequência, desconhecer o âmbito das medidas.
7 - Por conseguinte, as respostas dadas aos quesitos n.° 1, 2, 3, 4, 5, 6, deverão ser alterados para "PROVADO", devendo, em consequência, ser revogada a decisão proferida que julgou os Embargos improcedentes, e determinou que a execução prosseguisse os seus trâmites normais.
Contra-alegou o embargado, suscitando designadamente a irregularidade processual da impugnação da decisão da matéria de facto, por não ter sido transcrito o depoimento para o efeito invocado.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

II – QUESTÕES A DECIDIR
Resulta das conclusões das alegações do recorrente, que, como é sabido, delimitam o objecto dos recursos (artigos 684º, nº 3 e 690º, nºs 1 e 4 do Código de Processo Civil), que são duas as questões que cumpre conhecer, por ordem de interposição dos recursos, que coincide com a ordem lógica:
1ª Se o título executivo apresentado pelo embargado preenche o requisito formal que o artigo 8º do Decreto-Lei nº 31/94, de 5 de Fevereiro enuncia, de indicação da proveniência da dívida – questão que é, não referente à existência ou não de título executivo, mas à sua exequibilidade;
2º Se foi errónea a decisão da matéria de facto constante da Base Instrutória, ao dá-la toda como não provada, quando do depoimento de uma das testemunhas do embargante que foi inquirida se impunha a resposta contrária, de provada – questão de que apenas cumprirá conhecer se a decisão da primeira lhe não retirar razão de ser.

III – FACTOS
Na sentença foram dados como provados os seguintes factos, sem impugnação:
1º O exequente/embargado emitiu em 31 de Maio de 2001 o documento intitulado de Certidão com o seguinte teor M, Secretário do Conselho de Administração do I (...), certifica, que no exercício dos poderes que lhe foram delegados pelo Conselho de Administração por deliberação de 23-01-1995,
1) Que A, beneficiou, ao abrigo do Regulamento (CEE) nº 2078/92, do Conselho, de 30 de Junho, Medidas Agro-Ambientais – 12 – vinhas em socalcos do Douro; 13- fruteiras de variedades regionais; 15- Amendoais tradicionais de sequeiro e 8-lameiros, da seguinte ajuda ao rendimento: Esc: 988.248$00 (Novecentos e oitenta e oito mil duzentos e quarenta e quatro escudos), este dividido em duas parcelas, sendo uma de Esc: 491.636$00 (Quatrocentos e noventa e um mil seiscentos e trinta e seis escudos), e uma de Esc: 496.612$00 (Quatrocentos e noventa e seis mil seiscentos e doze escudos), nos termos do contrato de atribuição de ajuda celebrado em 31-01-1995, que faz parte integrante do projecto arquivado neste Instituto (...) e cujas fotocópias vão anexadas a esta certidão (...);
2) Que o mesmo recebeu, ao abrigo daquele contrato, as seguintes importâncias nas datas também a seguir indicadas: Esc: 491.636$00 (Quatrocentos e noventa e um mil seiscentos e trinta e seis escudos), em 30-12-1994, e Esc: 496.612$00 (Quatrocentos e noventa e seis mil seiscentos e doze escudos), em 13-10-1995, correspondentes às ajudas atrás indicadas.
3) Que o mesmo é devedor ao I da importância de Esc: 1.405.165$00 (Um milhão quatrocentos e cinco mil e cento e sessenta e cinco escudos), discriminada como se segue:
a) Esc: 988.248$00 (Novecentos e oitenta e oito mil duzentos e quarenta e oito escudos), correspondente ao reembolso das ajudas atrás indicadas;
b) Esc: 416.917$00 (Quatrocentos e dezasseis mil novecentos e dezassete escudos), correspondente aos juros calculados à taxa anual de 7.0% (Sete por cento) sobre as seguintes importâncias e pelos períodos abaixo indicados:
Esc: 491.636400 (...), desde 30-12-1994 (exclusive) até 31-05-2001 e Esc: 496.612$00 (...), desde 13-10-1995 (exclusive) até 31-05-2001;
4) Que o mesmo é ainda devedor dos juros que se vencerem sobre Esc: 988.248$00 (...), a partir de 31-05-2001, à indicada taxa de 7.0% (Sete por cento), ou outra aplicável nos termos da lei e até reembolso integral daquela importância (...) (alínea A) da matéria assente);
2º O embargante/executado recebeu as importâncias referidas em 1º, na sequência de um contrato de atribuição de ajudas que celebrou com o embargado/exequente, em 31 de Janeiro de 1995, ao abrigo do Regulamento (CEE) nº 2078/92 do Conselho -medidas agro-ambientais (alínea B) da matéria assente);
3º Nos termos da cláusula 1ª do contrato referido em B), foi concedida ao embargante/executado uma ajuda durante o período de cinco anos, para a realização de acções no âmbito das seguintes medidas:
08- lameiros;
12- vinhas em socalcos do Douro;
13- fruteiras de variedades regionais;
15- amendoais tradicionais de sequeiro (alínea C) da matéria assente);
4º Nos termos da cláusula D.2. do contrato referido em 2º, o embargante/executado ficou obrigado, por um período de cinco anos a contar da sua data, a:
1. Manter-se como responsável pela exploração agrícola cujos elementos de identificação constam do processo de concessão a que respeita a proposta (…) (cláusula D.2.1.);
2. Manter as condições de acesso às ajudas e respectivos compromissos (cláusula D.2.2.);
3. Manter o exercício das actividades agrícolas nas explorações especificadas, os sistemas agrícolas e o efectivo pecuário objecto da ajuda (cláusula D.2.3.);
4. Informar o I, a D ou a D de qualquer alteração da situação pessoal, da exploração e do efectivo pecuário (cláusula D.2.3.) (alínea D) da matéria assente);
5º Nos termos da cláusula F do contrato referido em 2º, no caso de incumprimento pelo embargante/executado de qualquer das suas obrigações, o IFADAP poderá, unilateralmente, rescindir ou modificar o contrato (cláusula F.1.) e em caso de incumprimento, o embargante/executado deverá proceder ao reembolso imediato das ajudas concedidas, acrescidas de juros moratórios calculados à taxa legal em vigor, desde o pagamento até ao efectivo reembolso (cláusula F.2.) (alínea E) da matéria assente);
6º No dia 27 de Agosto de 1996 foi efectuada pelos técnicos da Direcção Regional da Agricultura de Trás-os-Montes uma visita de acompanhamento e fiscalização à área do embargante/executado afecta ao projecto de ajuda (alínea F) da matéria assente);
7º Por carta registada, com aviso de recepção, datada de 04.12.1997, o IFADAP comunicou ao embargante/executado a rescisão unilateral do contrato referido em 2º, em virtude do seu incumprimento, e solicitou-lhe a devolução da importância de Esc: 1.147.660$00 (alínea G) da matéria assente);
8º Por carta registada, com aviso de recepção, datada de 25.02.1998, o I solicitou ao embargante/executado a devolução da importância correspondente ao reembolso da ajuda, acrescida de juros, no total de Esc: 1.175.818$00 (alínea H) da matéria assente);
9º O aviso de recepção referente à carta mencionada em 8º, mostra-se assinado pelo embargante/executado no local destinado à assinatura do destinatário (alínea I) da matéria assente).

IV – A QUESTÃO INEXEQUIBILIDADE DO TÍTULO
O título executivo tem a função assinalada no nº 1 do artigo 45º do Código de Processo Civil: permitir determinar o fim e os limites da execução.
O artigo seguinte, que enuncia as espécies de títulos executivos, prevê, na alínea d) do nº 1, os documentos a que, por disposição legal, seja atribuída força executiva.
O título dos autos enquadra-se nesta disposição, pois que foi emitido a coberto do artigo 8º, nº 1 do Decreto-Lei nº 31/94, de 5 de Fevereiro (diploma que foi parcialmente alterado pelo Decreto-Lei nº 351/97, de 5 de Dezembro, mas sem incidir sobre a norma citada), o qual estabelece regras relativas à aplicação em Portugal dos Regulamentos (CEE) nºs 2078/92, 2079/92 e 2080/92, do Conselho, de 30 de Junho, que instituem, respectivamente, os regimes de ajudas a métodos de produção agrícola compatíveis com as exigências da protecção do ambiente e de preservação do espaço natural, à reforma antecipada na agricultura e às medidas florestais na agricultura.
Reza esse preceito que Constituem título executivo as certidões de dívida emitidas pelo IFADAP.
O nº 2 do mesmo artigo 8º estabelece os requisitos dessas certidões: […] devem indicar a entidade que as tiver extraído, a data de emissão, a identificação e o domicílio do devedor, a proveniência da dívida, a indicação por extenso do montante e a data a partir da qual são devidos juros e a importância sobre que incidem.
É o segmento proveniência da dívida que o apelante entende estar em causa, por em seu entender no caso da certidão apresentada à execução essa proveniência não ser suficientemente descrita, entendendo ele que deve sê-lo com indicação de factos e circunstâncias reveladores do incumprimento das obrigações contraídas no âmbito do contrato de ajuda celebrados no âmbito da legislação invocada, visto que, em seu entender, recai sobre o embargado o ónus de prova desse requisito, por conduzir ao exercício da faculdade de rescindir o contrato prevista no artigo 6º, nº 1 do citado Decreto-Lei nº 31/94, resultando, assim, da conjugação deste preceito e do nº 2 do artigo 8º que só assim fica indicada a proveniência da dívida.
No despacho saneador, em que esta questão ficou decidida em 1ª instância, entendeu-se de outro modo: que da leitura da certidão resulta constar do seu teor que a dívida provém de ajudas que lhe foram conferidas, nos termos do contrato de atribuição aí mencionado e que tal dívida respeita ao reembolso devido em razão de tais ajudas e que É certo que a certidão não menciona o motivo que esteve na origem da sua emissão e, nessa medida, o pedido de reembolso formulado pelo exequente.
Contudo, a lei não exige tal conduta.
Vejamos.
Como já se referiu, as certidões de dívida emitidas pelo IFADAP no âmbito do Regulamento (CEE) nº 797/85, do Conselho e da legislação complementar possuem força executiva porque ela lhe é expressamente conferida por determinadas disposições especiais.
Entre os requisitos formais da exequibilidade dessa certidão figura, como já referido, o da indicação da proveniência da dívida.
A questão assim é a de saber se basta, para preencher cabalmente esse requisito, a indicação formal do contrato de que a dívida emerge, ou se algo mais sobre a causa dela há-de ser referido no texto da certidão.
A concatenação do artigo 8º com a disciplina antes constante do artigo 6º do Decreto-Lei nº 31/94 sobre a forma de determinar se o beneficiário das ajudas está ou não em situação de incumprimento levam-nos a propender para a posição que exige algo mais do que a mera indicação da relação contratual de que emerge a dívida de reembolso.
Assim, o facto de tais certidões omitirem qualquer menção à causa da obrigação de reembolso da ajuda financeira recebida pelo executado, isto é, não referirem expressamente qual (ou quais) a infracção contratual cometida pelo executado (na execução do projecto de investimento) que origina a constituição deste na obrigação de restituir a ajuda financeira recebida – uma vez que a obrigação do beneficiário de reembolsar o IFADAP dessas importâncias só se constitui no caso de o beneficiário/executado incumprir qualquer das obrigações para ele emergentes do contrato de atribuição de ajuda oportunamente celebrado entre ele e o IFADAP – consubstancia a falta de requisito de exequibilidade.
Conforme é sublinhado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.10.2004 (com texto integral em http://www.dgsi.pt), não basta […] a indicação do contrato celebrado entre a recorrente e o recorrido, porque apenas da sua celebração não podia resultar a dívida da recorrente no confronto do direito de crédito invocado pelo recorrido e que o último certifica face à primeira […].
[...] A proveniência do direito de crédito do recorrido no confronto da recorrente é estruturalmente complexa, derivando, como é natural, de declarações de vontade relativas ao contrato de mútuo, de facto negativo de incumprimento por parte de representantes da última e de declaração de vontade de resolução veiculada por representantes do primeiro.
Constatada a assinalada falta de um requisito de exequibilidade do título executivo (a que se reporta a alínea a) do nº 1 do artigo 813º e o nº 1 do artigo 815º, ambos do Código de Processo Civil) – a certidão não insere no seu texto a menção da proveniência do respectivo direito de crédito –, tal falta tem como consequência jurídica a inadmissibilidade da mesma e, consequentemente, a extinção da acção executiva.
A certidão que foi apresentada à execução não contém mais do que a simples referência a que as quantias em dívida pelo executado são provenientes de reembolso das ajudas.
Nada acrescenta sobre tal reembolso ser porventura exigível por haver sido apurado um incumprimento contratual.
É pois, de concluir que o título executivo não preenche o requisito proveniência da dívida do artigo 8º, nº 2 do Decreto-Lei nº 31/94, de 5 de Fevereiro.
É, pois, inexequível.
Tal inexequibilidade impõe, como já mencionado, a inadmissibilidade da execução em tal título fundada, pelo que deveria ela ser ter sido julgada extinta, ao invés do que se decidiu no despacho saneador dos embargos.
Resulta assim que a primeira questão suscitada nas conclusões deve proceder, o que obsta ao conhecimento da segunda questão, cuja apreciação pressupunha a exequibilidade do título, com a possibilidade de se conhecer da questão de mérito no plano da obrigação.
Deve, assim, julgar-se procedente a primeira apelação, com tal solução ficando prejudicado o conhecimento da segunda apelação.

V – DECISÃO
Em conformidade com o exposto, acordam em julgar procedente a primeira apelação, revogando a decisão proferida em sede de despacho saneador dos embargos acerca da questão da inexequibilidade do título, e decidem que, por inexequibilidade do mesmo título, deve a execução ser julgada extinta.
Como corolário da procedência da primeira apelação, fica prejudicada a apreciação do objecto da segunda apelação, de que, assim, não conhecem.
Custas pela embargada.
Lisboa, 27 de Setembro de 2007
António Neto Neves
Isabel Canadas
José Maria Sousa Pinto