Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA JOSÉ MOURO | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE MÉDICA DEVER DE ESCLARECIMENTO PRÉVIO ÓNUS DA PROVA PROVA PERICIAL FORÇA PROBATÓRIA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA FACTOS | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/10/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Parcial: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | I - A obrigação médica para além do dever principal - maioritariamente classificada como tratando-se de uma obrigação de meios - inclui deveres acessórios, entre os quais o de esclarecer o doente e de obter o seu consentimento, sendo que o desrespeito de qualquer destes deveres constitui o médico em responsabilidade civil. II - O fim principal do dever de esclarecimento é permitir que o paciente faça conscientemente a sua opção, conhecendo os custos e consequências, sendo que quando o médico não cumpriu devidamente o seu dever de esclarecimento o consentimento deve considerar-se, em regra, inválido. III - Compete ao médico provar que prestou as informações devidas; o ónus da prova do consentimento cabe ao médico. IV – Muito embora, face ao nº 3 do art. 659 do CPC, na fundamentação da sentença o juiz deva tomar em consideração «os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo deu como provados», o que consta de um relatório pericial não se inclui em nenhuma daquelas categorias, sendo a força probatória das respostas dos peritos, ali concretizada, fixada livremente pelo tribunal, nos termos do art. 389 do CC, quando das respostas à matéria de facto. V – Constituem factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os reais como os simplesmente hipotéticos. (Sumário da Relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa: * I - “A” intentou a presente acção declarativa com processo ordinário contra “B” e «“C”, SA». Alegou o A., em resumo: No ano de 2005 devido a queixa de dores e ruído no ouvido direito o A. dirigiu-se a consulta de otorrinolaringologia, sendo observado pela 1ª R., médica da especialidade e, também, cirurgiã. Realizados exames o A. veio a sofrer intervenção cirúrgica realizada pela 1ª R.. na clínica da 2ª R., a fim de serem corrigidas exostoses do ouvido direito, tendo tido alta clínica a 1-12-2005. Antes da cirurgia, a R., em momento algum, informou o A. dos riscos para a sua saúde decorrentes da operação; a intervenção não terá corrido pelo melhor tendo a R. se escusado de esclarecer o sucedido. No pós-operatório o A. sentia a face do lado direito paralisada bem como os sinais de surdez do lado direito se haviam agravado. Efectuado electromiograma foi detectada desnervação grave dos músculos, designadamente do segmento do nervo facial com destruição parcial da bigorna, tendo sofrido paralisia facial subsequente à direita. A 8 de Maio de 2006 foi efectuado relatório médico onde se descreve a situação do A como tendo paralisia facial periférica direito e do ponto de vista otológico constata-se a existência de uma pequena perfuração da membrana timpânica, lesões a nível da janela oval e da parede interna da caixa do tímpano com sinais de fístula do canal semi-circular externo, a não identificação da segunda porção do nervo facial com sinais de desnervação grave nos músculos explorados e destruição parcial da cadeia ossicular. A R. nunca informou o A. dos riscos que envolviam a intervenção cirúrgica a que foi submetido, obstando a que o A. exercesse o seu direito enquanto paciente, ao consentimento informado. Caso o A. tivesse tido conhecimento de que os resultados da intervenção seriam tão nocivos e de que lhe causariam tais lesões não teria consentido na sua realização. O A. após a cirurgia ficou surdo do ouvido direito, por a 1ª R. ter efectuado interferências no ouvido médio e interno quando para a correcção das exostoses deveria ter-se circunscrito à área do canal auditivo externo, o que leva a concluir que actuou com negligência grosseira. A situação do A. é irreversível não podendo socorrer-se de próteses auditivas para suplantar a falta de audição e o zumbido permanente que sente. O A. trabalha numa fábrica que produz agulhas e é responsável pelo departamento de qualidade, passando grande parte do período de trabalhão de pé, o que faz com manifesta dificuldade porque após a cirurgia tem tonturas, náuseas, cefaleias, ansiedade e depressão que afectou a sua produtividade laboral. As lesões sofridas são irreversíveis o que provocou ao A. um grande desgosto, transtorno e incómodo. Devido às lesões sofridas necessita de auxílio e ajuda de uma terceira pessoa para realizar tarefas domésticas e depende de terceiros para se deslocar de automóvel o que até à cirurgia fazia com destreza e habitualidade. Não consegue mastigar os alimentos nem reter líquidos dentro da boca no lado direito desta em virtude da desnervação grave e consequente paralisia facial resultante da actuação médica da 1ª R.. Sente dificuldades em adormecer por ter um zunido no ouvido direito que o mantém em alerta e não o deixa descansar e tem dificuldades de concentração. Face a tais factos, o A sente-se incomodado desgostoso e envergonhado evitando o convívio social e o relacionamento social com terceiras pessoas. O próprio caminhar na via publica causa-lhe receio por poder perder repentinamente o equilíbrio e cair. Toda esta situação lhe causa instabilidade emocional tornando-o uma pessoa susceptível e irritável. A intervenção médico cirúrgica deveria ter-se circunscrito à correcção das exostoses, apenas nos canais auditivos externos e não ter invadido o ouvido médio e o ouvido interno, ou ter desnervado por forma grave a face direita do A.. A R. agiu com negligência, não cumprindo com os deveres mínimos de cuidado a que estava obrigada, havendo cometido um erro médico, violando ilicitamente o direito do A. à sua integridade física, devendo ser responsabilizada nos termos dos arts. 483, 486 e 564 do CC. O A. despendeu em consultas e exames 154,00 € e requer para compensação dos danos não patrimoniais 100.000,00 €. Pediu o A. A condenação solidária das RR. a pagarem-lhe a quantia de € 100.154.00, sendo € 154,00 de danos patrimoniais e € 100.000,00 de danos não patrimoniais, acrescidos de juros, desde a citação até efectivo e integral pagamento. A 1ª R. contestou. Apresentou um diversa versão dos factos trazida aos autos pelo A., salientou que explicitara ao A. todos os riscos inerentes à técnica cirúrgica, o risco de lesões do facial e cadeia ossicular pela proximidade da intervenção com estas estruturas, mas que o A. insistiria pela cirurgia e que o acto médico-cirúrgico obedeceu a todos os protocolos da técnica cirúrgica mais actualizada, sendo o que aconteceu com o A. uma complicação cirúrgica descrita na literatura como podendo ocorrer nestas intervenções em percentagem residual. O A. apresentou réplica. Foi proferido despacho saneador e o processo prosseguiu, vindo, a final, a ser proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: «… julgo parcialmente procedente, por provada a presente acção e em consequência condeno: a) A 1ª R a pagar ao A. a quantia de €100.154,00, sendo €154,00, a título de danos patrimoniais e €100.000,00 a titulo de não patrimoniais, quantia à qual acresce juros de mora vencidos desde a citação – 27-06-2007 até efectivo e integral pagamento que até 9-07-2012 ascendem a 31036,27€, a que acrescem os vincendos desde a 10-07-2012 até efectivo e integral pagamento. b) Absolver a 2ºR do pedido contra si deduzido». Da sentença apelou a 1ª R., concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso: (…) O A. contra alegou nos termos de fls. 582 e seguintes. * II - O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos: Dos factos assentes. A) O A trabalha numa fábrica de produtos metálicos com máquinas sono traumáticas susceptíveis de provocar surdez profissional e acufenos. B) O A antes da intervenção médico cirúrgica padecia de neopasia renal e nefrectomia (extracção do rim com posterior tratamento químico radiológico), estes últimos susceptíveis de provocar hopiacusia e acufenos e eventual fragilização dos tecidos ósseos. Da base instrutória Artigo 1º - Provado que no ano de 2005 com queixas e dores e ruído no ouvido direito, o A. dirigiu-se à consulta de otorrinolaringologia na “D”. Artigo 2º - Provado que aí, o A. foi observado pela Srª Drª “B” médica e cirurgiã da especialidade de otorrinolaringologia. Artigo 3º - Provado com esclarecimento que dada a sintomatologia do A., a Srª Drª “B” requisitou, em 29.09.2005, uma tomografia axial computorizada ao ouvido direito com exostoses bilaterais obliterativas para avaliar a extensão intra-timpânica para pré operatório. Artigos 4º - Provado com o esclarecimento que no relatório da referida tomografia axial computorizada consta “exostoses bilaterais dos canais auditivos externos préobliterativas, desenvolvidas a partir da parede anterior dos CAES. Normal permeabilidade tubo timpânica e antro – astoideia dos ouvidos, não se observando alterações inflamatórias e sendo normal a morfologia e integridade das cadeias ossiculares. Integridade dos tegmens não se evidenciado fistulas labirínticas. Mastóides com pneumatização completa e permeáveis; morfologia e dimensões normais dos canais auditivos internos; labirintos ósseos com morfologia regular”. Artigo 5º - Provado que o autor foi sujeito, para alem da referida TAC, a análises de sangue, ECG e a RX ao tórax. Artigo 6º - Provado que após os referidos exames médicos em 29.11.2005, o Autor foi sujeito a intervenção médico cirúrgica na “C” na Amadora. Artigo 7º - Provado que a aludida intervenção cirúrgica visava a correcção da exostose no canal auditivo externo. Artigo 8º - Provado que o Autor teve alta médica no dia 1.12.2005. Artigo 9º - Provado com o esclarecimento que, antes da referida intervenção cirúrgica, o Autor não foi observado pelo médico anestesista da equipa médica que realizou a intervenção e que anestesiou o A. Artigo 10º - Provado que no pós-operatório o Autor sentia a face, do lado direito, paralisada, bem como os sinais de surdez do ouvido direito se haviam agravado. Artigo 11º - Provado que, em 11.01.2006, o A submeteu-se a Electromiograma e no relatório do mesmo consta “repousos musculares com alguns (possíveis) potenciais de desnervação; 2- às tentativas de contracção voluntária não houve aparecimento de quaisquer potenciais voluntários; ausência de resposta à estimulação nervosa. Conclusão: exame com sinais de desnervação grave (global?), nos músculos explorados”. Artigo 12º - Provado que, em consequência da referida intervenção médico-cirúrgica, o Autor sofreu “paralisia facial subsequente à direita”. Artigo 13º - Provado que, em 14.02.2006, o autor foi submetido a um TAC e do relatório deste consta “no ouvido direito comparativamente com o estudo precedente datado de 3-10-2005 salienta-se o aparecimento de opacificação por tecido com densidade de partes moles envolvendo o segmento posterior do mesotimpano, os recessos posteriores da caixa e também a profundidade do CAE com espessamento do revestimento da restante extensão deste ultimo. Na região mesotimpânica obliterada junto ao nicho da janela oval, identifica-se ampla erosão na parede interna da caixa com sinais de fistula do canal semi-circular externo, cuja parede externa e inferior se encontra destruída. Consequentemente a janela oval apresenta dimensões maiores e não se identifica o IIº segmento do nervo facial. Salienta-se também a destruição parcial da bigorna, da qual apenas se identifica uma pequena porção do corpo e aparentemente da longa apófise, não se visualizando também a superestrutura estapédica e a plantina. É apenas discreta a opacificação de algumas células mastoideias periféricas assinalando-se também à direita a normal densidade da região intra labiríntica sem sinais de labirintite ossificante. (…).” Artigo 14º - Provado que, em 08.05.2006, foi elaborado o relatório clínico ORL, onde consta: “situação em que se encontra consequência de uma cirurgia de correcção de exostoses do ouvido direito, a que foi submetido durante o mês de Outubro de 2005. A observação ORL por mim realizada em finais de Março de 2006 revela uma situação de paralisia facial periférica direita e do ponto de vista otológico, constata-se a existência de uma pequena perfuração da membrana timpânica, sendo evidente um conduto auditivo externo com um calibre próximo da normalidade. Da análise dos exames complementares de diagnóstico de que é portador TC- dos ouvidos, EMG, e Exames Audiométricos – confirmam-se lesões a nível da janela oval e da parede interna da caixa do tímpano com sinais de fistula do canal semi circular externo, a não identificação da segunda porção do nervo facial, com sinais de desnervação grave nos músculos explorados e destruição parcial da cadeia ossicular, cuja consequência objectiva se traduz na existência de um quadro de hipoacúsia sensorineural profunda (cofose) à direita.” Artigo 15º - Provado que a situação clínica do Autor descrita no aludido Relatório Clínico ORL foi consequência directa e necessária da referida intervenção médico cirúrgica. Artigo 16º - Provado que caso o A. tivesse conhecimento prévio dos riscos da intervenção cirúrgica não teria consentido na sua realização. Artigo 17º - Provado com esclarecimento que durante a intervenção cirúrgica, a R. atingiu o ouvido médio e o ouvido interno. Artigo 18º - Provado que para a correcção de exostoses do canal auditivo externo a intervenção cirúrgica feita pela R. ao A. deveria circunscrever-se ao ouvido externo. Artigo 19º - Provado que a situação do Autor é irreversível do ponto de vista clínico não podendo aquele socorrer-se de próteses auditivas para suplantar a falta de audição e o zumbido permanente que sente. Artigo 20º - Provado que após a intervenção cirúrgica e como consequência directa e necessária o A. apresenta sintomas recorrentes de tonturas, náuseas, cefaleias, ansiedade e depressão. Artigo 21º - Provado que o A., até 2009, trabalhou numa fábrica que produz agulhas e era o responsável pelo departamento de controle de qualidade. Artigo 22º - Provado apenas que, por vezes, parte do período normal de trabalho era passado de pé. Artigo 23º - Provado que a produtividade laboral do Autor ficou afectada. Artigo 24º - Provado que as consequências da intervenção cirúrgica causam ao A. transtorno, incómodo e desgosto. Artigo 25º - Provado que o A. depende de terceiros para se deslocar no seu veículo em percursos maiores de, pelo menos, três Km. Artigo 26º - Provado que o Autor não consegue mastigar alimentos nem reter líquidos dentro da boca no lado direito desta. Artigo 27º - Provado que o Autor sente dificuldades a adormecer em virtude do zunido persistente no ouvido direito. Artigo 28º - Provado que o Autor tem dificuldades de concentração. Artigo 29º - Provado apenas que em virtude de toda a situação descrita, o autor sente-se desgostoso, envergonhado e evita o convívio social e o relacionamento com terceiras pessoas. Artigo 30º - Provado que o Autor tem receio de caminhar na via pública por poder perder o equilíbrio e cair. Artigo 31º - Provado que a situação descrita originou ao autor instabilidade emocional tornando-o uma pessoa susceptível e irritável. Artigo 32º - Provado que o Autor despendeu a quantia de € 154,00 em consultas de otorrinolaringologia e exames auditivos. Artigo 33º - Provado que a Ré é uma especialista em Otorrino inscrita no respectivo colégio da especialidade da Ordem dos Médicos e desde 1992 que executa cirurgias da especialidade e publica trabalhos científicos que apresenta em congressos e publica em revistas da especialidade. O Tribunal de 1ª instância acrescentou, ainda: «Prova documental nos termos do artigo 659º do CPC 34º Consta no relatório pericial a que o A foi submetido, de fls. 395, o seguinte: Como resposta ao quesito 1º colocado pelo A. de fls. 52: “para correcção de exostoses do canal auditivo externo a intervenção cirúrgica deve circunscrever-se ao ouvido externo”. Como resposta ao quesito 2º colocado pelo A. de fls. 52: resultou da referida intervenção da R. a seguinte lesão no corpo do A. – erosão da parede interna da caixa com sinais de fistula do canal semicircular externo com destruição da parede externa e inferior. Como resposta ao quesito 3º colocado pelo A de fls. 52: resultou da referida intervenção da R. a seguinte lesão no A.: destruição parcial da bigorna da sua superestrutura estapédica e da platina. Como resposta ao quesito 4 colocado pelo A. de fls. 52: resultou da referida intervenção da R. a seguinte lesão no corpo do A: destruição parcial da cadeia ossicular do ouvido. Como resposta ao quesito 5 colocado pelo A., de fls. 52: resultou da referida intervenção da R a seguinte lesão no corpo do R – dano estético – desnervação facial (face do lado direito, ausência do II segmento do nervo facial) de carácter grave e com sinais de músculos explorados. Como resposta ao quesito 15 colocado pelo A. de fls. 52 “que estamos perante uma complicação grave neste tipo de cirurgia possível de acontecer e descrita na literatura. Não temos dados objectivos para afirmar a violação da legis artis.”- cfr. doc. de fls. 395 cujo teor se dá por reproduzido». * III - Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões da alegação - arts. 684, nº 3 e 690, nº 1do CPC – as questões que essencialmente se colocam são as seguintes: se o A. não fundamenta o pedido na falta de consentimento esclarecido; se o A. não poderia ter respondido, na réplica apresentada, aos arts. 9 e 10 da contestação, devendo a Base Instrutória ser expurgada do seu artigo 25) e se o ónus da prova do esclarecimento não recaía sobre a R.; se o conteúdo daquele artigo 25) da Base Instrutória é insusceptível de prova; se deveria ter sido incluída na Base Instrutória a matéria dos arts. 5 a 8, 11 a 17 e 20 a 23 da contestação e respectivas consequências; se está demonstrado, porque provado documentalmente que a R. obteve por escrito o consentimento do A. e devem ser alteradas as respostas aos artigos 23) e 24) da Base Instrutória. * IV – 1 - Na sentença recorrida foi considerado inicialmente que o A. intentou a acção com base na responsabilidade civil extracontratual, alegando que houve violação da sua integridade física (fls. 516). Contudo, mais adiante (fls. 522) diz-se que o A. invoca dois fundamentos para a acção, incumprimento contratual por um lado, por uso de má técnica cirúrgica, e, por outro, falta de consentimento esclarecido do A.. Quanto ao primeiro fundamento assinalado entendeu o Exº Julgador de 1ª instância não se haver apurado que os danos sofridos pelo A. tenham resultado, da má técnica utilizada ou de incúria ou uso de força excessiva por parte da R., apenas se apurando estarmos perante uma complicação grave descrita na literatura, um risco que pode suceder. Daí haver concluído decair o primeiro fundamento aduzido pelo A.. Quanto ao segundo fundamento foi entendido não ter a R. logrado provar que cumpriu com o dever de esclarecimento relativamente aos riscos da cirurgia a que o A. se submeteu, riscos previstos na literatura e que vieram a suceder, quando tal ónus lhe competia, havendo por esta banda – porque a R. não prestou o dever de esclarecimento de modo a obter um consentimento válido – obrigação de indemnizar. A apelante que não põe em causa o enquadramento da situação dos autos no âmbito da responsabilidade contratual - aliás na 1ª conclusão da alegação de recurso ela começa por nos dizer que «o fundamento para a presente acção é tão-somente o incumprimento contratual por uso de má técnica cirúrgica» - discorda de um dos fundamentos a ter em consideração ser a falta de consentimento esclarecido. Assim, a apelante argumenta, em primeiro lugar, que a falta de consentimento esclarecido, em que a sentença se baseou não é aludido na petição, apenas sendo mencionado na réplica, pelo que a R. não poderia ser condenada com base em tal. Deste modo a apelante sustenta que o juiz se serviu, para a condenar, de um fundamento que o A. não elegera na p.i. apresentada. É certo que é na p.i. que o A. deve expor os actos que servem de fundamento à acção (nº 1-d) do art. 467 do CPC), que citado o R. a instância se deve manter a mesma quanto à causa de pedir (art. 268 do CPC) sem prejuízo das possibilidades de alteração previstas na lei (arts. 272 e 273 do CPC) que é necessário que haja identidade entre a causa de pedir e a causa de julgar. Todavia, basta analisar a p.i. para concluir pela sem razão da apelante. O A. fundamente o pedido deduzido no que reconduz a um erro médico da R., mas também se alicerça na circunstância de, anteriormente à intervenção, a R. não haver informado o A. dos riscos decorrentes da operação, obstando a que ele exercesse o seu direito ao consentimento informado, sendo que caso tivesse esse conhecimento prévio não teria consentido na realização da intervenção (arts. 16 e 39 a 41 da p.i.). Não procede, pois, nesta parte, a argumentação da R.. * IV – 2 - As questões que seguidamente são colocadas pela apelante impõem que desenvolvamos previamente algumas considerações genéricas conexionadas com o caso dos autos, visto a resolução dessas questões resultar das posições que venhamos a tomar. Como salienta Teixeira de Sousa ([1]) a obrigação médica envolve «um dever principal – o dever de promover ou restituir a saúde, suavizar os sofrimentos e prolongar a vida do doente – que é acompanhado por vários deveres acessórios», entre os quais o de esclarecer o doente e de obter o seu consentimento, sendo que o desrespeito de qualquer destes deveres constitui o médico em responsabilidade civil. Aquela obrigação principal assumida pelo médico é maioritariamente classificada como tratando-se de uma obrigação de meios ([2]) – o médico estará obrigado a desenvolver a sua actividade, prudentemente e com diligência tendo em vista a obtenção de um determinado efeito, mas não lhe é exigível a obtenção de um resultado efectivo, ou seja a cura do paciente. Já Antunes Varela ensinava ([3]) que nas obrigações de meios não bastará, a prova da não obtenção do resultado previsto com a prestação, para se considerar provado o não cumprimento. «Não basta alegar a morte do doente ou a perda da acção para se considerar em falta o médico que tratou o paciente ou o advogado que patrocinou a causa. É necessário provar que o médico ou o advogado não realizaram os actos em que normalmente se traduziria uma assistência ou um patrocínio diligente, de acordo com as normas deontológicas aplicáveis ao exercício da profissão». Ou, como referem Figueiredo Dias e Sinde Monteiro ([4]), a natureza da obrigação, aqui como em outras áreas da responsabilidade profissional, leva a aceitar que «o doente tem de provar objectivamente que não lhe foram prestados os melhores cuidados possíveis, nisto consistindo o incumprimento do contrato». Caberá, pois, ao autor alegar – e posteriormente provar – a objectiva desconformidade entre os actos praticados pelo médico e as legis artis, assim como o nexo de causalidade entre esses actos e os danos. Aplicar-se-á, todavia, á responsabilidade contratual do médico a presunção de culpa constante do nº 1 do art. 799 do CC – o ónus da prova da culpa incide, também nas obrigações de meios, sobre o devedor ([5]). * IV – 3 - No que concerne ao dever de esclarecimento trata-se, como vimos, de um dos deveres que recai sobre o médico, dele dependendo a validade do consentimento do paciente. Refere Guilherme de Oliveira ([6]) que «a relação contratual parece ser a que quadra mais nitidamente com a obtenção do consentimento esclarecido do doente», mas «o dever de obter o consentimento informado do doente funda-se num direito inato de personalidade e não depende, na sua afirmação básica, da estrutura contratual em que se pratique o acto médico. Assim, «a necessidade de obter o consentimento informado assenta na protecção dos direitos à integridade física e moral do doente» e «embora possa variar a estrutura jurídica em que se executa o acto médico, essa diversidade não tem qualquer influência na necessidade de obter um consentimento informado do doente, antes da intervenção concreta». A informação deverá ser suficiente para que o doente se possa considerar esclarecido. Deste modo, os «elementos relevantes serão, pelo menos, aqueles que uma pessoa média, no quadro clínico que o paciente apresenta, julgaria necessários para tomar uma decisão (o chamado padrão do doente médio). Por exemplo, um risco desprezível para os especialistas pode ser relevante para a informação dos pacientes…». Concluindo que a «informação suficiente é um requisito da validade do consentimento. Provado que não foi prestada informação ou que ela foi insuficiente para sustentar um consentimento esclarecido, o consentimento obtido é anulado e o acto médico passa a ser tratado como um acto não autorizado …» André Gonçalo Dias Pereira ([7]) igualmente menciona que o fim principal do dever de esclarecimento «é permitir que o paciente faça conscientemente a sua opção, com responsabilidade própria face à intervenção, conhecendo os seus custos e consequências, bem como os seus riscos, assumindo-se assim o doente como senhor do seu próprio corpo», concluindo que quando o médico não cumpriu devidamente o seu dever de esclarecimento o consentimento deve considerar-se, em regra, inválido ([8]). No que concerne ao ónus da prova defende este autor ([9]) que a prova da falta de informação é, ainda, mais dificil do que a prova da ausência do consentimento, afirmando: «No direito português e no direito comparado têm sido esgrimidos argumentos num e noutro sentido, mas a orientação absolutamente dominante, nos dias de hoje, é a de que, em princípio, compete ao médico provar que prestou as informações devidas; por outro, apela-se ao princípio da colaboração processual no sentido de que cada parte deve contribuir com os elementos probatórios que mais facilmente lhe possam ser exigidos». Especificando: «Na doutrina portuguesa não há ainda unanimidade de opiniões. Alguns Autores entendem que o paciente tem o ónus da prova de que não prestou o seu consentimento ou não foi devida e cabalmente informado antes de consentir. Baseiam-se, fundamentalmente, no princípio de que que “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado” (art. 342, nº 1, CC). Outros, porém, entendem que o consentimento funciona como causa de exclusão da ilicitude, pelo que “a prova dos factos impeditivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita”, isto é, o ónus da prova do consentimento, como causa excluídora da ilicitude, cabe ao médico (art. 342, nº 2, CC). Numa palavra, o consentimento é uma causa de justificação, e a informação adequada um pressuposto da sua validade; pelo que poderemos considerar o consentimento em termos probatórios como um facto impeditivo, daí resultando que, nos termos do art. 342, nº 2, a prova destes factos compete àquele contra quem a invocação é feita, isto é, ao médico». Para concluir que tendo em conta o princípio do equílibrio processual, da impossibilidade da prova do facto negativo, a facilidade relativa da prova para o médico e os exemplos do direito estrangeiro, entender – com Orlando de Carvalho, Figueiredo Dias, Sinde Monteiro, Costa Andrade e Capelo de Sousa - que o onus probandi do cumprimento de dever de informar e do dever de obter o consentimento recai sobre o réu. * IV – 4 - Tecidas estas considerações genéricas que nos ajudarão a situar nas opções a realizar, debrucemo-nos sobre o que nos diz a apelante quanto à relevância para a decisão da causa do por ela alegado nos arts. 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º e 23.º da contestação que, na sua perspectiva, deveriam integrar a Base Instrutória. Comecemos por referir que oportunamente a apelante não reclamou da base instrutória com base na respectiva deficiência por não ter integrado aquela matéria de facto (nº 2 do art. 511 do CPC), muito embora haja reclamado quanto à inclusão na Base Instrutória dos seus artigos 42) e 43) (fls. 194). Sucede que mesmo sem reclamação oportuna, nem por isso os eventuais vícios existentes ficarão sanados, ficando precludida a questão. A Relação poderá anular (mesmo oficiosamente) a decisão proferida em 1ª instância quando considere indispensável a ampliação da matéria de facto, nos precisos termos previstos no nº 4 do art. 712 do CPC. Ora, a ampliação é indispensável quando a selecção da matéria de facto controvertida que foi realizada é insuficiente, podendo comprometer o êxito da acção. Vejamos, pois. No que concerne aos arts. 5 a 7 da contestação, a matéria em causa, no que tem de relevante, já se encontra incluída nas respostas aos artigos 3) a 10) da Base Instrutória. À insistência do A. aludida no art. 8 da contestação, por seu turno, é feita referência no artigo 24) da Base Instrutória. O teor do art. 11 da contestação, no que tem de relevante – concretamente que a cirurgia se efectuou – não sofre dúvida, conforme resulta do ponto 6) dos factos provados. Quanto ao teor do art. 12 da contestação o mesmo não se afigura relevante e a data em que o A. teve alta resulta da resposta ao artigo 14) da Base Instrutória. O mais que consta dos arts. 13 a 17 da contestação não nos parece indispensável para a decisão, visto traduzir-se em factos posteriores á intervenção cirúrgica. Diferentemente se apresenta a questão quanto aos factos que constam dos arts. 19 a 23 da contestação. Face ao que supra expusemos no que concerne à presunção de culpa e consequente inversão do ónus da prova, havendo-se provado que em consequência da intervenção cirúrgica o A. sofreu paralisia facial subsequente, à direita, e que sofreu as lesões descritas na matéria de facto como consequência directa e necessária daquela intervenção em que a R. atingiu o ouvido médio e o ouvido interno quando se deveria circunscrever ao ouvido externo, afigura-se-nos que teria interessado saber: se a R./apelante quando do acto médico-cirúrgico praticado no A. obedeceu aos “protocolos da técnica cirúrgica mais actualizada socorrendo-se de toda a sua experiência e capacidade”; se o que “aconteceu com o A. foi uma complicação cirúrgica descrita na literatura como podendo ocorrer nestas intervenções em percentagem residual (exostose aderente à membrana timpânica na região ossicular, não descrita no relatório do TAC)”; se “face ao ocorrido fez-se exploração diagnóstica da caixa do tímpano verificando-se disrupção da cadeia ossicular, tendo-se procedido à ossiculoplastia e timpanoplastia, com posterior encerramento e tamponamento do canal auditivo”, “acções tendentes a minimizar as lesões ocorridas”. Temos, pois, que se mostrariam relevantes para a decisão os mencionados factos constantes dos arts. 19 a 23 da contestação e que deveriam ter integrado a base instrutória. A relevância de tais factos comprova-se com a circunstância de a sentença recorrida, como vimos, ter acrescentado aos factos considerados provados: «Prova documental nos termos do artigo 659º do CPC 34º Consta no relatório pericial a que o A foi submetido (…) “que estamos perante uma complicação grave neste tipo de cirurgia possível de acontecer e descrita na literatura. Não temos dados objectivos para afirmar a violação da legis artis.”- cfr. doc. de fls. 395 cujo teor se dá por reproduzido». Socorrendo-se, depois, de tal na construção que veio a ser desenvolvida ([10]). Efectivamente, face ao nº 3 do art. 659 do CPC, na fundamentação da sentença o juiz tomará em consideração «os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo deu como provados». Ora, o que consta do relatório pericial e acima transcrito não se inclui em nenhuma daquelas categorias. Temos, apenas, um relatório pericial, apresentado por escrito, em que a força probatória das respostas dos peritos, ali concretizada, é fixada livremente pelo tribunal, nos termos do art. 389 do CC. Deste modo, estarmos “perante uma complicação grave neste tipo de cirurgia possível de acontecer e descrita na literatura. Não temos dados objectivos para afirmar a violação da legis artis” é o que os peritos consideram, não se tratando de elemento efectivamente adquirido nos autos. Aquele relatório contribuiria para a convicção do julgador quando este respondesse a pontos concretos da Base Instrutória, sujeitos, no âmbito do princípio do contraditório, á discussão e prévia apresentação de provas por qualquer das partes, não sendo legítimo, sem mais, extrair segmentos do mesmo para fundamentação da sentença. Sucede que tal matéria interessaria essencialmente para decidir o que a sentença recorrida entendeu ser o primeiro dos fundamentos da acção. Obviamente que a apelante não pretenderá pôr em causa essa parte da sentença, mas apenas aquela em que o Tribunal de 1ª instância entendeu haver falta de consentimento esclarecido do A., por isso condenando a R.. Nestas circunstâncias, não se justifica anular a decisão proferida em 1ª instância com vista à ampliação da matéria de facto, nos termos do nº 4 do art. 712 do CPC, tanto mais que não ocorreu requerimento de ampliação do âmbito do recurso, nos termos do nº 1 do art. 684-A do CPC. * IV – 5 - Sustenta, também, a apelante que o por si articulado nos arts. 9 e 10 da contestação (ou seja, que explicitou ao A. todos os riscos inerentes à técnica cirúrgica, descritos em todos os livros da especialidade, o risco de lesões do facial e cadeia ossicular e que o A. ficou bem ciente e insistiu pela cirurgia) não constitui matéria de excepção, não lhe podendo o A. ter respondido, face ao disposto no nº 1 do art. 502 do CPC, pelo que na parte em que a tal responde estamos perante um acto não permitido, devendo a Base Instrutória ser expurgada do seu artigo 25) cuja resposta deve ser considerada não escrita. Vejamos. Atento o disposto no nº 1 do art. 502 do CPC á contestação pode o autor responder na réplica, se for deduzida alguma excepção e somente quanto à matéria desta. Mesmo que se considerasse que a matéria dos arts. 9 e 10 da contestação não é matéria de excepção mas, apenas, de impugnação estaríamos, então, perante uma nulidade processual prevista pelo nº 1 do art. 201 do CPC que dispõe: «Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa». De acordo com o nº 1 do art. 205 do CPC se a parte não estiver presente no momento em que a nulidade foi cometida, o prazo para a arguição conta-se do dia em que «depois de cometida a nulidade a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência». Ora, a R. foi notificada da réplica à qual, aliás, respondeu (fls. 125-126), ali dizendo aceitar factos alegados pelo A. (os quais concretiza) e, no mais, manter «todo o alegado na contestação, impugnando assim todo o conteúdo factual da, aliás douta, réplica, que não tenham sido aceites supra». Tendo, com a notificação, tido conhecimento da nulidade que agora afirma ter sido cometida – ou dela devendo ter conhecimento - nada então referiu sobre o excesso do A., somente agora arguido, por via de recurso. A haver nulidade ela ter-se-ia sanado por falta de reclamação oportuna, sendo extemporânea e deslocada a pretensão formulada por via de recurso de que seja tida por não escrita a réplica do A. na parte em que excede a resposta à excepção. * IV – 6 – Acresce que, aderindo à posição de André Gonçalo Dias Pereira acima expressa, entendemos quanto à matéria daqueles arts. 9 e 10 da contestação, referentes à informação que a R. teria prestado ao A. sobre os riscos da intervenção cirúrgica e ao consentimento do A. depois de bem ciente daqueles riscos, competia à R. prová-la, visto o ónus da prova do consentimento informado recair sobre o médico, sendo o consentimento um facto impeditivo. Assim, o A. podia responder a tal matéria na réplica apresentada, sendo de manter o artigo 25) da Base Instrutória e a respectiva resposta. * IV – 7 - A apelante também se insurge quanto à susceptibilidade de prova, por ser conclusivo, do facto constante do artigo 25) da Base Instrutória, em que se perguntava: «Caso o A. tivesse conhecimento prévio dos riscos da intervenção cirúrgica não teria consentido na sua realização?». Não se nos afigura que assim seja. É sabido que deverão ser excluídas da condensação, bem como do elenco dos factos provados, as alegações com conteúdo técnico-jurídico ou conclusivas, embora quanto a estas as dificuldades de delimitação sejam frequentes, designadamente no que concerne aos juízos de valor. O facto em causa, todavia, não se reconduz a tal. A propósito dizia-nos Anselmo de Castro ([11]) que são «factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os factos reais como os simplesmente hipotéticos», bem como que são de «equiparar aos factos, os juízos que contenham subsunção a um conceito jurídico geralmente conhecido; por outras palavras, os que, contendo a enunciação do facto pelos próprios caracteres gerais da lei, sejam de uso corrente na linguagem comum, como "pagar", "emprestar", "vender", "arrendar", "dar em penhor", etc.». Teremos aqui um facto hipotético – “o que teria acontecido se o A. houvesse tido conhecimento dos riscos”, que não conclusivo nem insusceptível de prova. O que nos leva, mais uma vez, a concluir pela manutenção do referido facto entre os factos provados. * IV – 8 - Quanto aos artigos 23) e 24) da Base Instrutória defende a apelante que «ficou inequivocamente provado que o A. deu o seu consentimento escrito e que declarou o que igualmente lá consta». Propõe, em consequência, que as respostas àqueles dois artigos da B.I. passem a ser as seguintes: «23.º - Provado apenas que a R. explicou em que consistia a operação.» «24.º - Provado apenas o que consta do documento de fls.». Perguntava-se naqueles artigos: 23 - «A ré explicitou, pormenorizadamente, todos os riscos inerentes à técnica cirúrgica, designadamente o risco de lesões do facial e cadeia ossicular pela proximidade da intervenção com as referidas estruturas?» 24 - «O A. ficou bem ciente de tais riscos e insistiu pela cirurgia?» Não elucida com propriedade a apelante em que meios concretos fundamenta a sua pretensão, crendo-se que o fará, tão só, com base no documento de fls. 254. Todavia, o documento em referência, por si só não prova plenamente tudo o que está perguntado naqueles artigos da Base Instrutória. Por outro lado, o Tribunal de 1ª instância fundamentou-se, quando respondeu negativamente aos mencionados artigos, na ausência de prova suficiente e credível, aduzindo: «…pese embora , a testemunha “E” tenha referido que a R. efectuou o esclarecimento médico subjacente ao consentimento informado, nos termos em que está questionado, por fazer parte do procedimento médico, que certamente a R. não omitiu, o tribunal não logrou ficar convencido de tal factualidade, desde logo pela conjugação com o teor do documento de fls. 254, valorado na sua objectividade, que ainda que assinado pelo A. não está assinado pela R. concatenado com o depoimento da testemunha “F” que acompanhou o seu marido na consulta pré operatória e não ouviu da parte da R. qualquer explicação inerente aos riscos da cirurgia». A simples existência do documento de fls. 254 não abala este raciocínio, sendo certo que a apelante não menciona entre os concretos meios probatórios, que impunham decisão diferente sobre estes pontos da matéria de facto os depoimentos das testemunhas que a esta matéria foram inquiridas. Entende-se, pois, serem de manter as respostas a que nos reportamos. * IV – 9 – Improcedendo, como improcedem todas as questões colocadas pela R. nas suas conclusões da alegação de recurso ([12]) o resultado final terá de ser aquele que foi encontrado pelo Tribunal de 1ª instância. * V – Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação confirmando a sentença recorrida. Custas pela apelante. * Lisboa, 10 de Outubro de 2013 Maria José Mouro Teresa Albuquerque Isabel Canadas ----------------------------------------------------------------------------------------- [1] Em «Sobre o Ónus da Prova Nas Acções de Responsabilidade Civil Médica», em «Direito da Saúde e Bioética», edição da AAFDL, 1996, pags. 123 a 144. [2] Estamos, aqui, no âmbito da responsabilidade contratual, aquela em que se colocou a sentença e se situa a apelante, pese embora seja de ter conta neste domínio a concorrência ou cúmulo de responsabilidades, contratual e extracontratual que são fonte de uma única obrigação - o médico que agindo negligentemente atinge a integridade física do paciente poderá responder nos termos dos arts. 70 e 483 do CC. Neste sentido, diziam Figueiredo Dias e Sinde Monteiro em «Responsabilidade Médica em Portugal», no BMJ nº 332, pag. 40: «O mesmo facto pode constituir uma violação do contrato e um facto ilícito (…) Pensamos que na inexistência de uma norma que especificamente venha dizer o contrário, se deve aceitar, como a “solução natural”, a da concorrência (rectius, cúmulo) de responsabilidades». [3] «Das Obrigações em Geral», Almedina, 3ª edição, II vol., pag. 98. [4] «Responsabilidade Médica em Portugal», no BMJ nº 332, pag. 46. [5] Ver, designadamente, Figueiredo Dias e Sinde Monteiro, obra citada, pags. 45-46, Henriques Gaspar, em «A Responsabilidade Civil do Médico», Colectânea de Jurisprudência, ano III, tomo 1, pags. 344-345, André Gonçalo Dias Pereira, «O Consentimento Informado na Relação Médico-Paciente», Coimbra, pag. 426. [6] Em «Estrutura Jurídica do Acto Médico, Consentimento Informado e Responsabilidade Médica», RLJ, ano 125, respectivamente, pags. 72, 73 e 169. [7] «O Consentimento Informado na Relação Médico-Paciente», Coimbra, pag. 56. [8] Pags. 176-177. [9] Pags. 191 e 199-200. [10] Assim, a fls. 523: «No caso vertente apesar de se ter provado que ocorreu a hipoácusia na decorrência da lesão do ouvido médio e interno e a desnervação global do nervo facial direito do A. não se apurou em sede da matéria de facto qual o erro médico, se o houve, e o que lhe deu origem. Ou seja, não se apurou se existiu um acto ilícito e negligente ou mesmo doloso. Apenas se apurou estarmos perante uma complicação grave descrita na literatura, ou seja, um risco que pode suceder, mas não se apurou a origem do mesmo». [11] Em «Direito Processual Civil», vol. III, pags. 268-269. [12] A questão referente à relevância da matéria de facto por si invocada na contestação e não levada à Base Instrutória, não se traduz propriamente em improcedência, mas em inutilidade. | ||
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