Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | PEREIRA RODRIGUES | ||
Descritores: | CONTRATO DE CRÉDITO AO CONSUMO DECLARAÇÃO NEGOCIAL | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/29/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | ALTERADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | I. Sendo as cláusulas contratuais inteiramente claras no sentido de que a falta de pagamento de uma prestação, na data do respectivo vencimento, implica o imediato vencimento de todas as restantes e de que no valor das prestações estão incluídos o capital, os juros do empréstimo, o valor do imposto de selo, bem como os prémios das apólices de seguro, verifica-se que o que as partes assinaram e quiseram foi que nas prestações vencidas por falta de pagamento de uma delas, para além do capital, se incluíam os juros remuneratórios e os demais referidos acréscimos. II. Em face desta constatação, que é incontornável, não parece que possa ter cabimento chamar à discussão as normas de interpretação do artigo 11° DL n.° 446/85 sobre as cláusulas contratuais gerais ambíguas (que têm o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou aceitá-las, quando colocado na posição do aderente real, devendo na dúvida prevalecer o sentido mas favorável ao aderente), nem outras a que aludem os artigos 236° e ss. do Código Civil, pois que não estamos perante cláusulas ambíguas ou obscuras. III. Sabemos o que as partes contratantes declararam sem equívocos, pelo que a única questão que em face da declaração negocial se pode colocar é a de saber se, dentro do princípio da liberdade contratual, podiam negociar nos termos em que o fizeram. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA: I. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A SOLUCIONAR. No Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, Banco A intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra B e C, alegando, em suma, que: - No exercício da sua actividade comercial, Autor e Ré celebraram um contrato constante de título particular, mediante o qual aquele concedeu a esta crédito directo, sob a forma de um contrato de mútuo; - Tal importância, bem como os respectivos juros e o prémio de seguro de vida, deveriam ser pagos em prestações mensais e sucessivas; - Convencionou-se que a falta de pagamento de uma das prestações implicava que se considerassem vencidas todas as outras prestações; - Acordou-se ainda que, em caso de mora sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, acrescia uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada acrescida de 4 pontos percentuais; - A R. deixou de pagar as prestações como acordado; - sobre os juros referidos incide imposto de selo à taxa de 4% ao ano - o empréstimo reverteu para proveito comum do casal, pelo que o Réu é solidariamente responsável pelo pagamento das importâncias em dívida. - Citados regularmente, os réus não contestaram. - Face à não contestação dos réus, considerou o tribunal recorrido como confessados os factos articulados pelo autor na petição inicial - artigo 484° ex vi do artigo 463º n.° 1 do Código de Processo Civil – e proferiu despacho saneador- sentença, julgando a acção procedente quanto às quantias pedidas, excepto quanto aos juros remuneratórios nelas incluídos. Inconformado com a decisão, veio o A. interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando doutas alegações, com as seguintes CONCLUSÕES: 1. Resulta, pois, que não faz qualquer sentido pretender que estejam apenas em divida as prestações de capital não pagas, acrescidas os juros de mora à taxa acordada, contabilizados apenas desde 30.05.2004. 2. O artigo 781° do Código Civil é expresso ao estabelecer, que: "Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas." 3. Estamos perante obrigações com prazo certo pelo que o devedor se constitui em mora independentemente de interpelação do devedor ex vi alínea a) do n.° 2 do artigo 805° do Código Civil, o seu vencimento é imediato. 4. Conforme acordado entre as partes, para que todas as prestações do contrato dos autos se vencessem imediatamente - como venceram -, apenas era - como o foi -necessário o preenchimento de uma condição, o não pagamento pela R. de uma das referidas prestações. 5. É, pois, manifesta a falta de razão do Senhor Juiz a quo na sentença recorrida, que ao julgar, como o fez, parcialmente improcedente e não provada a presente acção, violou o disposto no artigo 781° do Código Civil e ainda o disposto no artigo 560° do Código Civil, nos artigos 5°, 6° e 7°, do Decreto-lei 344/78, de 17 de Novembro, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 83/86, de 6 de Maio, o artigo 1° do Decreto-Lei 32/89, de 25 de Janeiro, o artigo 2° do Decreto-Lei 49/89, de 22 de Fevereiro, nos artigos 1° e 2° do Decreto-Lei n.° 206/95, de 14 de Agosto, e o artigo 3°, alínea I, do Decreto-Lei 298/92, de 31 de Dezembro. 6. Nestes termos, deve ser dado inteiro provimento ao presente recurso de apelação, e, por via dele, declarar-se nula a sentença recorrida, substituindo-a por acórdão que julgue a acção inteiramente procedente a provada, condenando os RR ora recorridos, solidariamente entre si, na totalidade do pedido formulado, como é de inteira JUSTIÇA Não houve contra-alegação. Admitido o recurso na forma, com o efeito e no regime de subida devidos, subiram os autos a este Tribunal da Relação, sendo que nada obstando ao conhecimento da apelação, cumpre decidir. A questão a resolver é a de saber se os juros remuneratórios devem, ou não, ser incluídos nas prestações vencidas antecipadamente pelo incumprimento do contrato por parte da ré. | II. FUNDAMENTOS DE FACTO. Não tendo sido impugnada a decisão sobre a matéria de facto, nem havendo lugar a qualquer alteração, nos termos do art. 713º/6 do CPC, remete-se para a decisão da 1.ª instância sobre esta matéria. | III. FUNDAMENTOS DE DIREITO. A questão colocada no recurso foi resolvida na 1.ª instância, aliás de acordo com jurisprudência citada, no sentido de considerar que nas prestações vencidas por falta de pagamento de uma delas se não poderem incluir os juros remuneratórios. Isto, em síntese, por os juros remuneratórios serem retributivos, serem rendimentos do capital em função do tempo em que o credor está privado da utilização do mesmo, constituindo a contraprestação onerosa pela cedência do capital ao longo do tempo, sem o decurso do qual não poder existir remuneração do capital mutuado. Apesar de a douta sentença recorrida seguir de perto, como na mesma se diz, o que ficou dito no acórdão do S.T.J. de 19-4-2005 (1), e este estar conforme com outros arestos, repetitivos, daquele tribunal (2), não nos parece de seguir a tendência jurisprudencial que vai ganhando corpo, pois que não obstante aduzir uma profícua fundamentação, parte a sentença, tal como as decisões em que se louva, de uma desconsideração, ou falta de análise adequada, das condições específicas e gerais do contrato firmado entre as partes. O que importa saber, antes de mais, é qual foi a vontade real das partes, através das cláusulas inseridas no contrato que subscreveram, pois que apenas em caso de dúvida sobre o sentido da declaração é que pode ter cabimento chamar à colação as atinentes regras da interpretação e integração da declaração negocial. Como bem se salientou na sentença, estamos perante um contrato de crédito ao consumo, regulado pelo DL n.° 359/91, de 21/9, ao qual, entre o mais, lhe é aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais previsto no D L n.° 446/85, de 25/10, sendo que nos termos do artigo 10° deste diploma, as cláusulas contratuais gerais são interpretadas de harmonia com as regras relativas à interpretação dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam. Ora, o contrato dos autos relativamente à mora, diz no n.º 7, al. b) das Condições Gerais que “a falta de pagamento de uma prestação, na data do respectivo vencimento, implica o imediato vencimento de todas as restantes”. E que estas prestações abrangem os juros remuneratórios não se pode suscitar qualquer dúvida, porque tal é dito expressamente no n.º 3 al. C) das mesmas Condições Gerais do seguinte modo: “no valor das prestações estão incluídos o capital, os juros do empréstimo, o valor do imposto de selo, bem como os prémios das apólices de seguro…”. Aliás o mesmo resulta das Condições Específicas, onde se estabelece o montante do empréstimo (capital mutuado), o número de prestações, o montante de cada prestação e o valor total das prestações, verificando-se que no montante das prestações estão contidos acréscimos que só podem ser os referidos nas Condições Gerais. As cláusulas contratuais referidas são, em nosso ver, inteiramente claras no sentido de que a falta de pagamento de uma prestação, na data do respectivo vencimento, implica o imediato vencimento de todas as restantes e de que no valor das prestações estão incluídos o capital, os juros do empréstimo, o valor do imposto de selo, bem como os prémios das apólices de seguro. O que as partes assinaram e quiseram foi que nas prestações vencidas por falta de pagamento de uma delas, para além do capital, se incluíam os juros remuneratórios e os demais referidos acréscimos. De resto, até para o cumprimento antecipado por parte do mutuário, ficou previsto no n.º 6 das aludidas Condições Gerais, o pagamento dos juros remuneratórios, ainda que nessa situação com uma percentagem de redução, fazendo, assim, todo o sentido que no caso de incumprimento por parte do mutuário os juros sejam devidos por inteiro. Em face desta constatação, que é incontornável, não parece que possa ter cabimento chamar à discussão as normas de interpretação do artigo 11° DL n.° 446/85 sobre as cláusulas contratuais gerais ambíguas (que têm o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou aceitá-las, quando colocado na posição do aderente real, devendo na dúvida prevalecer o sentido mas favorável ao aderente), nem outras a que aludem os artigos 236° e ss. do Código Civil, pois que não estamos perante cláusulas ambíguas ou obscuras. Sabemos o que as partes contratantes declararam sem equívocos, pelo que a única questão que em face da declaração negocial se pode colocar é a de saber se, dentro do princípio da liberdade contratual, podiam negociar nos termos em que o fizeram. Ora, não se vislumbra que não o pudessem fazer. Com efeito, a capitalização dos juros remuneratórios acordada nas Condições Específicas do contrato parece de legalidade indiscutível, face ao estabelecido no DL n.º 344/78, de 17/11 (com as alterações introduzidas pelos DLs 83/86, de 6/05 e 204/87, de 16/05), por dizer respeito a período superior a três meses. Em sentido contrário não se pode invocar que os juros moratórios, atenta a sua natureza de rendimentos de capital e constituindo a compensação que o obrigado deve pela utilização temporária desse mesmo capital ao longo do tempo, sem o decurso deste não podem ser devidos, porque se isso é válido, como regra, na falta de estipulação negocial, o mesmo já não se pode dizer se as partes acordarem coisa diversa, que nada parece impedir e que é o que se verifica neste tipo de contratos. Acresce que a integração dos juros remuneratórios nas prestações vencidas por falta de pagamento de uma delas parece até estar de acordo com o que a lei prevê e admite. Com efeito, como se defendeu em caso similar no douto Acórdão desta Relação de 5.02.2001, em que foi Relator o Ilustre Desembargador António Geraldes, “O vencimento de todas as prestações repercutiu-se não apenas no capital mutuado, como ainda nos juros remuneratórios e outras despesas, que entraram na composição do "custo total do crédito" a que se alude no Dec-Lei n.º 359/91. Na verdade, como resulta do art. 4º do referido diploma, a quantificação das prestações é feita com utilização da taxa anual de encargos efectiva global (TAEG), de modo a traduzir prestações equivalentes ao longo de todo o período contratual, de onde resulta que em cada uma das prestações está inscrita uma determinada parte do capital e uma outra parcela referente aos juros e outras despesas. Por isso, vencida toda a dívida, os juros moratórios sequenciais ao vencimento antecipado de todas as prestações incidem sobre a dívida global. É esta uma das consequências que emerge do facto de o mutuário não ter cumprido, como devia, o programa contratual que foi acordado, revelando o incumprimento total da sua obrigação” (3). Acresce que nos termos do artigo 9.º/5, do DL 359/91, de 21/09 (sobre o cumprimento antecipado), “tratando-se de contrato de crédito que tenha como objecto a venda de uma coisa ou o fornecimento de um serviço mediante pagamento em prestações, a antecipação entende-se sempre reportada à última ou às últimas prestações vincendas e não pode em caso algum implicar redução de custos relativamente à primeira prestação vincenda”. Esta norma especial vai até de encontro ao que estabelece a lei geral, no art. 1147º do CC, que diz que “no mútuo oneroso o prazo presume-se estipulado a favor de ambas as partes, mas o mutuário pode antecipar o pagamento, desde que satisfaça os juros por inteiro”. A antecipação do pagamento por vontade do mutuário é uma faculdade de que este goza, mas como o prazo de amortização ou de cumprimento, se presume estipulado em benefício de ambas as partes justifica-se que, no caso de antecipação, haja lugar ao pagamento dos juros remuneratórios por inteiro. E se assim é no caso de antecipação do cumprimento por parte do mutuário, por maioria de razão se justifica no caso de incumprimento por parte daquele. Em todo o caso, nos termos do n.º 7, al. b) e do n.º 3 al. C) das Condições Gerais do contrato dos autos ficou expressamente acordado que o imediato vencimento das prestações por falta de pagamento de uma delas incluía também os respectivos juros remuneratórios, o que se harmoniza com a filosofia das mencionadas normas legais. A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça acima citada, com o devido respeito, não convence, por elaborar uma construção teórica com base na natureza dos juros remuneratórios, sem tomar, minimamente, em consideração as cláusulas acordadas pelas partes e, como acima já se fez notar, não pode ser esquecido ou negligenciado o que aquelas subscreveram com toda a clareza, sem necessidade de recurso a quaisquer regras legais de interpretação ou de integração da sua vontade contratual. No sentido que aqui se deixa defendido, ainda que não com inteira coincidência de fundamentação, se pronunciaram, entre outros, os Acórdãos da Relação de Lisboa de 03.03.2005 e de 23.03.2005 (4). Do que se conclui que os juros remuneratórios devem ser incluídos nas prestações vencidas antecipadamente pelo incumprimento do contrato por parte da ré, pelo que a acção merece inteira procedência, condenando-se os RR. no pedido. Procedem, por isso, as conclusões do recurso, sendo de alterar a decisão recorrida. | IV. DECISÃO: Em conformidade com os fundamentos expostos, concede-se provimento à apelação e altera-se a decisão recorrida, julgando-se a acção procedente e condenando-se os RR., solidariamente entre si, a pagar ao A. a importância de € 4.588,00, acrescida de € 934,02 de juros vencidos até 8 de Março de 2005 e € 37,36 de imposto de selo sobre estes juros, e, ainda, os juros que, sobre a 1.ª quantia se vencerem, à taxa anual de 26,35%, desde 9 de Março de 2005 até integral pagamento, bem como o imposto de selo que, à taxa de 4%, sobre esses juros recair. Custas nas instâncias pelos apelados. Lisboa, 29 de Junho de 2006. FERNANDO PEREIRA RODRIGUES FERNANDA ISABEL PEREIRA MARIA MANUELA GOMES
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