Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA DE DEUS CORREIA | ||
Descritores: | ALIMENTOS A FILHO MAIOR CESSAÇÃO PROGENITOR DEVER DE RESPEITO VIOLAÇÃO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/08/2012 | ||
Votação: | MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | I- Só a violação grave do dever de respeito, por parte do filho, relativamente ao progenitor, poderá integrar a causa de cessação da obrigação de prestar alimentos por parte deste, nos termos do art.º 2013.º n.º1 c) do Código Civil. II- Não integra tal previsão a atitude da filha já maior que não fala, nem cumprimenta o pai, quando passa por ele na rua, com o qual, desde os 13 anos de idade, não tem qualquer contacto. ( Da responsabilidade da Relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam neste Tribunal da Relação de Lisboa I-RELATÓRIO A , nascida em 30/07/1990, intentou acção de alimentos, nos termos do art.º 1412.º do COC, contra o seu pai: B , ambos melhor identificados nos autos. Pede que o seu pai contribua com uma quantia mensal para o seu sustento, no valor de € 250,00. Alegou, em síntese, que é estudante, vive com a mãe e não tem bens nem rendimentos que lhe permitam sustentar-se. O Requerido contestou pugnando pelo indeferimento do pedido, invocando a indignidade da requerente. Decorridos todos os trâmites legais, foi realizado o julgamento e proferida sentença que fixou a cargo do Requerido a prestação mensal de alimentos de € 250,00, reportada ao período entre Março de 2009 e 13 de Outubro de 2010. Indeferiu a sentença o pedido de fixação de alimentos a cargo do Requerido, após 13/10/2010. Inconformado com a decisão na parte que lhe foi desfavorável, o Requerido interpôs recurso de apelação. Formulou, no essencial, as seguintes conclusões de recurso: No caso concreto, a não razoabilidade da exigência de cumprimento da obrigação de alimentos pelo Requerido emerge do plano das relações pessoais entre a requerente e ele. Filhos e pais devem-se mutuamente respeito, como decorre do art.º 1874.º n.º 1 do C.C., dever que não cessa com a maioridade dos primeiros. Nos presentes autos resultou provado que os contactos entre pai e filha cessaram em 2003. Entre os dois não há qualquer contacto ou convívio de espécie alguma. Nem mesmo se falam e pelo contrário a Requerente ignora o Requerido quando casualmente se cruzam. A Requerente não logrou provar qualquer acontecimento grave que tenha gerado este distanciamento. Pode pouco mais que especular-se sobre essas razões, não sendo porventura indiferente a possibilidade de alinhamento da Requerente pela posição da mãe quando esta e o pai se separaram, o que infelizmente é mais do que comum. Ora, o referido afastamento é exactamente o reflexo da indignidade da requerente de receber alimentos e a irrazoabilidade do Requerido de prestar alimentos à Requerente. O comportamento reiterado da Requerente para com o Requerido seu pai, deixando de lhe falar desde Julho de 2003,ignorando ostensivamente a sua existência, ao cruzar-se com ele, quebrando, unilateralmente, os laços próprios da relação parental, integra violação grave do dever de respeito a que se reporta o art.º 1874.º n.º1 do Código Civil e, em consequência, integra causa de cessação da obrigação de prestar alimentos por manifesta indignidade. Considera ainda a Meritíssima Juíza em expressa contradição com os factos provados (pontos 19, 20, 21 e 22) que o pai não provou que tenha procurado a Requerente e que tenha tentado alterar este estado de coisas. Ora, os factos provados revelam que o Requerido procurou a Requerente e que tentou alterar o estado da relação, pelo que não assiste razão ao Tribunal a quo. Da matéria dada como provada resulta estar absolutamente fora do razoável exigir ao requerido o pagamento de alimentos à Requerente e assim não se verificarem os pressupostos dessa eventual obrigação tal como definidos no art.º 1880.º do C.C. A decisão de que se recorre, na parte em que fixou a cargo do Requerente a prestação mensal de alimentos de € 250,00, está em contradição com a matéria de facto em que se baseia. A douta sentença enferma de erro na aplicação do direito aos factos dados como provados e contradição entre estes e a sua subsunção ao direito. A sentença recorrida não fez correcta aplicação do consignado nos artigos 1874.º n.º1, 1880 e 2013.º n.º 1 c) do C.C. Nas suas contra alegações, a Requerente pugna pela confirmação da sentença recorrida. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: II-OS FACTOS Na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos: 1- A é filha de B e de C . 2- A a 30/7/1990. 3- Os pais da requerente estão divorciados, desde 21 de Junho de 2002. 4- No âmbito da regulação das responsabilidades parentais, por sentença de 6/2/2008, foi estabelecido a cargo do progenitor a obrigação de entregar à progenitora a quantia mensal de 250€, a título de alimentos para a filha, bem como metade das despesas escolares de início de ano lectivo e das despesas de saúde extraordinárias da menor. 5- O progenitor manteve o pagamento da quantia de 250€ mensais, a favor de A , até Fevereiro de 2009. 6- A requerente vive com a mãe, a qual suporta as suas despesas. 7- A requerente frequentou, com aproveitamento, o curso de animador sociocultural, na Escola Profissional da Santa Casa da Misericórdia de ….. 8- Iniciou o curso no ano lectivo de 2007/2008 e no ano lectivo de 2009/2010 frequentou o 3º e último ano do aludido curso. 9- A frequentou um estágio remunerado, no Clube Naval de …., ao abrigo do programa estagiar T e subsequente ao curso de animador sociocultural, desde 13 de Outubro de 2010 a 31 de Março de 2011. 10- Naquele período recebeu a compensação financeira de 509,25€ mensais, acrescida de 85,40€ de subsídio de alimentação. 11- No ano lectivo de 2010/2011, a requerente encontra-se inscrita na Universidade dos …., em 4 disciplinas do curso de licenciatura em educação básica. 12- A requerente despende quantia não concretamente apurada com alimentação, vestuário, calçado, livros escolares, material escolar e medicação. 13- O requerido é gerente da firma ….., Ldª. 14- O requerido é dono dos seguintes imóveis: - artigos nºs 2286 e 3032, freguesia de ..., pertença dele e da progenitora da A e onde estas vivem; - artigo nº 0000, freguesia de .../..., pertença dele e da actual esposa; - artigo 0000, freguesia de ..., casa de morada de família do requerido e esposa. Os imóveis descritos nos nºs 0000 e 0000, freguesia de ... e descrito no nº 0000/A de ... pertencem à sociedade …. . 15- O requerido viaja para o estrangeiro, nomeadamente para países europeus e para os EUA. 16- O requerido é sócio do ….Club, pagando uma quota semestral de 250€. 17- O requerido participa em desportos motorizados, despendendo para o efeito quantia não concretamente apurada. 18- Os contactos entre o pai e a filha cessaram em Julho de 2003. 19- Por essa altura, o requerido convidou a requerente para a festa do 5º aniversário da empresa …, tendo ela comparecido, na companhia da irmã. 20- O requerente convidou a filha para almoçar na véspera do seu aniversário. 21- Durante o almoço não houve praticamente diálogo entre eles, pedindo-lhe a filha uma acelera como oferta de aniversário. 22- O pai condicionou a oferta ao aproveitamento nos estudos e a um melhor relacionamento entre ambos. 23- Desde esse almoço não voltaram a falar-se. 24- Quando encontra o pai na rua, só ou acompanhado, a requerente evita-o, chegando a “virar-lhe a cara”. 25- Na altura de aniversário do pai, a requerente não lhe telefona nem lhe envia qualquer mensagem. 26- Também não lhe telefona nem envia mensagens no Natal ou noutras épocas festivas. 27- Nas diligências em tribunal em que se encontraram, a requerente não se lhe dirigiu. 28- O requerido enviou à requerente, em Agosto de 2008, uma carta a solicitar o envio de NIB, declaração de frequência de curso e aproveitamento. 29- A requerente, em resposta, por carta enviou-lhe NIB e mapas de assiduidade ao curso. 30- Em Março de 2009, a requerente telefonou para a empresa do requerido, para lhe entregar um recado e recusou-se a falar directamente com o requerido. 31- A partir daquela ocorrência, o requerido deixou de efectuar o pagamento da quantia de 250€ mensais a favor de A . 32- A requerente e a mãe vivem em casa pertença de ambos os progenitores e cuja prestação mensal ao banco foi paga pelo requerido. 33- Como sócio gerente da sociedade ..., o requerido aufere cerca de 1.500€ a 2.000€. III-O DIREITO Tendo em conta as conclusões de recurso que delimitam o respectivo âmbito de cognição, a questão fundamental que importa apreciar consiste em saber se os factos dados como assentes configuram o caso de cessação da obrigação de prestar alimentos, prevista no art.º 2013.º n.º 1 c) do Código Civil. Nos termos do art.º 2013.º n.º 1 c) do Código Civil Serão deste diploma todas as disposições legais citadas sem indicação de proveniência.. “a obrigação de alimentos cessa quando o credor viole gravemente os seus deveres para com o obrigado”. Estipula o art.º 1874.º n.º 1 que “pais e filhos devem-se mutuamente respeito, auxílio e assistência.” Estando, portanto, a filha, ora Requerente, sujeita ao dever de respeito perante o seu pai, ora Requerido, coloca-se a questão de saber se aquela violou tal dever e, em caso afirmativo, se essa violação foi grave, estando assim reunidas as condições legais para a cessação da obrigação de prestar alimentos, por parte do Requerido. Vejamos a matéria fáctica apurada, com relação a esta matéria: “ Os contactos entre o pai e a filha cessaram em Julho de 2003. Por essa altura, o requerido convidou a requerente para a festa do 5º aniversário da empresa …., tendo ela comparecido, na companhia da irmã. O requerente convidou a filha para almoçar na véspera do seu aniversário. Durante o almoço não houve praticamente diálogo entre eles, pedindo-lhe a filha uma acelera como oferta de aniversário. O pai condicionou a oferta ao aproveitamento nos estudos e a um melhor relacionamento entre ambos. Desde esse almoço não voltaram a falar-se. Quando encontra o pai na rua, só ou acompanhado, a requerente evita-o, chegando a “virar-lhe a cara”. Na altura de aniversário do pai, a requerente não lhe telefona nem lhe envia qualquer mensagem. Também não lhe telefona nem envia mensagens no Natal ou noutras épocas festivas. Nas diligências em tribunal em que se encontraram, a requerente não se lhe dirigiu.” Integrarão estes factos uma violação grave dos deveres de respeito da filha em relação ao pai, de molde a tornar inexigível que o mesmo lhe preste alimentos? Afigura-se-nos que não. Parece-nos que o referido circunstancialismo fáctico mais do que espelhar uma situação de falta de respeito, revela uma situação de sofrimento de ambas as partes e infelizmente bastante comum, nos casos de separação dos progenitores que, tal como o Recorrente reconhece, muitas vezes leva a que os filhos tomem o partido de um dos progenitores, em detrimento do outro. Estabelece-se, então um fosso entre eles que se vai agudizando e acentuando graças a vários factores. Podem enumerar-se desde a falta de empenhamento do progenitor com quem vive o filho em promover os contactos com o outro, ao desinteresse do progenitor preterido que entretanto refez a sua vida, construiu nova família e “desinvestiu” no estreitamento dos laços que o une aos filhos nascidos no seio da anterior família. Claro que todos estes processos são complexos. A tendência de culpabilização mútua é enorme. Mas será que faz sentido falar em “culpa” nestas situações? Mais adequado será falar, não de ”culpas”, mas de dificuldades em ultrapassar os obstáculos gerados por esta teia de relações humanas. E se para os adultos essas dificuldades se revelam muitas vezes intransponíveis e envolvem tanto sofrimento e frustrações, quanto mais não o será para as crianças e adolescentes? Todos sabemos que eles são sempre as principais vítimas da separação dos pais, já porque têm menos preparação para enfrentar tais problemas, já porque, não raro, são utilizados pelos pais desavindos, como instrumento de chantagem emocional. E foi perante estas dificuldades que, certamente, se deparou igualmente a A , cujos pais se divorciaram, em 2002, quando a mesma tinha apenas 12 anos, ou seja em plena fase, particularmente difícil, da adolescência, caracterizada tanto pela necessidade de o adolescente ser compreendido como pela necessidade de afirmar a sua independência, numa ambivalência que se encontra em muitas atitudes típicas deste idade BERTHE REYMOND-RIVIER, O desenvolvimento social da criança e do adolescente, ASTER, Universidade Nova, 1983, p. 132..” “O sentimento de ser incompreendido ou de não ser amado acumula-se às dificuldades que o próprio adolescente tem em compreender-se e em amar-se” Idem, p. 133.. E é neste contexto que temos de tentar entender a atitude da A que, aos 12 anos, se viu privada da presença do pai. E não é difícil perceber o turbilhão de dúvidas e de sentimentos de revolta, de incompreensão, de perda, até de culpa que assolaram a A. Terá o pai dado uma explicação à sua filha para a sua saída de casa? Ou terá deixado que esta ficasse a pensar que tal se devia ao facto de não gostar dela? Terá a mãe explicado à sua filha que a saída do pai de casa não prejudicava as suas qualidades como pai? Ou deixou que a sua filha pensasse que tinha um mau pai porque tinha abandonado a família? Não sabemos. O processo não nos dá estas respostas. Diz-nos apenas que entre a A e o pai não existe qualquer contacto desde os 13 anos desta. O que não nos parece razoável, no seguimento do exposto, é atribuir-lhe a culpa por esta situação de afastamento, rotulando-a de “violação do dever de respeito” pelo pai. Podemos até aceitar que tal atitude possa ser qualificada de falta de respeito, mas não que essa falta de respeito assuma a gravidade suficiente que justifique a cessação do dever de prestar alimentos, por parte do pai. Estamos assim, inteiramente de acordo com a sentença recorrida ao referir que “ inexiste fundamento para se concluir que a requerente infringiu gravemente os seus deveres para com o pai” Como também foi entendido, num caso semelhante pelo Supremo Tribunal de Justiça num acórdão de 12-07-2001, in www.dgsi.pt. Refere o Recorrente que “nas circunstâncias a que as coisas entre a Requerente e o Requerido chegaram, mais do que não ser razoável exigir ao Requerido pagar o sustento e os estudos de uma filha adulta que o ignora, que não passa com ele período algum, que não o felicita sequer num aniversário, que não o cumprimenta na rua e que não lhe dá satisfações da sua vida, isso se mostraria, aos olhos de qualquer cidadão comum e de acordo com as representações dominantes, uma intolerável violência e uma reprovável exploração de outrem (…). A requerente pensará que o pai o é apenas para pagar, que existe enquanto tal somente para a sustentar e que essa obrigação o sujeita e submete a si, apesar de adulta e ainda quando com ele já não tem qualquer relação paterno-filial.” Cremos que melhor representa os sentimentos dominantes da nossa sociedade a ideia, que é a nossa, de que o amor incondicional dos pais pelos filhos exige que os primeiros lhes proporcionem os meios necessários para singrarem na vida, mesmo quando os filhos não têm o comportamento que deles é esperado. Resta, igualmente, esperar que a filha do Recorrente, apesar de eventualmente ninguém a ter ensinado a amar e respeitar o pai, como este gostaria, o venha a aprender, por si própria, com a maturidade da idade adulta. Para tanto, ajudará observar que o pai, embora sem retorno afectivo, sempre a apoiou, pelo menos em termos materiais. Improcedem, as conclusões do Recorrente. É de manter a decisão recorrida, por inteiramente correcta. IV- DECISÃO Face ao exposto, acordamos neste Tribunal da Relação de Lisboa, julgar improcedente o recurso e manter a decisão recorrida. Custas pelo Apelante. Lisboa, 8 de Março de 2012 Maria de Deus Correia Teresa Pardal Tomé Ramião (*) (*) Declaração de Voto Contrariamente ao decidido no Acórdão, concederia provimento ao recurso, uma vez que entendo que, no caso concreto, existem elementos de facto suficientes para considerar excluída a obrigação alimentar do recorrente, por força do disposto no art.º 2013.°, n.°l, alínea c), do C. Civil, como sumariamente tentaremos demonstrar. Como é sabido e consabido os filhos estão sujeitos ao poder paternal (hoje, responsabilidades parentais) até à maioridade ou emancipação - art.º 1877.° do C. Civil. No exercício desse poder-dever os pais devem prover ao sustento, saúde, segurança e educação dos filhos, promovendo, de acordo com as suas possibilidades, o seu desenvolvimento físico, intelectual e moral- art. Os 1878°/1 e 1885°/1, do C. Civil. Todavia, esse dever não cessa necessariamente com a sua maioridade, dado que se nessa altura o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação de prestar alimentos na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete, como decorre expressamente do art. ° 1880° do C Civil. Porém, a obrigação alimentar cessa (entre outros) desde que o credor viole gravemente os seus deveres para com o obrigado - alínea c), do n.º 1, do art.º 2013°, do C .C. Este normativo foi introduzido pelo Decreto-Lei nº496/77, de 25 de novembro, pois que na primitiva versão do texto legal se prescrevia que a obrigação de alimentos cessava quando se verificasse algum dos factos que legitimavam a deserdação, factos' esses que, tal como atualmente, justificam a deserdação, estão taxativamente elencados no art.º 2166.° do C. Civil. O legislador pretendeu, deste modo, ampliar a causa de cessação da obrigação alimentar, nela abrangendo qualquer violação grave, por parte do alimentando, dos deveres gerais de abstenção, para com o obrigado. Com essa alteração normativa visou alargar o âmbito da referida causa de cessação da obrigação de alimentos, embora através de um conceito vago e impreciso - o de grave violação pelo credor dos seus deveres para com o devedor - cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, C. C. Anotado, Vol. V, pág. 604). O dever mútuo ou recíproco de respeito é entendido como dever de consideração pela vida, pela integridade física e pela personalidade moral de duas pessoas e nada tem de característico ou de diferente do dever de respeito recíproco que preside às relações entre marido e mulher, do artº 1672.° do C. Civil, nas palavras de P. Lima e Antunes Varela, ob. citada, pág. 318 e 319. E assim foi entendido no Ac. do T. Rel. de Évora, 22/3/2007, Proc. n.º 86/07-3 (www.dgsi.pt/jtre). onde se escreveu que "o legislador de 1977, tal como claramente exprimiu, pretendeu, manifestamente, abandonar os efeitos taxativos diretos de uma condenação penal, para introduzir uma ideia mais vasta e genérica de violação grave e genérica dos deveres (éticos) para com o obrigado". Entendimento que tem vindo a ser seguido pela jurisprudência, como se pode ver no Acórdão do S.T.J, de 15/12/2005, Proc. n.º 05B4101, disponível em www.dgsí.pt/jsts, no qual se entendeu que "o dever recíproco de respeito a que alude o artigo 1874º nº 1, do Código Civil reporta-se à consideração pela vida, integridade fisica e moral, e o conceito de violação grave pelo credor de alimentos dos seus deveres para com o obrigado, a que se reporta o artigo 2013~ n" 1, alínea c), do Código Civil, deve ser prudencialmente densificado sem olvido do sentido mais restritivo do seu antecedente histórico e das atuais circunstâncias do modo de ser da vida familiar" ( pelo mesmo caminho seguiu o Ac. do T. da Rel. de Coimbra, de 2/3/2010, Proc. n.º 749/08.0TMA VR.C1) Ora, como flui do art.º 1874°, do C. Civil, pais e filhos devem-se mutuamente respeito, auxílio e assistência. No caso concreto, os factos considerados assentes, revelam, sem dúvida, uma violação grave de respeito, por banda da requerente, relativamente ao requerido, seu pai, atentatória da sua personalidade moral, ofendem a sua dignidade pessoal, o respeito e a consideração que lhe são devidos pela requerente. Com efeito, vem provado que os contactos entre o pai e a filha cessaram em julho de 2003, ou seja, há cerca de 9 anos, sendo que a requerente conta atualmente com 21 anos de idade. Nessa altura o requerido convidou a requerente para a festa do 5° aniversário da empresa ….tendo ela comparecido, na companhia da irmã e convidou a filha para almoçar na véspera do seu aniversário, sendo que durante o almoço não houve praticamente diálogo entre eles, pedindo-lhe a filha uma acelera como oferta de aniversário, tendo o condicionado a oferta ao aproveitamento nos estudos e a um melhor relacionamento entre ambos, e desde esse almoço não voltaram a falar-se. Mas a requerente quando encontra o pai na rua, só ou acompanhado, evita-o, chegando a "virar-lhe a cara". Na altura de aniversário do pai, a requerente não lhe telefona nem lhe envia qualquer mensagem. Também não lhe telefona nem envia mensagens no Natal ou noutras épocas festivas. E nas diligências em tribunal em que se encontraram, a requerente não se lhe dirigiu. Perante esta factualidade, em especial a atitude da requerente, quando encontra o pai na rua, só ou acompanhado, evita-o, chegando a "virar-lhe a cara", não lhe telefona nem envia mensagens no Natal ou noutras épocas festivas e também não se lhe dirigiu no tribunal, aquando da realização das diligências, revela total indiferença, senão desprezo, pelo pai, quando lhe era exigível outro comportamento, nomeadamente cumprimentar o pai, dirigir-lhe a palavra, manifestar sentimentos de apreço, estima, consideração e afecto. Ao adotar tal comportamento, consciente, voluntário, e sem qualquer justificação aceitável ( pois dos autos não resultam elementos que o justifiquem), a requerente violou gravemente o dever de respeito devido ao requerido, com o conteúdo acima referido, sendo tal conduta censurável do ponto de vista ético-jurídico, fundamentando a cessação da obrigação alimentar deste. E não se diga, como na decisão que fez vencimento, que se ignoram as circunstâncias concretas que justificam essa atitude, para não considerar grave essa violação, pois que os factos assentes, e só com base nestes nos podemos e devemos oronunciar. permitem conclusão contrária á seguida. Veja-se, aliás, que os pais da requerente estão divorciados, desde 21 de junho de 2002, foi regulado o exercício das responsabilidades parentais, por sentença de 6/2/2008, ficando o requerido obrigado a entregar à progenitora a quantia mensal de 250€, a título de alimentos para a filha, ora requerente, bem como metade das despesas escolares de início de ano letivo e das despesas de saúde extraordinárias da menor, e que o requerido manteve o pagamento dessa quantia até fevereiro de 2009, ou seja, até escassos meses de atingir os 19 anos de idade, pois que nasceu em 30/711990. Portanto, dos autos nada consta em desabono do pai da requerente, nomeadamente que de alguma forma haja contribuído para génese desse comportamento. Decorrentemente, na ausência de elementos de facto que permitam justificar a sua atitude, ou pelo menos que a tomem compreensível à luz do senso comum e, consequentemente, diminuíam sensivelmente a sua culpa, sendo que conta atualmente com 21 anos de idade, não deve beneficiar dessa obrigação alimentar. Seguir outro caminho, como se faz no Acórdão, é premiar o comportamento censurável da requerente, que apenas vê o pai como fonte de rendimento, como sujeito de deveres, desprezando ou ignorando outros valores, como o de respeito pela personalidade moral, a estima, a consideração, e a solidariedade familiar. Dito de outro modo, a requerente só se lembra que tem um pai por necessitar dos alimentos deste para poder completar a sua formação profissional. E porque assim é, não parece razoável exigir que um pai continue a prover ao sustento, saúde e educação de uma filha maior quando esta não cumpre, em relação a ele, os apontados deveres de respeito, auxílio e assistência (neste sentido Vide Ac. da Relação do Porto de 17/2/94, CoI. Jur. Ano XIX, T -1, Pág.240). Conclui-se, por isso, que a requerente violou gravemente o dever de respeito para com o pai, ora recorrente, não sendo razoável que este lhe continue a prestar alimentos até completar os seus estudos, como decorre do disposto no art." 2013°, n.º1,alínea c), do C.C. Por conseguinte, concederia provimento ao recurso e, revogando a decisão recorrida, absolveria o requerido do pedido. Tomé Ramião |