Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CRISTINA SILVA MAXIMIANO | ||
Descritores: | ARRENDAMENTO RESOLUÇÃO FALTA DE PAGAMENTO DE ENCARGOS OU DESPESAS FALTA DE PAGAMENTO DE RENDA INFRACÇÃO GRAVE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/10/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I - O artigo 1083º, nº 3 do Código Civil equipara, para efeitos de resolução do contrato, a falta de pagamento de encargos ou despesas à falta de pagamento da renda. II - O não pagamento das despesas que corram por conta do arrendatário igual ou superior a três meses constitui, para efeitos do disposto no artigo 1083º, nº 3 do Código Civil, uma infracção grave praticada pelo arrendatário, que põe em causa o nexo sinalagmático que caracteriza o contrato de arrendamento e que justifica que possa determinar a resolução do contrato. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I - RELATÓRIO A intentou contra B, a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, formulando os seguintes pedidos: “a) ser decretada a cessação, por resolução, do contrato de arrendamento relativo ao imóvel identificado no artigo 1.º da petição inicial nos termos do artigo 1083.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil, de que os RR. são titulares; b) condenar os RR. no pagamento das rendas em atraso, acrescidas de juros de mora até efectivo e integral pagamento; c) condenar os RR. no pagamento integral das quantias em dívida, relativas aos contratos de fornecimento de água, luz, gás e telecomunicações, acrescidas de juros de mora até efectivo e integral pagamento; d) condenar os RR. no pagamento de uma indemnização em valor nunca inferior a €2500,00 (…), por danos não patrimoniais; e) condenar os RR. na entrega dos equipamentos que estão em sua posse (2 cabos, box e router), da propriedade da Vodafone Portugal, no estado em que os mesmos se encontravam; f) despejar imediatamente o locado e entregá-lo à A. livre de pessoas e bens; g) condenar os RR., nos termos do artigo 829.º-A do Código Civil, no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, de montante nunca inferior a €1750,00 (…), por cada mês de atraso na entrega do imóvel do autor;” Para tanto, alegou, em síntese útil, que: é comodatária e senhoria do imóvel que constitui o locado em causa nos autos, o qual foi dado de arrendamento aos Réus, para habitação própria e permanente, pela renda mensal de €1.350,00, ficando, ainda, acordado que os Réus teriam de pagar as despesas com os consumos de água, electricidade, gás e telecomunicações; desde final de 2021 que os Réus se atrasam no pagamento pontual da renda, bem como no pagamento das despesas dos contratos de fornecimento incluídos no arrendamento, tendo a Autora começado a receber notificações devidas à falta de pagamento daqueles fornecimentos, como água, luz e telecomunicações; desde Fevereiro de 2022, os Réus deixaram de pagar as rendas e as referidas despesas; os Réus têm adoptado condutas impróprias, possuem no locado um animal de estimação sem autorização da senhoria, e utilizam partes do edifício que não estão incluídas no contrato de arrendamento sem autorização da senhoria, num circunstancialismo grave que põe em causa a subsistência do arrendamento. Os Réus contestaram, defendendo a improcedência da acção, impugnando para o efeito, parte da factualidade invocada na P.I., e peticionaram a condenação da Autora como litigante de má-fé em multa e indemnização. Foi proferido despacho de aperfeiçoamento no sentido de a Autora concretizar, por referência à data da propositura da acção, o valor dos pedidos formulados nas als. b) e c) da petição inicial. A Autora respondeu a este convite, sustentando que as als. b) e c) dos pedidos constantes da petição inicial devem ter a seguinte redacção: “b) condenar os RR. no pagamento das rendas em atraso, vencidas no valor de €2.700 (…), e as vincendas, acrescidas de juros de mora até efectivo e integral pagamento; c) condenar os RR. no pagamento integral das quantias em dívida, relativas aos contratos de fornecimento de água, luz, gás e telecomunicações, na quantia de €872,39 (…), e as vincendas, acrescidas de juros de mora até efectivo e integral pagamento.” Foi realizada audiência prévia, à qual as partes não compareceram. Foi proferido despacho saneador, com fixação do objecto do litígio e de temas da prova. Efectuada a audiência final, foi proferida sentença, na qual a acção foi julgada parcialmente procedente e decidido: “a) Julgar procedente o pedido de resolução do contrato de arrendamento e, consequentemente, decretar o despejo do locado e a entrega do mesmo à Autora, livre de pessoas e bens; b) condenar os Réus a pagar à Autora as quantias: a. €12.150,00 (doze mil, cento e cinquenta euros), a título de rendas já vencidas até Outubro de 2022, bem como as vencidas e vincendas, desde essa data, até efectiva entrega do locado; b. €872,39 (oitocentos e setenta e dois euros e trinta e nove cêntimos), a título de encargos vencidos até Outubro de 2022, bem como aqueles que sejam devidos após essa data, até efectiva entrega do locado; c. Todas as quantias acrescidas de juros de mora, à taxa legal para créditos civis, vencidos desde a citação até integral pagamento; c) absolver os Réus dos demais pedidos formulados pela Autora; d) absolver as partes do pedido de condenação como litigantes de má-fé.” Inconformados com tal sentença, vieram os Réus dela interpor recurso de apelação, no qual formulam as seguintes Conclusões: “I. Nos termos do disposto pelo Art.647º, nº 3, al. b) do CPC, tem efeito suspensivo da decisão a apelação da decisão que ponha termo ao processo nas ações referidas nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 629.º e nas que respeitem à posse ou à propriedade de casa de habitação; II. Dispõe o mencionado Art.º 629º, nº 3, al. a) do CPC, que independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso para a Relação, nas ações em que se aprecie a validade, a subsistência ou a cessação de contratos de arrendamento, III. Porque nos presentes autos é precisamente a subsistência/cessação do contrato de arrendamento que se aprecia, deverá o presente recurso ter efeito suspensivo. IV. Entendeu a Mma Juiz a quo, que nos presentes autos importava determinar, (vide despacho saneador): 1. Se foram pagas rendas em atraso, se existem rendas em dívida e quais; 2. Se os Réus, sem autorização da Autora ou de alguém em nome desta, procederam à instalação de uma outra operadora de serviços de telecomunicações, levando à resolução do contrato anterior com penalização de 100€ a cargo desta; 3. Se os Réus fazem uso exclusivo de um terraço/quintal que não está afecto ao uso pelo locado; 4. Se os Réus mantêm no locado um animal de estimação sem autorização da Autora ou de alguém em nome desta; 5. A litigância de má-fé de alguma das partes. V. Nessa senda, por Douta Sentença proferida nos presentes autos, decidiu: a) Julgar procedente o pedido de resolução do contrato de arrendamento e, consequentemente, decretar o despejo do locado e a entrega do mesmo à Autora, livre de pessoas e bens; b) condenar os Réus a pagar à Autora as quantias: a. €12.150,00 (doze mil, cento e cinquenta euros), a título de rendas já vencidas até Outubro de 2022, bem como as vencidas e vincendas, desde essa data, até efectiva entrega do locado; b. €872,39 (oitocentos e setenta e dois euros e trinta e nove cêntimos), a título de encargos vencidos até Outubro de 2022, bem como aqueles que sejam devidos após essa data, até efectiva entrega do locado; c. Todas as quantias acrescidas de juros de mora, à taxa legal para créditos civis, vencidos desde a citação até integral pagamento; c) absolver os Réus dos demais pedidos formulados pela Autora; d) absolver as partes do pedido de condenação como litigantes de má-fé. VI. Relativamente às al. c) e d), considerou, e bem, no nosso entender, a Douta Sentença c) absolver os Réus dos demais pedidos formulados pela Autora; d) absolver as partes do pedido de condenação como litigantes de má-fé, pelo que, e nessa medida, não nos merece reparo, nem o presente recurso incide sobre a Douta Decisão que improcedentes esses pedidos. VII. Já no que concerne às alíneas a) e b), não se conformam Recorrentes com a douta decisão, sendo estas as questões objeto do presente recurso, pelo que o mesmo limita-se e incidirá apenas sobre as seguintes decisões: a) Julgar procedente o pedido de resolução do contrato de arrendamento e, consequentemente, decretar o despejo do locado e a entrega do mesmo à Autora, livre de pessoas e bens; b) condenar os Réus a pagar à Autora as quantias: a. €12.150,00 (doze mil, cento e cinquenta euros), a título de rendas já vencidas até Outubro de 2022, bem como as vencidas e vincendas, desde essa data, até efectiva entrega do locado; b. €872,39 (oitocentos e setenta e dois euros e trinta e nove cêntimos), a título de encargos vencidos até Outubro de 2022, bem como aqueles que sejam devidos após essa data, até efectiva entrega do locado; c. Todas as quantias acrescidas de juros de mora, à taxa legal para créditos civis, vencidos desde a citação até integral pagamento; VIII. Não pode a Recorrente deixar de impugnar a matéria de facto dada como provada, no que concerne ao ponto 5 dos factos provados, porquanto: IX. A Douta Sentença deu como provado: 5. Desde novembro de 2021 que os Réus se atrasam no pagamento das rendas bem como no pagamento das despesas dos contratos de fornecimento mencionados na cláusula 9 do contrato de arrendamento. X. Sucede, porém, que a Douta Sentença, contrariamente a todos os restantes pontos dados como provados e não provados, não esclarece em que prova produzida fundou a sua convicção. XI. No modesto entender dos Recorrentes, a D. Sentença padece de falta de fundamentação no que diz respeito aos pontos 5 e 6 dos factos provados, como facilmente se infere da leitura da mesma (vide pág. 5 e seguintes da D. Sentença), onde não faz sequer menção aos mesmos. XII. Nos termos do disposto pelo Art.º 615º, nº 1, b) do CPC, é NULA a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, nulidade essa que desde já se invoca com todos os devidos e legais efeitos. XIII. Ademais, o que resulta da prova documental constante dos presentes autos, nomeadamente dos documentos juntos pelos RR. na sua contestação como Doc. 20 a 22 (recibos de renda de novembro e dezembro de 2021 e janeiro de 2022) e Doc. 34 (mensagens de WhatsApp trocadas entre A. e R. nas datas de 8 de março, abril, junho, agosto, setembro e novembro de 2021 e 8 de janeiro de 2022), é que a renda sempre foi paga pelo R. até ao dia 8 do mês a que dizia respeito. XIV. Assim, pela prova produzida, não podia o tribunal “a quo” dar, com deu, como provado que desde novembro de 2021 que os Réus se atrasam no pagamento das rendas. XV. O que resulta da prova produzida é que o R. desde o início do contrato sempre procedeu ao pagamento das rendas até ao dia 8 do mês a que dizia respeito, conforme consignado pela clausula segunda do contrato de arrendamento e previsto pelo Art.º 1041º, nº 1 do CC XVI. A D. sentença ora em crise deu igualmente como provado o seguinte: 11. Os Réus têm feito uso exclusivo de um terraço/quintal existente no imóvel onde se situa o locado, apesar de o contrato de arrendamento não contemplar tal utilização, fazendo-o sem autorização da Autora. 12. Os Réus têm mantido um animal de estimação no locado, sem autorização da Autora e contra o estipulado no contrato de arrendamento. 13. Interpelado o Réu sobre o incumprimento do contrato, este manifestou-se rude, agressivo e ameaçador, o que aconteceu reiteradamente perante a Autora e a sua família que reside no imóvel onde se situa o locado. 14. Por efeito do comportamento do Réu, a Autora sente-se intimidada e ameaçada, com receio de circular sozinha no prédio. XVII. Tendo a Douta Sentença a quo considerado tais factos provados na medida em que: Com efeito, todas as testemunhas, apesar de próximas da Autora – quer por serem seus familiares directos, quer por habitarem, precisamente, no mesmo imóvel, pertencente à família, onde se situa o locado, estando outras habitações, também, arrendadas – revelaram-se sinceras e plenamente conhecedoras da realidade vertida na factualidade constitutiva da causa de pedir na presente acção. Sendo certo, também, que em nenhuma medida os Réus puderam contrariar tais depoimentos, em toda a linha, favoráveis à tese da Autora, os mesmos foram plenamente válidos e aptos, quer à demonstração daquela mesma factualidade, quer à confirmação do teor das declarações de parte. XVIII. Vejamos a PROVA produzida no que ao Ponto 11 diz respeito: • As declarações da A. A ao minuto 17.07, • As declarações da testemunha T… ao minuto 05.36 • As declarações da testemunha M… ao minuto 13.39 • As declarações da testemunha PP … ao Minuto 03.56 • As declarações da PB… ao minuto 02.07 XIX. Porque todas as testemunhas nos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento realizada na 1.ª instância faltaram à verdade, afigura-se necessária a junção, que desde já se requer, nos termos do disposto pelo Art.º 651º, n.º 1, do CPC, dos documentos nºs 1 a 3. XX. Dos documentos ora juntos, infere-se que contrariamente ao afirmado por todas as testemunhas, que os terraços não eram de uso exclusivo da família. XXI. Tanto assim é, que a 13 de Abril de 2023, os proprietários afixam nas zonas comuns do prédio uma comunicação dirigida a todos os inquilinos, com o teor constante do Doc. 1 que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos: XXII. A 11 de maio de 2023, afixam novo comunicado, para que prazo de cinco dias retirem os pertences que têm nos quintais, Doc. 2 XXIII. Sendo que a 25 de outubro de 2023, afixam um terceiro comunicado, a alertar que os quintais estarão fechados até fevereiro de 2025 e que é proibido circular nos mesmos. (Doc. 3) XXIV. Ora, não se alcança qual a necessidade de alertar os inquilinos para retirarem os pertences dos quintais, se como afirmaram as testemunhas só a família tinha acesso a eles!! XXV. Parece-nos evidente, que todas as testemunhas, até porque tinham interesse no desfecho da ação, faltaram despudoradamente à verdade e que efetivamente que os terraços/quintais são usados por outros inquilinos que não os RR. XXVI. Atentemos na prova produzida, no que ao Ponto 12 dos factos provados diz respeito, nomeadamente: • As declarações da A. A ao minuto 21.00 • As declarações da testemunha T… ao minuto 12.21 • As declarações da testemunha M… ao minuto 11.48 • As declarações da testemunha PP… ao Minuto 04.07 • As declarações da PB… ao minuto 02.19 XXVII. Também aqui, porque todas as testemunhas nos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento realizada na 1.ª instância faltaram à verdade, afigura-se necessária a junção, que desde já se requer, nos termos do disposto 651.º, n.º 1, do CPC, dos documentos nº 4 a 9. XXVIII. Dos documentos ora juntos, conclui-se, que também, e contrariamente ao afirmado por todas as testemunhas, existem mais inquilinos no prédio que têm animais de estimação. XXIX.E nem se diga que os mesmos permaneceram nas frações a título temporário. XXX. Conforme se extrai da observação das fotos ora juntas como Doc. 4 a 8, datadas de abril, maio e junho de 2022 e agosto de 2024, os animais permanecem em distintas frações por períodos alargados. XXXI. Cumpre ainda acrescentar, que o coelho que o R. mantinha na fração dentro da gaiola, faleceu em agosto do transato ano de 2023, conforme se extrai do documento ora junto como Doc. 9, pelo que, não se alcança a que cheiros ou falta de higiene se reportam as testemunhas! XXXII. No que aos pontos 13 e 14 da matéria provada diz respeito, a convicção da Mma juiz a quo alicerçou-se nos depoimentos testemunhais e da própria Autora em declarações de parte que, “com razão de ciência e sinceridade (pese embora, quanto às testemunhas, a grande proximidade existente com a demandante), corroboraram a alegação desta última no que concerne à factualidade subjacente aos pontos 9., 11., 12., 13. e 14. dos factos provados”. XXXIII. Conforme tem entendido a jurisprudência, importa considerar, na valoração destes depoimentos, que as testemunhas se encontram de relações cortadas com o R. e em contraponto são todas familiares da A. e também residentes no prédio, pelo que, aconselha a prudência que sejam desconsiderados. XXXIV. Ademais, todas elas têm interesse no desfecho da acção, pelo que, tais declarações, não podem ser consideradas suficientes para a demonstração, com o grau de segurança necessário para um juízo probatório, de que os factos dados como provados ocorreram. XXXV. Não poderá também ser desconsiderado, que não obstante todo o cenário de “medo, insegurança e verdadeiro horror” descrito pelas testemunhas, não consta dos presentes autos qualquer participação feita pela A. às autoridades policiais, o que não pode deixar de se estranhar atenta a alegada gravidade dos factos descritos. XXXVI. De igual modo também não se poderá desconsiderar, que não obstante a A. se poder socorrer de meios processuais tais como o incidente de despejo imediato previsto pelo artigo 14º da Lei 6/2006, de 27 de fevereiro, até à data de hoje não o fez, o que não deixa se estranhar, a ser verdade o afirmado pelas testemunhas. XXXVII. Igualmente, ao nível da matéria de facto não provada, entende-se que o Douto Tribunal a quo não fez a melhor apreciação da prova, porquanto: XXXVIII. Consagrou a Douta Sentença a quo que não resultou provado: e) que outros moradores e arrendatários do prédio fazem igualmente uso do terraço e com o consentimento dos proprietários (artigo 17º da contestação); f) que a maioria dos arrendatários e outros moradores do prédio tem animais de estimação em casa, com o conhecimento dos proprietários e sem qualquer oposição destes (artigo 21º da contestação); XXXIX. Dá-se aqui por integralmente reproduzido todo o alegado supra no que respeita aos pontos 11 e 12 dos factos provados, donde resulta, que pela prova produzida, não poderia a Mma juiz a quo dar como não provados os factos identificados em e) e f). XL. Nesta medida e salvo o devido respeito, deverão: A. Ser alterados os pontos 11 e 12 da matéria provada para: 11. Os Réus têm feito uso exclusivo de um terraço/quintal existente no imóvel onde se situa o locado, apesar de o contrato de arrendamento não contemplar tal utilização, fazendo-o COM autorização da Autora. 12. Os Réus têm mantido um animal de estimação no locado, COM autorização da Autora. B. Ser excluídos os pontos 13 e 14 da matéria provada; C. Ser incluídos na matéria dada COMO PROVADA os pontos e) e f) da matéria dada como não provada: e) que outros moradores e arrendatários do prédio fazem igualmente uso do terraço e com o consentimento dos proprietários (artigo 17º da contestação); f) que a maioria dos arrendatários e outros moradores do prédio tem animais de estimação em casa, com o conhecimento dos proprietários e sem qualquer oposição destes (artigo 21º da contestação); XLI. Da PI apresentada pela A. consta como pedido da sua al. a): a) ser decretada a cessação, por resolução, do contrato de arrendamento relativo ao imóvel identificado no artigo 1.º da petição inicial nos termos do artigo 1083.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil, de que os RR. são titulares; XLII. Dispõe aquele citado dispositivo legal: Qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte. 2 - É fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente quanto à resolução pelo senhorio: a) A violação de regras de higiene, de sossego, de boa vizinhança ou de normas constantes do regulamento do condomínio; b) A utilização do prédio contrária à lei, aos bons costumes ou à ordem pública; c) O uso do prédio para fim diverso daquele a que se destina, ainda que a alteração do uso não implique maior desgaste ou desvalorização para o prédio; d) O não uso do locado por mais de um ano, salvo nos casos previstos no n.º 2 do artigo 1072.º; e) A cessão, total ou parcial, temporária ou permanente e onerosa ou gratuita, do gozo do prédio, quando ilícita, inválida ou ineficaz perante o senhorio. XLIII. Da D. Sentença proferida pela Mma Juiz a quo, consta: (sublinhados nossos) “Cumpre, então, apreciar os fundamentos de resolução do contrato – e consequente despejo do locado –, quais sejam, a falta de pagamento pontual das rendas, a violação de disposições contratuais, nomeadamente, a detenção de um animal de estimação e uso de áreas não incluídas no locado e, ainda, a adopção de comportamentos atentatórios da boa vizinhança, nomeadamente, na pessoa da senhoria e familiares desta, que coabitam no edifício onde se situa o imóvel arrendado. Os fundamentos para a resolução estão consagrados no artigo 1083º do Código Civil, que, logo no seu n.º 1, preceitua que «qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base no incumprimento pela outra parte», sendo fundamento de resolução «o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento» (n.º 2). Este mesmo normativo elenca alguns dos motivos pelos quais se torne inexigível, para o senhorio, a manutenção do contrato, destacando-se para o caso, aquele contemplado na alínea a). Quanto à obrigação de pagamento das rendas e outras quantias devidas nos termos do contrato (que constitui vertente principal do cumprimento do contrato por banda do locatário), dispõe o n.º 3 do mesmo preceito legal que é inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora igual ou superior a dois meses no pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário, sendo também inexigível a manutenção do contrato, nos termos do n.º 4, no caso de o arrendatário se constituir em mora superior a oito dias, no pagamento da renda, por mais de quatro vezes, seguidas ou interpoladas, num período de 12 meses. A factualidade demonstrada nos autos – bem como a não demonstrada – leva-nos à conclusão de que tem havido incumprimento da obrigação de pagamento das rendas (e das facturas referentes a fornecimentos) em período bem superior a qualquer um dos consignados na lei, sendo certo que os Réus não demonstraram qualquer factualidade impeditiva, modificativa ou extintiva desta obrigação, nomeadamente, algum circunstancialismo relacionado com a falta de indicação do IBAN para onde efectuar a transferência bancária (independentemente da apreciação da eventual questão de saber se essa alegada não indicação constituiria fundamento para eximir os Réus da obrigação de pagamento atempado). Por outro lado, apurou-se também, com toda a segurança, que o Réu marido tem adoptado comportamentos gravemente atentatórios da convivência em boa vizinhança, quer perante a Autora, quer perante membros da família desta, que por si só, preenchem a previsão do citado artigo 1083º, n.º 2, a) do Código Civil – em termos de tornarem inexigível a manutenção do contrato. Demonstraram-se, portanto, fundamentos, dos assim qualificados pela lei, para a resolução do contrato por a sua manutenção se tornar inexigível por parte do senhorio, o que se impõe decidir sem necessidade de outros considerandos. Será, portanto, decretado o despejo XLIV. Vejamos: f) A A. requer a resolução do contrato de arrendamento com base no disposto pelo Art.º 1083º, nº1 e 2 do CPC; g) A Mma juiz a quo na fundamentação da D. Sentença reporta-se, diferentemente ao peticionado, aos nºs 3 e 4 do mencionado artigo, h) O nº 3 do supracitado Art.º 1083º consagra que é inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora igual ou superior a TRÊS MESES; i) A Mma Juiz a quo refere erradamente “caso de mora igual ou superior a DOIS MESES” j) Por outro lado, reporta-se também ao Art.º 1083º, nº4, sendo certo, que pela prova documental se atesta que não existe mora superior a oito dias, no pagamento da renda, por mais de quatro vezes, seguidas ou interpoladas, num período de 12 meses. (vide Art.13º supra) XLV. Ora, em momento algum a A. peticionou a resolução do contrato com fundamento no disposto pelos nºs 3 e 4 do Art.º 1083º, pelo que não poderia a Mma juiz a quo, decretar o Despejo, como decretou, com fundamento na falta de pagamento de rendas ou na mora no pagamento das mesmas, XLVI. Sendo que, de igual modo não o poderia ter feito, atento o facto de à data da propositura da ação, não existir mora igual ou superior a 3 meses, nem superior a oito dias, por mais de quatro vezes, seguidas ou interpoladas, num período de 12 meses, conforme supra se alegou e consta provado, XLVII. Nos termos do disposto pelo Art.º 615º, nº, e), é nula a sentença quando, o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, nulidade que desde já se invoca com os devidos e legais efeitos. Nestes termos e nos melhores de Direito, deverá ser julgada procedente a Apelação, e consequentemente ser: d) declarada a nulidade da sentença nos termos do disposto pelo Art.º 615º, nº 1, b) por não ter especificado os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; e) declarada a nulidade da sentença, nos termos do disposto pelo Art.º 615º, nº, e), por a Mma juiz haver condenado em objeto diverso do pedido, f) julgado improcedente o pedido de resolução do contrato de arrendamento e consequente despejo do locado com entrega à A. livre de pessoas e bens.” Com o recurso, os Réus juntaram documentos. A Autora não apresentou contra-alegações. Colhidos os vistos, cumpre decidir. II – QUESTÕES A DECIDIR De acordo com as disposições conjugadas dos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1, ambas do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se delimita o objecto e o âmbito do recurso, seja quanto à pretensão do Recorrente, seja quanto às questões de facto e de direito que colocam. Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art.º 5º, nº 3 do Cód. Proc. Civil). De igual modo, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas de todas as questões suscitadas que se apresentem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (cfr. art.º 608º, nº 2 do Cód. Proc. Civil, ex vi do art.º 663º, n.º 2 do mesmo diploma). Considerando que os apelantes, de forma expressa, nas conclusões da alegação restringiram (cfr. art.º 635º, nº 4 do Cód. Proc. Civil) o objecto do recurso aos pedidos que foram julgados procedentes nas als. a) e b) do dispositivo da sentença, as questões a decidir neste recurso são as seguintes: A) admissibilidade da junção aos autos dos documentos juntos com este recurso; B) existência de nulidade da sentença por enfermar das nulidades previstas nas als. b) [não especificação dos fundamentos de facto e de direito que a justificam] e e) [condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido] – do nº 1 do art.º 615º do Cód. Proc. Civil; C) a impugnação da decisão sobre matéria de facto; D) existência de fundamento para a resolução do contrato de arrendamento dos autos e consequente decretamento do despejo. III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença sob recurso considerou como provados os factos da seguinte forma: “1. A Autora é comodatária do …. direito do prédio sito na Rua …, inscrito na matriz predial sob o artigo …, da freguesia de …, em Lisboa – cf. doc. 1 junto com o requerimento da Autora de 04.05.2022. 2. Este imóvel foi dado de arrendamento aos Réus em 1 de Junho de 2020, pelo período de 1 ano, renovável por iguais períodos – cf. doc. 2 junto com a p.i. 3. O arrendamento destinou-se única e exclusivamente à habitação própria e permanente dos Réus, pela renda mensal de €1.350, a pagar até ao dia 8 de cada mês. 4. Ficou ainda acordado entre as partes que os inquilinos, ora Réus, se obrigariam ao pagamento dos consumos de água, energia eléctrica, gás e telecomunicações, nomeadamente serviços de internet, televisão e telefone fornecidos pela Vodafone, apesar de os respectivos contratos se encontrarem em nome da Autora – cláusula 9 do contrato. 5. Desde Novembro de 2021 que os Réus se atrasam no pagamento das rendas bem como no pagamento das despesas dos contratos de fornecimento mencionados na cláusula 9 do contrato de arrendamento. 6. Desde Fevereiro de 2022 que os Réus deixaram de pagar a renda devida pelo locado. 7. A Autora recebeu notificações por parte da EPAL, Lisboa Gás, EDP e Vodafone por falta de pagamento das facturas respeitantes ao locado. 8. À data da propositura da acção, os Réus já eram devedores das seguintes quantias: €103.33, respeitante ao fornecimento de água quanto aos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2022; €420.15, respeitante ao fornecimento de electricidade, quanto aos meses de Novembro de 2021 a Fevereiro de 2022; €24.39, respeitante ao fornecimento de gás, quanto aos meses de Janeiro e Fevereiro de 2022; €324,52, respeitante fornecimento de telecomunicações (internet, televisão e telefone), quanto aos meses de Novembro de 2021 a Fevereiro de 2022 – cf. docs. 3 a 14 juntos com a p.i. 9. Posteriormente a Fevereiro de 2022, os Réus mantêm-se sem pagar as quantias em dívida e as que se venceram posteriormente. 10. Sem autorização da Autora, os Réus procederam à instalação de uma outra operadora de telecomunicações, levando ao incumprimento do contrato anteriormente celebrado com a Vodafone, que importou na penalidade contratual de valor não concretamente apurado. 11. Os Réus têm feito uso exclusivo de um terraço/quintal existente no imóvel onde se situa o locado, apesar de o contrato de arrendamento não contemplar tal utilização, fazendo-o sem autorização da Autora. 12. Os Réus têm mantido um animal de estimação no locado, sem autorização da Autora e contra o estipulado no contrato de arrendamento. 13. Interpelado o Réu sobre o incumprimento do contrato, este manifestou-se rude, agressivo e ameaçador, o que aconteceu reiteradamente perante a Autora e a sua família que reside no imóvel onde se situa o locado. 14. Por efeito do comportamento do Réu, a Autora sente-se intimidada e ameaçada, com receio de circular sozinha no prédio.” * Foi, ainda, consignado na decisão recorrida: “Não existem outros factos provados, designadamente, da petição inicial: a) que a presença de um animal de estimação no locado provoca constante mau cheiro no patamar do 3º andar (artigo 18º da p.i.); b) que a Autora e sua família têm medo de permanecer sozinhos no prédio e de deixar algum pertence seu no terraço/quintal do mesmo (artigo 35º da p.i.); c) que a Autora se tenha arrogado proprietária do imóvel aquando da celebração do contrato de arrendamento mas que se tenha apresentado como comodatária para efeitos de alojamento mobilado a turistas (artigo 5º da contestação); d) que um dos motivos que levou os Réus à escolha do locado foi precisamente o terraço, cujo uso sempre lhes foi garantido, por pertencer ao locado, e que sempre usufruíram do mesmo desde o início do arrendamento, sem qualquer oposição da Autora ou do proprietário (artigos 15º e 16º da contestação); e) que outros moradores e arrendatários do prédio fazem igualmente uso do terraço e com o consentimento dos proprietários (artigo 17º da contestação); f) que a maioria dos arrendatários e outros moradores do prédio tem animais de estimação em casa, com o conhecimento dos proprietários e sem qualquer oposição destes (artigo 21º da contestação); g) que o Réu tem vindo a ser alvo de ameaças pela Autora e pela mãe desta (artigo 23º da contestação). * A restante matéria dos autos constitui alegação conclusiva e/ou de Direito, ou meramente instrumental, sem relevância para a apreciação do mérito da causa.” IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO A) Admissibilidade da junção aos autos dos documentos que foram juntos pelos apelantes neste recurso Com o recurso, os apelantes requereram a junção aos autos de oito documentos, sob os nºs 1 a 7 e 9 (certamente por lapso, referem juntar o documento nº 8, que não foi junto). Como é sabido, os documentos são meios de prova de factos - cfr. arts. 341º e 362º do Cód. Civil. E, a sua junção tem em vista a prova de factos que hajam sido alegados pelas partes nos respectivos articulados (normais ou supervenientes) – cfr. art.º 423º, nºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil. Nos termos do art.º 651º, nº 1 do Cód. Proc. Civil: “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.”; dispondo aquele art.º 425º que: “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.” Da conjugação destas normas resulta que apenas se mostra possível a junção de documentos em sede de recurso: (i) devido à impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso - cfr. arts. 651º, nº 1, primeira parte, e 425º do Cód. Proc. Civil; ou (ii) quando o julgamento da primeira instância tenha introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional, que até aí – até ao julgamento em primeira instância – se mostrava desfasada do objecto da acção ou inútil relativamente a este - cfr. art.º 651º, nº 1, segunda parte, do Cód. Proc. Civil. O primeiro destes requisitos (i) pressupõe a superveniência do documento pretendido juntar, superveniência essa, que pode ser objectiva, isto é, que ocorreu histórica e cronologicamente depois de um determinado momento; ou subjectiva, ou seja, que justificadamente só foi tido conhecimento desse documento por alguém depois desse momento - impondo-se, em ambos os casos, que a parte demonstre a referida superveniência. Comum a estes dois segmentos da primeira parte do art.º 651º, nº 1 do Cód. Proc. Civil é, pois, a impossibilidade de junção em momento anterior (por referência ao encerramento da discussão na audiência final), por razões atendíveis e de acordo com a diligência normal do cidadão médio. No que respeita à impossibilidade de apresentação anterior (cfr. art.º 425º do cód. Proc. Civil, a contrario), afirmam Lebre de Freitas et al, in “Código de Processo Civil Anotado”, 2º Vol., Coimbra Editora, 2001, p. 426, que: “Constituem exemplos de impossibilidade de apresentação o de o documento se encontrar em poder de terceiro, que só posteriormente o disponibiliza, de a certidão de documento arquivado em notário ou outra repartição pública, atempadamente requerida, só posteriormente ser emitida [superveniência objetiva] ou de a parte só posteriormente ter conhecimento da existência do documento [superveniência subjetiva]. Nos dois primeiros casos, será necessário que se tenham esgotado anteriormente os meios dos arts. 531º a 537º [atuais Artigos 432º a 437º do Código de Processo Civil].”. O segundo (ii) mencionado requisito (cfr. segunda parte do nº 1 do invocado art.º 651º) prende-se com a necessidade de junção de determinado documento quando tenha sido introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional. Quer isto dizer que, esse elemento de novidade não pode ter já sido debatido nos articulados ou em sede de discussão e julgamento, antes devendo ser algo de novo. Como salientam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração”, Coimbra, 2018, p. 786, “tem-se entendido que a junção de documentos às alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão da 1ª instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento, quer quando a decisão se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam (STJ, 26-9-12, 174/08, RL 8-2-18, 176/14 e RP 8-3-18, 428/16)”. A este propósito, escrevem Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, 2ª ed. revista e actualizada, Coimbra Editora, 1985, p. 533-534, que: “a lei não abrange a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da acção (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em 1.ª instância. O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objeto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida”. Também a este propósito, esclarece Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª ed., p. 242-243, que: “Podem ainda ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, máxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo. A jurisprudência anterior sobre esta matéria não hesita em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado.”. Visa-se abranger as situações que - pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação - tornaram necessário provar determinados factos, cuja relevância a parte não podia, razoavelmente, ter em consideração antes da decisão ter sido proferida - Acórdão do TRL de 19/03/2013, relatora Ana Resende, acessível em www.dgsi.pt. No caso dos autos, pretendem os apelantes a junção dos documentos nºs 1, 2 e 3, para prova que os terraços/quintais existentes no imóvel onde se situa o locado “não eram de uso exclusivo da família” e que “são usados por outros inquilinos que não os RR.” – arts. 18º a 24º das motivações e pontos XVIII a XXV das conclusões recursórias. Ora, a concreta factualidade atinente ao não uso dos mencionados terraços/quintais por outros moradores/inquilinos foi expressamente focada pela Autora no art.º 12º da petição inicial e foi objecto de concreta e expressa impugnação pelos Réus no art.º 17º da contestação. Por isto, e olhando às datas de elaboração dos documentos ora em causa e em que, segundo os apelantes, foram afixados nas “zonas comuns do prédio” (13/04/2023, 11/05/2023 e 25/10/2023), deveriam/poderiam os Réus/apelantes ter procedido à sua junção aos autos até ao encerramento da discussão na audiência final, que ocorreu em 05/02/2024 (ou seja, em data muito posterior às mencionadas), nos termos dos arts. 423º, nºs 2 e 3 do Cód. Proc. Civil, e nunca, agora, em fase de recurso da sentença proferida. Pretendem os apelantes a junção dos documentos nºs 4, 5, 6 e 7 (certamente, por lapso, referem, ainda, a este propósito, um documento nº 8 que não foi junto), para prova que “existem mais inquilinos no prédio que têm animais de estimação” - arts. 25º a 28º das motivações e pontos XXVI a XXX das conclusões recursórias. Ora, a concreta factualidade atinente à existência “de mais inquilinos no prédio que têm animais de estimação” foi expressamente alegada pelos Réus no art.º 21º da contestação. Por isto, e olhando às datas em que, segundo os apelantes, foram elaborados os documentos ora em causa (Abril, Maio e Junho de 2022 e Agosto de 2023 – a referência a “agosto de 2024” trata-se certamente de mero lapso de escrita, face à data em que foi apresentado o recurso), deveriam/poderiam os Réus/apelantes ter procedido à sua junção aos autos até ao encerramento da discussão na audiência final, que ocorreu em 05/02/2024 (ou seja, em data muito posterior às referidas), nos termos dos arts. 423º, nºs 2 e 3 do Cód. Proc. Civil, e nunca, agora, em fase de recurso da sentença proferida. Pelo exposto, não existe fundamento legal para os apelantes juntarem os mencionados documentos nºs 1 a 7 neste momento processual. Cfr., neste sentido, por todos: Acórdão do STJ de 18/02/2003, relator Azevedo Ramos (o regime do art.º 651º, nº 1 não abrange a hipótese de a parte pretender juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em 1ª instância); Acórdão do TRL de 21/10/93, relator Rodrigues Codeço (não é admissível a junção, com a alegação de recurso, de um documento potencialmente útil à causa ab initio e não apenas após a sentença); Acórdão do TRG de 27/02/2014, relatora Ana Cristina Duarte – todos, acessíveis em www.dgsi.pt; e Acórdão do TRL de 17/03/2016, relator Tibério Silva, in CJ 2016-I, p. 81-86 (não é admissível a junção de documentos para provar factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado). Quanto ao documento nº 9, pretendem os apelantes a sua junção, alegando: “Cumpre ainda acrescentar, que o coelho que o R. mantinha na fração dentro da gaiola, faleceu em agosto do transato ano de 2023, conforme se extrai do documento ora junto como Doc. 9, pelo que, não se alcança a que cheiros ou falta de higiene se reportam as testemunhas!” - art.º 29º das motivações e ponto XXXI das conclusões recursórias. Os “recursos ordinários destinam-se a permitir que o tribunal hierarquicamente superior proceda à reponderação das decisões recorridas, objetivo que se reflete na delimitação das pretensões que lhe podem ser dirigidas no leque de competências suscetíveis de serem assumidas”. Na fase de recurso, parte-se do pressuposto “que a questão já foi objecto de decisão, tratando-se apenas de apreciar a sua manutenção, alteração ou revogação”, conforme escreve Abrantes Geraldes, in ob. cit., p. 31. Por isto, não pode o tribunal superior conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas, porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas, “não podendo confrontar-se o tribunal ‘ad quem’ com questões novas” – mesmo autor e obra, p. 119. Também a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem entendido de forma unânime que os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais através dos quais se visa reapreciar e modificar decisões já proferidas que incidam sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, e não criá-las sobre matéria nova, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas, salvo aquelas que são de conhecimento oficioso - cfr., por todos, Acórdãos: de 25/03/2009, Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (“Não podem ser invocadas em recurso causas de pedir não oportunamente alegadas”); de 29/01/2014, Abrantes Geraldes; de 17/12/2014, Orlando Afonso; de 17/12/2014, de Fonseca Ramos; de 07/07/2016, Gonçalves Rocha (“não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação, podendo ver-se neste sentido os acórdãos do S.T.J. de 1.12.1998, in BMJ n.º 482/150; 12.12.1995, CJSTJ, Tomo III, pág. 156; e os acórdãos de 24/2/2015, processo nº 1866/11.4TTPRT.P1.S1, e de 14/5/2015, 2428/09.1TTLSB.L1.S1”); de 17/11/2016, Ana Luísa Geraldes; e de 17/04/2018, João Camilo - todos acessíveis em www.dgsi.pt. Assim, uma vez que a junção de documentos tem em vista a prova de factos que hajam sido alegados (cfr. citados arts. 341º e 362º do Cód. Civil), a possibilidade de junção de documentos, em sede de recurso, não poderá ter como objectivo ou finalidade a prova de factos que não hajam sido oportunamente alegados junto do tribunal a quo, ou que tenham sido alegados apenas em sede de recurso. Como se escreve a este propósito no Acórdão do TRP de 13/09/2010, relatora Paula Leal de Carvalho (proc. nº 304/08.4TTPRT.P1), acessível em www.dgsi.pt: “Se os documentos visam a prova de factos alegados apenas no recurso e se, neste, o tribunal ad quem não pode atender a esses factos, não se vê qualquer utilidade na junção dos documentos com o recurso.”. Neste sentido, pode ainda ver-se o Acórdão do TRP de 01/10/1996, relator Mário Cruz (proc. nº 9620254), sumariado em www.dgsi.pt: “Sendo que os recursos não se destinam a conhecer de situações novas, invocadas nas alegações, também não se pode atender a elementos de facto novos, não apreciados no Tribunal " a quo ", traduzidos em documentos juntos com as alegações”. Também Rui Pinto, in “Notas ao Código de Processo Civil”, Coimbra Editora, 2014, p. 265, afirma a este propósito: “Os documentos apresentados referem-se a factos já trazidos ao processo, nos articulados normais ou nos articulados supervenientes (cf. artigos 588º e ss.). Portanto, a regra é a de que os documentos supervenientes não trazem ao processo factos supervenientes.”. No caso, a factualidade a cuja prova o documento nº 9 junto pelos apelantes se destinaria – o falecimento do animal de estimação que os Réus mantinham na no locado em Agosto de 2023 - apenas foi alegada no recurso. Assim, por este documento se destinar a fazer prova de factualidade nova, não alegada perante o tribunal a quo até ao momento do encerramento da discussão no julgamento (cfr. art.º 611º, nº 2 do Cód. Proc. Civil), e por tal factualidade não respeitar a factos notórios (isto é, que não careçam de ser alegados, ou de que sejam, ou devam ser, do conhecimento do tribunal por virtude do exercício das suas funções: cfr. art.º 412º do Cód. Proc. Civil), resta concluir pela inadmissibilidade legal da sua junção aos autos neste recurso. Em suma, quanto a todos os documentos juntos com este recurso, não se mostra observado o segundo requisito (ii) do art.º 651º, nº 1, 2ª parte, do Cód. Proc. Civil, sendo certo, ainda, que nem os apelantes alegaram a existência de factos que permitam a aplicação do primeiro requisito (i) daquele preceito legal, nem os mesmos resultam dos autos. Pelo exposto, considerando o caráter excepcional da admissão da prova documental em via de recurso e não se verificando, in casu, os requisitos exigidos pelo art.º 651º, nº 1 do Cód. Proc. Civil para o efeito, decide-se rejeitar a junção dos documentos em causa, e, condenar os apelantes nas custas do incidente, fixando-se as mesmas em uma UC (art.º 7º, nº 4 do Regulamento das Custas Processuais). * B) Invocadas nulidades da sentença Tendo sido invocadas nulidades da sentença, deveriam as mesmas ter sido apreciadas pela Mmª Juíza a quo no próprio despacho em que se pronunciou sobre a admissibilidade do recurso (cfr. nº 1 do art.º 617º daquele diploma legal) – o que não fez, como resulta do despacho proferido em 02/07/2024. Omitida tal pronúncia, pode o relator do acórdão a proferir pelo Tribunal da Relação, “se o entender indispensável, mandar baixar o processo para que” tal omissão seja suprida, de acordo com o disposto no nº 5 do citado art.º 617º do Cód. Proc. Civil. Porém, no caso em apreço, considera-se que tal pronúncia é de dispensar, pelo que se passa, de imediato, a apreciar as invocadas nulidades. Da nulidade da decisão por falta de fundamentação: Entendem os apelantes que a sentença recorrida é nula nos termos do disposto no art.º 615º, nº 1, al. b) do Cód. Proc. Civil, por padecer “de falta de fundamentação no que diz respeito aos pontos 5 e 6 dos factos provados, como facilmente se infere da leitura da mesma (vide pág. 5 e seguintes da D. Sentença), onde não faz sequer menção aos mesmos” – cfr. pontos X) a XII) e al. d) das conclusões de recurso (p. 21 e 29, parte final, das alegações). De acordo com o art.º 615º, nº 1, al. b) do Cód. Proc. Civil, a sentença é nula “quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”. Este vício emerge da violação do dever de fundamentação das decisões judiciais, consagrado no art.º 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa e no art.º 154º do Cód. Proc. Civil. A Doutrina e a Jurisprudência têm entendido que tal vício só se verifica em situações de falta absoluta ou total ininteligibilidade de indicação das razões de facto e de direito que justificam a decisão e não também quando tais razões constem da sentença, mas de tal forma que pela sua insuficiência, laconismo ou mediocridade, se deve considerar a fundamentação deficiente. Com efeito, já Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, V Volume, 3ª Ed., Coimbra Editora, p. 140, ensinava que: “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.”. Luís Mendonça e Henrique Antunes, in “Dos Recursos”, Quid Juris, p. 116, salientam que: “O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal e persuasivo da decisão – mas não produz nulidade.”. Como salienta Manuel Tomé Soares Gomes, in “Da Sentença Cível”, in “O novo processo civil”, caderno V, E-book publicado pelo Centro de Estudos Judiciários, Janeiro 2014, p. 370, acessível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/CadernoV_NCPC_Textos_Jurisprudencia.pdf: “(…) a falta de fundamentação de facto ocorre quando, na sentença, se omite ou se mostre de todo ininteligível o quadro factual em que era suposto assentar. Situação diferente é aquela em que os factos especificados são insuficientes para suportar a solução jurídica adotada, ou seja, quando a fundamentação de facto se mostra medíocre e, portanto, passível de um juízo de mérito negativo. / A falta de fundamentação de direito existe quando, não obstante a indicação do universo factual, na sentença, não se revela qualquer enquadramento jurídico ainda que implícito, de forma a deixar, no mínimo, ininteligível os fundamentos da decisão.” A este propósito, escreveu Artur Anselmo de Castro, in “Direito Processual Civil Declaratório”, vol. III, p. 141/142 que: “(…) Da falta absoluta de motivação jurídica ou factual – única que a lei considera como causa de nulidade – há que distinguir a fundamentação errada, pois esta, contendo apenas com o valor lógico da sentença, sujeita-a a alteração ou revogação em recurso, mas não produz nulidade (…)”. De igual forma e no mesmo sentido tem sido o entendimento da Jurisprudência, sendo possível confrontar, por todos, os Acórdãos do STJ de: 26/04/1995, relator Raul Mateus, CJ 1995, II, p. 58; e de: 19/10/2004, relator Oliveira Barros; 15/12/2011, relator Pereira Rodrigues [onde se precisa que a nulidade da sentença por falta de fundamentação não se verifica quando apenas tenha havido uma justificação deficiente ou pouco persuasiva, antes se impondo, para a verificação da nulidade, a ausência de motivação que impossibilite o anúncio das razões que conduziram à decisão proferida a final]; 02/06/2016, relatora Fernanda Isabel Pereira [“Só a absoluta falta de fundamentação – e não a sua insuficiência, mediocridade ou erroneidade – integra a previsão da al. b) do n.º 1 do art.º 615.º do NCPC, cabendo o putativo desacerto da decisão no campo do erro de julgamento”]; 28/05/2015, relator Granja da Fonseca; e 10/05/2016, relator João Camilo – todos acessíveis em www.dgsi.pt. A exigência de fundamentação incide quer sobre os fundamentos de facto, quer sobre os fundamentos de Direito. Na verdade, como esclarecem Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, 2ª ed. revista e actualizada, Coimbra Editora, 1985, p. 687: “(…) é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito.”. O que significa que uma sentença ou despacho que decide uma questão suscitada pelas partes é nula: (i) quer se contiver a indicação dos factos, mas for absolutamente omissa quanto às razões de Direito que a sustentam; (ii) quer se contiver a indicação das razões de Direito que a fundamentam, mas for absolutamente omissa quanto aos factos em que se alicerça; (iii) quer se faltarem ambas as indicações: dos factos e das razões de direito. Em suma, uma coisa é a falta de factos que justificam a decisão ou a ausência de exposição mínima quanto ao respectivo enquadramento jurídico, outra, substancialmente diferente, é a apreciação errada dos factos pelo juiz a quo ou a incorrecta subsunção jurídica da factualidade dada como assente. No primeiro caso, ocorre a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do art.º 615º do Cód. Proc. Civil; no segundo, há lugar a recurso por erro de julgamento, de direito ou de facto - cfr. Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. II, 2018, p. 178; J. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre escrevem, a este propósito, in “Código de Processo Civil Anotado”, p. 735-736, que: “Há nulidade (no sentido lato de invalidade, usado pela lei) quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão (…) Não a constitui a mera deficiência de fundamentação (…)”. Descendo ao caso dos autos, constata-se que estamos perante uma situação em que a sentença recorrida preenche, de forma manifesta, os requisitos exigidos pela lei quanto à motivação (de facto e de direito) das decisões. Na verdade, a sentença recorrida encontra-se motivada de facto [conforme resulta da sua leitura: enuncia os Factos Provados e Não Provados (p. 3-5 da sentença), ao que se segue a respectiva fundamentação (p. 5-6 da sentença)]; e de direito [tendo sido invocado na sentença, nomeadamente, os concretos preceitos legais em que a mesma se fundamenta e a Doutrina e Jurisprudência que foi considerada pertinente]. Desta forma, de acordo com o disposto no art.º 205º, nº 1 da CRP e nos arts. 154º e 615º, nº 1, al. b), ambos do Cód. Proc. Civil, e tendo em atenção as considerações acima aduzidas a propósito da interpretação e sentido último daquelas disposições legais, conclui-se que não se verifica, no caso dos autos, a falta absoluta ou a total ininteligibilidade de indicação das razões de facto e de direito que justificaram a decisão, susceptíveis da cominação legal de nulidade da decisão. Como também resulta do antes enunciado, questão diversa é a (eventual) deficiente (ou errada) fundamentação (máxime, ao nível da fundamentação da matéria de facto) da referida decisão, questão essa, que, tendo também sido objecto deste recurso, é matéria a apreciar infra, em sede de mérito. O exposto determina a improcedência, nesta parte, da apelação. * Da nulidade da decisão por condenação em objecto diverso do pedido: Entendem os apelantes que a sentença recorrida é nula nos termos do disposto no art.º 615º, nº 1, al. e) do Cód. Proc. Civil, por “haver condenado em objeto diverso do pedido” – cfr. pontos XLI a XLVII e al. e) das conclusões de recurso (p. 26 a 29, parte final, das alegações). Nos termos do art.º 615º, nº 1, alínea e) do Cód. Proc. Civil, é nula a sentença quando o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, encontrando-se os respectivos limites quantitativos e qualitativos consagrados no nº 1 do art.º 609º daquele diploma legal. Esta nulidade colhe o seu fundamento no princípio do dispositivo, que atribui às partes a iniciativa e o impulso processual, e no princípio do contraditório, segundo o qual o tribunal não pode resolver o conflito de interesses sem que a resolução lhe seja pedido por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição. A propósito desta nulidade, escreve Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, V Vol., p. 67-68: “O juiz não pode conhecer, em regra, senão das questões suscitadas pelas partes; na decisão que proferir sobre essas questões, não pode ultrapassar, nem em quantidade, nem em qualidade, os limites constantes do pedido formulado pelas partes./(...) Também não pode condenar em objecto diverso do que se pediu, isto é, não pode modificar a qualidade do pedido. Se o autor pediu que o réu fosse condenado a pagar determinada quantia, não pode o juiz condená-lo a entregar coisa certa; se o autor pediu a entrega de coisa certa, não pode a sentença condenar o réu a presta um facto; se o pedido respeita à entrega de uma casa, não pode o juiz condenar o réu a entregar um prédio rústico, ou a entregar casa diferente daquela que o autor pediu; se o autor pediu a prestação de determinado facto (a construção dum muro, por hipótese), não pode a sentença condenar na prestação doutro facto (na abertura duma mina, por exemplo).”. Sobre esta questão dos limites da sentença, esclarece Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, Reimpressão, 1993, p. 298: “Ela deve manter-se no âmbito da acção (pedido, lato sensu), identificada através dos sujeitos, do objecto e da causa de pedir (…). O Thema decidendum é a acção assim conformada. Doutrina que concorda plenamente com a tradição sistematizada nestas conhecidas máximas: ne eat iudex vel extra petita partium; sententia debet esse conformis libelo. À não coincidência entre a sentença e os petita partium pode chamar-se extrapetição; se a diferença não é de qualidade, mas só de quantidade pode falar-se ainda de ultrapetição ou infrapetição. O vício da extrapetição produz a nulidade da sentença (…)”. O objecto da sentença deve, assim, coincidir com o objecto do processo, não podendo o juiz ficar aquém, nem ir além do que lhe é pedido (cfr. Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, 3ª ed., p. 715). Porém, o art.º 609,º nº 1 do Cód. Proc. Civil compreende o poder de o juiz dar ao pedido uma qualificação jurídica diversa da que haja sido dada pela parte que a deduziu (cfr. Lebre de Freitas, in ob. cit., p. 718), uma vez nos termos do art.º 5º, nº 3 daquele diploma legal, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (o que determina a possibilidade de alterar o fundamento legal invocado e, por essa via, em caso de o pedido deduzido se mostrar mal qualificado, alterar o mesmo). O que significa que a regra do nº 1 do art.º 609º do Cód. Proc. Civil deve ser interpretada em sentido flexível de modo a permitir ao tribunal corrigir o pedido, quando este traduza mera qualificação jurídica, sem alteração do teor substantivo, ou quando a causa de pedir, invocada expressamente pelo autor, não exclua uma outra abarcada por aquela – cfr. Acórdão do S.T.J. de 18/11/2004, relator Ferreira Girão, acessível em www.dgsi.pt. Como refere sobre esta questão Tomé Gomes, in ob. e local citados, p. 373: “Também no que respeita à fixação ou condenação em objeto diferente do pedido se tem suscitado dúvidas sobre o alcance prático deste limite, em particular nos casos em que a solução passa por uma qualificação jurídica diversa da sustentada pelo autor ou reconvinte. (…)/A solução desta questão pressupõe, antes de mais, a interpretação do pedido e o entendimento de que este consiste no efeito prático-jurídico pretendido e não tanto na coloração jurídica que lhe é dada pelo autor. Na verdade, é unânime a doutrina de que o tribunal não está adstrito à qualificação jurídica dada pelas partes, já que, à luz do disposto no artigo 5.º, n.º 3, do CPC, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito./Assim sendo, se a situação se reconduzir a um mero erro de qualificação jurídica na formulação do pedido, aferido em função do contexto da pretensão, parece que nada obsta a que o tribunal decrete o efeito prático pretendido, ainda que com fundamento em base jurídica diversa. Quando muito, importará ouvir previamente as partes sobre a solução divergente, na medida em que tal se mostre necessário a evitar uma decisão-surpresa, nos termos do nº 3 do artigo 3º do Código de Processo Civil.”. Cfr. no mesmo sentido: Teixeira de Sousa in https://blogippc.blogspot.pt/2017/01/jurisprudencia-540.html#links; e Acórdão do S.T.J. de 07/04/2016, Lopes do Rego, acessível em www.dgsi.pt. Por isto, a não concordância da parte com a subsunção dos factos às normas jurídicas e/ou com a decisão sobre a matéria de facto de modo algum configuram causa de nulidade da sentença – Acórdão do TRL de 17/05/2012, relator Gilberto Jorge, acessível em www.dgsi.pt. Descendo ao caso dos autos, e atendendo às considerações acabadas de enunciar, temos por seguro que a sentença recorrida, ao contrário do que é sustentado pelos apelantes, respeitou a configuração desta acção relativamente ao objecto do processo. Na verdade, o que foi peticionado foi o decretamento da cessação, por resolução, do contrato de arrendamento relativo ao imóvel dos autos (al. a) do pedido formulado na petição inicial). E, foi precisamente isto que a sentença recorrida decretou na al. a) do dispositivo: “Julgar procedente o pedido de resolução do contrato de arrendamento;”. Em suma, a sentença recorrida condena exactamente no efeito jurídico pretendido pela Autora. Não existe, pois, qualquer condenação em objecto diverso do peticionado, sendo a concreta questão suscitada pelos apelantes a este propósito uma questão de mérito (a apreciar infra) e que não leva à nulidade da sentença nos termos do art.º 615º, nº 1, al. e) do Cód. Proc. Civil, o que determina a improcedência, nesta parte, da apelação. * C) Da impugnação da matéria de facto Os apelantes impugnam a decisão do tribunal a quo sobre a factualidade provada nos pontos 5, 11, 12, 13 e 14 e a não provada sob as als. e) e f). Tendo dado suficiente cumprimento ao disposto no art.º 640º do Cód. Proc. Civil, cumpre decidir. Nos termos do disposto no art.º 662º, nº 1 do Cód. Proc. Civil: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Tem sido entendimento pacífico da Doutrina e Jurisprudência que, ao abrigo do disposto no art.º 662º do Cód. Proc. Civil, a Relação goza dos mesmos poderes de apreciação da prova do que a 1ª instância, por forma a garantir um segundo grau de jurisdição em matéria de facto. Por isto, a Relação deve apreciar a prova e sindicar a formação da convicção do juiz, analisando o processo lógico da decisão e recorrendo às regras de experiência comum e demais princípios da livre apreciação da prova, reexaminando as provas indicadas pelo recorrente, pelo recorrido, na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto e/ou aquelas que se mostrem acessíveis, por constarem do processo, independentemente da sua proveniência (cfr. art.º 413º do Cód. Proc. Civil). O que significa que a Relação procede a uma apreciação autónoma da prova impugnada, competindo-lhe formar e formular a sua própria/autónoma convicção (que poderá coincidir, ou não, com a formada em primeira instância), assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto. Acresce que, pese embora recaía sobre o recorrente o ónus de indicar os concretos pontos da matéria de facto que entende deverem ser alterados e o sentido de tal alteração, desde que se mostrem cumpridos os requisitos formais que constam do art.º 640º do Cód. Proc. Civil, a Relação não está vinculada a optar entre alterar a decisão no sentido defendido pelo recorrente ou manter a mesma tal como se encontra, dispondo de inteira liberdade para apreciar a prova, balizada pelos mesmos princípios e limites a que a 1ª instância se acha vinculada (com excepção dos aspectos intrínsecos à imediação e à oralidade). Desta forma, poderá o Tribunal da Relação confirmar a decisão, decidir em sentido contrário ou, mesmo, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo - cfr., neste sentido, nomeadamente, António Abrantes Geraldes, in ob. cit., p. 283 e ss. É à luz destas considerações, que iremos apreciar a impugnação da matéria de facto, procedendo-se, para o efeito, à audição integral do registo áudio das declarações de parte da Autora e dos depoimentos das testemunhas inquiridas (todas, comuns às partes). Sustentam os apelantes que os factos provados sob o ponto 5 [“Desde Novembro de 2021 que os Réus se atrasam no pagamento das rendas bem como no pagamento das despesas dos contratos de fornecimento mencionados na cláusula 9 do contrato de arrendamento”] deverão ser considerados não provados, dando-se como provado, em sua substituição, que “o R. desde o início do contrato sempre procedeu ao pagamento das rendas até ao dia 8 do mês a que dizia respeito”, porquanto “resulta da prova documental constante dos presentes autos, nomeadamente dos documentos juntos pelos RR. na sua contestação como Doc. 20 a 22 (recibos de renda de novembro e dezembro de 2021 e janeiro de 2022) e Doc. 34 (mensagens de WhatsApp trocadas entre A. e R. nas datas de 8 de março, abril, junho, agosto, setembro e novembro de 2021 e 8 de janeiro de 2022),” “que a renda sempre foi paga pelo R. até ao dia 8 do mês a que dizia respeito” – cfr. pontos VIII a XV das conclusões. Relativamente a este ponto (5) dos factos provados (assim como quanto ao ponto 6, que não foi posto em causa no recurso pelos apelantes), não consta da decisão proferida quais os meios de prova que sustentaram a convicção do tribunal a quo (como fizeram notar, desde logo, os apelantes). Nos termos do art.º 662º, nº 2, al. d) do Cód. Proc. Civil, “não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa”, pode a Relação determinar que “o tribunal da 1ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados”. A este propósito tem sido entendido, que “quando estiver em causa a deficiente fundamentação da decisão da matéria de facto, a devolução do processo deve ser guardada para casos em que, além de serem efetivamente relevantes, não possam sequer ser remediados através do exercício autónomo do poder de reapreciação dos meios de prova.” – António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in ob. cit., p. 798. Assim, no caso dos autos, se estivéssemos confrontados com uma proposição fáctica (cfr. infra) sempre seria de proceder à reapreciação dos meios de prova [documentais e depoimentos testemunhais e declarações de parte, estes, através das gravações efectuadas], o que permitiria a este Tribunal sanar aquela deficiência (meramente de fundamentação). Porém, a asserção contida nos factos provados sob o nº 5 [“Desde Novembro de 2021 que os Réus se atrasam no pagamento das rendas bem como no pagamento das despesas dos contratos de fornecimento mencionados na cláusula 9 do contrato de arrendamento”] traduz-se em enunciado de cariz exclusivamente conclusivo e não a enunciação de factos, ou seja, trata-se, manifestamente, de uma conclusão ou juízo valorativo a que o tribunal a quo chegou, resolvendo, dessa forma e em sede de factos provados/não provados, uma das questões jurídicas trazidas a juízo, a saber, existência de mora no pagamento de rendas e das despesas dos contratos de fornecimento mencionados na cláusula 9 do contrato de arrendamento. Como é sabido, aquilo que deve constar da fundamentação de facto de uma sentença não são juízos valorativos, conclusivos ou de direito, mas verdadeiros enunciados de facto, no sentido de factos jurídicos ou juridicamente relevantes atinentes sobretudo, ainda que não em exclusivo, conforme afirmam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, 2ª ed. revista e actualizada, Coimbra Editora, 1985, p. 406-407, e RLJ, Ano 122, nº 3784, p. 219, a ocorrências concretas da vida real, assim como ao estado, à qualidade ou à situação real das pessoas ou das coisas. Os termos e condições em que tais factos assumem relevo no processo civil é decorrência da tipologia com que são delineados na fattispecie do quadro normativo que serve de fundamento à pretensão deduzida em juízo. Aquilo que há que apurar, quanto à questão ora em análise, não é se ocorreu ou não um concreto facto, ou seja, sindicar a convicção formada pelo tribunal a quo com base nas provas produzidas e de livre apreciação, mas avaliar se a matéria considerada como facto provado (neste caso) ou não provado reflecte, indevidamente, uma apreciação de direito por envolver uma “qualquer valoração segundo a interpretação ou aplicação da lei, ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica” – cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil”, Lex, 1997, p. 312; e Acórdão do STJ de 28/09/2017, relatora Fernanda Isabel Pereira, acessível em www.dgsi.pt. A este propósito, parte da jurisprudência e doutrina tem entendido dever actuar o princípio anteriormente previsto no artigo 646º, nº 4 do Código de Processo Civil revisto, que se manteria na nossa ordem jurídica, apesar de não figurar expressamente na lei processual vigente, interpretando-se, para o efeito, a contrario sensu, o actual nº 4 do art.º 607º do Cód. Proc. Civil de 2013, que determina que o juiz declara na fundamentação da sentença apenas “quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados” (itálicos nossos) - o que significa que deve ser suprimida toda a matéria deles constante susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, conforme vem sendo aceite, engloba, por analogia, juízos de valor ou conclusivos – cfr. Ac. do STJ de 23/05/2012, relator Sampaio Gomes (“[n]ão porque tal preceito, expressamente, contemple a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, mas, como tem sido sustentado pela jurisprudência, porque, analogicamente, aquela disposição é de aplicar a situações em que em causa esteja um facto conclusivo, as quais, em rectas contas, se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objecto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum»”); cfr., ainda, no mesmo sentido, Acórdãos do STJ de 23/09/2009, relator Bravo Serra; de 07/05/2009, relator Vasques Dinis; e de 29/04/2015, relator Fernandes da Silva (“a proposição será conclusiva se exprimir uma valoração jurídico-subsuntiva essencial, devendo, por isso, ser expurgada”) - todos acessíveis em www.dgsi.pt. Neste sentido, cfr., ainda, Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. II, 2018, p. 165. Temos, então, por seguro o entendimento – que perfilhamos – que a matéria de facto não pode conter qualquer apreciação de direito, qualquer valoração segundo a interpretação ou a aplicação da lei, ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica, devendo as questões de direito que constarem da selecção da matéria de facto considerar-se não escritas. A proposição será conclusiva se exprimir uma valoração jurídico-subsuntiva essencial, caso em que deverá, por essa razão, ser expurgada. Na situação dos autos, dar como provado que “Desde Novembro de 2021 que os Réus se atrasam no pagamento das rendas bem como no pagamento das despesas dos contratos de fornecimento mencionados na cláusula 9 do contrato de arrendamento”, traduz-se num enunciado de cariz exclusivamente conclusivo que interfere com a apreciação jurídica do caso, uma vez que uma das questões jurídicas essenciais, é, precisamente, determinar se existe mora igual ou superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário (como um dos fundamentos para a procedência da pretensão da Autora de decretamento da resolução do contrato), o que há-de ser apurado/valorado/concluído em função da concreta factualidade que foi julgada provada e não provada. Por outras palavras, o conteúdo do nº 5 dos factos provados encerra uma asserção conclusiva/valorativa incidente sobre um ponto dúbio do litígio, resolvendo, daquela forma e em sede de factos provados/não provados, uma das questões jurídicas trazidas a juízo. Perante isto, não restando dúvidas que a proposição contida no ponto nº 5 dos factos provados constitui matéria conclusiva, há que expurgá-la, considerando-a não escrita. De igual forma, a asserção que os apelantes invocam em sede deste recurso como considerando estar provada - “o R. desde o início do contrato sempre procedeu ao pagamento das rendas até ao dia 8 do mês a que dizia respeito” – traduz, de igual forma, uma proposição de conteúdo manifestamente conclusivo, pelo que, desde logo, pelas razões acabadas de enunciar, não pode ser considerada como facto provado. Pelo exposto, decide-se considerar não escrita a proposição contida no ponto 5. dos factos provados e julgar improcedente a pretensão dos apelantes ora em análise, mormente, dar como provado que “o R. desde o início do contrato sempre procedeu ao pagamento das rendas até ao dia 8 do mês a que dizia respeito”. * Sustentam os apelantes que os factos provados sob os nºs 11 [“Os Réus têm feito uso exclusivo de um terraço/quintal existente no imóvel onde se situa o locado, apesar de o contrato de arrendamento não contemplar tal utilização, fazendo-o sem autorização da Autora”] e 12 [“Os Réus têm mantido um animal de estimação no locado, sem autorização da Autora e contra o estipulado no contrato de arrendamento”] deverão ser alterados, passando a ter a seguinte redacção: “11. Os Réus têm feito uso exclusivo de um terraço/quintal existente no imóvel onde se situa o locado, apesar de o contrato de arrendamento não contemplar tal utilização, fazendo-o COM autorização da Autora. 12. Os Réus têm mantido um animal de estimação no locado, COM autorização da Autora.” De igual foram, entendem os apelantes que os factos enunciados nas als. e) [“que outros moradores e arrendatários do prédio fazem igualmente uso do terraço e com o consentimento dos proprietários (artigo 17º da contestação);”] e f) [“que a maioria dos arrendatários e outros moradores do prédio tem animais de estimação em casa, com o conhecimento dos proprietários e sem qualquer oposição destes (artigo 21º da contestação);”] dos factos não provados, deverão ser considerados provados. Para fundamentarem estas pretensões, os apelantes transcrevem no recurso (cfr. p. 5 a 13 e 15) determinados trechos das declarações de parte da Autora e dos depoimentos das testemunhas comuns (que confirmam a versão dos factos tal como os considerou o tribunal a quo) e, no fim, limitam-se a concluir que “todas as testemunhas nos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento realizada na 1.ª instância faltaram à verdade” (art.º 18º, 24º, 25º, 37º), tendo requerido a junção de documentos ao recurso, dos quais se infere “que os terraços não eram de uso exclusivo da família” (arts. 19º a 24º) e que “existem mais inquilinos no prédio que têm animais de estimação” (arts. 26º a 28º) – cfr., máxime, arts. 17º a 29º, 35º a 37º e 38ºI. e III. das motivações e pontos XVIII a XXXI, XXXVIII a XXXIX e XL.A e C. das conclusões. O tribunal a quo fundamentou a decisão quanto aos factos provados e não provados em referência nos seguintes termos: “O tribunal fundou a sua convicção no conjunto da prova produzida, analisada critica e objectivamente, de acordo, também, com as regras da experiência comum. (…) Foram, também, os depoimentos testemunhais e a própria Autora em declarações de parte que, com razão de ciência e sinceridade (pese embora, quanto às testemunhas, a grande proximidade existente com a demandante), corroboraram a alegação desta última no que concerne à factualidade subjacente aos pontos 9., 11., 12., 13. e 14. dos factos provados. Com efeito, todas as testemunhas, apesar de próximas da Autora – quer por serem seus familiares directos, quer por habitarem, precisamente, no mesmo imóvel, pertencente à família, onde se situa o locado, estando outras habitações, também, arrendadas – revelaram-se sinceras e plenamente conhecedoras da realidade vertida na factualidade constitutiva da causa de pedir na presente acção. Sendo certo, também, que em nenhuma medida os Réus puderam contrariar tais depoimentos, em toda a linha, favoráveis à tese da Autora, os mesmos foram plenamente válidos e aptos, quer à demonstração daquela mesma factualidade, quer à confirmação do teor das declarações de parte. (…) No que concerne à factualidade não provada, as primeiras duas alíneas dizem respeito (…). Quanto à restante factualidade, trata-se da falta de demonstração da respectiva factualidade pela Ré, sobre quem incumbia o respectivo ónus. Com efeito, a par da inexistência de outros meios de prova, as testemunhas arroladas pela Ré não evidenciaram qualquer conhecimento concreto de tal factualidade; (…)”. Constata-se que quanto a toda a factualidade ora em referência [factos provados sob os nºs 11 e 12 e não provados sob as als. e) e f)], a apelante discorda da credibilidade que as declarações de parte da Autora e os depoimentos das testemunhas comuns à Autora e aos Réus mereceram ao tribunal a quo. Vejamos. Perante os depoimentos prestados em sede de audiência final, das testemunhas comuns e das declarações de parte da Autora, resulta da fundamentação do tribunal a quo, que este, em sede de livre valoração/apreciação da prova, valorizou os depoimentos – e a versão dos acontecimentos aí relatada – das testemunhas e das declarações de parte da Autora, recorrendo para o efeito, nomeadamente, às regras da experiência comum, como é explicitado na motivação da decisão recorrida acima transcrita. Como é sabido, no nosso sistema processual, com excepção das situações da chamada prova legal, isto é, das situações em que para a prova de um determinado facto a lei exige um específico meio de prova ou impede que o mesmo possa ser provado mediante certos meios de prova – que o legislador presume serem mais falíveis e inseguros –, vigora o sistema da liberdade de julgamento ou da prova livre (cfr. nº 5 do art.º 607º do Cód. Proc. Civil). Neste sistema, o tribunal aprecia livremente os meios de prova, atribuindo, pois, a cada um o valor probatório que julgue conforme a uma apreciação crítica do mesmo (à luz das regras da experiência, da lógica e da ciência), não estando esse valor probatório prévia e legalmente fixado. Como refere Miguel Teixeira de Sousa, in “As partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa”, Lex-Edições Jurídicas, 1995, p. 238: “o valor a conceder à prova realizada através dos meios de prova não está legalmente prefixado, antes depende da convicção que o julgador formar sobre a actividade probatória.”. No mesmo sentido, cfr., ainda, A. Varela, M. Bezerra, Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., p. 660-661; e J. Lebre de Freitas, A. Montalvão, R. Pinto, in “CPC anotado”, II volume, p. 635-636. Especificamente no que respeita à força probatória dos depoimentos das testemunhas, dispõe o art.º 396º do Cód. Civil, na esteira do art.º 607º, nº 5 do Cód. Proc. Civil, que a mesma se encontra sujeita à livre apreciação do julgador, o qual deverá avaliá-la em conformidade com as impressões recolhidas da sua audição ou leitura e com a convicção que delas resultou no seu espírito, de acordo com as regras de experiência. Esta livre convicção do julgador não significa arbítrio ou decisão irracional, antes pelo contrário, exige-se uma apreciação crítica e racional das provas, fundada nas regras da experiência, da lógica e da ciência, bem como na percepção da personalidade dos depoentes, para que a mencionada convicção resulte perceptível e objectivável. Toda a valoração da prova, nomeadamente a testemunhal, deve ser efectuada segundo um critério de probabilidade lógica, através da confirmação lógica da factualidade em apreciação a partir da análise e ponderação da prova disponibilizada – cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, p. 435/436. Nos termos do art.º 466º, nº 3 do Cód. Proc. Civil: “O tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão”. As declarações de parte estão ao mesmo nível que os demais meios de prova, sendo valoradas de forma autónoma e integrada, sem que se estabeleça qualquer hierarquia entre os vários elementos probatórios. A credibilidade das declarações de parte tem de ser aferida em concreto e não em observância de máximas abstractas pré-constituídas, sob pena de se esvaziar a utilidade e potencialidade deste meio de prova: é a denominada tese da auto-suficiência/valor probatório autónomo das declarações de parte – cfr. Luís Filipe Pires de Sousa, in “As Declarações de Parte. Uma síntese”, em www.trl.mj.pt, 2017; e Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in ob. cit., p. 529 e ss. É, assim, em sede de fundamentação da matéria de facto, que as declarações de parte devem ser valoradas, ponderando-se o seu conjunto com os demais elementos de prova, sem prejuízo da eventual confissão que ocorra. Como se refere a este propósito no Acórdão do TRL de 26/04/2018, relator Luís Filipe Pires de Sousa, acessível em www.dgsi.pt: “os critérios de valoração das declarações de parte coincidem essencialmente com os parâmetros de valoração da prova testemunhal, havendo apenas que hierarquizá-los diversamente. Em última instância, nada obsta a que as declarações de parte constituam o único arrimo para dar certo facto como provado desde que as mesmas logrem alcançar o standard de prova exigível para o concreto litígio em apreciação.”. Invoca-se aqui, ainda, a aplicação do denominado standard de prova, que, como refere Luís Filipe Pires de Sousa, in “O Standard de Prova no Processo Civil e no Processo Penal, publicado em https://blogippc.blogspot.pt/, consiste “numa regra de decisão que indica o nível mínimo de corroboração de uma hipótese para que esta possa considerar-se provada, ou seja, possa ser aceite como verdadeira”. Este autor ensina, ainda, no mesmo artigo, que: “o standard de prova que opera no processo civil é, assim, o da “probabilidade prevalecente ou “mais provável que não”. Este standard consubstancia-se em duas regras fundamentais: (i) Entre as várias hipóteses de facto deve preferir-se e considerar-se como verdadeira aquela que conte com um grau de confirmação relativamente maior face às demais; (ii) Deve preferir-se aquela hipótese que seja “mais provável que não”, ou seja, aquela hipótese que é mais provável que seja verdadeira do que seja falsa. Em primeiro lugar, este critério da probabilidade lógica prevalecente - insiste-se - não se reporta à probabilidade como frequência estatística, mas sim como grau de confirmação lógica que um enunciado obtém a partir das provas disponíveis. Em segundo lugar, o que o standard preconiza é que, quando sobre um facto existam provas contraditórias, o julgador deve sopesar as probabilidades das diferentes versões para eleger o enunciado que pareça ser relativamente “mais provável”, tendo em conta os meios de prova disponíveis. Dito de outra forma, deve escolher-se a hipótese que receba apoio relativamente maior dos elementos de prova conjuntamente disponíveis”. Assim, “a valoração da prova sob o modelo da probabilidade lógica significa que uma hipótese deve aceitar-se como verdadeira se não foi refutada pelas provas disponíveis e estas a confirmam, tornando-a mais provável que qualquer outra hipótese alternativa sobre os mesmos factos estribada no material cognoscitivo concretamente carreado para o processo.”. Ainda a este propósito, como bem se refere no Acórdão do TRL de 21/06/2018, relatora Ondina Alves, acessível em www.dgsi.pt, “É certo que, com a prova de um facto, não se pode obter a absoluta certeza da verificação desse facto, atenta a precariedade dos meios de conhecimento da realidade. Mas, para convencer o julgador, em face das circunstâncias concretas, e das regras de experiência, basta um elevado grau da sua veracidade ou, ao menos, que essa realidade seja mais provável que a ausência dela.”. Importa, também, realçar que, enquanto a primeira instância toma contacto directo com a prova, nomeadamente os depoimentos e declarações de parte e os depoimentos das testemunhas, com a inerente possibilidade de avaliar elementos de comunicação não-verbais como a postura corporal, as expressões faciais, os gestos, os olhares, as reacções perante as demais pessoas presentes na sala de audiências, a Relação apenas tem acesso ao registo áudio dos depoimentos, ficando, pois, privada de todos esses elementos não-verbais da comunicação que tantas vezes se revelam importantes para a apreciação dos referidos meios de prova. Releva, ainda, a circunstância de se manterem em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, sabendo-se que o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta, de tal modo que a Relação só deve lançar mão dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados – cfr. Acórdão do TRG de 10/01/2019, relatora Maria João Matos; e de 21/11/2019, relator Jorge Teixeira, ambos acessíveis em www.dgsi.pt. “Por outras palavras, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância. «Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, pág. 609).” – citado Acórdão do TRG de 10/01/2019 relatora Maria João Matos; e, ainda, o também já citado Acórdão do TRG de 16/11/2017, relator José Alberto Moreira Dias, onde ainda se explicita: “O que se acaba de dizer encontra sustentação na expressão “imporem decisão diversa” enunciada no n.º 1 do art.º 662º, bem como na ratio e no elemento teleológico desta norma.”. Tendo, necessariamente, presentes todas estas considerações, e examinando conjugada, objectiva e criticamente - segundo as regras da lógica e da experiência comum – as declarações de parte da Autora e os depoimentos das testemunhas inquiridas, não vislumbramos razões para, quanto à factualidade em referência, não acolher a valoração feita na decisão recorrida sobre todos os elementos probatórios, em observância dos mencionados princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, ao contrário do entendimento e do pretendido pelos apelantes. Acresce que, o único elemento probatório com que os apelantes procuravam sustentar a sua pretensão era a prova documental junta com este recurso. Ora, a junção de tal prova não foi admitida (cfr. supra), pelo que não pode tal prova - e independentemente do respectivo valor probatório – ser atendível nesta sede. Pelo exposto, improcede esta pretensão dos apelantes, mantendo-se a decisão recorrida quanto aos factos provados sob os nºs 11 e 12 e não provados sob s als. e) e f). * Sustentam os apelantes que os factos provados sob os nºs 13 [“Interpelado o Réu sobre o incumprimento do contrato, este manifestou-se rude, agressivo e ameaçador, o que aconteceu reiteradamente perante a Autora e a sua família que reside no imóvel onde se situa o locado”] e 14 [“Por efeito do comportamento do Réu, a Autora sente-se intimidada e ameaçada, com receio de circular sozinha no prédio”] deverão ser excluídos da matéria provada. Para fundamentar esta pretensão, os apelantes colocam em causa a imparcialidade das testemunhas, que “se encontram de relações cortadas com o R. e em contraponto são todas familiares da A. e também residentes no prédio”, e “todas elas têm interesse no desfecho da acção, pelo que,” as respectivas “declarações, não podem ser consideradas suficientes para a demonstração, com o grau de segurança necessário para um juízo probatório, de que os factos dados como provados ocorreram” - cfr., máxime, arts. 30º a 34º e 38º II das motivações e pontos XXXII a XXXVI e XL.B das conclusões. O tribunal a quo fundamentou a decisão quanto aos factos provados ora em análise nas declarações de parte da Autora e nos depoimentos das testemunhas comuns, nos termos acima transcritos. Quanto à credibilidade que mereceram as quatro testemunhas comuns, se é certo que não se pode deixar de analisar os respectivos depoimentos atendendo às fontes de relações familiares que as liga à Autora (de irmã, mãe, cunhado e cônjuge, respectivamente), também é certo que a mera existência daquelas relações familiares não desvaloriza os respectivos depoimentos, nem pode de per si servir para questionar a credibilidade dos depoimentos das testemunhas, pois a própria lei admite-as a depor como testemunhas, inclusive, o cônjuge nas causas em que seja parte o outro cônjuge, face ao que dispõe o art.º 497º, nº 1, al. c) do Cód. Proc. Civil. Por outro lado, a testemunha “é um terceiro em face da relação jurídica processual, ainda que não perante a relação jurídica material ou os interesses que no processo se discutem” - José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, p. 533. Donde se conclui, que o interesse da testemunha na causa ou o tipo de relacionamento/sentimento que mantém com as partes, só por si, não desvaloriza o depoimento da testemunha, nem impede a sua audição nessa qualidade. Aqueles aspectos relevam apenas como factores a ter em conta na apreciação do seu depoimento, como se disse. Assim sendo, volvendo ao caso dos autos, e atendendo à contextualização dos depoimentos das testemunhas, não se nos afigura que o relacionamento familiar e/ou os sentimentos que nutrem pelas partes no processo tenham influenciado o discernimento ou o relato destas testemunhas, nem vislumbramos regra de normalidade que nos impeça a atribuição de credibilidade aos respectivos depoimentos. Pelo contrário, dos concretos relatos prestados por cada uma daquelas testemunhas, coincidentes entre si e com a versão da Autora, a forma circunstanciada, serena, calma, coerente e segura com que as testemunhas prestaram depoimento e de acordo com “as regras da experiência comum” (a que o tribunal a quo, desde logo, recorreu: cfr. 1º parágrafo da fundamentação da matéria de facto acima transcrita), compreende-se e acolhe-se a convicção e a fundamentação do tribunal a quo, quando menciona, a propósito da credibilidade que lhe mereceram as testemunhas, que as mesmas se revelaram “sinceras”. As demais considerações dos apelantes a esta factualidade (arts. 33º e 34º das motivações) referem-se, no essencial, à sua própria convicção pessoal e não se mostram válidas para abalar a convicção que o tribunal a quo – e agora este – formulou sobre a credibilidade dos depoimentos das mencionadas testemunhas e das declarações de parte da Autora, nem para afastar a versão fáctica dos acontecimentos que foram dados como adquiridos nos moldes explanados na sentença recorrida. É certo que os apelantes não concordam com o decidido quanto à credibilidade e à valoração feita sobre os referidos depoimentos das testemunhas e quanto às declarações de parte da Autora, mas não carrearam para os autos prova que imponha decisão diversa. Como resulta de tudo o que já se deixou dito, o tribunal a quo sustentou adequadamente a sua convicção no que respeita ao depoimento das testemunhas e declarações de parte, com observância do direito probatório, seguindo critérios de lógica do homem médio e as regras de normalidade, ou seja, no pleno uso do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art.º 396º do Cód. Civil e no art.º 607º, nº 5 do Cód. Proc. Civil, pelo que, em suma, é de acolher tal convicção. Pelo exposto, improcede esta pretensão dos apelantes, mantendo-se a decisão recorrida quanto aos factos provados sob os nºs 13 e 14. * D) Do mérito da causa A Autora intentou em 24/03/2022 a presente acção para resolução do contrato de arrendamento celebrado em 01/06/2020, pelo qual deu de arrendamento aos Réus, e estes aceitaram, o imóvel identificado nos factos provados sob o nº 1, com a finalidade de habitação própria e permanente destes, mediante o pagamento de uma renda mensal de €1.350,00 e dos consumos de água, energia eléctrica, gás e telecomunicações (serviços de internet, televisão e telefone), com fundamento: a) na mora e na falta de pagamento integral das rendas e dos consumos de água, energia eléctrica, gás e telecomunicações (serviços de internet, televisão e telefone) pelos Réus; b) os Réus, sem autorização da Autora, fazerem uso exclusivo seu de um terraço/quintal que não está afecto ao uso do imóvel locado; c) os Réus, sem autorização da Autora, manterem um animal de estimação no locado; d) os Réus terem comportamentos violadores das regras de higiene, de sossego e de boa vizinhança. O tribunal a quo pronunciou-se sobre estes fundamentos nos seguintes termos: “A factualidade demonstrada nos autos – bem como a não demonstrada – leva-nos à conclusão de que tem havido incumprimento da obrigação de pagamento das rendas (e das facturas referentes a fornecimentos) em período bem superior a qualquer um dos consignados na lei, sendo certo que os Réus não demonstraram qualquer factualidade impeditiva, modificativa ou extintiva desta obrigação, nomeadamente, algum circunstancialismo relacionado com a falta de indicação do IBAN para onde efectuar a transferência bancária (independentemente da apreciação da eventual questão de saber se essa alegada não indicação constituiria fundamento para eximir os Réus da obrigação de pagamento atempado). Por outro lado, apurou-se também, com toda a segurança, que o Réu marido tem adoptado comportamentos gravemente atentatórios da convivência em boa vizinhança, quer perante a Autora, quer perante membros da família desta, que por si só, preenchem a previsão do citado artigo 1083º, n.º 2, a) do Código Civil – em termos de tornarem inexigível a manutenção do contrato. Demonstraram-se, portanto, fundamentos, dos assim qualificados pela lei, para a resolução do contrato por a sua manutenção se tornar inexigível por parte do senhorio, o que se impõe decidir sem necessidade de outros considerandos. Será, portanto, decretado o despejo.” Os apelantes discordam deste entendimento, aduzindo que: a Autora peticionou a resolução do contrato de arrendamento nos termos do artigo 1083.º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Civil e que a sentença recorrida “reporta-se, diferentemente ao peticionado, aos nº3 e 4 do mencionado artigo”; “O nº 3 do supracitado Art.º 1083º consagra que é inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora igual ou superior a TRÊS MESES;” “A Mma Juiz a quo refere erradamente “caso de mora igual ou superior a DOIS MESES”; e “Por outro lado, reporta-se também ao Art.º 1083º, nº4, sendo certo, que pela prova documental se atesta que não existe mora superior a oito dias, no pagamento da renda, por mais de quatro vezes, seguidas ou interpoladas, num período de 12 meses. (vide Art.13º supra)”. “Ora, em momento algum a A. peticionou a resolução do contrato com fundamento no disposto pelos nºs 3 e 4 do Art.º 1083º, pelo que não poderia a Mma juiz a quo, decretar o Despejo, como decretou, com fundamento na falta de pagamento de rendas ou na mora no pagamento das mesmas”; “Sendo que, de igual modo não o poderia ter feito, atento o facto de à data da propositura da ação, não existir mora igual ou superior a 3 meses, nem superior a oito dias, por mais de quatro vezes, seguidas ou interpoladas, num período de 12 meses” – arts. 39º a 44º das motivações e pontos XLI a XLVI das conclusões recursórias. Apreciemos. Nos termos dos arts. 1022º e 1023º do Cód. Civil, o contrato de arrendamento é o acordo mediante o qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa imóvel, mediante retribuição. Deste contrato emergem para cada uma das partes obrigações, nomeadamente: - para o senhorio, as previstas no art.º 1031º, als. a) e b) daquele diploma: de entrega ao arrendatário do imóvel locado e de lhe assegurar o gozo de tal imóvel para os fins a que se destina; - para o arrendatário, as previstas no art.º 1038º do mesmo diploma, onde – para o que aqui releva - consta expressamente na al. a) a obrigação de pagar a renda. O artigo 1083º do Cód. Civil, sob a epígrafe “Fundamento da resolução”, estipula no nº 1 que: “qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte.”. No tocante à possibilidade de resolução do contrato pelo senhorio, o nº 2 do preceito proclama a necessidade de um “incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento.” Por seu turno, dispõe o nº 3 do preceito em análise que: “É inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora igual ou superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário ou de oposição por este à realização de obra ordenada por autoridade pública, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 3 a 5 do artigo seguinte.” Resulta deste nº 3 do preceito em análise que, no caso de o arrendatário não pagar ao senhorio a renda acordada ou os encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário durante três meses, “forma-se na esfera jurídica deste o direito potestativo de resolver o contrato de arrendamento – arts. 1079.º[18] e 1083.º, n.ºs 1 e2[19], do CC” – Acórdão deste Tribunal e Secção de 23/01/2024, relator José Capacete, sendo a ora relatora ali 2ª adjunta (proc. nº 551/21.3T8MFR.L1-7), acessível em www.dgsi.pt. Está em causa neste nº 3 do art.º 1083º do Cód. Civil uma situação objectiva de incumprimento grave por parte do inquilino e que justifica a resolução do contrato de arrendamento, ou seja, trata-se de um fundamento objectivo, não valorado pela sua gravidade ou consequências – cfr. Manteigas Martins et al, in “Novo Regime do Arrendamento Urbano Anotado e Comentado”, 2ª Ed., VidaEconómica, p. 123. De igual forma, entende Luís Menezes Leitão, in “Arrendamento Urbano”, 9ª Ed., Almedina, p. 138-139, que “efectivamente, o não pagamento da renda ou dos encargos e despesas, ou o atraso nesse pagamento, constitui uma infracção grave praticada pelo arrendatário, que põe em causa o nexo sinalagmático que caracteriza o contrato de arrendamento, pelo que se justifica que possa determinar a resolução do contrato”. Também Albertina Maria Gomes Pedroso, in “A resolução do contrato de arrendamento no novo e novíssimo regime do arrendamento urbano”, Revista Julgar, nº 19, 2013, Coimbra Editora, p. 51, sustenta que: “Neste caso estamos perante a consagração legal de um fundamento de resolução que opera pela verificação de um incumprimento considerado pela lei como objectivamente grave, e que torna inexigível ao senhorio a manutenção da relação contratual”, aduzindo que “sendo a renda a obrigação principal do sinalagma contratual que impende sobre o arrendatário por força do preceituado nos artigos 1022.º, in fine, e 1038.º, alínea a), ambos do CC, facilmente se compreende que o legislador considere que o incumprimento de tal obrigação” por um período temporal igual ou superior a três (lei actual) meses quebre tal vínculo sinalagmático, tornando inexigível ao senhorio que continue a cumprir a respectiva obrigação principal de proporcionar ao arrendatário o gozo da coisa. Neste sentido – de que o não pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário igual ou superior a três meses constitui, para efeitos do disposto no artigo 1083º, nº 3 do Cód. Civil, uma infracção grave praticada pelo arrendatário, que põe em causa o nexo sinalagmático que caracteriza o contrato de arrendamento e que justifica que possa determinar a resolução do contrato – cfr., para além do Acórdão já citado, o Acórdão também deste Tribunal e Secção de 02/02/2021, relatora Micaela Sousa (ora 2ª adjunta) e sendo a ora relatora ali 1ª adjunta (proc. nº 16493/19.0T8SNT.L1-7), acessível em www.dgsi.pt. Note-se que, a norma em apreço equipara claramente, para efeitos de resolução do contrato, a falta de pagamento de encargos ou despesas à falta de pagamento da renda. Como reconhece Albertina Pedroso, in ob. cit., p. 51, o legislador equipara aquela falta de pagamento de encargos ou despesas, como fundamento de resolução, à falta de pagamento de renda, “em face da redacção dada ao artigo 1084.º, n.º 3, do CC, onde tal intenção se encontra expressa ao estatuir que a resolução pelo senhorio, quando opere por comunicação à contraparte e se funde na falta de pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário, nos termos do n.º 3 do artigo anterior, fica sem efeito se o arrendatário puser fim à mora no prazo de um mês. Portanto, actualmente não podem existir dúvidas interpretativas quanto à intenção do legislador nesta equiparação.”. Por outro lado, os encargos e despesas cuja falta de pagamento constitui, em virtude da disposição do nº 3 do art.º 1083º do Cód. Civil, fundamento de resolução são aqueles “que, por via do contrato de arrendamento, sejam da responsabilidade do arrendatário perante o senhorio, uma vez que só o incumprimento das relações contratuais estabelecidas no contrato de arrendamento pode determinar a gravidade que gera a possibilidade de fazer cessar o contrato com tal fundamento.” – mesma autora e ob., p. 52. No caso dos autos, resulta da factualidade provada que as partes acordaram (cfr. cláusula 9ª do contrato e factos provados sob o nº 4) que os inquilinos/Réus/ora apelantes se obrigavam ao pagamento dos consumos de água, energia eléctrica, gás e telecomunicações, nomeadamente serviços de internet, televisão e telefone fornecidos pela Vodafone, apesar de os respectivos contratos se encontrarem em nome da Autora. Ora, à data da propositura da acção, os Réus/arrendatários não pagavam à Autora/senhoria as despesas com o fornecimento de água, de electricidade e de telecomunicações (internet, televisão e telefone) há mais de três meses: a água desde Janeiro de 2022; a electricidade desde Novembro de 2021; as telecomunicações (internet, televisão e telefone) desde Novembro de 2021 - cfr. factos provados sob o nº 8. Despesas essas, que continuaram sem pagar até hoje - cfr. factos provados sob o nº 9. Verificada esta falta de pagamento de despesas com o fornecimento de água, de electricidade e de telecomunicações (internet, televisão e telefone) por parte dos arrendatários/Réus/apelantes durante mais de três meses [despesas essas, que, nos termos do contrato celebrado, corriam por conta dos arrendatários, como se viu], está objectivamente demonstrada uma das causas judicialmente convocadas pela senhoria/Autora/apelada para resolver o contrato de arrendamento, nos termos do citado art.º 1083º, nº 3 do Cód. Civil, a saber, a mora igual ou superior a três meses no pagamento das despesas que correm por conta do arrendatário. Assim, improcede a argumentação recursória dos apelantes ao sustentarem que, no caso, não se verifica o fundamento de resolução do contrato consagrado no art.º 1083º, nº 3 do Cód. Civil – pelo contrário, como acabou de se ver, está objectivamente demonstrada uma das causas judicialmente convocadas pela senhoria/Autora/apelada para resolver o contrato de arrendamento, nos termos daquele preceito: a mora igual ou superior a três meses no pagamento das despesas que correm por conta do arrendatário. Relativamente aos outros fundamentos que foram invocados pela Autora para sustentar a resolução do contrato, acima enunciados sob as als. b), c) e d), e subsumíveis aos nºs 1 e 2 do art.º 1083º do Cód. Civil, por, pela sua gravidade ou consequências, tornarem inexigível à senhoria a manutenção do arrendamento, perante a factualidade provada sob os nºs 13. e 14., e tendo em consideração que a “gravidade do incumprimento fundador do direito à resolução do contrato há-de aferir-se quer pela própria natureza da infracção - actuação/omissão substancialmente grave - quer pelas consequências ou efeitos que provoca - e que tornam tal incumprimento grave - quer ainda pela reiteração da conduta violadora das obrigações assumidas - que, por essa via, também é qualificável como grave -, tudo de tal forma que não seja razoavelmente exigível à outra parte a manutenção do arrendamento” (Albertina Pedroso, in ob. cit., p. 45), acolhemos aqui o entendimento do tribunal a quo a este propósito: “apurou-se também, com toda a segurança, que o Réu marido tem adoptado comportamentos gravemente atentatórios da convivência em boa vizinhança, quer perante a Autora, quer perante membros da família desta, que por si só, preenchem a previsão do citado artigo 1083º, n.º 2, a) do Código Civil em termos de tornarem inexigível a manutenção do contrato.”. Em suma, no caso, do confronto entre o concretamente alegado na petição inicial e o que ficou provado, conclui-se pela verificação da existência de dois fundamentos diversos para a resolução do contrato de arrendamento: (i) a falta de pagamento de despesas que corram por conta dos arrendatários/Réus/apelantes há mais de três meses por referência à data de entrada da petição inicial, subsumível ao fundamento de resolução previsto no art.º 1083º, nº 3 do Cód. Civil; (ii) a violação de regras de boa vizinhança por parte do arrendatário/Réu/apelante que, pela sua gravidade e consequências, tornam inexigível à senhoria a manutenção do arrendamento, subsumível ao fundamento de resolução previsto no art.º 1083º, nºs 1 e 2, al. a) do Cód. Civil. Por tais fundamentos, deve o despejo ser decretado e os Réus/apelantes condenados no pagamento das quantias enunciadas em a., b. e c da alínea b) do dispositivo da sentença recorrida. Sustentam os apelantes que a Autora peticionou a resolução do contrato de arrendamento nos termos do artigo 1083º, nºs 1 e 2 do Cód. Civil e que a sentença recorrida “reporta-se, diferentemente ao peticionado, aos nº3 e 4 do mencionado artigo”, o que não poderia acontecer. Tem sido ajuizado pela jurisprudência que, na interpretação das peças processuais - articulados e decisões judiciais - são aplicáveis, por força do disposto no art.º 295º do Cód. Civil, os princípios da interpretação das declarações negociais (comuns à interpretação das leis), valendo, por isso, aquele sentido que, segundo o disposto no art.º 236º, nº 1 do mesmo diploma, o declaratário normal ou razoável deva retirar das declarações escritas constantes da peça processual, para o que se deve ainda lançar mão do princípio, aplicável aos negócios formais, do mínimo de correspondência verbal, isto é, “não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso” – cfr. art.º 238º, nº 1 do Cód. Civil. De acordo com as regras de interpretação acabadas de enunciar, ressalta do teor da petição inicial, lida como um todo, que a pretensão da Autora ali expressa é o decretamento da resolução do contrato de arrendamento com base nos factos acima enunciados sob as als. a) a d) e que se subsumem, normativamente, aos fundamentos legais para aquela resolução consagrados no art.º 1083º, nºs 1, 2, 3 e 4 do Cód. Civil. Note-se que, logo no proémio da petição inicial, consta: “Acção de resolução do contrato de arrendamento, com consequente Despejo Sob a forma de processo comum declarativo Com base no disposto nos art.ºs 1047.º, n.ºs 1, 3 e 4 do art.º 1083.º do Código Civil” (p. 1); no art.º 24º pode ler-se: “Levando assim, à resolução do contrato de arrendamento, com base no incumprimento contratual, nos termos do disposto no artigo 1083.º, nomeadamente nos n.ºs 1, 2, al. a) e 3” (p. 8 do articulado); no art.º 32º: “Prevê o n.º 1, do artigo 1083.º, do CC, que «Qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte.»” (p. 10); na al. a) do pedido: “a) ser decretada a cessação, por resolução, do contrato de arrendamento relativo ao imóvel identificado no artigo 1.º da petição inicial nos termos do artigo 1083.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil, de que os RR. são titulares;” (p. 12). Assim, afigura-se-nos claro que, com base nos factos alegados na petição inicial e que ficaram provados (cfr. supra), pode – deve – ser decretada a resolução do contrato de arrendamento dos autos com fundamento no art.º 1083º, nºs 1, 2, al. a) e 3 Cód. Civil, tal como, aliás, foi expressamente mencionado na petição inicial, como se viu. Assim, a argumentação dos apelantes ora em análise é improcedente; devendo, pelos fundamentos acima expostos, ser decretada a resolução do contrato de arrendamento e o inerente despejo do locado e os Réus/apelantes condenados no pagamento das quantias enunciadas em a., b. e c. da alínea b) do dispositivo da sentença recorrida. Assim, e não tendo mais nenhuma questão sido objecto deste recurso, resta concluir pela improcedência da apelação, sendo de manter a sentença recorrida, pese embora com fundamentação algo diversa. * As custas devidas pela presente apelação são da responsabilidade dos apelantes – cfr. art.º 527º, nºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil e art.º 1º, nºs 1 e 2 do Regulamento das Custas Processuais. * V. DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa em: a) não admitir a junção a este recurso de documentos pelos apelantes, sendo os mesmos condenados em duas UCs pelo incidente suscitado; b) julgar a apelação totalmente improcedente, e, em consequência, manter, na parte objecto deste recurso, a sentença recorrida, pese embora com fundamentação algo diversa. Custas do recurso pelos apelantes. * Lisboa, 10 de Setembro de 2024 Cristina Silva Maximiano Carlos Oliveira Micaela Sousa |