Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8681/2009-8
Relator: PEDRO LIMA GONÇALVES
Descritores: EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
CONTRATO DE ADESÃO
NULIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/29/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: 1. Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo. Nisto consiste a excepção de inadimplência.
2. A excepção de não cumprimento é um meio de defesa que visa tendencialmente a execução plena do contrato, sendo necessário que o contraente que invoca a excepção queira a execução plena do contrato e a utilização desse meio de defesa se mostre em conformidade, em termos objectivos, com essa finalidade, pois a excepção conduz à suspensão da exigibilidade da obrigação daquele que a invoca enquanto o outro contraente não cumprir a sua prestação.
3. Se o R. pretende a resolução do contrato não pode invocar a excepção de não cumprimento porquanto não teria de cumprir as suas prestações em simultâneo com o cumprimento que exigiria à Autora.
4. Para que um contrato seja celebrado através da técnica das cláusulas contratuais gerais (Decreto – Lei nº446/85, de 25 de Outubro, alterado pelos Decretos – Leis nºs 220/95, de 31 de Agosto e 249/99, de 7 de Julho) são necessários três requisitos ou pressupostos: Pré-formulação – elaboração antecipada e pré-redigida pelo proponente das condições negociais; Generalidade – condições predispostas para utilização geral, na série ou pluralidade de contratos a celebrar; Rigidez – condições essas destinadas a serem aceitas tal qual se apresentam, sem negociação individual.
5. Estando provado que nas deslocações que efectuaram ao centro comercial previamente à celebração do acordo – fase de apresentação da sua proposta e da negociação das condições contratuais de utilização da loja – os RR. puderam verificar a exacta localização e características da loja, deste facto resulta que a Autora e os Réus negociaram as condições, tendo os Réus, inclusive, apresentado proposta. Existindo essas negociações, inexiste um dos pressupostos de um contrato de adesão: a rigidez.
FG
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório
1. J S.A. intentou acção declarativa de condenação a seguir a forma ordinária contra H e P, pedindo a condenação dos Réus a:
a) Pagar à A. a quantia de € 27.987,61 a título de contrapartidas devidas pela utilização da loja e de comparticipações para despesas e encargos já vencidos, nos termos previstos nas cláusulas 4ª e 5ª do contrato celebrado entre as partes;
b) Pagar juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal e contados desde dia 6 do mês a que respeita cada uma das facturas relativas às contrapartidas de Julho de 2004 a Setembro de 2005 e às comparticipações para despesas e encargos respeitantes aos meses de Abril de 2005 a Setembro de 2005, até integral pagamento das quantias em dívida, cifrando-se os juros já vencidos, no dia 28 de Outubro de 2005, em € 1.810,93;
c) Pagar à A. a quantia de € 124.264,80, a título de sanções pecuniárias devidas pelo atraso no pagamento das facturas números 2474 e 2475, calculadas até ao dia 28 de Outubro de 2005, bem como as correspondentes sanções pecuniárias que se vencerem a partir desta data e contadas até efectivo e integral pagamento, nos termos previstos na cláusula 14ª, n.º 1, alínea e), do contrato celebrado entre as partes;
d) Pagar à A. todas as quantias que se vençam na pendência da presente acção, a título de contrapartidas pela utilização da loja, comparticipações para despesas e encargos e correspondentes sanções pecuniárias, calculadas nos termos da cláusula 14ª do contrato, sempre que tais pagamentos não sejam pelos RR. pontualmente efectuados;
e) Entregar à A., no prazo máximo que vier a ser fixado pelo Tribunal, mas não superior a quinze dias, a garantia bancária e a autorização permanente de débito em conta previstas nas cláusulas 4ª, nº 2, e 11ª, nº 1, do contrato assinado entre as partes, emitidas em conformidade com o disposto Anexos III e IV do mesmo;
f) Na eventualidade de os RR. não procederem à entrega da autorização permanente de débito em conta e da garantia bancária no prazo que for fixado pelo Tribunal, pagar uma sanção pecuniária compulsória, nos termos previstos no artigo 829-A do Código Civil, no montante a fixar pelo Tribunal, mas não inferior a € 250,00 (duzentos e cinquenta euros), por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de entrega da autorização permanente de débito em conta e da garantia bancária.
Alega, em síntese, que:
- É uma sociedade comercial que promoveu a construção e explora um empreendimento imobiliário sito na Avenida Fontes Pereira de Melo, número 16, em Lisboa, o qual é constituído por hotel, escritórios, parque de estacionamento e um centro comercial designado por “Galerias Palácio Sottomayor”;
- A A. celebrou com os RR., em 8 de Janeiro de 2004, um contrato que as partes designaram por Contrato de Utilização de Loja em Centro Comercial, nos termos do qual conferiu aos RR., pelo período de cinco anos com início na data de inauguração do centro comercial (20 de Maio de 2004), o direito à utilização de uma loja designada pelo número 2.12, sita no piso dois e com a área de 32,07m2), bem como o acesso às áreas de uso comum, benefício dos diversos serviços de estrutura e apoio do Centro Comercial e benefício do uso da denominação e insígnia ou logotipo do mesmo Centro Comercial;
- Em contrapartida pela utilização da referida loja os RR. obrigaram-se a pagar à A. a quantia mensal de € 1.641,02 (IVA incluído);
- Bem como a comparticipar nas despesas e encargos com o funcionamento, utilização e promoção do Centro Comercial;
- O valor dessa comparticipação corresponderia a € 10,00 (dez euros), por metro quadrado, acrescida de IVA à taxa legal em vigor o que correspondia a uma comparticipação mensal de € 381,63;
- Essas quantias deveriam ser pagas pelos RR. à A. até ao dia 5 do mês imediatamente anterior àquele a que dissessem respeito;
- Tal contrapartida seria objecto de actualização anual, calculada por referência à taxa de inflação pelo que, a partir de Junho de 2005, a contrapartida mensal passou a corresponder ao montante de € 1.680,40;
- A comparticipação mensal para despesas e encargos com o funcionamento, utilização e promoção do Centro Comercial foi objecto de actualização, tendo por base os orçamentos realizados pelo que, também a partir de Junho de 2005, o valor mensal da comparticipação devida pelos RR. passou a corresponder a € 457,96;
- As partes acordaram, que os pagamentos seriam efectuados por meio de débito em conta bancária dos RR., que deveriam, para o efeito, entregar à A. autorização permanente de débito em conta;
- Para além disso, como caução e garantia do pontual e integral cumprimento das obrigações emergentes do contrato celebrado entre as partes, os RR. obrigaram-se, a entregar à A. uma garantia bancária, autónoma e à primeira interpelação, no valor correspondente a seis vezes o montante da contrapartida mensal e da comparticipação para despesas e encargos, acrescidas de IVA, isto é, no montante de € 12.135,90, e que se deveria manter válida durante todo o período de vigência do contrato;
- Os RR. nunca chegaram a entregar nem a autorização permanente de débito em conta nem a garantia bancária;
- Apesar de as correspondentes facturas lhe terem sido apresentadas a pagamento, os RR. apenas procederam ao pagamento dos montantes relativos às contrapartidas devidas pela utilização da loja respeitantes aos meses de Maio e Junho de 2004 e às comparticipações para despesas e encargos respeitantes aos meses de Maio de 2004 a Março de 2005, não tendo efectuado qualquer outro pagamento.
2.Citados, os Réus vieram contestar, alegando, em síntese, que:
- O quadro circunstancial que gerou e enformou, do lado dos Réus, a formação da vontade de contratar sofreu profundas alterações não se tendo concretizado os seus elementos constitutivos essenciais o que não está sequer relacionado com os riscos próprios do contrato;
- O centro comercial não correspondeu ao modelo prometido/garantido pela A. durante as negociações mantidas com os Réus;
- Inexistem no espaço lojas âncora como prometido; o lay out é desajustado; coabitam lojas com actividades idênticas apesar de lhes ter sido assegurado que tal não aconteceria; pouca publicidade; total ineficácia ao nível da comercialização dos espaços e ao nível da manutenção dos lojistas.
- Existe incumprimento doloso por parte da A.;
- Invocam a excepção do não cumprimento do contrato no âmbito da qual fundam a sua recusa de pagamento dos valores correspondentes às contrapartidas mensais acordadas;
Alegam considerar justa a modificação do contrato de utilização mediante uma redução da sua contrapartida mensal com efeitos retroactivos a contar desde o termo inicial da utilização respectiva;
E, em reconvenção, pedem a condenação da A. no pagamento da quantia de €15.000,00 fundamentando tal pedido naquele de modificação do contrato celebrado, deduzindo-se a contrapartida mensal com efeitos retroactivos.
3. A Autora veio apresentar réplica, alegando ter cumprido o contrato e defendendo a improcedência da matéria de excepção alegada e da reconvenção.
4. Realizou-se audiência preliminar, tendo sido proferida decisão a não admitir o pedido reconvencional, bem como foi proferido despacho a convidar as partes para esclarecerem e precisarem pontos factuais geradores de dúvidas, o que foi aceites por estas.
5. Foi proferido despacho saneador tabelar, fixados os factos assentes e organizada a base instrutória.
6. A Autora veio apresentar articulado superveniente, que foi admitido e não foi objecto de oposição, ampliando o pedido, reclamando que se julgue resolvido o contrato entre as partes com efeitos a partir do dia 31 de Dezembro de 2006 e a condenação dos Réus a pagar à Autora a sanção pecuniária pela resolução do contrato a quantia de €33.890,40.
7. Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, tendo-se proferido decisão sobre a base instrutória por despacho de fls.403 – 406.
8. Foi proferida sentença que, que após a arguição de nulidade por parte da Autora, julgou procedente a acção e, em consequência, decidiu:
- Condenar os RR., a pagarem à A. a quantia de €29.628,63;
- Condenar os RR., a pagarem à A. os juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal de 12%, 9,01%, 9,09%, 9,05%, 9,25%, 9,83%, 10,58%, 11,07% e 11,20%, respectivamente, Portaria nº262/99, de 12/4, Aviso DGT 10097/04, DR II, 30/10, Portaria nº597/2005, de 19/7 e Aviso DGT 310/2005, DR II, 14/1, Aviso DGT 6923/2005, DR II, 25/7/2005, Aviso DGT 240/2006, DR II, 11/1/2006; Aviso DGT 7706/2006, DR II, 10/07/2006, Aviso DGT 191/2007, DR II, 5/1/2007; Aviso DGT 13665/2007, DR II, 30/7/2007 e Aviso DGT 2152/2008, DR II, 29/1/2008 até integral e efectivo pagamento, contados desde o dia 6 do mês a que respeita cada uma das facturas referidas em 22 dos factos provados, até integral e efectivo pagamento;
- Condenar os RR., a pagarem à A. a quantia de €124.264,80 a título de sanção pecuniária compulsória pelo atraso no pagamento das facturas números 2474 e 2475, calculadas até ao dia 28 de Outubro de 2005, bem como correspondentes sanções pecuniárias que se tiverem vencido desde tal data, até efectivo e integral pagamento;
- Condenar os RR., a pagar à A. todas as quantias que se vençam na pendência da presente acção até ao dia 31 de Dezembro de 2006, a título de contrapartidas pela utilização da loja, comparticipações para despesas e encargos e correspondentes sanções pecuniárias, calculadas nos termos da cláusula 14ª do acordo referido em 4, da matéria de facto;
- Declarar a resolução do contrato celebrado entre as partes e a que se refere o ponto 4, desta matéria de facto, com efeitos a retroagirem à data de 31 de Dezembro de 2006;
- Condenar os RR. a pagar à A. a quantia de €33.890,40, a título de sanção pecuniária pela resolução declarada.
9. Inconformados com esta decisão, os Réus interpuseram recurso, que foi recebido como de apelação e com efeito devolutivo, tendo, nas suas alegações de recurso, apresentado as seguintes (transcritas) conclusões:
1ª. – Os Considerandos D), E), I), integrados na alínea G) da matéria assente são extremamente relevantes para a decisão do Tribunal ad quem;
2ª. - O Regulamento anexo ao contrato respectivo, que foi integrado na alínea H) da matéria assente, idem;
3ª. - A matéria provada e não provada da base instrutória ibidem;
4ª. - O centro comercial foi apresentado aos apelantes nas negociações que precederam a celebração do contrato respectivo, como integralmente subsumível no que se refere os plasmado supra em A. e B.;
5ª. - Em função da matéria assente, provada e não provada, no âmbito das negociações do contrato respectivo, a apelada apresentou aos apelantes o centro comercial como sendo um espaço concebido e implementado de acordo com os mais elevados padrões de qualidade, onde foi criada uma estrutura adequada ao funcionamento do mesmo, tudo sob a égide de estudos técnicos previamente realizados.
6ª. - A apelante, de resto, considerou essa estrutura um factor decisivo na valorização, não só do centro comercial, mas também (e acima de tudo o mais) de todas e cada uma das lojas integradas no mesmo, no âmbito do mercado atinente.
7ª. - Ora, por força da necessidade dos Tribunais intervirem em questões relacionadas com o cumprimento dos contratos de loja em Centro Comerciais (cada vez mais frequente), a doutrina mais avalizada e a Jurisprudência dominante já adquiriu a certeza de que os promotores daqueles têm de:
a)-elaborar estudos técnicos sobre a concepção e implementação, que prevejam um conjunto de mais-valias, a integrar na estrutura de funcionamento, que constituam fórmulas de atracção de clientela;
b) - assegurar que esse conjunto de mais-valias encontre-se integrado na estrutura de funcionamento, logo na abertura ou pouco tempo depois desta ter ocorrido
8ª. - E Dentro dessas mais-valias destacam-se:
a) -As lojas todas -ou quase! - ocupadas, logo ou pouco depois da abertura, e a manutenção das mesmas, ainda que através do fenómeno da substituição;
b) -A existência de Lojas Âncora [as que, pela força da sua marca, dos seus produtos (tanto em termos de qualidade como ao nível do preço) e da seu enorme peso no mercado, tem uma força de angariação individual notável];
c) -A escolha dum Lay Out (composição arquitectónica) que contribua para uns adequados fluxo e circulação de pessoas;
d) -A comercialização dos espaços de forma a que o elenco de comércios e serviços forneça uma oferta global, harmoniosa e eficaz;
e) -A planificação dum plano de publicidade contínua, interna e externa, adequado e eficiente.
9ª. - Todavia, tendo em conta a matéria que ficou provada e designadamente:
a) -0 centro comercial nunca esteve com as lojas ocupadas a 100% (19 vazias na abertura; 26 vazias em Janeiro de 2006 e, só para o Tribunal ad quem ter uma ideia, 66 vazias na actualidade);
b) -As lojas âncora prometidas (o “H” e o restaurante da cadeia “Clínica”) nunca ocuparam qualquer loja;
c) -A zona da restauração tem acesso directo pelo exterior (o que retirou ou diminuiu consideravelmente a sua força de angariação);
d) -As escadas rolantes estão colocadas num dos extremos do centro comercial (o que inviabilizou a possibilidade de determinar a circulação da clientela por todo o centro, designadamente em relação à que se dirigia ao mesmo para almoçar);
e) -Ao longo de três anos e meio (até, pois, à celebração do julgamento deste processo) a publicidade dada como certa consistiu:
-na campanha de abertura na Rádio (contraproducente, na medida em que continuaram a anunciar para a data que já havia sido adiada;
-em dois concursos cujo sorteio se realizou entre as 21.00 e as 22.00 horas (quando não estava vivalma);
-numa exposição de cadeiras e de vacas;
-numa distribuição de castanhas no dia de São Martinho.
10ª. - Ou seja, com base nas matérias assente, provada e não provada a apelante não cumpriu sua obrigação essencial: a criação de fórmulas de atracção de clientela.
11ª. - As aludidas testemunhas, para além de terem confirmado o incumprimento da apelada esmiuçado supra em III-6, asseguraram, “a pés colados”, que aquela, nas lides negociais de cada uma, havia prometido:
a)-que algumas lojas âncora, tais como o H, o restaurante da cadeia Clínica, já haviam acertado a utilização de espaços no centro comercial;
b)-que a definição do Lay out contribuiria para adequado fluxo e circulação de pessoas em benefício dos utilizadores de todos os espaços;
c)-que a comercialização dos espaços obedeceria a um tennant mix constituído por um elenco de comércios e serviços, ao mesmo tempo com força angariadora e capaz de evitar utilização anárquica;
d)-que seria alvo de um plano de publicidade, com vista a uma permanente divulgação;
12ª. - Estão preenchidos os requisitos previstos nos artigos 428.° do Código Civil, pelo que é legitima a recusa dos apelantes de pagar as facturas em dívida;
13ª. - Ainda assim, os artigos 1º, 3º e 5º da base instrutória devem ser considerados provados, já que, no tocante à apreciação crítica da prova, é aplicável a de primeira aparência (prima facie), pois não foi infirmada pela apelada, em momento algum;
14ª. - Da matéria de facto provada, com o sem o apoio da matéria dos artigos 1.° a 3.° e 5.° da base instrutória, infere-se que o objectivo de criação de fórmulas de atracção de clientela sucumbiu porquanto o principal problema do centro comercial foi, precisamente, a falta de clientela.
15ª. - Falhou, por falta de abertura, a principal loja âncora (o H Center que marcaria a diferença entre este centro comercial e os demais existentes na zona e que só por si arrastaria pessoas àquele, potenciais clientes dos apelantes e dos demais lojistas integrados no mesmo.
16ª. - Um número significativo de lojas encontrava-se encerrado aquando da abertura do centro comercial, o que, só por si, gera um ambiente pouco agradável e nada convidativo à afluência do público.
17ª. - Na verdade, um lojista de centro comercial integra-se num complexo multifacetado e harmónico de estabelecimentos e, por isso mesmo, aquando da contratação de uma loja integrada num desses espaços, é fundamental apreciar o universos dos lojistas e a sua mais valia para o todo.
18ª. - Ao contrário do comércio de rua que é frequentado quer pelo cliente fiel a determinada loja quer pelo vulgar transeunte que, inesperadamente, recebeu o apelo da vitrina, a loja integrada num centro comercial obedece a regras diferentes, são sendo despiciendo a existência de lojas que atraiam a população ao centro comercial.
19ª. - Assim, é normal que um lojista -como os apelantes - antes de contratar averigúe quais as lojas que virão a fazer pane do centro comercial e que faça um estudo económico a fim de aferir se se trata de um bom investimento.
20ª. - Ora, decorre da factualidade provada, o centro comercial implementado e as lojas instaladas não reúnem as principais características definidas no projecto comunicado aos apelantes.
21ª. - A factualidade apurada não permite extrair outra conclusão senão a de que a apelada, enquanto entidade responsável pela promoção do centro comercial, não cumpriu com a sua principal obrigação contratual: criação de fórmulas de atracção de clientela, as quais passam, necessariamente, pela escolha e localização de lojas âncora, campanhas de divulgação, diligenciar pela ocupação a 100% do espaço, etc..
22ª. - Tais circunstâncias têm que considerar-se como integrantes da obrigação contratual da apelada já que esta, como entidade gestora do centro comercial, tem como obrigação promover, organizar e administrar aquele e, ao não cumprir com as garantias dadas ao lojistas em geral e ao apelantes em particular, mantendo sem funcionar e desocupadas as lojas onde se instalariam o H Center, o restaurante e outras, incumpre a sua obrigação.
23ª. - Um centro comercial, pela sua própria natureza, pela dinâmica que tem de existir entre as lojas nele integradas, não se compadece com a inexistência de lojas encerradas (note-se: o centro comercial abriu com mais de 1/3 de lojas encerradas).
24ª. - O Regulamento espelha igualmente de forma clara a obrigação da apelada levar a cabo a divulgação do centro comercial ao público-alvo: a animação e publicidade do centro comercial é da exclusiva competência da Entidade gestora, que, para tanto, elaborará anualmente um plano e orçamento de animação e publicidade.
25ª. - Esta obrigação tem de ser entendida simultaneamente como uma obrigação de meios e de resultado, sob pena de ser destituída de objectivo.
26ª. - Não bastará uma qualquer campanha ou actividade publicitária para dar cumprimento ao estatuído em tal disposição contratual (a actividade levada a cabo pela entidade promotora neste campo tem de alcançar, forçosamente, resultados eficazes de divulgação e promoção).
27ª. - No caso deste processo, se é certo que a apelada desenvolveu alguma publicidade, não é menos verdade que não foi suficiente e/ou eficaz, pois não determinou a afluência do público ao centro comercial.
28ª. - Note-se que a renda a pagar pelos apelantes não era devida apenas pela cedência de um espaço (que, como já referimos, foi efectivamente cedido), mas sim pela cedência de um espaço especial, capaz de atrair maior clientela e proporcionar maiores lucros por se integrar no referido todo organizado, beneficiando dos serviços de organização, promoção e publicidade.
29ª. - A factualidade apurada nos presentes autos afasta-se, pelos contornos que assumiu, da problemática do risco na actividade comercial de cada um dos lojistas, que, como é sabido, corre por conta de cada um deles.
30ª. - No caso deste processo está em causa a inexistência de clientela no centro comercial, a qual, extravasando os riscos próprios do contrato, não poderá ser suportada pelos apelantes em particular, por terem optado pela integração da sua loja num todo, assumindo encargos que não teriam se se tratasse de uma loja de rua.
31ª. - Exactamente para ter acesso a determinadas condições, designadamente a promoção, divulgação e organização do espaço comum, de modo a que este seja apelativo e atractivo de clientela.
32ª. - Encontrada a justificação, à luz do artigo 428.° do Código Civil, para a atitude dos apelantes no sentido de suspender o pagamento das rendas e demais comparticipações, a apelada apenas adquiriria o direito à contraprestação se se tivesse oferecido para reparar os danos causados à contraparte, repondo a situação desta
33ª. - Considerando a procedência da excepção de não cumprimento do contrato invocada pelos apelantes, fica prejudicado o conhecimento de qualquer sanção pecuniária, já que sempre seria uma obrigação acessória da obrigação principal, bem como o conhecimento da nulidade da referida cláusula.
34ª. - Independentemente disso, invocando tal vício, as obrigações contratuais da apelada não foram plasmadas de uma forma clara, em qualquer uma das cláusulas do contrato respectivo, mas sim nos considerandos, inviamente.
35ª. - Por isso mesmo, o contrato respectivo não prevê alguma situação de incumprimento da apelada, nem as correspondentes sanções ou penalidades.
36ª. - Já o mesmo não pode ser dito em relação aos apelantes, pois o contrato respectivo estipula um vastíssimo rol de obrigações contratuais a cargo daqueles, muitas situações de incumprimento dos mesmos e uma carga brutal nas correspondentes sanções ou penalidades.
37ª. - No tocante às sanções pecuniárias, vide cláusula 14ª do contrato respectivo, devem ser consideradas não devidas, não só porque, como já foi dito supra, os apelantes não se encontram em mora, pois invocaram a exceptio non adimpleti contractus para justificarem o não cumprimento das clausulas 7ª a 11ª do mesmo.
38ª. - Mas também e acima de tudo porque são nulas, dada a sua enorme desproporção e total desequilíbrio perante as obrigações contratuais a que dizem respeito.
39ª. - Basta ver que à sanção consagrada na cláusula 14ª, n.°1, alínea e), dos contratos corresponde o factor de multiplicação 2 por cada dia de atraso, o que, diga-se em abono do bom senso e da boa fé, é indecoroso.
40ª. - Esta nulidade apoia-se no artigo 19º do DL 220/95 de 31 de Agosto, até porque o contrato respectivo é de adesão, pois os apelantes mais não puderam fazer do que aceitá-lo ou rejeitá-lo em bloco, pois, tal como sucedeu com os outros lojistas que outorgaram antes da abertura do centro comercial, foi apresentado já preparado pela apelada, sem qualquer possibilidade de negociação prévia.
41ª. - Foram violados, entre outros, os artigos 428° e seguintes do Código de Processo Civil e as normas aplicáveis à questão da nulidade das sanções, nomeadamente o diploma das cláusulas contratuais gerais.
Concluem pela revogação da decisão recorrida e a sua substituição “por outra que determine a legitimidade da recusa dos apelantes em pagarem as facturas em dívida e, desta forma, ser o pedido global da apelada julgado improcedente”.
10. A Recorrida apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso, tendo apresentado as seguintes (transcritas) conclusões:
1ª. - Nas suas alegações de recurso, os Recorrentes não indicam os concretos depoimentos das testemunhas em que se fundam para impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, por referência ao assinalado na acta, nem procederam à sua transcrição, nas partes relevantes, não se mostrando, assim, preenchido o ónus imposto pelo artigo 690°-A do C.P.C., de que decorre, como consequência, a necessária rejeição do recurso sobre a decisão proferida sobre a matéria de facto;
2ª. - Ainda que assim não se entenda, o Tribunal recorrido procedeu a uma correcta apreciação da prova produzida, tendo tomado em devida consideração que as únicas testemunhas que depuseram sobre a matéria de facto constante dos artigos 1° a 3° e 5° da base instrutória não tinham conhecimento directo dos factos e mantinham litígios pendentes com a Recorrida, decorrentes de terem sido demandados em acções judiciais semelhantes à dos presentes autos;
3ª. - Por outro lado, a matéria de facto constante dos artigos 1° a 3° e 5° da base instrutória não poderá ser provada por meio de prova testemunhal, por se traduzir em convenções adicionais ao contrato celebrado entre as partes, nos termos previstos no artigo 394° do Código Civil,
4ª. - Em consequência, o Tribunal recorrido procedeu a uma correcta apreciação da prova produzida, não merecendo qualquer censura a resposta negativa dada à matéria de facto constante dos artigos 1° a 3° e 5° da base instrutória, que assim se deverá manter;
5ª. - Quanto ao aspecto jurídico da causa, invocam os Recorrentes a excepção de não cumprimento do contrato, cabendo-lhes, nos termos previstos no artigo 342° do Código Civil, a alegação e prova dos factos concretos que permitissem caracterizar tal incumprimento, o que os mesmos não lograram fazer,
6ª. - Com efeito, o que resulta dos autos é que a Recorrida cumpriu as obrigações para si emergentes do contrato celebrado entre as partes, de cedência do direito à utilização da loja em causa e de manutenção em funcionamento do centro comercial, prestando e assegurando todos os serviços necessários para o efeito, e que, por sua vez, os Recorrentes não cumpriram as obrigações de pagamento das quantias a que contratualmente se encontravam obrigados;
7ª. - Acresce ainda que, ficou sobejamente demonstrado nos autos que os Recorridos, na sua qualidade de lojistas, e, portanto, de comerciantes, previamente à celebração do contrato em causa, se deslocaram ao centro comercial, tendo-lhes sido fornecidas plantas, pelo que tiveram oportunidade de avaliar as características do mesmo, designadamente quanto ao número e tipo de lojas já contratadas, cujas obras se encontravam em curso, e aos seus aspectos construtivos;
8ª. - Em consequência, só por má fé poderão os Recorrentes invocar o incumprimento contratual alegando, para tanto, aspectos que os mesmos tiveram oportunidade de avaliar, e certamente avaliaram, previamente à celebração do contrato;
9ª. - De resto, os apontados incumprimentos são contrários ao que é senso comum, uma vez que é facto público e notório que existem muitos centros comerciais cujas zonas de restauração têm acesso directo do exterior e cujas escadas rolantes, descendente e ascendente, se encontram concentradas num só local, sendo conhecido que em todos os centros comerciais existem lojas destinadas ao comércio de produtos da mesma natureza, para além de não ser credível que o sucesso ou insucesso de qualquer centro comercial dependa da existência de um health center, restaurante de luxo e de lojas de arranjo de roupa e calçado;
10ª. - Por outro lado, não resulta sequer dos autos que o centro comercial não detivesse clientela suficiente, uma vez que nada foi alegado nem provado quanto a esta matéria, desconhecendo-se em que se baseiam os Recorrentes para retirar tal conclusão;
11ª. - Seja como for, do contrato celebrado entre as partes não resulta para a Recorrida qualquer obrigação de resultado quanto à clientela do centro comercial ou da loja dos Recorrentes, a qual corresponde a um risco próprio da actividade do comerciante, não podendo a sua eventual falta ser imputável à Recorrida;
12ª. - Em consequência, a Sentença recorrida procedeu a uma correcta aplicação do direito, designadamente do disposto nos artigos 406°, 762°, 798°, 799° e 804° a 806°, todos do Código Civil;
13ª. - Ainda que assim não se entendesse, não se encontram preenchidos, no caso dos autos, os pressupostos previstos no artigo 428° do Código Civil, que permitiriam aos Recorrentes opor à Recorrida a excepção de não cumprimento do contrato, designadamente por se encontrarem manifestamente excedidos os limites impostos pela boa fé;
14ª. - Em face do incumprimento contratual dos Recorrentes, ao declarar a resolução do contrato, com efeitos a 31 de Dezembro de 2006, a Sentença recorrida procedeu a uma correcta aplicação do disposto nos artigos 405°, 406° e 808° do Código Civil;
15ª. - Em sede de contestação, os Recorrentes não invocaram a aplicabilidade do regime das cláusulas contratuais gerais, o que impede o conhecimento desta questão em sede de recurso,
16ª. - Ainda que assim não se entendesse, cabia aos Recorrentes ter alegado e provado, o que não fizeram, factos concretos que pudessem permitir ao Tribunal extrair a conclusão de que o contrato em causa nos autos reveste as características de “pré-formulação”, “generalidade” e “abstracção”, consideradas, pela doutrina e jurisprudência, como de verificação cumulativa necessária para atribuir a qualquer contrato a natureza de “cláusulas contratuais gerais”;
17ª. - Uma vez que não resultam dos autos quaisquer factos concretos que permitam caracterizar o contrato em causa como sendo do tipo de “cláusulas contratuais gerais”, não está o mesmo sujeito nem poderá ser-lhe aplicado o regime previsto no Decreto – Lei n.° 446/85, de 25 de Outubro;
18ª. - Como bem decidiu, em situação em tudo semelhante à dos presentes autos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de Setembro de 2007, acessível em www.dgsi.pt e publicado na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 136°, número 3945, “tais cláusulas justificam-se pela especificidade dos contratos firmados, acobertadas nos princípios gerais das obrigações e na vontade das partes que as aceitaram aquando da sua celebração”;
19ª. - Também o contrato em causa nos autos foi celebrado pelos Recorrentes, na sua qualidade de lojistas e, portanto, de comerciantes, ao abrigo do princípio da liberdade contratual, não resultando dos autos quaisquer factos que pudessem integrar os pressupostos da usura, nos termos previstos no artigo 282° do Código Civil, único caso em que poderia ser suscitada a invalidade da cláusula 14ª do contrato dos autos;
20ª. - Nestes termos, carece de qualquer fundamento a invocada nulidade da cláusula 14ª do contrato dos autos, tendo a Sentença recorrida, ao condenar no pagamento das penalidades peticionadas, procedido a uma correcta aplicação do direito, designadamente do disposto nos artigos 405°, 406° e 810° do Código Civil.
11. Por despacho de fls.598/601, transitado em julgado, foi rejeitado o recurso no que respeita à impugnação da matéria de facto.
12. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II - Delimitação do objecto do recurso.
Conforme resulta do disposto nos artigos 684º, nº 3, e 690º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o âmbito de intervenção do tribunal ad quem é delimitado em função do teor das conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida), só sendo lícito ao tribunal de recurso apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente por imperativo do artigo 660º ex vi artigo 713º, nº 2, do citado diploma legal.
Dentro dos preditos parâmetros, emerge das conclusões da alegação recursória apresentada que o objecto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:
- a excepção de não cumprimento;
- o contrato de adesão e a nulidade prevista no artigo 19º das cláusulas contratuais gerais.
III. Fundamentação
1. Dos factos discriminados na sentença como provados.
1.1. A A. é uma sociedade comercial que promoveu a construção e explora um empreendimento imobiliário sito na Avenida, em Lisboa;
1.2. O referido empreendimento é constituído por hotel, escritórios, parque de estacionamento e um centro comercial designado por “Galerias”;
1.3. O centro comercial encontra-se parcialmente instalado no edifício de um antigo palácio, que a A. reconstruiu e adaptou para o efeito, preservando todas as suas características arquitectónicas e decorativas;
1.4. A A. celebrou com os RR., em 8 de Janeiro de 2004, um acordo que as partes designaram por contrato de utilização de loja em centro comercial, junto a fls.19 e ss., e cujo conteúdo se dá por reproduzido;
1.5. Nos termos do referido acordo a A. conferiu aos RR. o direito à utilização da loja designada pelo número 2.12., sita no piso dois do Centro Comercial “Galerias” a que corresponde uma área de cerca de 32,07 m2, bem como o acesso às áreas de uso comum, benefício dos diversos serviços de estrutura e apoio do centro comercial e benefício do uso da denominação e insígnia ou logótipo do mesmo centro comercial;
1.6. O direito de utilização da loja n°2.12. e demais benefícios referidos em 4., foram conferidos pela A. aos RR. por um período de cinco anos, com início na data de inauguração do centro comercial;
1.7. Dispõe o acordo referido em 4., que:
a) “a primeira outorgante promoveu a realização de estudos técnicos, com vista à concepção e implementação do centro comercial de acordo com os mais elevados padrões de qualidade e à criação de uma estrutura adequada ao funcionamento do centro comercial” (considerando d) do contrato de utilização);
b) “Essa estrutura é um factor decisivo na valorização do centro comercial e de todas e cada uma das lojas e espaços nele integrados, no âmbito do respectivo mercado” (considerando e) do contrato de utilização);
c) “O centro comercial deve funcionar como um todo harmónico subordinado a normas técnicas de manutenção e melhoramento da sua qualidade e operacionalidade e sujeito a constante acompanhamento por parte da primeira outorgante ou da entidade gestora, para o que é indispensável a prestação de serviços a efectuar por aquela ou por esta e descritos no presente contrato e no regulamento, sendo essas prestações indissociáveis da utilização, a qualquer título, das lojas e espaços pelos lojistas” (considerando i) do contrato de utilização);
1.8. Estatui o Regulamento (parte integrante do contrato de utilização) que:
“O centro comercial é um estabelecimento comercial composto por lojas e espaços destinados a actividades comerciais de retalho e prestação de serviços, distribuídos de acordo com uma cuidada planificação técnica e por espaços comuns de circulação e lazer, com todas as infra-estruturas de apoio, nomeadamente serviços de gestão, limpeza, manutenção, reparação, segurança, animação e publicidade e fornecimento de energia e fluidos com o objectivo de assegurar a exploração integrada de diversas actividades comerciais e de prestação de serviços em lojas e espaços de harmonia com uma gestão centralizada, entendendo-se por esta a implementação, direcção e coordenação dos serviços e do funcionamento das partes comuns do empreendimento e a prestação de serviços de apoio e consultadoria aos lojistas, bem como a fiscalização do cumprimento de toda a regulamentação interna” (artigo 2º do regulamento);
1.9. O centro comercial foi apresentado aos RR. nas negociações que precederam a celebração do contrato como integralmente subsumível no que se refere em 7) e 8);
1.10. Nos termos da cláusula 4ª do acordo firmado entre as partes cuja cópia se mostra junta a fls.19 e ss., em contrapartida pela utilização da referida loja número 2.12, os RR. obrigaram-se a pagar à A. a quantia mensal de €1.379,01, acrescida de IVA à taxa legal em vigor, o que perfazia o total mensal de € 1.641,02...;
1.11. Obrigando-se, ainda, a comparticipar nas despesas e encargos com o funcionamento, utilização e promoção do centro comercial, nos termos da cláusula 5ª do contrato, tomando-se para efeito de cálculo do montante dessa comparticipação a área da loja utilizada pelos RR., tendo as partes estimado que no primeiro ano de vigência do contrato, o valor dessa comparticipação corresponderia a €10,00 (dez euros) por metro quadrado, acrescida de IVA à taxa legal em vigor, ou seja, uma comparticipação mensal de €381,63 (€320,70 + IVA);
1.12. Ainda nos termos do acordo referido, a contrapartida mensal e a comparticipação mensal para despesas e encargos com o funcionamento, utilização e promoção do centro comercial referidos deveriam ser pagas pelos RR. à A. até ao dia 5 do mês imediatamente anterior àquele a que respeitam;
1.13. Também acordado foi que a contrapartida mensal seria objecto de actualização anual, calculada por referência à taxa de inflação;
1.14. A partir de Junho de 2005, a contrapartida mensal passou a corresponder ao montante de €1.680,40 (€1.412,10 +IVA à taxa legal então em vigor de 19%);
1.15. A comparticipação mensal para despesas e encargos com o funcionamento, utilização e promoção do centro comercial foi objecto de actualização, tendo por base os orçamentos realizados tendo a partir de Junho de 2005 o valor mensal da comparticipação sido fixado em €457,96 (€384,84 + IVA à taxa legal então em vigor de 19%);
1.16. E em consequência da alteração para 21% da taxa legal do IVA aplicável, as facturas correspondentes à contrapartida referida em 10) passaram a ser emitidas desde Agosto de 2005, com o valor de €1.708,64 (€1.412,10 + IVA);
1.17. E as facturas correspondentes à comparticipação mensal indicada em 11) passaram também desde Agosto de 2005, a ser emitidas com o valor de € 465,66 (384,84 + IVA);
1.18. As partes acordaram, igualmente, que os pagamentos seriam efectuados por meio de débito em conta bancária dos RR. que deveriam para o efeito entregar à A. autorização permanente de débito em conta, nos termos da minuta que constitui o anexo III ao contrato celebrado entre as partes;
1.19. Como caução e garantia do pontual e integral cumprimento das obrigações emergentes do contrato celebrado entre as partes, os RR. obrigaram-se, ainda, a entregar à A. uma garantia bancária, autónoma e à primeira interpelação, nos termos da minuta que constitui o anexo IV ao contrato, no valor correspondente a seis vezes o montante da contrapartida mensal e da comparticipação para despesas e encargos acrescidas de IVA, isto é, no montante de €12.135,90, e que se deveria manter válida durante todo o período de vigência do contrato;
1.20. Porém, não obstante tal lhe ter sido solicitado pela A., os RR. nunca chegaram a entregar nem a autorização permanente de débito em conta nem a garantia bancária referida;
1.21. Apesar de as correspondentes facturas lhe terem sido apresentadas a pagamento, os RR. apenas procederam ao pagamento dos montantes relativos às contrapartidas devidas pela utilização da loja respeitantes aos meses de Maio e Junho de 2004 e às comparticipações para despesas e encargos respeitantes aos meses de Maio de 2004 a Março de 2005 não tendo efectuado qualquer outro pagamento;
1.22. Os RR. não pagaram à A. as seguintes facturas:
- Factura n°175, de 21/6/2004, no montante de €.1.641,02, correspondente à contrapartida devida pela utilização da loja, relativa ao mês de Julho de 2004;
- Factura n°307, de 8/7/2004, no montante de €.1.641,02, correspondente à contrapartida devida pela utilização da loja, relativa ao mês de Agosto de 2004;
- Factura n°454, de 17/8/2004, no montante de €.1.641,02, correspondente à contrapartida devida pela utilização da loja, relativa ao mês de Setembro de 2004;
- Factura n°582, de 17/9/2004, no montante de €.1.641,02, correspondente à contrapartida devida pela utilização da loja, relativa ao mês de Outubro de 2004;
- Factura n°721, de 18/10/2004, no montante de €.1.641,02, correspondente à contrapartida devida pela utilização da loja, relativa ao mês de Novembro de 2004;
- Factura n°858, de 22/11/2004, no montante de €.1.641,02, correspondente à contrapartida devida pela utilização da loja, relativa ao mês de Dezembro de 2004;
- Factura n°998, de 16/12/2004, no montante de €.1.641,02, correspondente à contrapartida devida pela utilização da loja, relativa ao mês de Janeiro de 2005;
- Factura n°1198, de 31/1/2005, no montante de €.1.641,02, correspondente à contrapartida devida pela utilização da loja, relativa ao mês de Fevereiro de 2005;
- Factura n°1351, de 28/2/2005, no montante de €.1.641,02, correspondente à contrapartida devida pela utilização da loja, relativa ao mês de Março de 2005;
- Factura n°1516, de 31/3/2005, no montante de €.381,63, correspondente à comparticipação para encargos e despesas com o funcionamento do centro comercial relativa ao mês de Abril de 2005;
- Factura n°1517, de 31/3/2005, no montante de €.1.641,02, correspondente à contrapartida devida pela utilização da loja, relativa ao mês de Abril de 2005;
- Factura n°1698, de 28/4/2005, no montante de €.381,63, correspondente à comparticipação para encargos e despesas com o funcionamento do centro comercial, relativa ao mês de Maio de 2005;
- Factura n°1699, de 28/4/2005, no montante de €.1.641,02, correspondente à contrapartida devida pela utilização da loja, relativa ao mês de Maio de 2005;
- Factura n°1948, de 31/5/2005, no montante de €.14,53, correspondente a retroactivos referentes ao mês de Maio de 2005;
- Factura n°1851, de 31/5/2005, no montante de €.457,96, correspondente à comparticipação para encargos e despesas com o funcionamento do centro comercial, relativa ao mês de Junho de 2005;
- Factura n°1852, de 31/5/2005 no montante de €.1.641,02, correspondente à contrapartida devida pela utilização da loja, relativa ao mês de Junho de 2005;
- Factura n°2049, de 30/6/2005, no montante de €.457,96, correspondente à comparticipação para encargos e despesas com o funcionamento do centro comercial, relativa ao mês de Julho de 2005;
- Factura n°2050, de 30/6/2005, no montante de €.1.680,40, correspondente à contrapartida devida pela utilização da loja, relativa ao mês de Julho de 2005;
- Factura n°2197, de 29/7/2005, no montante de €.465,66, correspondente à comparticipação para encargos e despesas com o funcionamento do centro comercial relativa ao mês de Agosto de 2005;
- Factura n°2198, de 29/7/2005, no montante de €.1.708,64, correspondente à contrapartida devida pela utilização da loja, relativa ao mês de Agosto de 2005;
- Factura n°2337, de 30/8/2005, no montante de €.465,66, correspondente à comparticipação para encargos e despesas com o funcionamento do centro comercial, relativa ao mês de Setembro de 2005;
- Factura n°2338, de 30/8/2005 no montante de €1.708,64, correspondente à contrapartida devida pela utilização da loja, relativa ao mês de Setembro de 2005;
- Factura n°2474, de 30/9/2005, no montante de €.465,66, correspondente à comparticipação para encargos e despesas com o funcionamento do centro comercial, relativa ao mês de Outubro de 2005;
- Factura nº2475, de 30/9/2005, no montante de €.1.708,64, correspondente à contrapartida devida pela utilização da loja, relativa ao mês de Outubro de 2005;
1.23. Tendo em conta a recente abertura do centro comercial e por forma a apoiar o início do seu funcionamento a A. apenas emitiu e apresentou a pagamento aos RR. bem como aos demais lojistas, cada uma das facturas em dívida no final do mês anterior àquele a que as mesmas respeitavam;
1.24. E pelo mesmo motivo por meio de carta circular de 12 de Julho de 2004 a A. concedeu a todos os lojistas, incluindo aos RR., que tivessem as suas obrigações contratuais regularizadas um desconto de trinta por cento sobre o valor da contrapartida mensal devida pela utilização da loja relativa aos meses de Julho a Dezembro de 2004 e um desconto de cinquenta por cento sobre o valor da contrapartida mensal do mês de Maio de 2005;
1.25. Por cartas de 13 de Setembro de 2004 e 24 de Setembro de 2005, foram os RR. instados pela A. a procederem ao pagamento;
1.26. Na fase de comercialização dos espaços a A. apresentou a todos os potenciais interessados, incluindo os RR., cópias das plantas dos vários pisos do centro comercial onde se encontravam devidamente identificados os espaços correspondentes às lojas;
1.27. Os RR. assumem-se como lojistas;
1.28. A loja foi entregue aos RR. imediatamente a seguir à assinatura do acordo referido em 4) antes da inauguração do centro comercial;
1.29. No dia 31 de Dezembro de 2006, os RR. procederam à desmontagem e retiraram da loja 2.12. os móveis, equipamentos e mercadorias que nela se encontravam;
1.30. Desde tal data a loja encontra-se encerrada;
1.31. No dia 3 de Janeiro de 2007 o 1º R. entregou à A. as chaves da loja juntamente com a carta cuja cópia se mostra junta a fls.330/331 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
1.32. Na sequência da referida entrega a A. entregou ao R. a carta cuja cópia se mostra junta de fls. 332 a 333 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
1.33. A A., em data anterior à celebração do acordo referido em 4) afirmou ao R. marido que a rede dos espaços estaria utilizada quase a 100%;
1.34. A inauguração do centro comercial ocorreu em 20 de Maio de 2004;
1.35. No centro inexiste o “H Center” e o restaurante da cadeia “Clínica”;
1.36. A zona da restauração tem um acesso ao exterior através do hotel;
1.37. As escadas rolantes ascendentes e descendentes estão concentradas num só local;
1.38. No local existem lojas que vendem produtos da mesma natureza;
1.39. Não existe nem existiu no local lojas de arranjo de roupa e calçado;
1.40. À data da inauguração, estavam encerradas cerca de 19 lojas;
1.41. Em Janeiro de 2006, num total de cerca de 70 lojas no total estavam fechadas cerca de 26 lojas;
1.42. Na publicidade que consistiu na campanha de abertura na Rádio, continuaram a anunciar a abertura do centro comercial para uma data que já havia sido adiada;
1.43. Procedeu-se a concursos cujo sorteio se realizou entre as 21h e 22h;
1.44. A A. sempre promoveu e promove o centro comercial, quer junto dos potenciais interessados na exploração dos espaços comerciais, incluindo os RR., quer do público em geral, como sendo um antigo palácio adaptado a centro comercial, a funcionar no centro da cidade de Lisboa rodeado de serviços, comércio e habitação;
1.45. Quando os RR. celebraram o acordo referido em 4) encontrava-se praticamente concluída a construção do centro comercial quer no que respeita o novo edifício quer no que respeita à restauração do antigo palácio;
1.46. Na data da assinatura do acordo já se encontravam em fase de realização ou conclusão pelos respectivos lojistas os trabalhos de instalação e decoração de todas as lojas já ocupadas;
1.47. Nas deslocações que efectuaram ao centro comercial previamente à celebração do acordo - fase de apresentação da sua proposta e da negociação das condições contratuais de utilização da loja - os RR. puderam verificar a exacta localização e características da loja;
1.48. Foi unicamente com base nas informações por si recolhidas, nas visitas realizadas ao espaço e nas plantas fornecidas pela A. que os RR. vieram a formular a sua vontade e a manifestar o interesse na utilização do espaço por si escolhido -Loja 2.12;
1.49. No dia 20.5.2006 teve lugar o evento de inauguração do centro comercial organizado pela A. ao qual compareceram mais de 1500 pessoas tendo o evento sido apresentado por C tendo ocorrido um espectáculo de dança.
1.50. A A. promoveu no centro comercial uma exposição de cadeiras e de “Vacas”;
1.51. A A. realizou uma acção de distribuição de castanhas no dia de S. Martinho;
1.52. A A. promoveu a realização de um concurso publicitário alusivo ao dia dos namorados.
2. Apreciação do mérito da apelação.
2.1. Da excepção de não cumprimento.
Os Réus, na contestação apresentada, invocaram a excepção de não cumprimento, reclamando a absolvição do pedido.
Na decisão sob recurso decidiu-se que não se verificava a excepção invocada.
Os Réus/Recorrentes insistem, neste recurso, na invocação da excepção de não cumprimento, alegando que a Autora não cumpriu as obrigações contratuais.

Prescreve o artigo 428º do Código Civil que:
“1. Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.
2. A excepção não pode ser afastada mediante a prestação de garantias.”

Como se refere no Ac. da Relação de Lisboa, de 9 de Maio de 1996, in CJ, 1996, Tomo III, pág.87, se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo. Nisto consiste a excepção de inadimplência, que pode ser absoluta (direito que, nos contratos bilaterais, assiste a cada uma das partes de recusar o cumprimento enquanto a outra não cumprir também por seu lado, no todo ou em parte) ou relativa (enquanto a outra não cumprir pontualmente, isto é, nos exactos termos em que a sua obrigação está constituída – exceptio non rite adimplenti contractus), e só tem lugar nos contratos bilaterais, de que derivam obrigações para ambas as partes havendo, entre tais obrigações, correspectividade ou nexo causal recíproco.
As duas obrigações justificam-se uma à outra, cada uma delas é causa da outra. São interdependentes. A esta relação entre obrigações das partes chama-se sinalagma, designando-se como sinalagmáticas as mesmas obrigações.
Por outro lado, há duas espécies de sinalagma: o genético, em que a correspectividade se refere ao momento constitutivo das obrigações, surgindo uma quando surge a outra, não podendo surgir uma sem a outra e não podendo a nulidade do contrato atingir só uma delas, e o funcional, em que a correspectividade se refere às obrigações já constituídas, significando que elas se vão desenvolver solidariamente. E esta solidariedade traduz-se, antes de mais, no facto de que nenhum dos contratantes tem de cumprir enquanto o outro não cumprir, visto que cada uma das obrigações é a causa da outra. A excepção da inadimplência apresenta-se, assim, como o primeiro reflexo do sinalagma funcional.

“São pressupostos da excepção de não cumprimento do contrato: existência de um contrato bilateral, não cumprimento ou não oferecimento do cumprimento simultâneo da contraprestação; não contrariedade à boa-fé”
(José João Abrantes, in A Excepção de Não Cumprimento do Contrato, 1986, págs.39 e segs.)

Por sua vez, o artigo 429º do Código Civil prevê excepção à regra da simultaneidade do cumprimento:
Ainda que esteja obrigado a cumprir em primeiro lugar, tem o contraente a faculdade de recusar a respectiva prestação enquanto o outro não cumprir ou não der garantias de cumprimento, se, posteriormente ao contrato, se verificar alguma das circunstâncias que importam a perda do benefício do prazo.”

Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, “A exceptio não funciona como uma sanção, mas apenas como um processo lógico de assegurar, mediante o cumprimento simultâneo, o equilíbrio em que assenta o esquema do contrato bilateral.
Por isso ela vigora, não só quando a outra parte não efectua a sua prestação porque não quer, mas também quando ela a não realiza ou a não oferece porque não pode (…).
E vale tanto para o caso da falta integral do cumprimento, como para o de cumprimento parcial ou defeituoso, desde que a sua invocação não contrarie o princípio geral da boa-fé consagrado nos artigos 227º e 762º, nº2”
(in Código Civil Anotado, volume I, pág.406)

Relativamente a este princípio, escreve Calvão da Silva que ”processualmente, o demandado a quem se exija o cumprimento tem de invocar a exceptio, que não é de conhecimento oficioso.
Trata-se, efectivamente, de uma excepção sensu próprio e strito sensu (Einrede, na terminologia alemã), correspondente às exceptiones iuris da doutrina romanista, cuja relevância e eficácia só operam por vontade do excipiens, não podendo o juiz conhecer dela ex officio.
Logo, se não opõe a exceptio, o demandado será condenado.
Trata-se, ainda, de uma excepção material, porque corolário do sinalagma funcional que a funda e legitima: ao autor que exige o cumprimento opõe o demandado o princípio substantivo do cumprimento simultâneo próprio dos contratos sinalagmáticos, em que a prestação de uma das partes tem a sua causa na contraprestação da outra. Por conseguinte, o excipiens não nega nem limita o direito do autor ao cumprimento; apenas recusa a sua prestação enquanto não for realizada ou oferecida simultaneamente a contraprestação, prevalecendo-se do princípio da simultaneidade do cumprimento das obrigações recíprocas que servem de causa uma à outra.
É, portanto, uma excepção material dilatória: o excipiens não nega o direito do autor ao cumprimento nem enjeita o dever de cumprir a prestação; pretende tão-só um efeito dilatório, o de realizar a sua prestação no momento (ulterior) em que receba a contraprestação a que tem direito e (contra)direito ao cumprimento simultâneo…”
(in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, pág.334)

Aparentemente, a exceptio só seria aplicável às situações em que as partes fossem obrigadas a cumprir, simultaneamente, as obrigações emergentes do sinalagma contratual; contudo, referindo-se à interpretação do princípio contido no nº1 do artigo 428º do Código Civil, afirma Vaz Serra:
“(…) A fórmula legal não é inteiramente rigorosa, pois o que a excepção supõe é que um dos contraentes não esteja obrigado, pela lei ou pelo contrato, a cumprir a sua obrigação antes do outro; se não o estiver pode ele, sendo-lhe exigida a prestação, recusá-la, enquanto não for efectuada a contraprestação …
Por conseguinte, a excepção pode ser oposta ainda que haja vencimentos diferentes (…) apenas não podendo ser oposta pelo contraente que devia cumprir primeiro …”
(in RLJ, Ano 105º, pág.328)

Desta forma, para que a excepção possa ser invocada por aquele que recusa o cumprimento, importa que haja proporcionalidade entre a infracção contratual do credor e a recusa do contraente devedor que alega a excepção; esse equilíbrio de prestações é inerente ao sinalagma e se não se puder estabelecer esse nexo de correspectividade, é inoperante a invocação da excepção.

No caso presente, e nos termos acordados entre a Autora e os Réus, estes deviam, pela utilização da loja e demais serviços facultados pela Autora: Nos termos da cláusula 4ª do acordo firmado entre as partes cuja cópia se mostra junta a fls.19 e ss., em contrapartida pela utilização da referida loja número 2.12, os RR. obrigaram-se a pagar à A. a quantia mensal de €1.379,01, acrescida de IVA à taxa legal em vigor, o que perfazia o total mensal de € 1.641,02...;
Obrigando-se, ainda, a comparticipar nas despesas e encargos com o funcionamento, utilização e promoção do centro comercial, nos termos da cláusula 5ª do contrato, tomando-se para efeito de cálculo do montante dessa comparticipação a área da loja utilizada pelos RR., tendo as partes estimado que no primeiro ano de vigência do contrato, o valor dessa comparticipação corresponderia a €10,00 (dez euros) por metro quadrado, acrescida de IVA à taxa legal em vigor, ou seja, uma comparticipação mensal de €381,63 (€320,70 + IVA);
Ainda nos termos do acordo referido, a contrapartida mensal e a comparticipação mensal para despesas e encargos com o funcionamento, utilização e promoção do centro comercial referidos deveriam ser pagas pelos RR. à A. até ao dia 5 do mês imediatamente anterior àquele a que respeitam;
Também acordado foi que a contrapartida mensal seria objecto de actualização anual, calculada por referência à taxa de inflação;
A partir de Junho de 2005, a contrapartida mensal passou a corresponder ao montante de €1.680,40 (€1.412,10 +IVA à taxa legal então em vigor de 19%);
A comparticipação mensal para despesas e encargos com o funcionamento, utilização e promoção do centro comercial foi objecto de actualização, tendo por base os orçamentos realizados tendo a partir de Junho de 2005 o valor mensal da comparticipação sido fixado em €457,96 (€384,84 + IVA à taxa legal então em vigor de 19%);
E em consequência da alteração para 21% da taxa legal do IVA aplicável, as facturas correspondentes à contrapartida referida em 10) passaram a ser emitidas desde Agosto de 2005, com o valor de €1.708,64 (€1.412,10 + IVA);
E as facturas correspondentes à comparticipação mensal indicada em 11) passaram também desde Agosto de 2005, a ser emitidas com o valor de € 465,66 (384,84 + IVA).

Desse acordo resultava para a Autora, entre outras, a cedência do direito de utilização da loja e à organização dos serviços de limpeza e de funcionamento do Centro Comercial.
Assim, não existe simultaneidade de cumprimento entre as prestações dos Réus e da Autora.
Mas, como é a situação presente, “nos contratos de duração ou de prestação duradoura, que são aqueles em que a prestação se protela no tempo, tendo a duração temporal da relação creditória uma influência decisiva na conformação global da prestação, mesmo que o contraente deva efectuar a sua prestação antes do outro pode lançar mão da excepção de não cumprimento do contrato baseando-se na inexecução de prestações anteriores, isto é, de prestações correspondentes a outras que ele próprio anteriormente tenha efectuado. Com efeito, nestes contratos, que implicam necessariamente, pela sua natureza, que uma das partes deva cumprir antes da outra, a excepção tem ainda a função de assegurar o respeito da ordem fixada para execução das prestações contratuais. O contraente que, relativamente às obrigações em sinalagma, se encontra obrigado ao cumprimento prévio, tem ao seu dispor o nosso meio de defesa, como única forma de o garantir contra o não cumprimento pelo outro de prestações atrasadas”
(José João Abrantes, obra citada, pág.58 e segs.)
Desta forma, não era o facto de o cumprimento das prestações dos Réus e da Autora não serem simultâneas que impediria que aqueles pudessem invocar a referida excepção.

Contudo, este “meio de defesa tem como efeito principal a dilação do tempo de cumprimento da obrigação da outra”, tendo “por função obstar temporariamente ao exercício da pretensão do contraente que reclama a execução da obrigação de que é credor sem, por sua vez, cumprir a obrigação correspectiva a seu cargo ou sem, pelo menos, oferecer o seu cumprimento simultâneo”, sendo “pois uma causa justificativa de incumprimento das obrigações, que se traduz numa simples recusa provisória de cumprir a sua obrigação por parte de quem a alega.
O exercício da excepção não extingue o direito de crédito de que é titular o outro contraente. Apenas o neutraliza, ou melhor, apenas o paralisa temporariamente. Trata-se pois de uma medida de efeitos temporários, que não destrói o vínculo contratual, apenas produz uma suspensão dos seus efeitos”
(José João Abrantes, obra citada, pág.127/128)

Assim, a excepção de não cumprimento é um meio de defesa que visa tendencialmente a execução plena do contrato, sendo, portanto, necessário que o contraente que invoca a excepção queira a execução plena do contrato e a utilização desse meio de defesa se mostre em conformidade, em termos objectivos, com essa finalidade, pois a excepção conduz à suspensão da exigibilidade da obrigação daquele que a invoca enquanto o outro contraente não cumprir a sua prestação.

Perante tudo o que se afirmou:
A excepção de não cumprimento invocada pelos Réus não tem a virtualidade de desresponsabilizá-los das obrigações contratuais (como parece ser a pretensão dos Réus) mas somente de suspender a exigibilidade da obrigação.

Por outro lado, encontra-se provado nos autos que:
- No dia 31 de Dezembro de 2006, os RR. procederam à desmontagem e retiraram da loja 2.12. os móveis, equipamentos e mercadorias que nela se encontravam;
- Desde tal data a loja encontra-se encerrada;
- No dia 3 de Janeiro de 2007, o 1º R. entregou à A. as chaves da loja juntamente com a carta cuja cópia se mostra junta a fls.330/331 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
- Na sequência da referida entrega a A. entregou ao R. a carta cuja cópia se mostra junta a fls.332 a333 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
(factos atrás indicados sob os nºs 1.29. a 1.32.)

Na carta de fls.330/331, o Réu afirmou “Actualmente, a nossa situação no Sottomayor tornou-se incomportável, razão pela qual declaramos, aqui e agora, a resolução do contrato, com efeitos a partir de 2006-12-31, ao mesmo tempo que asseguramos instauração de acção judicial contra V. Exs, com vista a sermos ressarcidos de todos os prejuízos resultantes do incumprimento aludido supra, directa, necessária e exclusivamente”.

Ora, destes factos, resulta com clareza que o R. pretende a resolução do contrato com efeito a partir de 31 de Dezembro de 2006, pelo que não pode invocar a excepção de não cumprimento porquanto não teria de cumprir as suas prestações em simultâneo com o cumprimento que exigiria à Autora.
Também, com o encerramento da loja, os Réus deixaram de ter qualquer interesse nas prestações que a Autora poderia não ter cumprido ou tê-lo feito defeituosamente.
Por outro lado, não se encontra provado nos autos que os Réus tenham invocado a excepção de não cumprimento do contrato extrajudicialmente, sendo que esta excepção assim poderia ser invocada.

Desta forma, não pode proceder o recurso nesta parte, pois não podem os Réus/Recorrentes invocar a excepção de não cumprimento.

2.2. Do contrato de adesão e a nulidade prevista no artigo 19º das cláusulas contratuais gerais.
Os Réus/Recorrentes referem, nas suas alegações, que estamos em presença de um contrato de adesão e que as sanções pecuniárias previstas são nulas nos termos do disposto no artigo 19º do Decreto – Lei nº220/95, de 31 de Agosto.

Nas contra-alegações, a Autora afirma que os Réus não suscitaram essa questão na 1ª instância, pelo que o Tribunal da Relação não poderá tomar conhecimento por ser questão nova, e sempre competiria aos Réus fazerem a prova desse contrato, o que não fizeram.
Tem sido jurisprudência uniforme do STJ que os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais, através dos quais se obtém o reexame da matéria apreciada pela decisão recorrida, e não se destinam a conhecer questões novas, salvo nos casos em que a própria lei estabeleça uma excepção a essa regra ou nos casos de conhecimento oficioso.
- Cfr., neste sentido, Ac. do STJ, de 7 de Abril de 2005, e de 3 de Abril de 2005, in www.dgsi.pt

Assim, no caso presente, os Réus/Recorrentes não suscitaram esta questão na 1ª instância, pelo que a mesma não foi objecto de decisão do tribunal recorrido.
Desta forma, sendo questão nova, não pode ser apreciada por este Tribunal de recurso.
Contudo, nos termos do disposto no artigo 664º do Código de Processo Civil, o Tribunal é livre na qualificação jurídica dos factos desde que não altere a causa de pedir, pelo que só pode socorrer-se dos factos alegados pelas partes.
Assim, importa indagar o que se mostra alegado pelas partes e provado nos autos.

Encontra-se provado que:
A A. celebrou com os RR., em 8 de Janeiro de 2004, um acordo que as partes designaram por contrato de utilização de loja em centro comercial, junto a fls.19 e ss., e cujo conteúdo se dá por reproduzido.
Nos termos do referido acordo a A. conferiu aos RR. o direito à utilização da loja designada pelo número 2.12., sita no piso dois do Centro Comercial “Galerias” a que corresponde uma área de cerca de 32,07 m2, bem como o acesso às áreas de uso comum, benefício dos diversos serviços de estrutura e apoio do centro comercial.
O direito de utilização da loja nº2.12. e demais benefícios foram conferidos pela A. aos RR. por um período de cinco anos, com início na data de inauguração do centro comercial.

Destes factos resulta que a Autora e os Réus celebraram um “contrato atípico ou inominado, regulado pelas respectivas cláusulas, pelos princípios gerais dos contratos e pelos contratos afins que não contrariem a vontade das partes, afirmada dentro da liberdade contratual que o art.405º do CC define”
(Ac. do STJ, de 13 de Setembro de 2007, in www.dgsi.pt; cfr. Jurisprudência e doutrina aí citadas)
- Aliás, no caso presente, não se coloca a questão da qualificação jurídica do contrato -
E estaremos em presença de um contrato de adesão?
Para que um contrato seja celebrado através da técnica das cláusulas contratuais gerais (Decreto – Lei nº446/85, de 25 de Outubro, alterado pelos Decretos – Leis nºs 220/95, de 31 de Agosto e 249/99, de 7 de Julho) “são necessários três requisitos ou pressupostos:
A) Pré-formulação – elaboração antecipada e pré-redigida pelo proponente das condições negociais;
B) Generalidade – condições predispostas para utilização geral, na série ou pluralidade de contratos a celebrar;
C) Rigidez – condições essas destinadas a serem aceitas tal qual se apresentam, sem negociação individual.”
(Calvão da Silva, in RLJ, Ano 136º, pág. 363;
cfr. do mesmo Autor, Banca, Bolsa e Seguros. Direito Europeu e Português, Tomo I, Parte Geral, Coimbra, 2005, pág.148)

Requisitos esses que resultam do disposto no nº1 do artigo 1º, do Decreto – Lei nº446/85 “ As cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma”.

Ora, no caso presente, encontra-se provado que:
Nas deslocações que efectuaram ao centro comercial previamente à celebração do acordo – fase de apresentação da sua proposta e da negociação das condições contratuais de utilização da loja – os RR. puderam verificar a exacta localização e características da loja
(facto atrás indicado sob o nº1.47.)
Assim, deste facto resulta que a Autora e os Réus negociaram as condições, tendo os Réus, inclusive, apresentado proposta.
Desta forma, ao existir essas negociações, inexiste um dos pressupostos de um contrato de adesão (a rigidez).
Por outro lado, também, se não encontram demonstrados os restantes pressupostos (pré-formulação e generalidade), que nem sequer foram alegados pelas partes.

Pelo exposto, não se pode fazer a afirmação com fundamento nos factos alegados (ou provados) que estamos em presença de um contrato de adesão.
E, sendo assim, não é aplicável a disposição legal invocada pelos Réus/Recorrentes com o intuito de as cláusulas que constituem sanções pecuniárias serem nulas (artigo 19º das Cláusulas contratuais gerais).

Por outro lado, a especificidade do contrato celebrado reconduz-nos à regra da liberdade contratual, sendo que as partes aceitaram as cláusulas aquando da celebração do contrato, e “as cláusulas que estabelecem sanções pecuniárias visam impor ao lojista o cumprimento das regras acordadas, com o fim de optimizar o funcionamento do centro comercial, designadamente a necessidade da observância de elevados padrões de qualidade e das características inerentes ao comércio integrado, bem como a plena operacionalidade do Centro Comercial” (citado Acórdão do STJ).

A desproporcionalidade das sanções pecuniárias sempre poderiam ser atacadas por via da usura (artigo 282º, nº1 do Código Civil), mas os Réus/Recorrentes não alegaram os seus pressupostos, o que impede este Tribunal de tomar conhecimento.

O mesmo ocorre com a possibilidade de redução da cláusula penal, que “só deve efectuar-se em casos excepcionais, o que está de harmonia com o seu valor coercivo, bem como com o seu carácter “a forfait”, sendo que ela corresponde a um acordo firmado pelas partes, que, presumivelmente, não deixaram de ponderar as suas vantagens e inconvenientes” (Ac. do STJ, de 8 de Novembro de 2007, in www.dgsi.pt).
Ora, os Réus/Recorrentes não suscitaram a questão da redução da cláusula penal e esta não é de conhecimento oficioso, como vem sendo entendido pelo STJ (Ac. de 26 de Abril de 2004, de 20 de Novembro de 2003, in www.dgsi.pt), nem alegaram sequer factos (nos articulados da acção) dos quais resultassem implícito que consideravam as cláusulas, que contêm as sanções pecuniárias, injustas.
São estas omissões dos Réus/Recorrentes, nos articulados, que impossibilitam que este Tribunal, como Tribunal de recurso, se pronuncie mais concretamente sobre as referidas cláusulas.

Desta forma, a decisão sob recurso deve ser mantida.

IV. Decisão
Posto o que precede, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, e, consequentemente, confirmar a sentença sob recurso
Custas pelos recorrentes.
Lisboa, 29 de Janeiro de 2009
(Processado e integralmente revisto pelo relator, que assina e rubrica as demais folhas)
(A. P. Lima Gonçalves)
(Ana Luísa de Passos Geraldes)
(António Valente)