Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2920/18.7T9LSB-A.L1-5
Relator: ALEXANDRA VEIGA
Descritores: REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
INCUMPRIMENTO
OBRIGAÇÕES
CULPA GROSSEIRA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/03/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: 1. É jurisprudência tendencialmente unanime que a revogação da suspensão da execução da pena por incumprimento do agente das obrigações impostas só pode ocorrer se o incumprimento se verificar com culpa grosseira.
2. A arguida, ciente da obrigação que sobre si impendia, não a interiorizou. Manifestamente não a cumpriu, no todo ou em parte, apesar de, pelo menos à data do julgamento e até ao trânsito em julgado da sentença condenatória, ter fonte de rendimento e, assim, forma de pagar, pelo menos parcialmente, a quantia em causa.
3. Sem nunca ter vindo dar conta de quaisquer alterações supervenientes das suas condições pessoais, nomeadamente económicas, só quando foi ouvida -já em situação de incumprimento – as alegou, e embora tenha ficado de demonstrar nos autos que, conforme as suas declarações, já havia procedido parcialmente ao pagamento das pensões de alimentos devidas aos seus três filhos, bem como, proceder ao pagamento daí em diante de 50,00, 60,00 mensais, nada fez, não justificando a sua omissão. Acresce que foi notificada para se pronunciar sobre a revogação da suspensão da execução da pena e nada disse, o que não pode deixar de ser entendido como um profundo desinteresse da sua parte, não obstante as oportunidades conferidas.
4. Nesta conformidade o seu comportamento destruiu a esperança que se depositou na sua recuperação. Repare-se que entre a condenação e a decisão de revogação da suspensão da execução da pena passaram-se mais de três anos sem que a arguida demonstrasse a efetiva impossibilidade de satisfazer total ou parcialmente a obrigação imposta. Não pagou qualquer cêntimo porque manifestamente não quis, revelando indiferença e distanciamento perante o seu dever, pelo que se revelam desadequadas qualquer uma das medidas previstas no art.º 55.º do C.P.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes Desembargadores da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório
No Processo: 2920/18.7T9LSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal de Lisboa - Juiz 6 - foi proferido despacho, com o seguinte teor:
«A arguida requereu prazo de dez dias para comprovar as transferências bancárias que efectuara, o que lhe foi concedido, a título de última oportunidade para demonstrar a desnecessidade de cumprimento da pena detentiva, para realização das finalidades da punição.
Porém, a arguida nada veio comprovar.
A Digna Magistrada do M.P. pugnou pela revogação da pena de substituição, nos termos do disposto no art.º 56º, nº 1, al. a), do CP, considerando que, face ao incumprimento da condição a que ficou sujeita a suspensão da pena de prisão aplicada, “o juízo de prognose favorável ao comportamento da Condenada, o qual esteve subjacente à suspensão da execução da pena de prisão aplicada, deixou de se verificar, revelando a mesma, com o seu comportamento reiterado, de alheamento em relação à presente condenação, a violação grosseira e repetida do dever lhe foi imposto, demonstrando, assim, que as finalidades que estiveram na base da suspensão não foram alcançadas”.
Notificada a arguida, na pessoa da Il. Defensora, nada veio dizer.
Cumpre decidir.
Conforme já exposto supra, aquando da análise das declarações da arguida, a mesma alheou-se totalmente da pena de substituição que lhe foi aplicada, não cumprindo, sequer parcialmente, o dever a que ficou adstrita.
As justificações que apresentou são inidóneas a explicar a total ausência de cumprimento, uma vez que apenas poderiam justificar um incumprimento parcial e eventuais requerimentos no sentido da prorrogação do prazo para realização do pagamento, que não ocorreram.
Deste modo, concordando com a posição da Digna Magistrada do M.P., conclui-se que a arguida infringiu, grosseira e repetidamente, o dever imposto, mostrando uma ilegítima sensação de impunidade que, infelizmente, não é rara quando a pena de substituição é de natureza não detentiva, ou seja, uma pena de substituição stricto sensu.
Nestes termos, parece-nos claro que as finalidades que estiveram na base da aplicação da pena de substituição não foram alcançadas, tendo a arguida infirmado o prognóstico positivo, que foi feito, sobre a suficiência da ameaça da pena de prisão para a realização das finalidades da punição.
Pelo exposto, decide-se revogar a suspensão da execução da pena de prisão e determinar o cumprimento efectivo da pena de doze meses de prisão que foi aplicada à arguida.
Notifique.
Após trânsito, remeta boletins ao registo criminal e expeça mandados para cumprimento da pena de prisão.»
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Não se conformando com a decisão proferida, recorreu a arguida, AA, formulando as seguintes conclusões:
A arguida ao tomar consciência da gravidade das suas ações e inações, facto que só aconteceu quando já tardiamente teve contacto com o tribunal, fez um enorme esforço para cumprir com a pena que foi condenada, encontrando-se apta, dentro de dois meses, a efetuar o pagamento da totalidade da quantia, ou seja, € 5.127,48, correspondente à totalidade das prestações de alimentos não pagas, verificando-se de facto, um arrependimento sincero dos atos praticados.
Assim, entende-se que a Douta Sentença objeto de recurso, não valorou o arrependimento da arguida na sua inquirição, sendo tal arrependimento espelhado no seu agora esforço, que permitirá ressarcir o progenitor detentor da guarda das então menores, dos montantes até agora em falta.
De salientar, ainda, que o certificado de registo criminal da arguida/recorrente, não averba qualquer condenação, facto este que também não foi tido em consideração aquando da revogação da suspensão da execução da pena.
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Notificado para tanto, respondeu o Ministério Público concluindo nos seguintes termos:
Invoca a Arguida que, “ao tomar consciência da gravidade das suas ações e inações, facto que só aconteceu quando já tardiamente teve contacto com o tribunal, fez um enorme esforço para cumprir com a pena que foi condenada, encontrando-se apta, dentro de dois meses, a efetuar o pagamento da totalidade da quantia, ou seja, € 5.127,48 correspondente à totalidade das prestações de alimentos não pagas, verificando-se de facto, um arrependimento sincero dos atos praticados” (cfr. 1º parágrafo das conclusões das alegações de recurso)
Contudo, tal como já referido pelo MP quando promoveu a revogação da suspensão (cfr. ref. nº 436427119, de 12/7/2024), continuamos a entender que, “face ao incumprimento da condição a que ficou sujeita a suspensão da pena de prisão aplicada, o juízo de prognose favorável ao comportamento da condenada, o qual esteve subjacente à suspensão da execução da pena de prisão aplicada, deixou de se verificar, revelando a mesma, com o seu comportamento reiterado, de alheamento em relação à presente condenação, a violação grosseira e repetida do dever lhe foi imposto, demonstrando, assim, que as finalidades que estiveram na base da suspensão não foram alcançadas”, tendo-se, por isso, promovido a revogação da suspensão da execução da pena única de 12 meses de prisão, nos termos do disposto no art.º 56º, nº 1, al. a), do CP.
Tendo decorrido o período de suspensão, o qual terminou em 3/3/2023, atenta a notícia de que não foi feito qualquer pagamento em relação ao valor causa, foi a Condenada ouvida em 25/10/2023 (cfr. ref. nº 429782033), tendo a mesmo vindo alegar que a sua situação de desemprego impossibilita o cumprimento da obrigação em apreço, invocando, no entanto, que foram pagas algumas prestações, solicitando prazo de 10 dias para juntar o comprovativo do respectivo pagamento, assim como se comprometeu a, a partir daí, efectuar o pagamento mensal de cerca de 50/60 €/mês, com a ajuda do seu Companheiro, o que, no entanto, não veio a ocorrer até aos dias de hoje, em Abril de 2025.
Como bem salientou o Tribunal a quo, as justificações que a Arguida apresentou “são inidóneas a explicar a total ausência de cumprimento, uma vez que apenas poderiam justificar um incumprimento parcial e eventuais requerimentos no sentido da prorrogação do prazo para realização do pagamento, que não ocorreram” (cfr. pág. 2 do despacho recorrido).
Deste modo, concordamos com o sentido da decisão recorrida, na medida em que “a Arguida infringiu, grosseira e repetidamente, o dever imposto, mostrando uma ilegítima sensação de impunidade que, infelizmente, não é rara quando a pena de substituição é de natureza não detentiva, ou seja, uma pena de substituição «stricto sensu»” (cfr. pág. 2 do despacho recorrido).
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Neste Tribunal da Relação de Lisboa foram os autos ao Ministério Público tendo sido emitido parecer no sentido da improcedência do recurso, concordando com as alegações proferidas em primeira instância pela Digna Procuradora.
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Cumprido o disposto no art.º 417.º/2 do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta ao parecer.
Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência.
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Cumpre decidir.
Objeto do recurso:
Nos termos do art.º 412.º do Código de Processo Penal, e de acordo com a jurisprudência há muito assente, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação por si apresentada. Não obstante, «É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito» [Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 7/95, Supremo Tribunal de Justiça, in D.R., I-A, de 28.12.1995]
Desta forma, tendo presentes tais conclusões, são as seguintes as questões a decidir: se as finalidades que estiveram na base da suspensão da execução da pena não foram alcançadas e se, em consequência, a revogação da suspensão da execução da pena corresponde a uma verdadeira frustração da finalidade prosseguida pela suspensão da execução da pena, atento o comportamento da condenada.
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2. Fundamentação:
Decorrências processuais:
A arguida foi condenada, por decisão proferida em 7/12/2021 - Referência: 411135753 - e transitada em julgado em 3/03/2022 pela prática, como autora material de três crimes de violação da obrigação de alimentos p.p. pelo art.º 250º/3 do Código Penal relativamente às menores BB, CC e DD, na pena de 6 meses de prisão por cada um dos crimes praticados.;
Ao abrigo do disposto no art.º 77º do Código Penal foi condenada na pena única de 12 (doze) meses de prisão suspensa na sua execução pelo mesmo período, nos termos conjugados do art.º 50º/1 e 5 do Código Penal, e sujeita à obrigação de a arguida pagar ao pai das menores, no prazo de suspensão da pena, o valor de € 5.127,48 correspondente à totalidade das prestações de alimentos não pagas. – art.º 52º/1 al. b) Penal.
A decisão condenatória deu como provado que a arguida se encontrava a trabalhar, pelo menos desde janeiro de 2015 auferindo remuneração média mensal de €650,00.
Em 5/07/2023 o pai das menores veio informar que a arguida não havia pago qualquer quantia a que ficou condicionada a suspensão da execução da pena - ref.ª 36458013 de 05-07-2023.
Em face do não cumprimento da condição determinada foi proferido despacho para audição da arguida - Referência: 427637074 -a qual teve lugar no dia 25-10-2023 Referência: 429782033- tendo a mesma vindo alegar que a sua situação de desemprego, sem referir em que data ficou desempregada, impossibilita o cumprimento da obrigação em apreço, invocando, no entanto, que foram pagas algumas prestações, solicitando prazo de 10 dias para juntar o comprovativo do respectivo pagamento, assim como se comprometeu a, a partir daí, efectuar o pagamento mensal de cerca de 50/60 €/mês, com a ajuda do seu Companheiro, o que, no entanto, não veio a ocorrer. Referiu, ainda, que em março de 2022 estava empregada, ganhava o salário mínimo, que se despediu e não estava a receber subsídio de desemprego.
Desde então nada veio comprovar ou dizer aos autos, nem justificou a sua omissão.
Os Autos foram com vista ao Ministério Publico que promoveu o seguinte:
A AA foi condenada nestes autos, pela prática de três crimes de violação da obrigação de alimentos, na pena única de 12 meses de prisão, cuja execução ficou suspensa por igual período, subordinada à obrigação de pagar ao pai das menores o valor de 5127,48 €, correspondente à totalidade das prestações de alimentos em falta, tendo a sentença transitado em julgado em 3/3/2022.
Tendo decorrido o período de suspensão, atenta a notícia de que não foi feito qualquer pagamento em relação ao valor causa, foi a Condenada ouvida em 25/10/2023 (cfr. ref. nº 429782033), tendo a mesmo vindo alegar que a sua situação de desemprego impossibilita o cumprimento da obrigação em apreço, invocando, no entanto, que foram pagas algumas prestações, solicitando prazo de 10 dias para juntar o comprovativo do respectivo pagamento, assim como do pagamento mensal de cerca de 50/60 €/mês que, com a ajuda do seu Companheiro conseguiria realizar daí para a frente, o que, no entanto, não veio a ocorrer.
Assim, face ao incumprimento da condição a que ficou sujeita a suspensão da pena de prisão aplicada, o juízo de prognose favorável ao comportamento da Condenada, o qual esteve subjacente à suspensão da execução da pena de prisão aplicada, deixou de se verificar, revelando a mesma, com o seu comportamento reiterado, de alheamento em relação à presente condenação, a violação grosseira e repetida do dever lhe foi imposto, demonstrando, assim, que as finalidades que estiveram na base da suspensão não foram alcançadas, promovendo-se, por isso, a revogação da suspensão da execução da pena de 12 meses de prisão, nos termos do disposto no art.º 56º, nº 1, al. a), do CP. - Referência: 436427119.
Foi dado o contraditório à arguida para se pronunciar – despacho Referência: 437639814
A arguida, bem como o Defensor, foram notificados do despacho e nada disseram, nem justificaram – Referência 441484806 e Referência: 441485017.
Em 3/01/2025 foi proferido o despacho Referência: 441177465, sob recurso.
2.1 Cumpre decidir:
Nos presentes autos está em causa a revogação da suspensão da execução da pena à recorrente, com base no fundamento previsto na alínea a) do artigo 56.º, n.º 1 do Código Penal.
Como é sabido, a suspensão da execução da pena de prisão é uma pena de substituição cujo cumprimento é feito em liberdade e pressupõe a prévia determinação da pena de prisão, em lugar da qual é aplicada e executada.
Para além do pressuposto formal de que a medida da pena imposta ao agente não seja superior a cinco anos de prisão, a suspensão da execução da pena de prisão tem como pressuposto material a formulação de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento daquele, em que o tribunal conclua que, atenta a sua personalidade, as condições de vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as respetivas circunstâncias, a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal).
O juízo de prognose favorável reporta-se ao momento em que a decisão é tomada e pressupõe a valoração conjunta de todos os elementos que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do agente, no sentido de que irá sentir a condenação como uma solene advertência, ficando o cumprimento da condição prevenido com a ameaça da prisão. Por sua vez, a revogação da suspensão, ato decisório que determina o cumprimento da pena de prisão substituída, não constitui uma consequência automática da conduta do condenado, antes depende da constatação de que as finalidades punitivas que estiveram na base da aplicação da suspensão já não podem ser alcançadas através dela, infirmando-se definitivamente o juízo de prognose sobre o seu comportamento futuro.
Conforme se lê no acórdão desta mesma relação de Lisboa – processo 4/01.6GDLSB.L1-9, de 24-09-2015- IGFEJ – Bases Jurídico-documentais -
« (…) Na verdade, uma vez que, como ensina Figueiredo Dias, «a suspensão da execução da pena de prisão não representa um simples incidente, ou mesmo só uma modificação, da execução da pena, mas uma pena autónoma e portanto, na sua acepção mais estrita e exigente, uma pena de substituição», a revogação da suspensão da execução da pena acaba por consistir na aplicação de uma outra pena, conquanto já determinada: a pena de prisão.
Por isso, porque a revogação contende com a liberdade do arguido, atingindo-o na sua esfera jurídica, a mesma terá de processar-se em conformidade com os princípios que enformam o processo penal, designadamente aqueles que merecem consagração constitucional, como é o caso do consignado no art.º 32.º, n.º 1, da CRP, segundo o qual o processo criminal assegura todas as garantias de defesa.
Uma dessas garantias de defesa consubstancia-se na observância do direito de audiência, que implica que a declaração do caso penal concreto não seja apenas tarefa do juiz ou do tribunal (concepção “carismática” do processo), mas tenha de ser tarefa de todos os que participam no processo (concepção democrática do processo) e se encontrem na situação de influir naquela declaração de direito, de acordo com a posição e funções processuais de cada um.
E o princípio do contraditório tem consagração formal no art.º 32.º, n.º 5, da CRP, que estabelece que «o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório».
Todos estes princípios e comandos foram cumpridos, sem que a arguida, após as declarações por si proferidas aquando da sua audição viesse justificar, mais uma vez, a sua omissão - Referência: 427637074 não se pronunciando, sequer, quando foi notificada da promoção do Ministério Público no sentido da revogação da suspensão da execução da pena.
Conforme se refere no Acórdão da Relação de Coimbra proferido no processo 103/21.8PBLMG-A.C1 relatado por Paulo Guerra de 10 de maio de 2023 ( IGFEJ – Bases Jurídico documentais) que, por seu turno cita, igualmente, vária jurisprudência «A revogação da suspensão da execução da pena por incumprimento do agente das obrigações impostas só pode ocorrer se o incumprimento se verificar com culpa grosseira (entre outros, acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 19/01/2009, processo nº2555/08.1 e de 04/05/2009, processo nº 2625/05.9PBBRG-A.G1 e do Tribunal da Relação do Porto de 09/12/2004, processo nº 0414646) e só terá lugar como “ultima ratio”, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as restantes providências contidas no artigo 55º do Código Penal.
Como referem Leal Henriques e Simas Santos (in Código de Processo Penal Anotado, 2ª edição, 1995, Vol I, pág 478) «O não cumprimento das obrigações impostas não deve desencadear necessariamente a revogação da condenação condicional. Na verdade, se se quer lutar contra a pena de prisão, e se a revogação inelutavelmente a envolve, daí resulta que tal revogação só deverá ter lugar como ultima ratio, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as restantes providências (…)».
E continuam esses autores:
«Mas as causas de revogação não devem ser entendidas como um critério formalista, mas antes como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período da suspensão.
O réu deve ter demonstrado com o seu comportamento que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da pena. Aliás, como se viu, o Tribunal goza de uma ampla faculdade de prescindir da revogação, mesmo que exista mau comportamento durante o período de suspensão».
Efectivamente, para a aplicação da norma da al. a), do nº 1 do art.º 56º do CP, a revogação da suspensão da execução da pena como reacção ao incumprimento dos deveres ou regras de conduta «parece» só se aplicar quando o agente infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras impostos (já no domínio do art.º 50º do CP/1982 inculcava que apenas a infracção, grave ou reiterada, das obrigações deveria impor a revogação, na medida em que esta só deveria acontecer como ultima ratio, tendo em vista evitar a pena de prisão – cfr. os Acs. da Relação de Coimbra de 13/3/1985 e de 29/7/1985, in CJ, X, 2, p. 72 e BMJ 349-563, respetivamente; idem, Leal-Henriques e Simas Santos, CP de 1982, 1986, 303 ss).
É farta a jurisprudência sobre o assunto.
Já para o distante Acórdão da Relação de Lisboa, de 19/2/1997 (CJ, Ano XXII, Tomo I, pág. 167) “a infração dos deveres impostos não opera automaticamente como causa de revogação da suspensão da execução da pena, como medida extrema que é, não devendo o tribunal atender ao aspeto meramente formal daquela violação, mas, prevalentemente, ao desejo firme e incontroverso de cumprimento das obrigações”.
Nos dizeres do Ac. da RL de 1/3/2006 (proc. nº 566/2006-3) “(…) a atual versão da norma do art.º 56º nº 1, al. a), do CP impõe que só o incumprimento grosseiro ou repetido dos deveres ou regras de conduta impostos possam conduzir à revogação da suspensão da execução da pena”.
Também para o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa 6/6/2006 (Processo: 147/2006), “O incumprimento culposo determina a aplicação do regime do art.º 55º do CP mas só o incumprimento grosseiro ou repetido das condições de suspensão ou a prática de crime pelo qual o condenado venha a ser condenado revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas, conduzem à aplicação do art.º 56º do CP. A escolha da mais severa sanção para a revogação da suspensão só deverá adotar-se, sobretudo se se trata de pena de prisão, como ultima ratio, quando se mostrem ineficazes ou esgotadas as restantes medidas e o comportamento do arguido se revele doloso ou gravemente culposo”.
No mesmo sentido decidiu o Ac. da R. Évora de 18/2/2014 (proc. nº 25/07.5PESTR.E2), com o seguinte sumário: “Só o incumprimento grosseiramente culposo do dever de pagar as quantias arbitradas a título de indemnização implica a revogação da suspensão da execução da pena de prisão”.
Mas em que consiste a grosseria do comportamento do agente?
Note-se que, como diz o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 6/3/2013 (Processo: 876/06.8PLLSB-G.L1-3), ”I- A lei, representada no art.º 56º, nº 1, al. a), do Código Penal, não define o que deve entender-se por “infringir grosseiramente ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos”, deixando ao critério do aplicador da lei a fixação dos seus contornos”.
Também o Acórdão da Relação de Lisboa, de 19 de Fevereiro de 1997 (in CJ, XXII, 1, 166 e ss), apontou alguns critérios orientadores, a saber:
“II - A violação grosseira de que se fala, há-se ser uma indesculpável atuação em que o comum dos cidadãos não incorre não merecendo ser tolerada, indesculpável”.
Na mesma linha, no Acórdão de 18/7/2013 (proc. nº 1/05.2JFLSB.L1-3), a Relação de Lisboa entendeu que «A violação grosseira dos deveres ou regras de conduta impostos, de que se fala na alínea a) do nº 1 do artigo 56º do CP, há-de constituir uma indesculpável atuação, em que o comum dos cidadãos não incorra e que não mereça ser tolerada nem desculpada».
Na realidade, a finalidade politico-criminal da suspensão da execução de uma pena de prisão é o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes “e não qualquer «correcção», «melhora» ou – ainda menos - «metanoia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo. (...) Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência” - cfr. Prof. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas Do Crime, pág.343, §519.
Por tudo isto, damos o nosso pleno aval à ideia de que “só a inconciabilidade do incumprimento com a teleologia da suspensão da pena deve conduzir à revogação” – Ac. da RL de 19 de Fevereiro de 1997 (CJ, Ano XXII, Tomo I, pág. 167); idem, o Ac. da RC de 17/10/2012, proc. nº 91/07.3IDCBR.C1; da RC de 8/9/2010, proc. nº 87/02.1TAACN.C2; da RE de 23/2/2016, proc. nº 301/09.2IDFAR-A.E1, este citando o Professor Jorge de Figueiredo Dias (em «Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime», Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pp. 355/356): «O critério material para decidir sobre a revogação da suspensão é exclusivamente preventivo, isto é, o tribunal deve ponderar se as finalidades preventivas que sustentaram a decisão de suspensão ainda podem ser alcançadas com a manutenção da mesma ou estão irremediavelmente prejudicadas em virtude da conduta posterior do condenado».
No fundo, a condição prevista na parte final da al.ª b) do nº 1 (“e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas») refere-se a ambas as causas de revogação da suspensão previstas nas duas alíneas (exactamente neste sentido, Figueiredo Dias, in Actas CP/Figueiredo Dias, 1993:66 e 469) - Ac. da RE de 23/2/2016, proc. nº 301/09.2IDFARA.E1 e Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, no «Código Penal, Parte Geral e Especial», Almedina, 2014, pp. 335/336).
Diremos assim:
Importa averiguar se o agente, com a sua conduta, destruiu a esperança que se depositou na sua recuperação – cfr. Acórdão da RG de 4/5/2015, proc. nº 713/09.1GAFAF.G1 e Acórdão da RP de 5/5/2010, proc. nº 259/06.0GBMTS.P1 que ditou o seguinte: “II- O juízo sobre a revogação da suspensão da pena há-de decorrer de uma manifesta violação dos deveres impostos ao condenado que mostre inequivocamente uma frustração da finalidade prosseguida pela suspensão da execução da pena» (no mesmo sentido, o Acórdão da RP de 27/10/2010, proc. nº 2165/04.3JAPRT”, que determinou que é de revogar a suspensão quando se concluir que «as finalidades punitivas visadas com a imposição de pena suspensa se encontram irremediavelmente comprometidas»).» (Acórdãos constantes das Bases Jurídico Documentais, IGFEJ)
Vertendo ao caso que nos ocupa e percorrendo as intercorrências processuais constata-se que a arguida, ciente da obrigação que sobre si impendia, não a interiorizou. Manifestamente não a cumpriu, no todo ou em parte, apesar de, pelo menos à data do julgamento e até ao trânsito em julgado da sentença condenatória, ter fonte de rendimento e, assim, forma de pagar, pelo menos parcialmente, a quantia em causa.
Sem nunca ter vindo dar conta de quaisquer alterações supervenientes das suas condições pessoais, nomeadamente económicas, só quando foi ouvida -já em situação de incumprimento – as alegou, e embora tenha ficado de demonstrar nos autos que, conforme as suas declarações, já havia procedido parcialmente ao pagamento das pensões de alimentos devidas aos seus três filhos, bem como, proceder ao pagamento daí em diante de 50,00, 60,00 mensais, nada fez, não justificando a sua omissão. Acresce que foi notificada para se pronunciar sobre a revogação da suspensão da execução da pena e nada disse, o que não pode deixar de ser entendido como um profundo desinteresse da sua parte, não obstante as oportunidades conferidas.
Nesta conformidade o seu comportamento destruiu a esperança que se depositou na sua recuperação. Repare-se que entre a condenação e a decisão de revogação da suspensão da execução da pena passaram-se mais de três anos sem que a arguida demonstrasse a efetiva impossibilidade de satisfazer total ou parcialmente a obrigação imposta. Não pagou qualquer cêntimo porque manifestamente não quis, revelando indiferença e distanciamento perante o seu dever, pelo que se revelam desadequadas qualquer uma das medidas previstas no art.º 55.º do C.P.
Finalmente, a ausência de antecedentes criminais, sendo a conduta exigida a todo e qualquer cidadão como modo de poder viver em sociedade, foi precisamente sopesada aquando da aplicação da pena substitutiva.
Nesta conformidade, nada há a censurar ao despacho proferido, improcedendo o recurso.
3. Decisão:
Nestes termos, e face ao exposto, decide o Tribunal da Relação de Lisboa julgar totalmente improcedente o recurso interposto por AA e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente, fixando-se em 3 UC a respetiva taxa de justiça.

Lisboa, 3 e junho de 2025
Alexandra Veiga
Pedro José Esteves de Brito
João Grilo Amaral