Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MANUELA FIALHO | ||
Descritores: | IPATH PROVA PERICIAL | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/28/2025 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1. A prova pericial decorrente de perícia médica, ainda que colegial, está sujeira ao princípio da livre apreciação da prova. 2. Deve, contudo, o juiz equacioná-la com os demais dados revelados pelo processo. 3. A determinação da natureza da incapacidade, muito concretamente da IPATH, requer, para além de conhecimentos médicos expressos na determinação das sequelas e respetiva avaliação, o recurso a outras provas, nomeadamente o estudo do posto de trabalho e, bem assim, a ponderação de todos os factos revelados pelos autos, nomeadamente a incidência do dano sobre mão não dominante e a subsequente requalificação profissional. 4. Tal determinação não dispensa, antes requer, a efetivação do ónus de alegação. Da autoria da Relatora | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa: AGEAS PORTUGAL – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., entidade responsável nos autos à margem identificados em que é sinistrado AA, não se conformando com a sentença de 4 de abril de 2024, vem interpor recurso. Pede que a mesma seja revogada na parte que confere ao sinistrado a atribuição de IPATH, com a consequente absolvição da Ré da respetiva reparação. Apresentou as seguintes conclusões: 1. O presente recurso é interposto por a ré não se conformar com a atribuição de IPATH ao sinistrado e consequente condenação nas quantias a pagar por tal incapacidade. 2. Considera a ora recorrente que o douto Tribunal na decisão da matéria de facto, deixou de valorar não só o douto exame singular, mas sobretudo a junta médica unanime, que afasta a atribuição de IPATH. 3. Ocorrendo divergência entre o resultado unânime da Junta Médica e a decisão, deveria ter sido devidamente fundamentada a razão pela qual o douto tribunal o fez, o que não sucedeu. 4. A douta sentença é nula por falta de fundamentação, nos termos do art.º 615º, nº 1, alínea b) do CPC, devendo ser revogada. 5. Todavia, o processo contém todos os elementos que permitem alterar a decisão de facto e, como tal, também a decisão de mérito, como decorre o disposto no art.º 662º, nº 1 do CPC. 6. Atento o maior rigor e credibilidade que merece o resultado da junta médica, deveria o Tribunal prevalecer-se deste e afastar a atribuição de IPATH. 7. Ao contrário, o douto tribunal sustentou a sua decisão no parecer emitido pelo IEFP; 8. As conclusões do parecer do IEFP têm por fonte exclusiva, quanto às queixas e eventuais lesões e sequelas apresentadas pelo sinistrado, exclusivamente as declarações do próprio e não qualquer valoração técnica e objetiva, pelo que não são suscetíveis de fundamentar devidamente a divergência quanto ao resultado da junta médica. 9. De acordo com as regras de experiência comum, não é sequer plausível que uma incapacidade residual, valorada em apenas 6,86%, justifique uma IPATH, seja qual for a atividade exercida! 10. O exame objetivo não permite sustentar a IPTH, tanto mais que a mão lesionada não é a dominante, não sendo clinicamente objetiváveis as queixas do sinistrado. 11. De acordo com a junta médica, o sinistrado mantem-se apto para o exercício das suas atribuições, pelo que não se verifica IPATH. 12. Consequentemente deverá a douta sentença ser revogada na parte que confere ao sinistrado a atribuição de IPATH, com a consequente absolvição da Ré da respetiva reparação. Não foram apresentadas contra-alegações. O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer no sentido da manutenção da sentença. * Segue-se um breve resumo dos autos para melhor compreensão: Nos presentes autos de ação emergente de acidente de trabalho em que é sinistrado AA, e responsável Ageas Portugal - Companhia de Seguros, S.A., realizou-se, na fase conciliatória do processo, tentativa de conciliação em cujo auto ficou explícito: “Resulta dos autos que o sinistrado foi vítima de um acidente de trabalho, ocorrido no dia 14/02/2022, pelas 15h, em Grândola, o qual consistiu em ter entalado a mão direita numa betoneira. Exercia, à data, a sua profissão de Servente de Construção Civil, mediante a retribuição anual de € 11.322,00, correspondente a € 705,00 x 14 meses (ret. base) + € 6,00 x 22 x 11 meses (subsídio de refeição), por conta de Piscinas Carrasco, Lda., cuja responsabilidade sinistral se encontrava transferida para a seguradora aqui representada. Do acidente resultou para o sinistrado, conforme auto de perícia médica, "entalou a mão direita numa betoneira com esfacelo dos dedos D3+D4 com amputação traumática de F3 de D4; assistido avaliado e seguido pelo segurador foi tratado pela cirurgia plástica reconstrutiva e estética; cumpriu programa subsequente de FT". Atualmente apresenta, conforme o mesmo auto de perícia médica, "hiperalgesia ao toque da região pulpar de F3 D3 da mão direita; amputação de F3 D4 MD (dextro); cotos com dores sem sinais inflamatórios; diz que não consegue trabalhar na profissão habitual; foi requalificado para vigilante". Após sucessivos períodos de incapacidade temporária (fls. 17), fixados pela seguradora já devidamente indemnizados, foi-lhe dada alta definitiva em 03/05/2022, tendo sido atribuída, pelo senhor perito médico do Tribunal, uma IPP de 7,8%, a partir de 04/05/2022. Além dos períodos de incapacidade temporária fixados pela seguradora, o senhor perito médico do Tribunal fixou ao sinistrado ITA de 15/02/2022 a 20/02/2022 (6 dias). … (Pelo) sinistrado… foi dito que ACEITA os factos e elementos supra descritos como verdadeiros. NÃO CONCORDA com o resultado do exame médico, pelo que NÃO SE CONCILIA. Pela representante da seguradora, foi dito que ACEITA a existência e caracterização do acidente como de trabalho, o nexo causal entre o mesmo e as lesões sofridas pelo sinistrado, bem como a responsabilidade com base no vencimento acima referido. CONCORDA com o resultado do exame médico pelo que SE CONCILIA.” O Sinistrado veio requerer a realização de junta médica e que seja requisitado parecer técnico, que é necessário para aferir a IPATH e dar resposta material aos quesitos. Realizada junta médica, concluiu a mesma por uma IPP de 6,86%. Perante este resultado, o Sinistrado veio requerer que seja requisitado o parecer técnico, o que foi deferido mediante requisição de parecer técnico do I.E.F.P. sobre o posto de trabalho do sinistrado, seu conteúdo funcional e (in) capacidade para o sinistrado o desempenhar com as sequelas que apresenta. Foi apresentado parecer pelo IEFP, ali se tendo concluído: “A análise conjugada dos elementos disponíveis, essencialmente os apurados através da entrevista ao trabalhador sinistrado, consulta de documentação relativamente à atividade profissional e informação clínica disponível nos relatórios de perícia médico-legal e auto de exame por junta médica, é possível observar as seguintes evidências: 1. A capacidade funcional da mão direita parece apresentar relevantes limitações. 2. O sinistrado é esquerdino. 3. Das principais tarefas, e suas exigências, do posto de trabalho de operário de construção civil-servente que o Sr. AA desempenhava à data do acidente, destacam-se as seguintes por considerarmos serem as mais relevantes para a avaliação da incapacidade para o trabalho habitual: • É requerido a persistente mobilização de ambos os membros superiores, ao nível da articulação, força dinâmica e preensão de ambas as mãos, que permita executar as tarefas nucleares inerentes à atividade profissional de operário de construção civil-servente, designadamente, trabalhar com maquinas industriais em segurança que exigem a utilização de ambas as mãos (martelo elétrico; rebarbadora, máquina de cortar pedra), transportar materiais e equipamentos com o carro de mão, transferir pesos como sacos de cimento, baldes de areia, massa, trabalhar com a betoneira, utilizando ambas as mãos, etc. • É inevitável na execução das tarefas de operário de construção civil- servente que os dedos de ambas as mãos estejam em constantes toques com materiais e superfícies, provocando neste caso, dores por hiperalgesia do dedo D3 da mão direita, não obstante a utilização da EPI luvas. 4. Considerando as exigências físicas requeridas para o desempenho das tarefas nucleares do posto de trabalho de operário de construção civil-servente, de forma profissional e produtiva, entendemos que estas aparentam ser dificilmente compatíveis com as incapacidades que o Sr. AA aparenta atualmente, tendo ainda em consideração preceitos de segurança no trabalho e saúde ocupacional. 5. Entendemos que as efetivas possibilidades de reintegração profissional do sinistrado são medianas, atendendo à idade e nível de qualificação que refere possuir, conforme se pode verificar na concreta reintegração na profissão de segurança privado, atividade compatível com as suas limitações.” Foi proferida sentença que: - Condena a Seguradora a pagar ao Sinistrado a quantia de €130,28, a título de indemnização devida pelos 6 dias de ITA sofridos pelo sinistrado entre 15/02/2022 a 20/02/2022 ainda não indemnizados; - Fixa ao Sinistrado uma IPP de 6,86 % com IPATH, desde a data da alta em 03 de Maio de 2022. -Condena a responsável a pagar ao sinistrado: - Uma pensão anual e vitalícia de €6.049,34 (seis mil e quarenta e nove euros e trinta e quatro cêntimos), devida desde 03 de Maio de 2022; - o subsídio por incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual no montante de € 4.215,55. Valores estes acrescidos de juros de mora, à taxa legal, até integral pagamento. *** As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso. Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões: - A sentença é nula? - Não deve ser atribuída IPATH? *** FUNDAMENTAÇÃO: Pretende a Apelante que a sentença seja qualificada de nula por falta de fundamentação. Ao que entendemos, sustenta-se na circunstância de o Tribunal, na decisão da matéria de facto, deixar de valorar não só o exame singular, mas sobretudo a junta médica unânime, que afasta a atribuição de IPATH. Entre as causas de nulidade da sentença encontra-se a falta de fundamentação (Art.º 615º/1-b) do CPC). Para que se possa ter a sentença afetada de tal vício, carece a mesma de não conter os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Como bem evidencia a alegação da Recrte. estamos bem longe desta situação, já que é a própria que afirma que a sentença se sustentou no parecer do IEFP, ao invés de valorar as conclusões da juta médica. Ora, sendo assim, como efetivamente é, a sentença não padece de falta de fundamentação. Antes se socorreu de uma fundamentação que não agrada à Apelante, o que pode constituir fundamento para invocação de uma errada decisão, mas não para a nulidade suscitada. Nem se pode dizer que deveria ter sido devidamente fundamentada a razão pela qual o tribunal o fez, o que não sucedeu, pois, conforme emerge da sentença consignou-se ali que “o parecer do IEFP fundamenta a sua posição de modo exaustivo pronunciando-se no sentido de atribuir uma IPATH ao sinistrado.” Não tem, pois, como subsistir a invocada nulidade, improcedendo a questão em apreciação. *** OS FACTOS: Consta do conjunto de factos provados, entre outros, o seguinte: 5. Após realização de exame por Junta Médica foi-lhe atribuída uma IPP de 6,86% sem IPATH. 6. O parecer do IEFP pronunciou-se no sentido que “Considerando as exigências físicas requeridas para o desempenho das tarefas nucleares do posto de trabalho de operário de construção civil-servente-, de forma profissional e produtiva, entendemos que estas aparentam ser dificilmente compatíveis com as incapacidades que o Sr. AA aparenta atualmente, tendo ainda em consideração preceitos de segurança no trabalho e saúde ocupacional”. Conforme decorre do relatório acima exarado, em discussão esteve a natureza da incapacidade. O acervo fático é, conforme bem se compreende, constituído por factos capazes de fundamentar a decisão final (Art.º 607º/4 do CPC). Os pontos 5 e 6 acima transcritos traduzem conclusões emergentes de meios de prova, meios estes a valorar no ajuizamento conducente à decisão em discussão. Não devem enformar o acervo fático e, enformando-o, são absolutamente inócuos. O acórdão da Relação obedece, neste conspecto, ás exigências aplicáveis à sentença (Art.º 663º/1 do CPC). Por tal razão, expurgam-se de tal acervo as ditas conclusões resultantes das provas periciais. * No ponto 2 do dito acervo consta que o sinistrado “terá tido alta”. A sentença não se compadece com hipóteses. Resulta dos autos, e foi aceite por ambas as partes, conforme acima já explicitado, que a Seguradora conferiu alta ao sinistrado em 3/05/2022. Altera-se, pois, oficiosamente, e ao abrigo do disposto no Art.º 662º/1 do CPC, o ponto de facto em referência de modo a fazer dele constar que o sinistrado teve alta naquela data. * Por outro lado, o acervo fático é absolutamente omisso no concernente à profissão do sinistrado e a sequelas decorrentes do acidente. Discutindo-se a natureza da incapacidade, a profissão exercida é essencial à respetiva qualificação. A atribuição de uma incapacidade e o juízo sobre a respetiva natureza não prescindem também do conhecimento das sequelas, conhecimento que é essencial também no futuro em caso de revisão. Socorrer-nos-emos, pois, da factualidade ínsita no auto de tentativa de conciliação, aceite por ambas as partes e que, por isso, se tem de ter como adquirida nos termos do disposto nos Art.º 112º e 131º/1-c) do CPT. Acresce que quer no auto de junta médica, quer no parecer do IEFP consta que o sinistrado é canhoto. Tal facto é relevante para a decisão da causa. Razão pela qual, com base em tais elementos, se adiciona o mesmo ao acervo fático. *** Provaram-se os seguintes factos (com base no acordo das partes na fase conciliatória e no resultado do exame do sinistrado por junta médica): 1. No dia 14 de Fevereiro de 2022, em Grândola, o Sinistrado sofreu um acidente de trabalho, o qual consistiu em ter entalado a mão direita numa betoneira. 2. Após tratamentos vários, teve alta da seguradora em 03 de Maio de 2022. 3. À data do acidente, o Sinistrado auferia a remuneração anual de € 11.322,00. 4. A responsabilidade decorrente de acidentes de trabalho da Empregadora estava integralmente transferida para a Ageas Portugal - Companhia de Seguros, S.A. 5. Eliminado 6. Eliminado 7. O sinistrado e exercia, à data do evento, a sua profissão de Servente de Construção Civil. 8. Do acidente resultou para o sinistrado, esfacelo dos dedos D3+D4 com amputação traumática de F3 de D4; assistido avaliado e seguido pelo segurador foi tratado pela cirurgia plástica reconstrutiva e estética; cumpriu programa subsequente de FT. 9. Atualmente apresenta hiperalgesia ao toque da região pulpar de F3 D3 da mão direita; amputação de F3 D4 MD; cotos com dores sem sinais inflamatórios. 10. Foi requalificado para vigilante. 11. O sinistrado é canhoto. *** O DIREITO: Discute-se na apelação a natureza da incapacidade que afeta o sinistrado. A sentença concluiu ser adequada a fixação de IPATH, sustentando que “é certo que a Junta Médica pronunciou-se no sentido de atribuir ao sinistrado uma IPP de 6,86% sem IPATH justificando-se que as sequelas resultantes do evento se encontram acima descritas e permitem realizar as tarefas da profissão que exercia à data do evento. Porém, também é certo que o Tribunal não está vinculado à posição manifestada pelos Senhores Peritos sendo que, neste caso em concreto, o parecer do IEFP fundamenta a sua posição de modo exaustivo pronunciando-se no sentido de atribuir uma IPATH ao sinistrado.” A Recrte., por sua vez, insurge-se afirmando que as conclusões do parecer do IEFP têm por fonte exclusiva, quanto às queixas e eventuais lesões e sequelas apresentadas pelo sinistrado, exclusivamente as declarações do próprio e não qualquer valoração técnica e objetiva, pelo que não são suscetíveis de fundamentar devidamente a divergência quanto ao resultado da junta médica. Mais afirma que de acordo com as regras de experiência comum, não é sequer plausível que uma incapacidade residual, valorada em apenas 6,86%, justifique uma IPATH, seja qual for a atividade exercida. O exame objetivo não permite sustentar a IPATH, tanto mais que a mão lesionada não é a dominante, não sendo clinicamente objetiváveis as queixas do sinistrado. De acordo com a junta médica, o sinistrado mantem-se apto para o exercício das suas atribuições, pelo que não se verifica IPATH. Vejamos! A atribuição da IPATH envolve, essencialmente, um juízo de facto sobre a capacidade, ou não, do sinistrado para o exercício da sua atividade profissional habitual, juízo de facto esse a extrair designadamente das lesões/sequelas que apresenta e consequentes limitações daí decorrentes, do conteúdo e características da sua atividade e dos riscos profissionais que comporta e, tudo, com base nos elementos da prova (não vinculada) que hajam sido produzidos, conjugados, se necessário, com as regras do conhecimento e da experiência comuns. Para tanto é essencial uma especial tarefa de alegação, cujo ónus compete à parte interessada. Muito concretamente no concernente à especificação das tarefas que o sinistrado está impossibilitado de desempenhar e se a atividade exercida à data do acidente era a habitual, o que, após, poderia ser confrontado com as sequelas apresentadas e com as tarefas cuja atividade não pode exercer. A questão da incapacidade (seja a natureza, seja o grau) deverá obrigatoriamente ser submetida a perícia médica (exame médico singular, na fase inicial e exame colegial na subsequente). Porém, esta não é absolutamente vinculativa, antes estando sujeita à livre apreciação do julgador (Art.º 389º do CC e 489º do CPC). Sendo também evidente que livre apreciação da prova não significa apreciação arbitrária da mesma, é essencial a fundamentação e, por outro lado, a decisão final, cabendo ao juiz, requer ainda a concatenação com os demais elementos fornecidos pelo acervo fático. Neste sentido os Ac. desta RLx. de 22/05/2024, Procº 1141/16.8T8BRR, 24/04/2024, Proc.º 8276/19.3T8LSB.L1-4, 25/10/2023, Proc.º 1775/22.1T8PDL.L1-4, 8/11/2023, Proc.º 374/21.0T8BRR.L1-4, 16/06/2021, Proc.º 3133/16.8T8PDL.L1-4 e, bem assim, também o do STJ de 15/05/2025, Procº 698/23.1T8STB. A determinação da incapacidade é efetuada de acordo com a tabela nacional de incapacidades (Art.º 20º da Lei 98/2009 de 4/09), definindo-se o grau de incapacidade por coeficientes expressos em percentagens e determinado em função da natureza e da gravidade da lesão, do estado geral do sinistrado, da sua idade e profissão, bem como da maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível e das demais circunstâncias que possam influir na sua capacidade de trabalho ou de ganho (Art.º 21º). A incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual requer, para além da avaliação médico-legal, a intervenção de parecer prévio de peritos especializados, não médicos (Art.º 21º/4), razão determinante para a intervenção, nestes autos, do Instituto do Emprego e Formação Profissional. Foi assim emitido parecer que conclui que “Considerando as exigências físicas requeridas para o desempenho das tarefas nucleares do posto de trabalho de operário de construção civil-servente, de forma profissional e produtiva, entendemos que estas aparentam ser dificilmente compatíveis com as incapacidades que o Sr. AA aparenta atualmente, tendo ainda em consideração preceitos de segurança no trabalho e saúde ocupacional.” Ao mesmo tempo, conclui-se ali que a “profissão de segurança privado” é “compatível com as suas limitações”. Como é sabido e está prescrito na TNI aprovada pelo DL 353/2007 de 23/10, a cada dano corporal ou prejuízo funcional corresponde um coeficiente expresso em percentagem, que traduz a proporção da perda da capacidade de trabalho resultante da disfunção, como sequela final da lesão inicial, sendo a disfunção total designada como incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, expressa pela unidade (Instruções Gerais, 3). Por outro lado, a atribuição de incapacidade para a profissão habitual deve ter em conta a capacidade funcional residual para outra profissão compatível (5A). E, na determinação da incapacidade global a atribuir devem ser ponderadas as efetivas possibilidades de reabilitação profissional do sinistrado, face às suas aptidões e às suas capacidades restantes (10). Ora, a IPATH corresponde a uma incapacidade de 100% para a execução do trabalho habitual do sinistrado, no desempenho da sua específica função, atividade ou profissão, deixando-lhe uma capacidade residual para o exercício de outra atividade laboral compatível. Por outro lado, o trabalho habitual a considerar será aquele que o sinistrado levava a cabo à data do acidente e que correspondia ao executado “de forma permanente, contínua, por contraposição ao trabalho ocasional, eventual, de curta duração” (Ac. RE de 16/04/2015, Proc.º. 26/14.7TTPTG). Os autos não revelam se a atividade de servente era a habitual – o que competia ao Apelado alegar quando submeteu o seu pedido de reconhecimento de IPATH-, mas revelam a requalificação para a profissão de vigilante. Por outro lado, foi formulado pelo Sinistrado um conjunto de quesitos ao qual a Junta médica respondeu unanimemente, não resultando das respostas algo que indicie a incapacitação alegada, ou seja, uma resposta positiva à pretensão do mesmo. Isto posto, afigura-se-nos que os autos revelam factualidade que não foi devidamente equacionada. Na verdade, conforme decorre agora do acervo fático, o sinistrado exercia, à data do evento, a sua profissão de Servente de Construção Civil. Do acidente resultou esfacelo dos dedos D3+D4 com amputação traumática de F3 de D4; assistido avaliado e seguido pelo segurador foi tratado pela cirurgia plástica reconstrutiva e estética. Atualmente apresenta hiperalgesia ao toque da região pulpar de F3 D3 da mão direita; amputação de F3 D4 MD; cotos com dores sem sinais inflamatórios. Foi requalificado para vigilante. A sentença foi sensível ao parecer do IEFP e, a partir das respetivas conclusões, afastou o parecer dos exames médicos (2) realizados no âmbito do processo, nenhum deles se manifestando favorável à qualificação da incapacidade como de permanente absoluta para o trabalho habitual. Note-se que a junta médica decidiu por unanimidade. Aquele parecer partiu das “exigências físicas requeridas para o desempenho das tarefas nucleares do posto de trabalho de operário de construção civil-servente”, que, conforme ali dito, e é do conhecimento geral, requerem “a persistente mobilização de ambos os membros superiores, ao nível da articulação, força dinâmica e preensão de ambas as mãos”, sendo “inevitável na execução das tarefas de operário de construção civil- servente- que os dedos de ambas as mãos estejam em constantes toques com materiais e superfícies, provocando neste caso, dores por hiperalgesia do dedo D3 da mão direita, não obstante a utilização da EPI luvas.” Contudo, como ali também é reconhecido, a mão cuja capacidade funcional apresenta limitações é a direita e o sinistrado é esquerdino. Mas, mais relevante ainda, é a circunstância de o sinistrado ter sido requalificado para vigilante, atividade compatível com as sequelas apresentadas. Ora, conforme supra expusemos, decorre da TNI que a atribuição de incapacidade para a profissão habitual deve ter em conta a capacidade funcional residual para outra profissão compatível e, na determinação da incapacidade global a atribuir, devem ser ponderadas as efetivas possibilidades de reabilitação profissional do sinistrado, face às suas aptidões e às suas capacidades restantes. Perante o cenário que se nos apresenta, não parece, pois, admissível, afastar o juízo efetuado pelas perícias médicas, a segunda das quais, (colegial) consignou, no exame objetivo que “Membro superior direito (lado não dominante): Sem amiotrofias dos interósseos ou das eminências palmares. Amputação da falange distal do dedo anelar da mão direita com coto bem almofadado e com rigidez na IFP (cerca de 70-80e de flexão). Sem limitação da mobilidade do dedo médio. Refere dor na palpação da região cicatricial de ambos os dedos, com cicatrizes sem característica: patológicas. Durante a observação transporta mochila e casaco com a mão direita.” Mais foi da opinião unânime dos peritos médicos que “as sequelas apresentadas permitem realizar as tarefas da profissão que exercia à data do evento, não sendo de atribuir IPATH”. Neste contexto, não vemos que se deva sobrevalorizar o parecer do IEFP. Muito embora não se subscreva a afirmação da Apelante no sentido de que o grau de incapacidade apresentado não permite, segundo as regras da experiência, qualificar a mesma como permanente para o trabalho habitual, não podemos deixar de relevar o facto de a mão lesionada não ser a dominante e a circunstância de o parecer do IEFP se fundar nas exigências de um posto de trabalho do género daquele que era o do sinistrado, evidenciando que “a concreta reintegração na profissão de segurança privado” constitui “atividade compatível com as suas limitações”. A sentença não ponderou tal requalificação, circunstância que já constava também do auto de exame médico realizado singularmente e que foi transposta para o auto de tentativa de conciliação, merecendo a concordância do sinistrado. E não ponderou a característica de esquerdino do sinistrado, o que também é relevante no caso. Assim, tudo ponderado, afigura-se-nos que a sentença não pode subsistir no concernente à qualificação da incapacidade, antes se concluindo por, como proposto pela junta médica, uma IIP de 6,86%. Assim sendo, não poderá subsistir o valor da pensão anual, nem a atribuição de subsídio por elevada incapacidade. Em função da IPP de 6,86%, considerando o valor do salário anualmente auferido, é devida pensão no montante de 543,68€ (Art.º 48º/3-c) da Lei 98/2009 de 4/09), pensão que é obrigatoriamente remível (Art.º 75º/1). Tudo o mais se mantém. <> As custas são da responsabilidade de ambas as partes na proporção de vencidas (Art.º 527º do CPC). * *** * Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência, modificar a sentença: 1. Alterando oficiosamente o acervo fático conforme sobredito; 2. Declarando que o sinistrado está afetado de IPP de 6,86%; 3. Condenando a Apelante Seguradora a pagar ao Apelado Sinistrado o capital de remição de uma pensão anual vitalícia de quinhentos e quarenta e três euros e sessenta e oito cêntimos, desde 4/05/2022, acrescido de juros de mora à taxa anual de 4%. 4. Absolvendo a Apelante Seguradora da condenação no pagamento do subsídio por elevada incapacidade. 5. Mantendo o mais que foi decidido. Custas por ambas as partes na proporção do respetivo decaimento. Notifique. Lisboa, 28/05/2025 MANUELA FIALHO SÉRGIO ALMEIDA FRANCISCA MENDES (Votei vencida, porque considero que, atento o parecer do IEFP, deveriam ser especificadas as tarefas que o sinistrado está impossibilitado (ou não) de desempenhar. Dever-se-ia ainda verificar se tais tarefas integram o núcleo da atividade profissional pelo mesmo exercida à data do acidente. Defendo, por isso, a anulação da decisão, com vista à ampliação da decisão atinente à matéria de facto.) |