Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | NUNO LOPES RIBEIRO | ||
Descritores: | ABUSO DO DIREITO DE ACÇÃO RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DANO PRESCRIÇÃO INÍCIO DO PRAZO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/11/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE COM * DEC VOT | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | I. Fundamentando-se a pretensão indemnizatória em abuso do direito de acção exercido pelas rés em acção arbitral anterior, a aparente lesada teve conhecimento da verificação dos pressupostos da responsabilidade das mesmas rés, quando teve conhecimento da interposição daquela mesma acção arbitral. II. Sendo princípio comum à responsabilidade civil extracontratual que o lesado não precisa de conhecer integralmente os danos para intentar acção indemnizatória, pelo que a autora adquiriu consciência de que estava perante factos que, virtualmente, violavam os seus direitos, causadores de danos, pelo que nada a impedia de logo intentar acção de indemnização, não carecendo, sequer, de indicar o valor exacto dos danos – arts.564°, nº2, 565º e 569 ° do Código Civil. III. Sendo irrelevantes, para efeitos de instauração da acção de indemnização, fundada em culpa in agendo, as vicissitudes processuais subsequentes da referida acção arbitral. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa I. O relatório A interpôs a presente acção comum, contra B e C peticionando: Deve a presente Ação ser julgada procedente, por provada, E, consequentemente, serem as Rés solidariamente condenadas a pagar à Autora a quantia preliminar de € 3.996.486,20 (três milhões, novecentos e noventa e seis mil, quatrocentos e oitenta e seis euros e vinte cêntimos), Correspondente a: i) € 428.225,22 (quatrocentos e vinte e oito mil, duzentos e vinte e cinco euros e vinte e dois cêntimos) - relativos às despesas incorridas pela Autora nas diversas instanciais arbitrais e judiciais em que se viu obrigada a litigar em face da conduta das Rés; ii) € 206.864,00 (duzentos e seis mil, oitocentos e sessenta e quatro euros) - relativos a custos internos incorridos pela Autora diretamente associados/relacionados com a conduta das Rés; iii) € 11.538,98 (onze mil, quinhentos e trinta e oito euros e noventa e seis cêntimos) - relativos às despesas relacionadas com viagens e testemunhas no âmbito dos Processos Arbitrais que correram termos, iniciados pelas Rés; iv) € 3.349.858,00 (três milhões, trezentos e quarenta e nove mil, oitocentos e cinquenta e oito euros) - relativos aos lucros cessantes da Autora subjacentes à proibição de comercialização decorrente da conduta processual das Rés; Quantia preliminar, essa, a que acrescem as quantias que vierem a ser liquidadas no âmbito dos Pedidos Genéricos formulados relativos a: i) Honorários (incluindo de Advogado) e Despesas associados à instauração da presente Ação; ii) Custos internos associados aos demais recursos e meios internos que foram alocados pela Autora e diretamente associados/relacionados com a conduta das Rés, valores a que acrescem Juros de Mora, à Taxa Comercial sucessivamente em vigor, Alega, em suma, que é titular de direito a ser indemnizada pelas RR pelos prejuízos sofridos com a propositura e manutenção da ação arbitral que contra a A moveram para impedirem a comercialização de medicamentos ao abrigo da Autorização de Introdução no Mercado de que esta beneficiou, afirmando que tal colidia com o seu prévio direito de patente EP 219 e medicamentos que comercializam no mercado português. Refere que, logo no início do pleito arbitral, era notória a caducidade do direito de ação, bem como a invalidade da patente, circunstâncias que se vieram a confirmar no decurso do mesmo, seja por decisões nacionais, seja por decisões proferidas por instâncias internacionais onde as Rés intentaram idênticos processos. Refere que as Rés sabiam, de modo pleno e consciente, que instauravam ação arbitral de modo indevido e que com isso colocavam em causa a possibilidade da Autora usufruir plenamente das Autorizações de Introdução no Mercado que lhe foram atribuídas, levando a custos diretos e a perda de vendas, em favor dos produtos que já tinham no mercado e que, dessa forma, continuavam a ser comercializados sem a concorrência dos produtos da Autora. Mais acrescentam que as Rés conheceram, no procedimento arbitral e nas instâncias subsequentes que convocaram sucessivamente com o intuito de dilatar no tempo o seu benefício comercial, que a ação arbitral não tinha mérito e que a patente que invocavam era inválida e, ainda assim, prosseguiram com os processos que decorriam em tribunais nacionais contra a Autora, até esses tribunais atestarem a óbvia falência das pretensões das Rés, extinguindo os processos por ausência de direito na base da ação arbitral movida pelas Rés. Citadas, as Rés contestaram invocando a prescrição do direito da A, porquanto baseiam a responsabilidade das RR na ocorrência de um facto ilícito que seria a propositura e a manutenção da referida acção arbitral, o que aconteceu em Julho de 2013 e as rés requereram a sua extinção na sequência da revogação da patente em Julho de 2017, pelo que já haviam decorrido mais de 3 anos quando a A intentou a presente acção. A autora teve oportunidade de responder, referindo que o que interessa é o momento em que sobre a A deixou de impender a proibição de comercialização decorrente da instauração da referida acção arbitral e recursos e que tal só se verificou com a decisão do STJ de 17.05.2018, pelo que à data que instaurou a acção (8.4.2021) esse prazo de prescrição não se encontrava decorrido. Foi realizada audiência prévia, tendo o Tribunal dado a oportunidade às partes para apresentarem os seus argumentos quanto à excepção. Com data de 11/4/2024, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: Destarte, julgo procedente a excepção da prescrição alegada e, consequentemente, absolvo as RR do pedido. * Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação para esta Relação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões: A. O presente Recurso de Apelação vem interposto da Sentença proferida em 11.04.2024, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa (Tribunal a quo), que julgou procedente a Exceção Perentória de Prescrição alegada pelas Recorridas e absolveu as mesmas do pedido. B. A presente decisão é passível de Recurso e a Recorrente têm legitimidade e encontra-se em tempo (cf. artigos 627.°, 629.°, n.° 1, 631.°, n.° 1, 637.°, 638.°, n.° 1, 644.°, n.° 1, alínea a); 645.°, n.° 1, alínea a); e 647.°, n.° 1, do CPC). C. O douto Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de/na determinação do momento relevante para o início da contagem do prazo de prescrição previsto no artigo 498.°, n.° 1, do CC. D. Para os efeitos do disposto no n.° 1, do artigo 498.°, do CC, a Recorrente só poderia saber ter direito a indemnização pelos danos emergentes e perda de lucros cessantes que sofreu em virtude da instauração e prosseguimento de uma Ação Arbitral manifestamente intempestiva, aquando da decisão sobre a Exceção de Caducidade do direito de Ação Arbitral a decidir pelo STJ. E. Pois que, só com tal decisão se teria a confirmação (ou não) de que as Recorridas teriam intentado, e persistido, com uma Ação Arbitral manifestamente intempestiva, da qual resultaram prejuízos avultados para a Recorrentes, quer com os seus Mandatários (€ 428.225,22), quer custos internos com Advogado Especialista em Patentes Europeias (€ 206.864,00), quer com deslocação de testemunhas (€ 11.538,98), quer ainda com a perda de lucros cessantes derivados da proibição de comercialização do seu medicamento (€ 3.349.858,00). F. Isto é, só com tal decisão poderia a Recorrente ter conhecimento de que a conduta das Recorridas seria passível de consubstanciar uma conduta em Litigância de Má-fé, Abuso de Direito de Ação ou Culpa in agendo ou Responsabilidade pela Ação. G. Pois que, como tem sido entendido pela nossa jurisprudência, só perante um circunstancialismo fático passível de ser subsumido àqueles institutos, é que poderia a Recorrente ter direito a todas as despesas judiciais e extra judiciais suportadas com o Processo, caso contrário apenas teria direito à compensação da custas nos termos do Regulamento das Custas (v.g., Ac. do STJ, de 15.01.2019, Proc. 5792/15.0TBALM.L1.S2; Ac. TRP, de 20.02.2020, Proc. 13118/16.9T8LSB-A.P1, e Ac. TRL 08.11.2022, Proc. 7819/18.4T8LSB-D.L1-7). H. Como se demonstrou, a nossa jurisprudência tem entendido não ser de aceitar que a Parte vencedora que se encontre de boa-fé venha a suportar as despesas judiciais e extrajudiciais que tenha sido obrigada a incorrer com a lide a que não deu causa, na sequência de uma litigância dolosa e/ou temerária da Parte vencida que é suscetível de ultrapassar clara a ostensivamente os limites da “litigiosidade séria’". I. Nessa medida, a Parte vencedora de boa-fé deve ser compensada não ao abrigo do ressarcimento das custas (cf. artigos 25.° e 26.°, do RCP), mas, sim, nos termos estabelecidos no artigo 543.°, do CPC, onde se prevê que a indemnização pode consistir no reembolso de despesas com mandatários, peritos, técnicos, e/ou outras despesas que possam ser consideradas como consequência direta ou indireta da lide. J. Sendo que, é nessa precisa indemnização “plena ou agravada” (que inclui danos diretos como indiretos) que a Recorrente pretende que as Recorridas sejam condenadas na presente Ação (assim tendo formulado a sua causa de pedir e respetivos pedidos). K. A indemnização peticionada pela Recorrente encontra sustento na clara Litigância de Má-Fé, e/ou Abuso de Direito de Ação e/ou Culpa in agendo ou Responsabilidade pela Ação, por parte das Recorridas, materializada na instauração por parte destas de uma Ação Arbitral conscientemente intempestiva, e também infundada. L. Nestes termos, é natural, que para efeitos do disposto no n.° 1, do artigo 498.°, do Código Civil, deva relevar o momento em que a Recorrente teve conhecimento do seu direito a ser indemnizada em virtude de as Recorridas terem intentado, e prosseguido, com uma Ação Arbitral manifestamente intempestiva, e também infundada. M. E esse momento não pode deixar de ser a prolação de decisão na instância recursiva onde a (im)procedência da Exceção de Caducidade se encontrava em discussão. N. É certo que STJ decidiu não julgar a Exceção de Caducidade de forma a evitar a prática de um ato (alegadamente) inútil, já que as Recorridas fundamentaram o seu interesse no prosseguimento do recurso unicamente para obviarem a sua condenação em custas, e estas no entendimento do STJ sempre seriam sua responsabilidade. O. Mas tal entendimento não se encontra correto, porquanto não só a tributação da instância recursiva é autónoma da tributação do processo principal (o que significa que em caso de procedência do recurso seria a aqui Recorrente condenada em custas por aquela instância), como nos termos dos n.° 1 e 2, alínea a), do artigo 536.°, do CPC, deveria antes haver lugar a repartição de custas, embora o TRL até tenha decidido inexistir responsabilidade quanto a custas no seu Acórdão de 04.10.2017. P. Com efeito, à data da instauração da Ação Arbitral e até à revogação definitiva da patente e decisão de inutilidade superveniente da lide, as Recorridas detinham uma patente (aparentemente e/ou presumidamente) válida (cf. artigo 4.°, n.° 1, do CPI), e, por isso, tinham interesse em agir nos termos dos artigos 2.° e 3.°, da Lei n.° 62/2011, de 12 de Dezembro; o que já não se verificava com a caducidade do seu direito de instaurar a Ação Arbitral, existente à data da instauração da Arbitragem. Q. Pelo que, e ao contrário do preconizado pelo douto Tribunal a quo, o momento relevante para o início do prazo de prescrição do direito à indemnização da Recorrente por todos os danos emergentes e lucros cessantes derivados da instauração da Ação Arbitral, terá de ser, necessariamente, o da data de trânsito em julgado do Acórdão proferido pelo STJ, que colocou termo à instância recursiva a propósito da caducidade do direito de ação (04.06.2018). R. O prazo de prescrição do direito à indemnização começou assim a correr no dia 05.06.2018, e o seu termo teria ocorrido no dia 05.06.2021, pelo que, à data de instauração da Ação (08.04.2021) e/ou interrupção do prazo de prescrição (13.05.2021), não se encontrava decorrido o prazo de prescrição do n.° 1, do artigo 498.°, do CC. S. Nestes termos, deve a Sentença recorrida ser revogada e substituída por Acórdão que julgue improcedente a exceção perentória alegada pelas Recorridas, e, em consequência, determine o prosseguimento dos autos. Termos em que, Deve o presente Recurso ser admitido, e julgado procedente, por provado, e em consequência, deverá a Sentença recorrida datada de 11.04.2024 ser revogada e substituída por Acórdão que julgue improcedente a exceção perentória alegada pelas Recorridas, e, em consequência, devem os autos baixar à 1.a instância para que os autos prossigam o seu normal desenvolvimento, Assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA! * As rés contra-alegaram, concluindo pela improcedência da apelação. * O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida de imediato, nos autos e efeito meramente devolutivo. Corridos os vistos legais, cumpre decidir. * II. O objecto e a delimitação do recurso Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio. De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo. Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a incorrecta fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito aplicável). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara na 1ª instância), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões porque entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece, sob pena de indeferimento do recurso. Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras. Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal: Determinação do início da contagem do prazo de prescrição do direito invocado pela autora. * III. Os factos Receberam-se da 1ª instância os seguintes factos provados: a) a presente acção foi intentada em 8.04.2021 e as rés foram citadas em Fevereiro e Março de 2022. b) a acção arbitral que as RR moveram contra a A foi intentada em 12.07.2013; c) A A, citada para aquela acção, alegou a caducidade do direito de acção, excepção que o Tribunal Arbitral julgou improcedente no Acórdão que consta de fls.47; d) Desta decisão recorreu a A, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo n°867/14, em Decisão Singular, dado provimento ao recurso, absolvendo a A do pedido; e) as RR recorreram para a Conferência que manteve a decisão como consta de fls.57; f) as RR recorreram, em 18.07.2017 para o STJ daquela decisão. g) a patente EP 219 foi definitivamente revogada em 18.07.2017; h) As RR apresentaram requerimento informando daquela revogação em 2.08.2017, i) Em 14.11.2017, as rés notificadas para dizer se mantêm interesse no recurso, informaram que mantêm, pelo que o recurso foi admitido pelo TRL a 24.01.2018 e ordenada a sua subida ao STJ; i) o STJ declarou a inutilidade superveniente da lide por Acórdão de 17.05.2018. * IV. O Direito A questão que ora se coloca será a da determinação da data de início da contagem do prazo de prescrição do direito invocado pela autora, ora recorrente. A esse respeito, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça o seguinte, em Acórdão de 4/11/2008 (Fonseca Ramos), disponível em www.dgsi.pt: I) O princípio da boa-fé não é exclusivo do direito substantivo, também pode ser violado numa perspectiva da actuação processual, mormente, pelo recurso a juízo através de acções ou procedimentos cautelares abusivos. II) – O Código de Processo Civil prevê, no âmbito dos procedimentos cautelares, a responsabilidade do requerente pelos danos que culposamente causar ao requerido, quando não tenha agido com a prudência normal – art. 390º, nº1, do Código de Processo Civil – acolhendo, no domínio processual, o abuso do direito de acção, e a culpa in agendo, ao impor uma actuação conforme ao agir de boa-fé, quando faz apelo à prudência normal e sanciona a violação culposa desse agir com a obrigação de ressarcir os danos causados. III) – No âmbito da responsabilidade civil extracontratual o lesado não precisa de conhecer integralmente os danos para intentar acção indemnizatória, pelo que os se ora AA. tiveram consciência que os factos alegados nos processos contra si intentados, virtualmente, violavam seus direitos de índole patrimonial e moral e eram causadores de danos, nada os impedia de, desde logo, intentarem acção ressarcitória, não carecendo, sequer, de indicar o valor exacto dos danos – nem esperar por decisão judicial que, naqueloutras acções lhes desse ganho de causa. IV) – O lesado tem conhecimento do direito que invoca – para o efeito do início da contagem do prazo de prescrição – art.498º,nº1, do Código Civil – quando se mostra detentor dos elementos que integram a responsabilidade civil – [facto voluntário, ilicitude, culpa, dano e relação de causalidade entre o facto e o dano]. V) - Daí podermos concluir que, quando os RR. foram citados para a acção de onde promana o recurso, em 25.5.2006, já o direito dos AA. estava prescrito, tendo em conta que o acto interruptivo da prescrição – a citação – [art. 323º, nº1, do Código Civil] – ocorreu mais de três anos sobre as datas em que tomaram conhecimento dos elementos constitutivos do seu direito, sendo aí relevantes (as datas) de 25.2.2000 – (oposição ao procedimento cautelar) e 27.3.2000 (contestação da acção de preferência que lhes foi movida pelos ora RR.). Da fundamentação deste aresto, retiremos os passos decisivos que se citam: No fundo o que os AA. assacam aos RR. é o abuso do direito de acção, figura distinta de outros meios do litigar doloso ou temerário, sancionáveis ao abrigo da litigância de má-fé – arts. 456, nº1, e 457º, nº1, do Código de Processo Civil. O princípio da boa-fé não é exclusivo do direito substantivo, também pode ser violado numa perspectiva da actuação processual, mormente, pelo recurso a juízo através de acções ou procedimentos cautelares. O Professor Menezes Cordeiro na obra – “Litigância de Má Fé – Abuso do Direito de Acção e “Culpa in Agendo”, – Almedina 2006 – considera – pág. 91 – que: “O instituto do abuso do direito traduz a aplicação, nas diversas situações jurídicas, do princípio da boa fé. E o princípio da boa fé equivale à capacidade que o sistema jurídico tem de, mesmo nas decisões mais periféricas, reproduzir os seus valores fundamentais. A boa fé age através de dois princípios mediantes já expostos: a tutela da confiança e a primazia da materialidade subjacente. Ambos se concretizam numa constelação de situações típicas, acima ponderadas: desde o venire ao desequilíbrio no exercício”. E mais adiante na pág. 92: “As acções judiciais intentadas em grave desequilíbrio de modo a provocar danos máximos a troco de vantagens mínimas, são abusivas: há abuso do direito”. O Código de Processo Civil prevê, precisamente do domínio dos procedimentos cautelares, a responsabilidade do requerente pelos danos que culposamente causar ao requerido, quando não tenha agido com a prudência normal – art. 390º, nº1, do Código de Processo Civil – acolhendo, no domínio processual, o abuso do direito de acção, lato sensu, impondo uma actuação conforme ao agir de boa-fé quando faz apelo à prudência normal e sanciona a violação culposa desse agir com a obrigação de ressarcir os danos causados. A questão nodal do recurso consiste em saber – tendo em conta o normativo do art. 483º, nº1, do Código Civil – desde quando se conta o prazo prescricional de três anos que vale para a responsabilidade civil extracontratual. Trata-se de prazo de prescrição que conduz à extinção do direito com base no seu não exercício – art. 298º, nº1, do citado diploma, prescrição que pode ser invocada por aquele a quem beneficia – art. 301º também do Código Civil. Nos termos do art. 498º, nº1, do Código Civil: “O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso”. Quanto à questão do termo inicial da contagem do prazo de três anos. (…) “A prescrição começa em regra logo que nasce a pretensão accionável” – Vaz Serra, in BMJ 106-23, ou, como ensinava Manuel Andrade face ao Código Civil de 1867, é aplicável “a quaisquer direitos subjectivos” – “Teoria Geral”, Vol. II – 446 – justificando-se de harmonia com este civilista “na negligência do titular do direito em exercitá-lo no período indicado na lei”. Abílio Neto, in “Código Civil Anotado”, 15ª edição, Abril/2006, pág. 517, sustenta: “O início da contagem, do prazo especial de três anos não está dependente do conhecimento jurídico, pelo lesado, do respectivo direito, antes supondo, apenas, que o lesado conheça os factos constitutivos desse direito, isto é, saiba que o acto foi praticado ou omitido por alguém — saiba ou não do seu carácter ilícito — e dessa prática ou omissão resultaram para si danos.” Sufragando este entendimento, que corresponde ao ensinamento doutrinal e jurisprudencial prevalentes, não acolhemos a tese dos recorrentes quando sustentam que só souberam da ilicitude da actuação dos RR. quando, em outras acções onde se dirimia o litígio, foi proferida a decisão definitiva que não reconheceu aos ora RR. o direito de preferência que se arrogavam. (…) Ademais é princípio comum à responsabilidade civil extracontratual que o lesado não precisa de conhecer integralmente os danos para intentar acção indemnizatória, pelo que os ora AA. tiveram consciência de que estavam perante factos que, virtualmente, violavam seus direitos de índole patrimonial e moral causadores de danos, pelo que nada os impedia de logo intentarem acção de indemnização, não carecendo, sequer, de indicar o valor exacto dos danos – arts.564°, nº2, 565º e 569. ° do Código Civil. O lesado tem conhecimento do direito que invoca – para o efeito do início da contagem do prazo de prescrição – quando se mostra detentor dos elementos que integram a responsabilidade civil (2) ; facto ilícito, culpa, dano e relação de causalidade entre o facto e o dano. “O prazo de prescrição do direito a indemnização por responsabilidade civil extracontratual conta-se a partir do conhecimento, pelo lesado, da verificação dos pressupostos dessa responsabilidade” – art. 498°, nºl, do Código Civil – Acórdão deste S.T.J., 12.3.1996, in BMJ, 455°-441. Aí, na pág. 447, pode ler-se: “Tem-se defendido que a data relevante para início do prazo é aquela em que o lesado, “conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização […]” (Antunes Varela, Das Obrigações, vol. I, pág. 621, e acórdão deste Tribunal de 27 de Novembro de 1973, Boletim, nº231, pág. 162), e que não basta o conhecimento desses pressupostos, exigindo-se ainda o conhecimento, pelo lesado, do direito que lhe compete, nos próprios termos do citado artigo 498° nºl, ou seja, o conhecimento “de que é juridicamente fundado o direito à indemnização” (Vaz Serra, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 107°, pág. 298). Daí podermos concluir com segurança que, quando os RR. foram citados para esta acção, em 25.5.2006 – fls. 88 e 89 – já o direito dos AA. estava prescrito, tendo em conta que o acto interruptivo da prescrição – a citação – [art. 323º, nº1, do Código Civil] – ocorreu mais de três anos sobre as datas em que tomaram conhecimento dos elementos constitutivos do seu direito, sendo aí relevantes (as datas) de 25.2.2000 – (oposição ao procedimento cautelar) e 27.3.2000 (contestação da acção de preferência que lhes foi movida pelos ora RR.). * No mesmo sentido, veja-se, da Relação de Évora, o Acórdão de 11/1/2018 (Maria João Sousa e Faro), disponível na mesma base de dados: O “conhecimento do direito” de indemnização a que alude o nº1 do art.º 498º do Cód. Civil por parte do ora A. não dependia da sorte da acção que lhe havia sido movida pela apelada já que na sua versão, logo o pôde configurar aquando dos actos processuais por esta praticados e, por conseguinte, não era a pendência desse processo que determinaria que o início do prazo prescricional fosse diferido para a data do trânsito em julgado da sentença que aí viesse a ser proferida. * Fazendo nosso o entendimento explanado pelo Supremo Tribunal de Justiça, resta-nos certa a seguinte conclusão: para efeitos de início de contagem do prazo de prescrição previsto no art. 498º, nº 1 do Código Civil, a autora teve conhecimento do direito a que ora se arroga quando conheceu da pendência da acção arbitral contra si instaurada pelas rés. Como refere logo no art. 1º da petição inicial: A presente ação declarativa de condenação visa o exercício de responsabilidade contra as Rés Novartis AG e LTS Lohmann Therapie - System AG, para que as mesmas compensem a Autora LUYE PHARMA AG dos prejuízos por esta sofridos com a propositura e manutenção da ação arbitral que contra esta última moveram para impedirem a comercialização de medicamentos ao abrigo da Autorização de Introdução no Mercado de que esta beneficiou, afirmando que tal colidia com o seu prévio direito de patente EP 219 e medicamentos que comercializam no mercado português. Acrescentando, no art. 3º do mesmo articulado: As Rés sabiam, de modo pleno e consciente, que instauravam ação arbitral de modo indevido e que com isso colocavam em causa a possibilidade da Autora usufruir plenamente das Autorizações de Introdução no Mercado que lhe foram atribuídas, levando a custos diretos e a perda de vendas, em favor dos produtos que já tinham no mercado e que, dessa forma, continuavam a ser comercializados sem a concorrência dos produtos da Autora. Fundamentando a pretensão indemnizatória aqui deduzida, em abuso do direito de acção exercido pelas rés em acção arbitral anterior, a aparente lesada teve conhecimento da verificação dos pressupostos da responsabilidade das mesmas rés, quando teve conhecimento da interposição daquela mesma acção arbitral. Sendo princípio comum à responsabilidade civil extracontratual que o lesado não precisa de conhecer integralmente os danos para intentar acção indemnizatória, pelo que a autora adquiriu consciência de que estava perante factos que, virtualmente, violavam os seus direitos, causadores de danos, pelo que nada a impedia de logo intentar acção de indemnização, não carecendo, sequer, de indicar o valor exacto dos danos – arts.564°, nº2, 565º e 569 ° do Código Civil. Não se apurando a data exacta em que a autora teve conhecimento da instauração da acção arbitral, sempre tal data terá sido anterior a 29/4/2014, pois, como refere no art. 18º da petição inicial: Em Acórdão preliminar de 29.04.2014, o Tribunal Arbitral permitiu-se ignorar a exceção de caducidade de direito de ação invocada por esta Autora (aí Demandada), (Doc. n.° 5 que se junta e cujo conteúdo se dá integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais), Sendo irrelevantes, para efeitos de instauração da presente acção de indemnização, fundada em culpa in agendo, as vicissitudes processuais subsequentes da referida acção arbitral. Pelo que, no máximo, em 29/4/2017, já teria decorrido na íntegra o prazo de prescrição da pretensão indemnizatória aqui invocada. Muito antes da interposição da presente acção e subsequente citação das rés bem como do regime de interrupção de prazos emergentes da legislação Covid, analisado na decisão recorrida. Daí a improcedência da apelação. * V. A decisão Pelo exposto, os Juízes da 6.ª Secção da Relação de Lisboa acordam em, na improcedência da apelação, manter a decisão recorrida. Custas pela recorrente. * Lisboa, 11 de Julho de 2024 Relator: Nuno Lopes Ribeiro 1.ª Adjunta: Vera Antunes (com declaração de voto) 2.º Adjunto: António Santos Declaração de Voto. Votei favoravelmente a decisão mas discordo da fundamentação. É meu entendimento, enquanto regra geral, que enquanto o direito está a ser discutido em sede de outra acção judicial o prazo de prescrição previsto pelo art.º 498º do Código Civil apenas se inicia com o trânsito em julgado da decisão final dessa acção. Nestes casos, não está em causa a determinação da extensão dos danos ou a identidade dos sujeitos, mas a discussão do próprio direito com fundamento no qual a parte vem pedir a indemnização. A ser intentada uma acção de indemnização antes, com elevada probabilidade seria suspensa a aguardar o desfecho daqueloutra. Não faz sentido exigir à parte que intente acção de indemnização em data anterior, com os custos inerentes, enquanto aguarda por uma outra que pode decidir desfavoravelmente e esvaziar de fundamento aquela. Posto isto porém, neste caso, atenderia ao que consta em g) e h): g) a patente EP 219 foi definitivamente revogada em 18.07.2017; h) As RR apresentaram requerimento informando daquela revogação em 2.08.2017; Sendo que as rés requereram a extinção da acção na sequência da revogação da patente em Julho de 2017, e o prosseguimento do recurso para o STJ teve apenas como fundamento, como invocaram as Recorridas, unicamente para obviarem à sua condenação em custas. Ou seja, a prescrição ocorreu em 3/8/2020, sendo que a presente acção foi intentada em 8/4/2021 e as rés foram citadas em Fevereiro e Março de 2022. Vera Antunes |