Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3705/2007-7
Relator: LUIS ESPIRITO SANTO
Descritores: INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA
COMPETÊNCIA MATERIAL
NACIONALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/23/2007
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Meio Processual: CONFLITO DE COMPETÊNCIA
Decisão: INDEFERIMENTO LIMINAR
Sumário: O Tribunal da Relação é incompetente em razão da matéria no âmbito dos procedimentos que tenham em vista a rectificação, declaração de inexistência ou de nulidade e cancelamento dos registos em que se suscitem dúvidas quanto à identidade do titular sempre que esteja em causa a nacionalidade os interessado (ver Código de Processo Civil, artigos 101.º, 102.,n.º1 e 105.º do Código de Processo Civil e Decreto-Lei n.º 237-A/2006, de 14 de Dezembro)
Decisão Texto Integral: Instaurou o MINISTÉRIO PÚBLICO os presentes autos de justificação judicial para a declaração de nulidade e cancelamento de registo de nascimento e de atribuição de nacionalidade contra Fátima […], filha de […] e de […], residente […]Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.

Alega para tanto :

Foi lavrado, na Conservatória dos Registos Centrais, registo de atribuição de nacionalidade n.º 0000 de 2003, bem como o assento de nascimento lavrado sob o n.º 0000 de 2003, respeitantes à Requerida Fátima […].

A registada havia requerido, através de procurador, na 2ª Conservatória do Registo Civil de Lisboa, em 29 de Maio de 2003, a atribuição da nacionalidade portuguesa, nos termos do art.º 1º, nº 1, alínea b), da Lei nº 37/81, de 3 de Outubro, alegando ser natural de […] Minas Gerais, Brasil, e filha de cidadão nacional português, […], natural de Xangai, China.

Juntou, para prova desse facto, uma certidão de nascimento extraída do assento nº 0000, a fls. 000, do livro 0000, referente ao ano de 1982, lavrado no Registo Civil de Caetanopolis […] Minas Gerais, do qual foi declarante o seu pai, o referido […], e com certidão de nascimento deste último, extraído do assento nº 00, de 1997, da Conservatória dos Registos Centrais.

Devidamente instruído mereceu o processo despacho favorável, tendo sido assim lavrado o registo de atribuição nº 000, de 2003, após ter sido previamente transcrita, nos termos do art.º 56º, nº 1, do Decreto-Lei nº 322/82, de 12 de Agosto, a certidão de nascimento de estrangeira sob o nº 000, também de 2003, ao qual se averbou a atribuição posterior.

Porém, veio a apurar-se ser falsa a certidão em causa, certidão essa que havia baseado a transcrição e que é exigida nos termos e para os efeitos do art.º 51º, nº 1, do citado Decreto-lei nº 322/82, fazendo prova do estabelecimento da filiação na menoridade em relação ao progenitor português, nos termos do art.º 14º, da Lei nº 37/81, de 3 de Outubro.

O Consulado de Portugal em Belo Horizonte, a quem foi pedida a confirmação do documento transcrito, informou, depois de contactadas as autoridades registrais locais, não ter sido localizado nenhum assento de nascimento em nome de Fátima […], quer no Cartório do Registo Civil de Caetanopolis, quer no de Paraopeba, sede do Município.

Inexistindo, pois, título válido que pudesse servir de suporte à transcrição mencionada.

Nestas circunstâncias, dúvidas não restam quanto à falsidade da “ certidão “ apresentada, que terá sido forjada e com a qual se iludiram as autoridades registrais portuguesas.

Conclui pedindo que seja declarada a nulidade, por falsidade, dos assento de atribuição de nacionalidade n.º 000 de 2003, bem como o assento de nascimento lavrado sob o n.º 000 de 2003, referentes a Fátima […], nos termos dos artsº 87º, alínea a), 88º, alíneas b) e d), do Cod. Registo Civil e 280º, 294º e 295º, do Cod. Civil, determinando-se o respectivo cancelamento por força do art.º 91º, alínea a), do mesmo Código e parte final do nº 3, do art.º 36º, do Regulamento da Nacionalidade ( Decreto-Lei nº 322/82, de 12 de Agosto ).

Citada, veio a Requerida pronunciar-se no sentido de não ter sido cientificamente determinada a falsidade da certidão de nascimento, podendo existir lapso dos serviços quando efectuaram a busca solicitada ao Consulado de Portugal em Belo Horizonte, devendo ser julgada improcedente a presente acção de justificação judicial.

Procedeu-se a afixação de editais.

Foi proferida informação final no sentido da procedência da acção, fazendo-se constar, que não obstante o disposto no nº 1 do art.º 4 do DL 237-A/06 de 14 de Dezembro e do nº 1, do art.º 55º, do Regulamento por ele aprovado, se procedia à remessa dos autos a este Tribunal da Relação, por a petição inicial estar dirigida ao mesmo.

Acontece que
O presente processo foi enviado a este Tribunal da Relação em 9 de Abril de 2007.

Encontrava-se, então, já em vigor o Decreto-lei nº 237-A/2006, de 14 de Dezembro, que aprovou o Regulamento da Nacionalidade Portuguesa.

Com efeito, dispõe o respectivo art.º 4º : “ O presente decreto-lei entra em vigor no dia 15 de Dezembro de 2006 e aplica-se aos processos pendentes…”.

Nos termos do art.º 55º, nº 2 e 3, do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa :

“ Quando no âmbito da rectificação, declaração de inexistência ou de nulidade e cancelamento dos registos se suscitem dúvidas quanto à identidade do titular, são competentes os tribunais administrativos e fiscais, sempre que esteja em causa a nacionalidade do interessado[1] “.

 “ A decisão do conservador, proferida em processo de justificação, é objecto de reacção contenciosa para os tribunais administrativos e fiscais, nos termos do Código de Processo Administrativo, sempre que esteja em causa a nacionalidade do interessado “.

Por outro lado, aquando da remessa dos autos a este Tribunal da Relação, encontrava-se já revogado o art.º 36º, nº 4, do Decreto-lei nº 322/82, de 12 de Agosto, segundo o qual : “ Cabe, ainda, ao Tribunal da Relação de Lisboa declarar a nulidade e ordenar o cancelamento dos registos de nascimento, sempre que a decisão sobre a nulidade dependa da questão da nacionalidade dos registados “.

Assim sendo, em conformidade com os preceitos legais citados, não assiste competência, em razão da matéria, a este Tribunal da Relação para o conhecimento dos autos.

Pelo que, ao abrigo das disposições dos artsº 101º, 102º, nº 1, 105º, do Cod. Proc. Civil, excepciona-se, oficiosamente, a incompetência absoluta deste Tribunal, indeferindo-se liminarmente o requerimento inicial.

Sem custas.
Notifique.  

     Lisboa, 23 de Abril de 2007.       

( Luís Espírito Santo ).

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[1] Sublinhado nosso.