Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | SEARA PAIXÃO | ||
Descritores: | FERIADOS REGIÃO AUTÓNOMA INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/17/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
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Sumário: | O art. 1º do Decreto Legislativo Regional nº 18/2002 de 8 de Novembro, que instituiu o dia 26 de Dezembro como feriado na Região Autónoma da Madeira, está ferido de inconstitucionalidade material, por violação da al. a) do art. 227 e 112º nº 4 da CRP (5ª Revisão) e do disposto nos art. 18, 19 e 21 do DL 874/76 de 28.12, com as alterações introduzidas pelo DL 397/91 de 16.10 e Lei 118/99 de 11.08. O Código do Trabalho nos art. 208 e 209 manteve a lista dos feriados obrigatórios e dos facultativos que já constava do DL 874/76, tendo apenas acrescentado o Domingo de Páscoa. Mas, o art. 4º nº 4 da Lei 99/2003 de 27.08 (que aprovou o Código do Trabalho), veio permitir que as Regiões Autónomas possam estabelecer, de acordo com as suas tradições, outros feriados para além dos fixados no Código do Trabalho, desde que correspondam a usos e práticas já consagrados. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório Por decisão da autoridade administrativa - Inspecção Regional do Trabalho da Secretaria Regional dos Recursos Humanos da Madeira - foi aplicada à arguida S… , L.da, com sede na Av. 25 de Abril, … Linda-a-Velha, e com filial no Funchal, Miradouro das Neves, Sítio do Ribeiro Seco, S. Gonçalo, uma coima no montante de 130.000,00 €, pela prática da contra-ordenação prevista e punível nos termos das disposições conjugadas dos artºs 1º do Decreto Legislativo Regional n.º 18/2002/M, de 8 de Novembro, e 687º, 2, e 620º, 2, a), ambos do Código do Trabalho, e da cláusula 25º, 2, da Convenção Colectiva de Trabalho para o sector da Segurança, Portaria e Vigilância, publicada no JORAM, III Série, n.º 5, de 1 de Setembro de 1993, e Portaria de Extensão publicada no JORAM, III Série, n.º 6, de 16 de Março de 1993. A recorrente impugnou judicialmente a decisão acima referida, tendo o Tribunal do Trabalho do Funchal proferido a seguinte decisão: “Nestes termos decido revogar parcialmente a decisão da entidade administrativa recorrida e, em consequência: a) Aplico à recorrente uma coima no montante de 2.500,00 € pela prática da contra-ordenação prevista e punível nos termos das disposições conjugadas dos artºs 1º do Decreto Legislativo Regional n.º 18/2002/M, de 8 de Novembro, e 687º, 1, e 620º, 3, b), ambos do Código do Trabalho, e da cláusula 25º, 2, da Convenção Colectiva de Trabalho para o sector da Segurança, Portaria e Vigilância, publicada no JORAM, III Série, n.º 5, de 1 de Setembro de 1993, e Portaria de Extensão publicada no JORAM, III Série, n.º 6, de 16 de Março de 1993. b) Condeno a recorrente a pagar aos trabalhadores a quantia de 3.842,14 €, e à Segurança Social a quantia de 1.507,77 €, conforme mapa de reposição – cfr. artº 687º, 5, do Código do Trabalho.” A arguida, novamente inconformada, interpôs recurso desta decisão para este tribunal da Relação, terminando a respectiva motivação formulando as seguintes conclusões: 1° Não deve ser aplicada qualquer coima à recorrente, já que não há qualquer facto susceptível de ser punido como contra-ordenação, 2° Pois, o dia 26/12/2003 não é, nem foi dia de feriado. 3° Efectivamente, os dias de feriado eram os que estavam previstos nos artigos 18° e 19º do Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Fevereiro e na data da alegada infracção, não existia à data qualquer norma jurídica legal que configurasse o dia 26/12/2003 como sendo feriado, ou que permitisse a alteração da Lei Geral da República relativamente aos feriados, através de Decreto Legislativo Regional. 4° A Assembleia Legislativa Regional não poderia legislar sobre esta matéria, uma vez que não estava em causa matéria de interesse especifico, à luz da Constituição da República Portuguesa e fazendo-o violava a Lei Fundamental. 5º Não há qualquer diferença em matéria labora1 na Região Autónoma da Madeira em relação ao restante do território nacional. 6º O artigo 1 ° do Decreto Legislativo Regional n° 18/2002/M, de 8 de Dezembro é inconstitucional e violador da Lei Geral da República. 7° Não há pois qualquer violação da lei por parte da recorrente. 8° Deve, pelo exposto, a decisão ora recorrida ser revogada e consequentemente ser a recorrente absolvida do pagamento da coima, do acréscimo de remuneração a que os trabalhadores teriam alegadamente direito e do pagamento à segurança social, pois foram violados os artigos 18 e 19 do Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Fevereiro e 5°, 6° e 227º, da Constituição da República Portuguesa, Contra-alegou o MP invocando a questão prévia da inadmissibilidade do recurso por ter sido interposto fora do prazo estabelecido no art. 74 nº 1 do DL 433/82, e pugnando pela confirmação da decisão recorrida. Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, foram colhidos os vistos legais. Cumpre apreciar e decidir. As questões que se suscitam são, pois, as seguintes: - questão prévia da admissibilidade do recurso; - Da inconstitucionalidade do art. 1º do Decreto Legislativo Regional n° 18/2002/M, de 8 de Dezembro. II. Dos factos Estão assentes os seguintes factos: a) O dia 26 de Dezembro de 2003 foi feriado regional, o que a recorrente sabia. b) Nesse dia os 243 trabalhadores da recorrente prestaram o seu trabalho. c) No dia 20 de Setembro de 2004, a recorrente não tinha pago aos referidos trabalhadores qualquer acréscimo pela prestação do trabalho no dia em causa, o que a recorrente sabia. d) O volume de negócios da recorrente é de 1.453.062,13 €. III. O direito O Ministério Público suscita nas suas contra-alegações a questão prévia da inadmissibilidade do recurso, por ter sido interposto extemporaneamente. Mostram os autos que a decisão recorrida depositada na secretaria no dia 4.11.2005 e foi notificada à arguida por carta registada enviada em 7.11.2005 e o recurso interposto pela arguida foi apresentado na secretaria do tribunal no dia 25.11.2005. Dispõe o nº 1 do art. 74º do Dec.Lei 433/82 de 27 de Outubro, na redacção dada pelo DL 244/85 de 14 de Setembro: “O recurso deve ser interposto no prazo de 10 dias a partir da sentença ou do despacho, ou da sua notificação ao arguido, caso a decisão tenha sido proferida sem a presença deste”. Por sua vez o nº 4 do mesmo artigo refere que “ o recurso seguirá a tramitação do recurso em processo penal, tendo em conta as especialidades que resultam deste diploma”. Por força da aplicação subsidiária das regras do processo penal “o requerimento da interposição de recurso é sempre motivado”, como resulta do nº 3 do art. 411º do CPP, pelo que o recorrente tem, nos termos destas disposições, o prazo de 10 dias para motivar o recurso que pretenda interpor, sendo certo que, nos termos do nº 1 do art. 413º do CPP, os sujeitos processuais afectados pela interposição do recurso podem responder no prazo de 15 dias. Verifica-se, face a estas disposições, que o recorrente dispõe de um prazo para motivar o seu recurso (de 10 dias) que é mais curto do que o fixado para a correspondente resposta (que é de 15 dias). Porém, não existe motivo razoável para esta diferenciação de tratamento dos sujeitos processuais, razão pela qual o nº1 do art. 74º do DL 433/82 na redacção dada pelo DL 244/85 de 14.09, na medida em que estabelece um prazo mais curto para o recorrente motivar o recurso do que o estabelecido para o recorrido motivar a sua alegação, viola o princípio da igualdade, na vertente da igualdade de armas no mesmo processo, consignado no art. 13º da Constituição da República Portuguesa. Aliás, o Tribunal Constitucional no seu acórdão nº 27/2006 (Proc. nº 883/2005), publicado no DR Iª série de 3.03.2006, já decidiu declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do nº 1 do art. 74º do Dec-Lei 433/82 de 27.10, na redacção dada pelo Dec-Lei 244/85 de 14.09, conjugada com o art. 411º do Código de Processo penal, quando dela decorre que, em processo de contra-ordenacional, o prazo para o recorrente motivar o recurso é mais curto do que o prazo da correspondente resposta, por violação do princípio da igualdade de armas, inerente ao princípio do processo equitativo, consagrado no nº 4 do art. 20º da constituição. Assim, o prazo para interposição motivada do recurso não pode deixar de ser igual ao que a lei processual penal estabelece para os sujeitos processuais afectados pelo recurso motivarem a sua alegação, que é de 15 dias – nº 1 do art. 413º do CPP. No presente caso, tendo a sentença sido notificada à arguida através de carta emitida em 7.11.2005, considera-se esta notificada em 10.11.2005 (art. 254º nº 3 do CPC) e contando o referido prazo de 15 dias com início no dia 11.11.05 verifica-se que o mesmo terminava precisamente no dia 25.11.05, data em que o recorrente apresentou o recurso na secretaria do tribunal. Conclui-se, assim, que o recurso foi tempestivamente interposto. Quanto à inconstitucionalidade do artº 1º do Decreto Legislativo Regional n.º 18/2002/M, de 8 de Novembro O artº 1º do Decreto Legislativo Regional n.º 18/2002/M, de 8 de Novembro, que entrou em vigor no dia 20 de Novembro de 2002, dado que foi publicado no dia 19 do mesmo mês e ano, dispõe que “O dia 26 de Dezembro é feriado na Região Autónoma da Madeira.”. A decisão recorrida concluiu pela constitucionalidade material e orgânica do diploma em análise, essencialmente por entender que o mesmo versa sobre matérias de interesse específico para as regiões autónomas e não reservadas à Assembleia da República ou ao Governo. A Recorrente por sua vez, continua a entender que o Decreto Legislativo Regional n.º 18/2002/M é inconstitucional por violar uma lei geral da República, uma vez que tal dia não se encontrava incluído nos feriados elencados no Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro, sendo que apenas com a entrada em vigor do actual Código do Trabalho e do Decreto Legislativo Regional n.º 3/2004/M, de 18 de Março, é que foi permitido à Assembleia Legislativa Regional legislar sobre tal matéria. Vejamos: Em primeiro lugar, importa referir que o art. 4º nº 4 da lei 99/2003 de 27.08, que aprovou o Código do Trabalho, estabelece que “as regiões autónomas podem estabelecer, de acordo com as suas tradições, outros feriados, para além dos fixados no Código do Trabalho, desde que correspondam a usos e práticas já consagrados”. O Código do Trabalho, porém, só foi adaptado à Região Autónoma da Madeira através do Decreto Legislativo Regional nº 3/2004/M de 18.03, que entrou em vigor no dia 19.03. 2004. E no artigo 7º desse mesmo decreto regional estabeleceu-se que “o dia 26 de Dezembro é feriado regional da Região Autónoma da Madeira”. Assim, a partir de 19 de Março de 2004 nenhuma dúvida se suscita quanto à legalidade da deliberação que instituiu o dia 26 de Dezembro como feriado regional. Porém, a infracção imputada à arguida reporta-se ao dia 26 de Dezembro de 2003, consistindo no facto da arguida não haver pago aos seus trabalhadores o acréscimo de 100% da retribuição/dia, conforme determina o nº 2 da cls. 25ª do CCT para o sector de segurança, portaria e vigilância, e respectiva portaria de extensão acima referidas, em virtude desse dia ser considerado feriado regional, nos termos do art. 1º do Decreto legislativo regional nº 18/2002/M de 8 de Novembro. À data da edição deste diploma regional o regime jurídico das férias, feriados e faltas aplicável à generalidade das relações de trabalho prestado por efeito do contrato individual de trabalho constava do Dec-Lei 874/76 de 28.12, com as alterações introduzidas pelos DL 397/91 de 16.10, Lei 118/99 de 11.08, que no seu artigo 18º estabelece taxativamente os dias que são feriados obrigatórios e no art. 19º estipula que poderão ser observados como feriados facultativos: o feriado municipal da localidade ou, quando este não existir, o feriado distrital; e a terça-feira de Carnaval. Por sua vez, o art. 21º do mesmo diploma comina de nulidade as disposições do contrato individual de trabalho ou de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, vigentes ou futuros, que estabeleçam feriados diferentes dos indicados nos artigos anteriores( E idêntico regime consta dos art. 208 a 210 do Código do Trabalho.). A lei quis dotar o regime de feriados de uma imperatividade absoluta, afastando expressamente a possibilidade de uma fonte de direito inferior criar um regime mais favorável ao trabalhador (art. 13º da LCT). Estas disposições do Dec-Lei 874/76, conforme consta do respectivo preâmbulo, visaram uniformizar em todo o território nacional o regime de feriados, através da definição dos feriados obrigatórios e do estrito condicionamento imposto aos feriados facultativos – possibilitando apenas a existência de um único feriado em cada região, distrito ou município. Trata-se de leis gerais da República (art. 112º nº 5 da CRP) uma vez que a sua razão de ser envolve a sua aplicação a todo o território nacional. E, face à imperatividade de que são dotadas, não podem deixar de ser havidas como constituindo princípios fundamentais do ordenamento jurídico português. Pergunta-se, agora, se a Assembleia Regional da Madeira, através do Decreto Legislativo Regional n.º 18/2002/M, de 8 de Novembro, podia decretar que o dia 26 de Dezembro era feriado, quando já anteriormente, através do Decreto regional nº 27/79/M, de 9 de Novembro, havia sido instituído o dia 1 de Julho como feriado da Região Autónoma da Madeira, comemorativo da descoberta da Ilha da Madeira por Gonçalves Zarco e Bartolomeu Perestelo. As regiões autónomas são dotadas de um regime político-administrativo próprio, cujo estatuto tem evoluído no sentido de uma progressiva autonomia, através de uma contínua transferência de poderes e competências, conforme se pode ver pela evolução do art. 227º da CRP ao longo das sete revisões constitucionais que já ocorreram desde 1976. À data da edição do Decreto Legislativo Regional em causa nestes autos vigorava a CRP, na revisão aprovada pela lei nº 1/2001 de 20.11 (5ª revisão), que no seu art° 227º, além do mais, dispunha: “As regiões autónomas são pessoas colectivas territoriais e têm os seguintes poderes, a definir nos respectivos estatutos: a) Legislar, com respeito pelos princípios fundamentais das leis gerais da República, em matérias de interesse específico para as regiões que não estejam reservadas à competência própria dos órgãos de soberania; b) Legislar, sob autorização da Assembleia da República, em matérias de interesse específico para as regiões que não estejam reservadas à competência própria dos órgãos de soberania; E no art. 112º nº 4 dispunha: Os Decretos regionais versam matérias de interesse específico para a respectiva região, não reservada à Assembleia da República, não podendo dispor contra os princípios fundamentais das leis gerais da República, sem prejuízo da al. b) do art. 227º. O Decreto 18/2002/M foi aprovado pela Assembleia Legislativa Regional ao abrigo da al. a) do art. 227º da CRP e, no seu preâmbulo invoca o interesse específico da região em comemorar o dia conhecido popularmente por “primeira oitava”, ou seja, o dia 26 de Dezembro, que desde há muito tempo era observado como feriado. Não se nega o interesse específico da região em comemorar como feriado o dia designado por “primeira oitava”, mas não podemos deixar de reconhecer que a institucionalização desse dia como feriado colide frontalmente com o princípio fundamental da lei da República que impede a existência de mais do que um feriado facultativo, uma vez que já havia sido instituído o dia 1 de Julho como feriado regional. Tal como referiu o Sr. Ministro da República na mensagem de devolução ao parlamento do referido decreto legislativo, “não basta para que o Parlamento Regional disponha de competência legislativa que exista semelhante especificidade impondo-se ainda que a matéria em causa não preencha o elenco da competência própria dos órgãos de soberania, nem colida com princípios fundamentais de leis gerais da República. E é por esta última razão – colisão com leis gerais da República reguladoras de uma disciplina cuja natureza e razão de ser impõem a sua aplicação a todo o território nacional – que a norma do art. 1º do decreto em apreço se apresenta ferida de ilegalidade, pois que havendo sido já instituído o feriado regional do dia 1 de Julho, o presente diploma, contra o sentido e alcance daquelas leis, determina o estabelecimento de um segundo feriado regional, contrariando assim a unidade do sistema jurídico que se pretende preservar”. O art. 1º do Decreto 18/2002/M, está, pois, ferido de inconstitucionalidade material, por violação da al. a) do art. 227º e 112º nº 4 da CRP (5ª revisão). Recusando a aplicação da referida norma, conclui-se não haver a arguida praticado a infracção em que foi condenada, uma vez que não se considerando feriado o dia 26 de Dezembro de 2003 não tinha a arguida que pagar aos seus trabalhadores os correspondentes acréscimos de retribuição pelo trabalho prestado em dia feriado, não tendo violado o nº 2 da cls. 25ª do CCT acima referido. IV. Decisão: Nos termos expostos, decide-se absolver a arguida da coima, bem como das importâncias em que foi condenada devidas aos trabalhadores mencionados nos mapas anexos ao auto de notícia e à Segurança Social. Sem custas. Lisboa, 17 de Maio de 2006 |