Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | SANTOS MARTINS | ||
Descritores: | DIREITOS DE AUTOR DIREITO À IMAGEM PUBLICAÇÃO RESPONSABILIDADE CIVIL | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/28/2004 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
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Sumário: | A protecção concedida pelo art. 164º, nº 1, do Código de Direitos de Autor, à "obra fotográfica" apenas pode ser considerada quando se trate de uma criação artística, sendo de excluir de tal protecção o "aspecto visual" escolhido ou a "pose fotográfica". A ampliação e divulgação abusiva de cartazes, com fins lucrativos, contendo a fotografia de determinada pessoa, sem a sua autorização, quer escrita, quer verbal, traduz-se numa acção ilícita, violadora do direito à imagem dessa pessoa, fazendo incorrer o agente em responsabilidade civil. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: I-Relatório João T. (J.) intentou a presente acção declarativa, com processo sumário, contra: a) Doca de Alcântara - Bar Discoteca, Lda, e, b) Polygram (Portugal) Som e Imagem, S.A., mais tarde com a denominação Universal Music Portugal, Lda, pedindo a condenação solidária das rés a pagarem-lhe a quantia de 2.000.000$00 e juros de mora, à taxa de 10% ao ano, desde a data da citação, até efectivo pagamento. Para tanto, em síntese e no essencial, alegou que: - Mediante contrato de trabalho, o A. trabalhou para a 1ª ré, Doca de Alcântara, desde Setembro de 1996, até Janeiro de 1998, exercendo as funções de animador e performer, na Discoteca King`s and Queen`s", propriedade da primeira ré; - Em Agosto de 1997, na condição de modelo/manequim, o autor posou, entre outros, a pedido dos responsáveis da "King and Queens", para fotografias destinadas a ilustrar a capa de um álbum de CD, o disco "The Night Masters", a editar, como foi, com as músicas passadas na Discoteca;. - Tais fotografias foram executadas a pedido da ré Doca de Alcântara - Bar Discoteca, Lda, sendo editor do CD a ré Polygram; - As poses para tais fotografias foram feitas durante a tarde, fora do horário de trabalho e extra relação laboral; - A criação artística da pose fotográfica foi da autoria do próprio autor; - O autor aceitou posar, mas mediante retribuição, cujo montante, todavia, não chegou a ser acordado; - Já depois da sessão fotográfica, a gerência da primeira ré começou a protelar a fixação e o pagamento da retribuição, relativa à mesma sessão fotográfica, sendo que aquele nunca concedeu autorização para a divulgação de fotografias suas, tendo acabado por ser despedido; - As rés nunca lhe pagaram qualquer retribuição, quer quanto à sessão fotográfica, quer quanto à divulgação da sua imagem; - O nome profissional do autor aparece na capa do disco, que foi editado pela segunda ré, Polygram, sem que tivesse sido obtida do autor prévia autorização; - Posteriormente, veio o autor a saber que as fotografias haviam sido ampliadas para cartazes, com as dimensões 70 por 50 cms, os quais foram afixados em vários locais públicos, como na loja "Virgin", na Costa da Caparica e no interior da "King and Queens"; A edição do disco The Night Masters foi feita em conjunto pelas duas rés, para publicidade e promoção comercial de ambas. Contestaram as rés, alegando, no essencial, a Polygram que não contraiu quaisquer obrigações jurídicas com o autor, salientando que a figuração na capa do álbum foi da responsabilidade da ré Bar Discoteca, Lda, através de seus animadores. Por seu turno, esta última (Bar Discoteca) alegou que o autor e outros animadores participaram em fotografias sem qualquer contribuição artística da sua parte, considerando que, em seu entender, não assumiu com aquele qualquer responsabilidade que justifique o pedido de pagamento de qualquer quantia. Concluindo, ambas pediram a sua absolvição do pedido. Foi proferido o despacho saneador, fixada a matéria de facto dada como assente e elaborada a base instrutória, que, neste caso, foi objecto de reclamação, por parte da ré Polygram, sendo que, por despacho de fls. 71, foi a mesma indeferida. Procedeu-se a julgamento, findo o qual, por despacho de fls. 134 a 136, foram dadas respostas à base instrutória. Proferida a sentença, foi a acção julgada procedente, mas apenas em relação à ré Polygram e, em consequência, foi esta condenada a pagar ao autor "a remuneração a que este tem direito, a liquidar em execução de sentença, montante que não poderá exceder a quantia de 2.000.000$00 e respectivos juros". No tocante à ré Bar Discoteca, Ldª, foi esta absolvida do pedido. Inconformada com essa decisão, dela apelou a ré Polygram - Universal Music Portugal. Apresentadas as alegações/conclusões (fls. 160 a 184), em virtude destas se mostrarem complexas e sem qualquer sintetização e por não haverem também sido indicadas as normas legais que, em seu entender, foram violadas pela sentença recorrida, por despacho de fls. 228 vº, foi a apelante convidada a juntar, nos termos do disposto no artº 690º do C.P.C., novas conclusões, as quais, como consta de fls. 233 e seg.s, vieram a ser apresentadas. Assim, depois de corrigidas, a apelante formulou as seguintes conclusões: (...) Rematando essas conclusões, pediu que, dando-se procedência à apelação, seja revogada a sentença recorrida. Não foi apresentada qualquer resposta. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II- Fundamentação (...) É a seguinte a factualidade dada como provada pelo tribunal recorrido e que esta Relação também considera assente: a) O autor trabalhou para a ré "Doca de Alcântara - Bar Discoteca, Lda", mediante contrato individual de trabalho, desde Setembro de 1996, até Janeiro de 1998; b) Em Agosto de 1997, o autor aceitou posar para fotografias, que se destinavam a ilustrar a capa de um álbum de CD, intitulado "The Night Masters"; c) Na capa do referido álbum, consta o nome artístico do autor; d) As rés nunca pagaram ao autor o trabalho relativo à sessão fotográfica nem o direito à divulgação da sua imagem; e) As referidas fotografias foram depois ampliadas pela ré Polygram, para cartazes com as dimensões de cerca de 70 cm x 50 cm; f) A pose para fotografias do autor sucedeu a pedido da ré Bar Discoteca, que transmitiu ao autor o que lhe tinha sido solicitado pela ré Polygram; g) A sessão fotográfica foi feita durante a tarde e fora do horário de trabalho do autor; h) Não chegou então a ser fixado qualquer montante de retribuição para a referida sessão fotográfica; i) Na pose fotográfica, o autor usou roupa e calçado seus e imaginados por si; j) Bem como fora da sua imaginação o penteado e maquilhagem que usou; k) Os cartazes já referidos foram, em Setembro e Outubro de 1997, afixados na loja Virgin, na Rua do Alecrim, e no interior do estabelecimento King and Queens (da ré Bar Discoteca), pela ré Polygram, sendo que, neste último estabelecimento, essa afixação foi feita após oferta dos cartazes por aquela, pela ré Discoteca, Lda; l) O autor não autorizou, quer por forma escrita, quer verbal, aquela ampliação nem divulgação dos respectivos cartazes; m) A edição do disco "The Night Masters" foi feita pela ré Polygram, com selecção de músicas feita pelo então DJ da ré Bar Discoteca, que igualmente permitiu a utilização das suas instalações e equipamentos, bem como que se fotografassem os seus animadores, pensando vir a beneficiar de publicidade e promoção gratuitas; n) Pois todo o trabalho de edição e divulgação comercial do CD estava a cargo da ré Polygram. Vejamos o direito. No caso em apreço, e no tocante ao reclamado pedido de indemnização do autor, apenas está em causa a imputada responsabilidade à ré/apelante Polygram/Universal Music Portugal, Ldª. Atentos os factos dados como assentes, no essencial e que agora interessa referir-se, é de salientar-se que o autor/apelado aceitou posar para fotografias, mas estas apenas destinadas à ilustração de um álbum de CD, intitulado "The Night Masters". Todavia, sem autorização daquele, quer de forma verbal, quer escrita, a apelante procedeu à ampliação de tais fotografias, para cartazes de dimensões de cerca de 70 cm x 50 cm, os quais vieram a ser colocados, pela mesma ré, também, sem autorização para a sua divulgação, na loja Virgin, sita na Rua do Alecrim, bem como no interior do estabelecimento King and Queens, este da ré Bar Discoteca. Atentos os fins ora em vista, considera-se irrelevante que, para a referida sessão de fotografias, o autor tenha usado roupa e calçado seus e "por si imaginados", que tenha sido de sua imaginação o penteado e maquilhagem que utilizou. Na verdade, ao posar para a sessão fotográfica, o autor/apelado actuou voluntária, livre e conscientemente, sabendo que tais fotografias se destinavam a ilustrar a capa do mencionado álbum de CD ("Night Masters"), sendo que, para esse efeito, nem sequer foi fixado qualquer montante, a título de remuneração. Por outro lado, a capa do CD, na qual, para além do autor, figuram outras pessoas em "pose artística", nada tem a ver com qualquer obra, como tal qualificada e protegida pelo Código de Direito de Autores, sendo que a unificação daquela, a fotografia e a obra musical meramente acidental, tanto mais que nenhuma das composições musicais contidas nesse CD tem a ver com o autor. Daí que toda a prestação, visando a obtenção de fotografias naquela sessão, não tenha a virtualidade de poder qualificar-se como uma "obra", protegida pelo referido diploma; o CD, em si mesmo, representa apenas um fonograma, o suporte material, neste caso das composições musicais, nele contidas; estas, sim, é que constituem, ou poderão constituir, uma obra protegida, sendo que, para estes fins, não tem qualquer fundamento a invocação de qualquer participação do autor em termos de "colaboração". Com efeito, de harmonia com o disposto no art. 1º, nº 1 do CDADC, obras protegidas são "as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, por qualquer forma exteriorizadas, que, como tais, são protegidas nos termos deste Código, incluindo-se nessa protecção os direitos dos respectivos autores". Aliás, de acordo com o preceituado no art. 176º, nº 4 do mesmo diploma, por fonograma entende-se o registo resultante da fixação, em suporte material, de sons provenientes de uma execução ou de quaisquer outros. E, nos termos do art. 141º, nº 1 daquele Código, entende-se por fixação a "incorporação de sons ou imagens, separada ou cumulativamente, num suporte material suficientemente estável e duradouro, que permita a sua percepção, reprodução ou comunicação de qualquer modo, em período não efémero". É certo que, de acordo com o art. 164º, nº 1 do citado diploma, também é protegida a "obra fotográfica": Mas esta apenas poderá ser considerada como tal, quando se trata de uma criação artística, por parte do respectivo autor, o que não é o caso aqui em apreciação, dado que o aspecto visual (aqui incluídos os "arranjos" escolhidos) e a pose fotográfica não podem ser entendidas como uma criação artística, sendo que o facto do A./apelado haver posado para a objectiva do fotógrafo também não pode considerar-se como sendo ele o autor da concepção artística das fotografias, mas sim o próprio fotógrafo e, concretamente, não é essa a matéria aqui em discussão; ou seja, não é o objecto da fotografia que é digno de protecção, mas apenas o seu "criador intelectual", que, obviamente, não é/foi o autor, aqui apelado. Acresce que, ao escolher o aspecto visual utilizado pelo autor, bem como a respectiva pose, também não pode olvidar-se a natureza, o desempenho da própria actividade profissional (animador ou performer) e que, pelo menos então, aquele já vinha exercendo (no aludido Bar Discoteca, Ldª). Consequentemente, não tem cabimento a invocação, por parte do autor/apelado, de qualquer tutela legal, ao abrigo do referido Código de Direito de Autores. Todavia, não obstante o já acima expendido, a verdade é que, em conformidade com o preceituado no artº 26º, nº 1 da Constituição da República, a todos os cidadãos são reconhecidos os direitos à sua imagem - como direito especial de personalidade que é - e reserva da intimidade da vida privada. Por outro lado, também o artº 79º, nº 1 do Cód. Civil consagra que "o retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela...". Ora, no caso aqui em análise, é certo que o autor/apelado aceitou posar para a dita sessão fotográfica; mas esta visava apenas - o que se assinala - a obtenção de foto/s para ilustração da capa do álbum de CD, intitulado "The Night Masters" e não para quaisquer outros fins. Todavia, o certo é que, sem qualquer consentimento prévio daquele, quer através de forma escrita, quer verbal, a ré/apelante veio a ampliar as fotografias para cartazes, com dimensões de cerca de 70 x 50 cm, afixando-os na loja Virgin e no interior do estabelecimento King and Queens (da ré Bar Discoteca), assim divulgando esses cartazes e, portanto, a imagem do autor, com o consequente objectivo de obter vantagens patrimoniais, designadamente, através de publicidade e promoção gratuitas, que, em termos comerciais, geram aquelas. Destarte, não pode confundir-se a disposição do autor para, através da aludida sessão fotográfica, a obtenção daquelas fotografias, estas apenas destinadas - salienta-se - a ilustrar a capa de um álbum de CD, com o que depois veio a passar-se com os mencionados cartazes e a sua abusiva divulgação, sendo que, neste caso, inexiste qualquer situação em que possa ser invocado interesse público relevante (aliás, também não invocado), ou qualquer outra situação prevista, designadamente, no nº 2 do citado artº 79º e 10º da Lei nº 28/98, de 26 de Junho (cfr., a este propósito, Capelo de Sousa, in "O Direito Geral de Personalidade, pág. 246 e seg.s). Em conclusão: a dita ampliação das aludidas fotografias do autor/apelado, por parte da apelante, para cartazes, sem o prévio consentimento, por qualquer forma, daquele, sendo afixadas nos locais públicos já indicados, visando beneficiar de publicidade e promoção gratuitas, traduziu-se, portanto, numa acção ilícita, dado que, nessas circunstâncias, violou o direito à imagem daquele, em especial e designadamente, a salvaguarda do direito de personalidade do mesmo, daí decorrendo, a seu favor, o direito a uma indemnização, não podendo deixar de atender-se, para este efeito, à especificidade e natureza da sua actividade profissional, com todos os efeitos que, necessariamente, ela comporta. Consequentemente, em aspectos essenciais, improcedem as conclusões da apelante, sendo de confirmar-se, embora com fundamentos algo distintos/diferentes, a sentença recorrida, esclarecendo-se que o A. tem direito a uma quantia a liquidar em execução de sentença, que não pode exceder dois milhões de escudos (o correspondente em euros), não a título de remuneração, mas sim a título de indemnização. III-Decisão Nos termos e com os fundamentos supra mencionados, julgando-se improcedente a apelação da ré Universal Music Portugal, Ldª, embora com fundamentos distintos/diferentes, confirma-se a decisão apelada. Custas pela mesma ré/apelante. Lisboa, 28 de Setembro de 2004. (Santos Martins) (Roque Nogueira) (Pimentel Marcos) |