Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2898/17.4T8CSC.L1-2
Relator: JOSÉ MANUEL MONTEIRO CORREIA
Descritores: AUTORIDADE DO CASO JULGADO
DOCUMENTO PARTICULAR
AUTORIA
PROVA LEGAL PLENA
DECLARAÇÃO CONFESSÓRIA
PROVA TESTEMUNHAL
DANO
PRIVAÇÃO DO USO
IMÓVEL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I.- A autoridade do caso julgado pressupõe a definição, através de uma decisão transitada em julgado, de uma concreta relação jurídica, balizada naquela decisão pelos sujeitos, pedido e causa de pedir, que se impõe e é vinculativa para os mesmos sujeitos numa decisão posterior que venha a ser proferida e que tenha aquela relação como pressuposto.
II.- Confirmada a autoria de um documento particular nos termos do art.º 376.º, n.º 1 do CC, a declaração nele feita por uma das partes à outra que envolva o reconhecimento de um facto desfavorável equivale a uma ‘declaração confessória’ que tem força probatória plena, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 352.º e 358.º, n.º 2 do CC.
III.- A prova legal plena, como decorre do art.º 347.º do CC, só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objeto, sem prejuízo de outras restrições previstas na lei, como sejam, de acordo com os art.ºs 393.º, n.º 2 e 351.º do CC, a prova por testemunhas e a prova por presunções judiciais.
IV.- Por conseguinte, a parte que beneficie de declaração confessória constante de documento cuja autoria esteja reconhecida está dispensada de provar a veracidade do seu conteúdo, cabendo à parte contrária – à parte ‘confitente’ – o ónus de demonstrar a inveracidade da declaração, sem que para tal se possa servir da prova testemunhal e das presunções judiciais.
V.- Caso seja apresentado, contudo, documento que torne verosímil aquela inveracidade, o mesmo é dizer que constitua ‘princípio de prova’ dessa inveracidade, já será admissível a prova por testemunhas ou por presunções a título de complemento daquela prova documental.
VI.- Não há privação do uso de imóvel ressarcível quando a sua ocupação é feita pelo promitente comprador que, por acordo tácito com o promitente vendedor, beneficiou da respetiva tradição e em que este, seu proprietário, estava em mora no que diz respeito à obrigação, assumida no contrato-promessa, de diligenciar pela celebração do negócio definitivo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: I.- Relatório
1.- (…) instaurou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra (…), pedindo que, pela sua procedência:
a.- se declare que é dona e legítima proprietária da fração autónoma designada pela letra “C”, para habitação, situada (…);
b.- se condene a Ré a reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre o imóvel descrito em a), ilegítima e ilegalmente ocupado pela mesma:
c.- se condene a Ré a entregar e restituir à Autora o imóvel supra descrito, que ilicitamente ocupa, entregando-o completamente limpo, livre e devoluto de pessoas e bens;
d.- se condene a Ré a ressarcir a Autora do prejuízo pelo não arrendamento do imóvel, que se computa, em 30 de setembro de 2017, em €5.400,00, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, a contar de 30-11-2016, até à efetiva entrega do imóvel reivindicado, sendo que, à data da propositura da ação, os juros vencidos ascendiam a €179,00;
e.- se condene a Ré a pagar à Autora uma indemnização por todos e quaisquer danos e prejuízos que, injustificadamente, a Ré tenha e/ou venha a provocar no imóvel, a liquidar em execução de sentença;
f.- se condene a Ré, a título de sanção pecuniária compulsória, ao pagamento de €50,00, desde 30-11-2016, até que o imóvel seja definitivamente entregue à Autora.
Para tanto, e em síntese, alegou o seguinte.
É proprietária da sobredita fração autónoma, sendo que, em 25-11-2011, altura em que (ela Autora) se denominava (…), celebrou com a Ré um ‘contrato-promessa de compra e venda’, tendo tal imóvel como objeto mediato.
Apercebendo-se de que o contrato-promessa celebrado padecia de um erro, por nele se ter feito constar que a Autora, aquando da sua assinatura, dera quitação total do preço, quando tal pagamento não se verificara, acordou com a Ré substituir o documento em causa por um outro de ‘contrato de arrendamento com opção de compra’, o que fizeram por documento subscrito em 30-12-2011, com início de produção de efeitos em 01-12-2011.
Este contrato permitiu legitimar a ocupação do imóvel pela Ré, enquanto não fosse transmitida a propriedade da fração autónoma, uma vez verificadas as condições refletidas no contrato-promessa, nomeadamente, o pagamento do preço acordado.
Na altura, foi acordado afetar o valor de €25.000,00, já liquidados pela Ré, a título de antecipação de cinco anos de rendas, bem como que a Autora poderia opor-se à renovação do contrato para novo período de vigência, com uma antecedência mínima de um ano sobre a data do termo.
No exercício desta faculdade, enviou à Ré uma carta comunicando-lhe, em 07-08-2015, a sua oposição à renovação, cessando o contrato de arrendamento com opção de compra todos os seus efeitos em 30-11-2016, devendo a Ré restituir-lhe o imóvel, sendo que, em 14-10-2016, reiterou o que já comunicara à Ré.
Porque esta não tivesse restituído o imóvel, intentou (a Autora) no Balcão Nacional de Arrendamento uma ação de despejo, a qual veio a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo Local Cível de Cascais, Juiz 3, sendo que, nessa ação, não logrou provar a existência do contrato de arrendamento.
Justifica-se, assim, o recurso à presente ação, visando a reivindicação do imóvel, tanto mais que, como ficou provado na sentença proferida na ação de despejo, a Ré não tem título para nele residir, já que: apesar do contrato-promessa, não foi prevista a tradição do imóvel antes da efetiva transmissão da propriedade; quanto ao preço de compra do imóvel, a quantia correspondente nunca foi recebida pela Autora; e a Ré nunca requereu a sua execução específica.
Justifica-se, ainda, o recurso a esta ação, por forma a que se seja ressarcida dos prejuízos que a ilegítima ocupação do imóvel pela Ré lhe tem causado, designadamente, o facto de estar impedida de o dar de arrendamento e de arrecadar as rendas, as quais, considerando a localização e a tipologia do imóvel, nunca seriam inferiores a €540,00 mensais.
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2.- Citada, apresentou a Ré a sua contestação, batendo-se pela improcedência da ação.
Nesse articulado, e em síntese, negou ter celebrado com a Autora o contrato de arrendamento com opção de compra a que esta alude na petição inicial, contrato esse que, segundo a mesma, é falso.
Acrescentou que, sendo verdade que celebrara o contrato-promessa referido pela Autora, era falso, contudo, que tivesse havido erro na estipulação de que o preço, no valor de €125.000,00, tivesse sido pago na totalidade e que apenas tivesse liquidado o valor de € 25.000,00.
E concluiu que ocupa a fração autónoma de forma legítima, já que o contrato-promessa, sendo válido e eficaz, não foi revogado, sendo que a Autora é que se recusa a cumpri-lo.
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3.- Juntamente com a contestação, deduziu a Réu reconvenção, batendo-se por que, pela sua procedência:
a.- fosse proferida sentença substitutiva da declaração da Autora faltosa proveniente do contrato-promessa de compra e venda da fração autónoma;
subsidiariamente,
b.- fosse a Autora condenada a devolver-lhe em dobro o sinal recebido em virtude do incumprimento definitivo que lhe é imputado do contrato-promessa de compra e venda da fração, no valor de €250.000,00;
ou ainda, caso assim se não entenda:
c.- fosse a Autora condenada a restituir-lhe o valor que pagara, de €125.000,00, acrescido dos juros vencidos e vincendos;
e, ainda:
d.- fosse a Autora condenada como litigante de má fé, em multa e em indemnização a seu favor, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais, no montante global de €7.000,00;
e.- fosse a Autora ao pagamento dos juros de mora sobre as quantias peticionadas.
Para tanto, e em síntese, invocou que, no contrato-promessa celebrado, foi estipulado, na sua cláusula 2.ª, que o preço da venda da fração autónoma era o de €125.000,00, que a Autora declarou ter recebido e do qual deu quitação.
No Considerando C do contrato-promessa, consignou-se que, na data da sua assinatura, não era possível a realização da escritura pública de compra e venda, em virtude de não terem conseguido obter toda a documentação necessária à outorga da mesma, designadamente, as declarações fiscais exigíveis.
A Autora comprometera-se a desbloquear a situação, obtendo as declarações fiscais em falta, pelo que ficou a aguardar que tal ocorresse e que a Autora lhe comunicasse que era possível celebrar o negócio definitivo.
Nunca questionou a vontade da Autora de cumprir o contrato-promessa de compra e venda, pelo que, durante mais de seis anos, ocupa a fração, sem que tal ocupação alguma vez tenha merecido a oposição da Autora ou de terceiros.
Em 11-11-2016, depois das comunicações da nova administração da Autora e convencida de que estariam reunidas as condições para a outorga da escritura pública interpelou-a, através de carta registada com a/r, para proceder à sua marcação no prazo de 15 dias.
A Autora nada fez e, pelo contrário, adotou comportamentos reveladores de que não pretendia cumprir o contrato-promessa, como foi a instauração da ação de despejo e, agora, desta ação, havendo, assim, claro incumprimento da sua parte.
Assim, porque, de acordo com a cláusula 9.ª do contrato-promessa, as outorgantes submeteram-no ao regime da execução específica previsto no art.º 830.º e o preço se mostra integralmente pago, justifica-se que o tribunal se substitua à Autora, enquanto contraente faltosa, na emissão da declaração negocial a que esta estava adstrita, ou, assim se não entendendo, que a condene de acordo com os pedidos subsidiariamente deduzidos.
Justifica-se, também, a sua condenação como litigante de má fé como peticionado, indemnizando-a dos danos patrimoniais que sofreu com o uso indevido e abusivo do processo -  obrigando-a a encetar diligências, a contratar advogado, a fazer deslocações, a suportar custo e despesas com a sua defesa, dano esse que computa em €4.000,00 - e dos danos não patrimoniais que também suportou – passando a viver constantemente em sobressalto e angustiada, dormindo mal e sempre em pânico, dano que computa em €3.000,00.
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4.- Replicou a Autora, batendo-se pela improcedência da reconvenção deduzida.
Nesse articulado, e no que aqui importa considerar, reafirmou que à Reconvinte foi cedido o imóvel para sua habitação, sem que esta pagasse qualquer quantia a título de rendas, do mesmo modo que a mesma não pagou o preço final acordado para a aquisição do imóvel.
Negou, ainda, litigar de má fé.
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5.- Dispensada a audiência prévia, foi proferido:
.- despacho a admitir a reconvenção;
.- despacho a fixar em €193.779,90 o valor da causa;
.- despacho saneador tabelar; e
.- despacho a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova, o que mereceu reclamação da Ré, parcialmente atendida por despacho entretanto proferido.
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6.- Foi realizada a audiência de discussão e julgamento.
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7.- Por despacho adrede proferido, foi ordenada a notificação da Ré/Reconvinte para que, em 20 dias, e ao abrigo do disposto no art.º 830.º, n.º 5 do CPC, procedesse ao depósito da quantia pecuniária de €125.000,00, correspondente ao valor do preço acordado no contrato-promessa, sob pena de improcedência do pedido de execução específica formulado na reconvenção, o que a Ré/Reconvinte satisfez em 12-04-2021.
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8.- Com data de 15-11-2021, foi proferida sentença, julgando a ação parcialmente procedente e a reconvenção totalmente procedente e, consequentemente, a:
A.- declarar que a Autora é proprietária da fracção autónoma designada pela letra “C”, para habitação, situada (…);
B.- condenar a Ré no pagamento à A. de uma indemnização de €540,00 por mês, calculada desde dezembro de 2016 até à data da prolação da presente sentença, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde a data do seu vencimento e até efetivo e integral pagamento;
C.- absolver a R. do demais contra si peticionado;
D.- decretar a execução específica do contrato-promessa celebrado entre a Autora e a Ré, referido no ponto C da factualidade provada, e, suprindo a declaração de vontade da Autora, declarar-se vendido por esta à Ré a fracção referida em A), pagando-se a Autora do preço mediante o levantamento de €125.000,00, depositado à ordem dos autos pela Ré;
E.- absolver a Autora do pedido de condenação como litigante de má-fé.
Mais se decidiu, configurando-se a possibilidade de condenar a Ré como litigante de má-fé, ao abrigo do disposto no artigo 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, ordenar a notificação das partes para, querendo, se pronunciarem a esse respeito no prazo de 10 dias.
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9.- Acedendo ao convite do tribunal, a Autora invocou que a Ré, consciente e propositadamente, alterou a verdade dos factos e deduziu pretensões cuja falta de fundamento não ignorava, pelo que se impunha a sua condenação como litigante de má fé.
A Ré/Reconvinte, por seu turno, manifestou a posição de que não se encontravam preenchidos os pressupostos para a sua condenação com tal fundamento.
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10.- Inconformada com a sentença proferida, dela veio a Ré/Reconvinte interpor recurso, formulando as seguintes conclusões, que assim se transcrevem:

“I. Nos presentes autos veio a A. ora apelada instaurar acção de reivindicação, formulando o pedido de reconhecimento de propriedade da A. sobre a fração reivindicada, a condenação a restituir o imóvel, no ressarcimento do prejuízo pelo não arrendamento do imóvel e ainda de uma sanção compulsória até à entrega do imóvel.
II. Fundamentou que celebrou com apelante um contrato de arrendamento com opção de compra em 30 de Dezembro de 2011, pelo prazo de cinco anos, findo o qual se opôs à sua renovação, comunicando à ora apelante que o mesmo cessaria todos os seus efeitos no dia 30 de Novembro de 2016 e, que apesar das várias insistências o imóvel não lhe foi entregue.
III. Instaurou um PED, mas não logrou alcançar êxito, não conseguindo fazer prova do contrato de arrendamento.
IV. Juntou a sentença proferida naquele procedimento, invocando que foi dada como assente naqueles autos que a fração foi cedida à apelante não tendo esta, pago qualquer quantia pela sua cedência.
V. Mais alegando que o valor do preço que consta do contrato promessa de compra e venda celebrado com a apelante nunca foi pago.
VI. A apelante, contestou, impugnando a genuinidade e autoria do invocado contrato de arrendamento, junto sob o n.5 com a p.i., mais invocando que aquele documento era forjado.
VII. E, formulou em via reconvencional pedido de execução específica do contrato promessa de compra e venda que celebrou com a A., cuja genuinidade e autoria se encontra aceite e assente como resulta do douto Despacho de 04.10.2018.
VIII. Em fundamento, e para o que releva, alegou ter celebrado com a A. um contrato promessa de compra e venda com traditio, tendo por objecto mediato a fração autónoma designada pela letra “C”, para habitação, correspondente (…).
IX. No mesmo contrato promessa as partes fizeram ainda consignar, que “…. na data da assinatura do contrato promessa de compra e venda não era possível a realização da escritura publica de compra e venda em virtude das partes não terem conseguido obter toda a documentação necessária para a outorga da mesma, designadamente as declarações fiscais exigíveis”
X. Mais alegou que na sequência das comunicações que a nova administração da A. lhe enviou em Agosto de 2015 e em Outubro de 2016 a informar da sua pretensão de denunciar o contrato de arrendamento, fazendo acompanhar essa missiva de uma cópia do alegado “contrato de arrendamento”, respondeu à A. que não tinha celebrado qualquer contrato de arrendamento, negando que tivesse assinado o “documento”, cuja cópia a A. lhe enviou.
XI. E ainda, alertando a A. para a assinatura ilegível que lhe era imputada, e solicitando a exibição do seu original, para poder apresentar a competente queixa-crime contra os seus autores, pela prática do crime de falsificação (docs.1 a 6 da contestação /reconvenção).
XII. A Ré através das missivas da A. veio a tomar conhecimento dos novos representantes da A. que, entretanto, tinha entrado em processo de insolvência/revitalização por parte dos credores, interpelando-a para a realização da escritura pública do contrato prometido.
XIII. A A. não reagiu a nenhuma das interpelações e comunicações da Ré, nem procedeu à exibição do original do documento que a Ré insistentemente lhe solicitou, remetendo-se a um total silêncio.
XIV. Em 2017, a A. denunciando claramente as razões do seu silêncio às solicitações da Ré para a exibição do original do documento, instaurou contra esta um procedimento especial de despejo, aproveitando-se dos meios eletrónicos, para fazer crer ao Tribunal que dispunha de documento original pois que, de outro modo esse procedimento estava-lhe vedado.
XV. O qual, como não poderia deixar de acontecer, veio a improceder, por não ter a apelada provado a existência desse contrato de arrendamento.
XVI. A A. não reagiu à impugnação da genuinidade e autoria do documento e da “falsidade da cópia” suscitadas pela Ré, mantendo o comportamento anterior, o silêncio.
XVII. Só mais tarde, quando notificada para proceder à junção do original do “documento” no prazo de 10 dias, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do art.º 444.º do CPC, veio então a A. invocar o seu extravio (cf. despacho proferido em 04.10.2018).
XVIII. Foi então novamente determinada a notificação da A., desta feita, e face ao alegado extravio do original, para juntar aos autos a “cópia original” daquela que juntara por via eletrónica, atenta a ilegibilidade da assinatura imputada à Ré, na esperança que se tratasse de um exemplar com melhor qualidade (cf. despacho de 15.01.2019).
XIX. Não obstante, não foi possível realizar o, pela Ré requerido exame pericial, em virtude da “cópia original”, que a A. veio juntar aos autos por correio registado ter igualmente muito má qualidade, sendo igualmente ilegível no que se refere à assinatura imputada à Ré.
XX. Informaram então os Srs. peritos do LPC, Laboratório da Polícia Científica da Policia Judiciária, e Laboratório da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (LEDEM) a impossibilidade de realização da perícia, destacando o LPC, no relatório elaborado, que a cópia do “documento” junta pela A “é uma digitalização de baixa resolução”, mencionando-se no segundo relatório que a cópia é “(…) de tão má qualidade torna o exame inexequível”.
XXI. Constatando-se, então, face às diligências encetadas, que a A., notificada para o efeito, não juntou aos autos o original do “documento”, que a “cópia original” que juntou aos autos por correio registado, de tão má qualidade, inviabilizou o exame pericial requerido.
XXII. Realizada a audiência de julgamento foi proferida decisão, que julgou, a acção proposta pela apelada parcialmente procedente, e a reconvenção totalmente procedente, decidindo “A. Declarar que a A. (…) é dona e legítima proprietária da fracção autónoma designada pela letra “C”, para habitação, situada (…), condenando a R. a reconhecer tal direito; B. Condenar a Ré (…) no pagamento à A. de uma indemnização de €540,00 por mês, calculada desde Dezembro de 2016 até à data da prolação da presente sentença, acrescida de juros de mora à taxa de 4% desde a data do seu vencimento e até efectivo e integral pagamento; C. Absolver a R. do demais contra si peticionado; D. Decretar a execução específica do contrato-promessa celebrado entre a A. (…), pelo que, suprindo a declaração de vontade da A., declaro vendido por esta à R. a fracção referida em A), pagando-se a A. do preço mediante o levantamento de €125.000,00 depositado à ordem dos autos pela R.; E. Absolver a A. do pedido de condenação como litigante de má-fé;
XXIII. O n.º 4 do art.º 607.º do CPC impõe ao juiz que na sentença tome ainda em consideração “os factos admitidos por acordo, provados por documento ou confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou pelas regras da experiência”, comando também dirigido aos Tribunais da Relação (cf. n.º 2 do art.º 663.º do mesmo diploma legal).
XXIV. A recorrente impugna a decisão da matéria de facto no que respeita à al. K) dos Factos Provados, impondo-se a este, resposta de não provado e, acusa a omissão de resposta aos factos objecto dos temas da prova 5, 7, 8 e 9.
XXV. A Mmª Juiz “a quo” deu como provado o facto K) dos Factos provados, fazendo apelo com resulta da douta decisão às declarações de parte da recorrida A e aos testemunhos de (…), de (…) e (…).
XXVI. A ora apelante impugna o facto provado em K), o qual deve ser dado como não provado, por ter incorrido a douta sentença recorrida, em erro no julgamento por violação de normas de direito material probatório e, ainda por errada valoração da prova produzida.
XXVII. Antes de entrar na impugnação da valoração que pela Mm.ª juíza a quo, foi feita dos meios de prova produzidos, nomeadamente no que à prova testemunhal e por declarações de parte da Ré diz respeito, impõe-se suscitar, no que respeita ao facto enunciado, uma questão prévia, a saber, a da admissibilidade de valoração da prova testemunhal produzida, que a ora recorrente continua a defender firmemente dever obter resposta negativa.
XXVIII. Recaía sobre a autora o ónus da prova do facto vertido no tema da prova n.º 4 – com a seguinte redacção corrigida "Apurar se a R. não efetuou o pagamento do preço constante do contrato promessa de compra e venda."- em ordem a contrariar o facto confessado no contrato-promessa celebrado com a Ré, documento cuja genuinidade não foi questionada, enfrentando por isso a aqui apelada as limitações impostas pelos art.ºs 393.º, n.º 2 e 394.º do CC.
XXIX. Tendo em vista contrariar tais limitações legais, a autora fez juntar aos autos um documento -cópia de um alegado contrato de arrendamento com opção de compra celebrado com a ré-, destinado a servir de princípio de prova que autorizasse a produção e valorização da prova testemunhal e, consequentemente, da prova por presunções judiciárias para contrariar a declaração confessória exarada no contrato promessa.
XXX. Tendo a ora recorrente impugnado tal documento, que nunca vira e não assinou, sobre a autora recaía o ónus da prova da veracidade da assinatura que lhe era imputada nos termos inequívocos do art.º 374.º, n.º 2 do CC.
XXXI. A autora não logrou fazer prova da genuinidade do documento por não ter ficado demonstrado que a assinatura atribuída à agora recorrente tenha sido por si nele aposta, não tendo feito prova da celebração do invocado contrato de arrendamento com opção de compra que o mesmo documento alegadamente corporizaria, conforme é reconhecido na decisão apelada.
XXXII. Para que possa ser aproveitada e valorada a prova testemunhal produzida que incida sobre o facto plenamente provado por confissão constante de documento particular cuja autenticidade se encontra estabelecida é necessário que o documento oferecido seja “aceite e valorado enquanto começo de prova, tornando, designadamente, verosímil o facto alegado (…)”.
XXXIII. Por isso escreve Luís Pires de Sousa (Prova Testemunhal, Almedina 2013, pág. 229) que “o começo da prova por escrito (…) deve emanar daquele a quem é oposto, não de um terceiro. A letra ou assinatura desse escrito devem ser previamente reconhecidas ou verificadas; “enquanto não é verificado, o escrito discutido não pode servir de começo de prova porque não se sabe de quem emana.”
XXXIV. Tendo a Mm.ª juíza feito consignar na decisão recorrida que não foi feita prova da genuinidade do documento oferecido como princípio de prova escrita, estava-lhe vedada a consideração da prova por testemunhas produzida ao tema da prova enunciado sob o n.º 4.
XXXV. Ainda que se admita que ao documento cuja autoria não se encontre determinada possa ser atribuído algum valor probatório segundo o princípio da livre apreciação pelo julgador, nem assim poderá ser elevado ao princípio de prova escrita exigido pela doutrina e jurisprudência para contornar a disciplina dos art.ºs 393.º e 394.º do CC.
XXXVI. Ademais, no caso em apreço, a Mm.ª juíza “a quo”, tendo embora feito apelo ao princípio da livre apreciação da prova, não deu por assente a celebração do acordo alegadamente corporizado no escrito impugnado.
XXXVII. Tendo omitido indevidamente pronúncia sobre a matéria contemplada no tema da prova enunciado sob o n.º 7, impõe-se que seja tal omissão suprida por esse tribunal de recurso, sendo negativa a resposta que se impõe porquanto, no limite, em sede probatória, a dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem o mesmo aproveita (art.º 414.º do CPC).
XXXVIII. Acresce que estando em causa uma fotocópia de uma fotocópia -e de tão baixa resolução que tornou impossível a realização da perícia requerida- o seu valor probatório, posto que desacompanhada da sua conformidade ao original por entidade a tanto autorizada, é o que lhe é fixado pelo art.º 368.º do CC, termos em que, tendo sido impugnada a sua exatidão –e foi-o, desde logo, por inexistente o original de que a autora alegou ter sido extraída- não tem qualquer valor probatório.
XXXIX. Constando da sentença como facto não provado a existência de erro ou lapso na declaração de quitação que a apelada fez constar do contrato promessa celebrado (cf. facto não provado 1), subsiste a confissão, que faz prova plena do facto confessado (art.ºs 358.º, n.º 2, 376.º, n.ºs 1e 2, 359.º e 347.º, todos do CC) encontrando-se plenamente provado que a A., conforme confessou, recebeu o preço.
XL. Excluindo o art.º 607.º/5 do CPC da livre apreciação do julgador os factos já provados por confissão (art.º 358.º), encontra-se demonstrado o pagamento do preço do imóvel, estando a Mm-ª juíza impedida de dar como assente o facto contrário com fundamento na prova testemunhal e declarações de parte prestadas pela autora, as quais não revestiram a forma de confissão,
XLI. Impondo-se que o facto vertido na al. K) seja eliminado dos factos provados e incluído nos não provados.
XLII. Mas ainda que assim se não entendesse, a prova produzida e invocada pela Mm.ª juíza para dar como provado facto assente em k) –declarações de parte da ora recorrente- e testemunhos de seu pai, e de (…) e (…), não permitiam que o facto fosse dado como provado.
XLIII. a Mmª Juiz a quo, na motivação de facto ao facto K), dado como provado, consignou que a propósito do pagamento do preço, a apelante respondeu de forma muito comprometida e muito evasiva, “que julgava que o preço o tinha sido feito”, “afirmou que conhecia o objecto da acção, referindo que não conhecia como e quando o preço foi pago, que foi tudo tratado pelos pais”, “ ….. e tinha transmitido que não chegou a pedir um empréstimo bancário porque a escritura final não aconteceu.
XLIV. Crê, humildemente, a apelante que a apreciação que a Mmª Juiz a quo faz das declarações da apelante, não corresponde ao sentido que lhes atribuiu, fazendo errada apreciação e interpretação dessa factualidade.
XLV. No modesto entendimento da apelante, da análise critica e conjugada desta factualidade e do circunstancialismo em que os factos ocorreram, impunha-se outra conclusão e contrária à proferida pela Mmª Juiz a quo, dar como não provado o facto K).
XLVI. Nas condições em que os factos ocorreram não era exigível à apelante, que soubesse os termos e as condições em que o negócio da venda da fração tivesse ocorrido.
XLVII. Não se pode, pois admitir como boa, a apreciação e valoração que a Mmª Juiz a quo faz das declarações da apelante, antes se verificando, no modesto entender desta, que a Mmª juiz a quo faz errada interpretação e apreciação destas, incorrendo em erro de julgamento.
XLVIII. E que melhor se deixou demonstrado nas transcrições do depoimento da apelante, nada resultado destas que tenham sido prestadas de forma muito comprometida e muito evasiva, como se refere na douta motivação.
XLIX. Ao invés, entende, com a devida vénia, a apelante que a declarações da apelante revelam consistência sobre a questão do preço, quando conjugadas com o testemunho do pai, a testemunha (…).
L. Nada, no modesto entendimento da apelante resulta das declarações de parte, que tivesse qualquer intenção de pedir empréstimo, o que exige uma análise critica e conjugada das respostas dadas no seu encadeamento e contexto em que foram proferidas.
LI. Ademais, o que resulta das transcritas declarações da apelante, na insistência sobre o modo de pagamento do preço, à questão “a qual era a ideia da (…)”, faz nascer, pela primeira vez, a ideia do empréstimo.
LII. Factualidade, que resulta corroborada do testemunho de (…), inquirido sobre a questão, respondeu que em 2012, a R., a mãe e o (..) o abordaram, solicitando-lhe uma simulação dos custos da escritura da (…), informação que recolheu e prestou ao (…). (inquirido no dia 7.10.2020, início 14:21 minuto 50:40)
LIII. Deste testemunho resulta, ainda, que salvo a devida vénia, a Mmª Juiz a quo, não retirou do seu testemunho a estes concretos factos, as devidas ilações.
LIV. Tendo a regularização das Empresas ocorrido exactamente em 2012, como resulta dos autos, e as testemunhas confirmaram, a mesma data, em que a apelante a mãe e o advogado da A. encetavam diligências para a realização da escritura da apelante, como não pode deixar de se considerar, face à evidência dos factos.
LV. Impunha-se a conclusão que em 2012, aquando das regularizações, não havia conhecimento por ninguém. pelo menos por esses quatro intervenientes, do alegado “contrato de arrendamento”, datada de 30 de Dezembro de 2011, doc. 5. da p.i.
LVI. Afigura-se à apelante, uma aparente descrença, da Mmª Juiz a quo nas sua declarações, quando se refere na motivação “Instada a esclarecer se conhecia o objecto da presente acção, afirmou que sim,”.
LVII. De facto importa atentar à resposta da apelante, quando instada a estes factos, ao responder, que estava ali, porque não tinha assinado nenhum contrato de arrendamento, que a única coisa que foi tratar, foi assinar o contrato promessa de compra e venda, que era de uma casa para ela e que sabia que tinha havido uma negociação entre os pais e o (…).
LVIII. Parece não poder ser contestado, que para a apelante a razão de estar em Tribunal era o facto de não ter assinado nenhum contrato de arrendamento, cuja “falsidade”, de facto tudo fez para tentar demonstrar.
LIX. Ademais, a aparente descrença da Mmª Juiz a quo, nas declarações prestadas pela apelante, e que motivou uma inusual insistência, como se vê das transcrições, seria facilmente ultrapassada quando se considere, que à data em que ocorreram as negociações, a recorrente, que além de filha única, tinha à data pouco mais de 20 anos de idade, nenhuma estranheza oferecendo o facto, antes se apresentando conforme ao modo como as coisas normalmente ocorrem, que tivesse sido com os pais que tudo foi acordado, combinado, que tivesse sido apenas com os pais que o (…) negociação a venda da fração, para o qual ambos trabalhavam, sem que lhe fossem dados quaisquer pormenores.
LX. Ao que acresce, um facto cujos indícios devem ser considerados, a apelante era funcionária da apelada, desde Outubro de 2013, iniciando funções com contrato a prazo, já com os novos administradores da apelada, e no decurso dos factos em causa, foi “passada” a trabalhadora efectiva.
LXI. E ainda o facto referido pela apelante nas suas declarações, a propósito do alegado “contrato de arrendamento”, que nunca foi abordada sobre este assunto pelos Senhores Administradores, com quem se cruzava no seu local de trabalho e nas festas de Natal, cumprimentando-a sempre cordialmente, mas nunca lhe falaram sobre esse assunto.
LXII. O que não pode também deixar de ser considerado na análise desta factualidade, tratando-se , como se trata de um comportamento de todo anormal.
LXIII. A não ser que se considere, como se pensa ser o caso, que a A. já tinha conhecimento destes factos.
LXIV. Nesta concreta matéria de facto, a Mmª Juiz a quo, salvo a devida vénia, faz errada apreciação e interpretação das declarações de parte da apelante, incorrendo em erro de julgamento.
LXV. Para a decisão de facto, apelou ainda a Mmª Juiz a quo, na sua motivação ao testemunho do pai da apelante, (…), cuja inquirição o douto Tribunal determinou oficiosamente, como refere, “em virtude de não ter ficado esclarecido sobre o pagamento do preço.
LXVI. Referindo a douta decisão quanto a este testemunho, (….) o pai da R. disse expressamente que não entregou qualquer dinheiro por conta do preço do contrato promessa em causa nos autos, vindo a concomitantemente apresentar uma versão de que se tratava de uma doação do engenheiro (…) para o compensar pelo trabalho prestado e pela aceitação de uma remuneração inferior à devida para os seus colegas de trabalho não criarem problemas”.
LXVII. Também aqui, ressalvado o devido respeito, a Mmª Juiz a quo, não fez a melhor interpretação e apreciação do testemunho do pai da apelante, o que resulta igualmente, de surgirem fora do seu contexto, incorrendo a douta decisão, também, aqui, de erro de julgamento na apreciação destes factos.
LXVIII. Ora, se vê também aqui das transcrições feitas do seu testemunho ressalvado o devido respeito, não descortina a apelante de que factos retirou a Mmª Juiz a quo as conclusões que fez constar na douta motivação a esta factualidade.
LXIX. A imputação feita à testemunha pela Mmª Juiz a quo, de que apresentou uma versão de doação não resulta do seu depoimento
LXX. No entendimento da apelante, a inusual insistência, salvo melhor entendimento, o que permite verificar é um testemunho consistente, quanto ao modo do pagamento do preço, afirmando sempre que foi pago em trabalho, como foi acordado para que fabrica funcionasse de modo a ser possível a produção que era necessária, que trabalhou mas não recebeu, o acordo foi que receberia mais tarde, ou em dinheiro ou num bem.
LXXI. E, como resulta dos auto, quem decidiu, afinal, como o trabalho prestado e, não recebido, seria pago, foi a vendedora, na pessoa do seu único “dono”, o (…), que seria feito através da venda da fração, cujo pagamento, das contas que, certamente, fez, estava já realizado e, seria mais um incentivo, para o pai da apelante continuar a pagar com trabalho extra, com funções que extravasavam completamente, as funções de carpinteiro com que era remunerado.
LXXII. Maneira que, quando o (…) decidiu formalizar o contrato promessa de compra e venda da fração, foi também ele que decidiu, o que ocorreu no dia 25 de Novembro de 2011, contrato cuja autoria e genuinidade foi expressamente reconhecida pela apelada, que fundamentou a sua pretensão num lapso, num erro, sobre o pagamento do preço, referindo na petição inicial no art.º 32.2, que a apelante só havia liquidado 25.000,00€.
LXXIII. De resto, veio a ser dado como não provados os factos alegados pela alegada quanto a esse alegado erro. (1.2.3.4. dos factos não provados)
LXXIV. Destaca-se a relevante da passagem transcrita, do que se vem dizendo, “.... o Eng.º virou-se para mim e disse-me, isso é fácil, como eu tenho de te pagar, é a hipótese que eu tenho de te pagar o que fizeste ao longo dos anos. Disse-me que eu estava já a pagar com o corpo e continuaria a pagar com trabalho, a ainda, costumava dizer, pagas-me com o corpo”.
LXXV. Ora, como se vê da transcrição do seu depoimento, a testemunha nunca falou que tinha sido uma doação do (…), antes insistindo várias vezes que pagou com trabalho, no exercício de funções para as quais nunca foi remunerado.
LXXVI. Admitindo-se, que as explicações, os factos, não tivessem sido relatados com a precisão que o douto Tribunal entendeu, que deveria, ainda assim, se mantém que do testemunho, transcritos não resulta que a testemunha tivesse apresentado a versão da doação.
LXXVII. A única resposta a este título proferida pela testemunha é: Não sei.
LXXVIII. O que, também resulta e, já resultava das declarações de parte da apelante, é que o pagamento do preço, não foi realizado em dinheiro. Aliás, o que a apelada, também sabia, e sempre soube, onde, se vê, claramente que apostou, como revelam à exaustão os autos e já revelava o procedimento especial de despejo que instaurou contra a apelante, sem dispor de título legitimo.
LXXIX. Esta questão do dinheiro, surge, muito oportunamente, no depoimento das testemunhas (…), que a única coisa que demonstraram saber é que o dinheiro não entrou nos cofres a A. não está espelhado na contabilidade.
LXXX. O que como sabemos, não entrou, nem poderia ter entrado porque o pagamento do preço não foi feito em dinheiro.
LXXXI. Com efeito, a testemunha, repetiu várias vezes, à sua maneira, o circunstancialismo, as razões, o que foi falado e combinado e as razões, o acordo estabelecido com o (…), para instalar as três fábricas, geri-las, coordena-las, sem horários, só trabalho, como refere “Eu dei o meu corpo e a minha alma para que tudo corresse bem, era responsável por tudo.
LXXXII. Mais tarde eu iria ser ressarcido com algum bem ou dinheiro, foi o falado. Como estava muito agarrado ao trabalho, não tinha tempo nem para pensar, tinha muito trabalho, a quinta dos (…) foi toda feita por mim, vários hotéis….
LXXXIII. Em suma: decorre da conjugação dos dois depoimentos analisados, que o acordo para a venda da fração se iniciou ainda em 2008, quando a apelante em Agosto de 2009 foi habitar a fração, já existia nessa data, um acordo verbal da compra e venda da fração, existia já um contrato promessa verbal de compra e venda.
LXXXIV. Contrato promessa que foi formalizada em 25 de Novembro de 2011 e consta dos factos assentes.
LXXXV. Resultando igualmente dos dois depoimentos que foram realizadas obras na fração, em data anterior, a Agosto de 2009, data em que a apelante a passou a habitar,
LXXXVI. Resulta igualmente da conjugação os dois depoimentos, que o condomínio foi logo tratado em nome do pai da apelante e sempre pago por ela, facto produzido por prova documental, o reconhecimento e tratamento por todos os condóminos por igual, a qualidade de condómina, participando e tomando decisões nas assembleias de condóminos.
LXXXVII. Resulta ainda e, os factos confirmam, que nunca houve a intenção de formalizar um contrato promessa de compra e venda entre as partes, o combinado, o pressuposto era avançar logo para a escritura, situação idêntica ao caso referido pelas testemunhas do Sr. Frade, que também não tinha contrato promessa de compra e venda formalizado, habitando a fração desde 2004, e, até tinha pago tudo pago.
LXXXVIII. Resulta igualmente dos autos que o pai da apelante trabalhou para o (…) até Outubro de 2012, e depois disso ainda foi ao Algarve fazer uns trabalhos nuns hotéis.
LXXXIX. A propósito, do preço, a Mmª Juiz a quo fez, ainda, apelo aos testemunhos (…), testemunhos, que nesta parte, ressalvado o respeito, como já se adiantou em nada contrariam o testemunho de (…), pai da apelante.
XC. A propósito do pagamento do preço, para se concluir, quanto ao que foi referido por estas testemunhas e, que não coloca em causa as declarações de parte da recorrente nem o testemunho do pai, que disse ao Tribunal que o pagamento não foi feito em dinheiro, o que resulta dos testemunhos em análise, é que não entrou dinheiro nos cofres da A., nem a contabilidade reflectia essa entrada de dinheiro, depoimentos que apenas corroboram o que foi dito pela testemunha (…), que o pagamento não foi feito em dinheiro.
XCI. A propósito do preço, prende-se ainda a questão referida pela testemunha (…), sobre a compensação feita ao (…), no valor de 25.000,00 €, referindo que foi uma compensação paga ao (…) pelo trabalho prestado, coincidindo com a alegação da apelada na petição inicial art.º 32.º, onde alega que a apelante só liquidou o montante 25.000,00€.
XCII. Todavia, considerada esta factualidade, a tese da compensação pela trabalho do (…) verificamos que existe coincidência esta tese da compensação e o testemunho do pai da apelante, no que se refere ao modo do pagamento do preço, o que muda é apenas o valor, que a testemunha (…) refere que a compensação a (…) não podia ser o valor do imóvel, porque era muito exagerado, justificando, é uma daquelas presunções que a gente tem…..
XCIII. A factualidade, vertida nos temas 5, 8 e 9, e que foi, a nosso ver, mal, desconsiderada, pela Mmª Juiz a quo, entende humildemente a apelante, que esta assume relevância, para a boa decisão da causa, nomeadamente para decisão do pedido da apelante de condenação da A. como litigante de má-fé.
XCIV. Pedido que, a apelante, reitera nos termos já peticionados na sua contestação.
XCV. O Tribunal “a quo” errou na valoração da sentença proferida no processo n.º 1139/17.9YLPRT que correu termos no Juízo Local Cível de Cascais, Juiz 3 quando dela extraiu os seguintes factos (1. Desde data não concretamente apurada, mas anterior a 2010, foi cedida à Requerida, para sua habitação, o gozo e fruição da fracção autónoma designada pela letra “C”, para habitação, situada (…) 2. A Requerida não paga qualquer quantia pela cedência da fracção autónoma referida em 1.; 3. Entre o proprietário da fracção referida em 1. e a Requerida foi celebrado, em 2011, contrato-promessa de compra e venda da mesma fracção” sustentando que se impõem nos presentes autos. Por força da figura da autoridade do caso julgado.
XCVI. Entende, no entanto, humildemente a recorrente que a transferência dos factos apurados numa causa para a outra, envolvendo as mesmas partes, não é, pura e simplesmente, possível, e nada tem a ver com o caso julgado, ainda que na sua vertente positiva ou prejudicial.
XCVII. A certidão da sentença judicial, enquanto documento autêntico, dotado, portanto, de força probatória plena, só faz prova dos factos ocorridos no processo, não abrangendo o juízo feito pelo juiz a propósito dos factos controvertidos.
XCVIII. A nossa lei processual admite o valor extraprocessual das provas, como previsto no art.º 421.º do CPC, mas são as provas que se transpõem, e não os factos provados, não atribuindo valor extra processual aos factos, o que resultaria numa violação flagrante dos princípios da livre apreciação da prova e livre formação da convicção pelo juiz da causa, resultando ainda comprometidos os princípios do imediação e plenitude de assistência do juiz.
XCIX. O caso julgado, ainda que na sua vertente positiva ou de autoridade do caso julgado, não incide sobre os fundamentos de facto da primeira decisão, pelo que estava vedado à Mm.ª juíza “a quo” considerar como assente a transcrita factualidade e dela extrair quaisquer efeitos, pelo que deverá esse V. TR excluir da sentença os factos transcritos, extraídos da decisão proferida no processo n.º 1139/17.9YLPRT, na medida em que a lei não permite a sua “importação” para os presentes autos.”
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11.- Entretanto, em 13-12-2021, foi proferida decisão julgando verificada a litigância de má fé da Ré/Reconvinte e, com esse fundamento, condenando-a em multa de 10 UC.
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12.- A Ré/Reconvinte interpôs novo recurso da decisão referida em 11, pela qual fora condenada como litigante de má fé, recurso esse que, admitido como apelação, foi tramitado autónoma e separadamente do recurso interposto da sentença final, referido em 10.
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13.- A Ré/Reconvinte respondeu ao recurso da sentença final referido em 10, apresentando as seguintes conclusões, que se transcrevem:

“1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nestes autos, incidindo, em concreto, «sobre os segmentos da decisão B), D), quanto ao pagamento do preço, E) e F), imputando-se à douta sentença recorrida erro de julgamento de facto e de direito…».
2. Entende a apelada que os fundamentos invocados pela apelante carecem de sustentação factual e legal, não merecendo a sentença recorrida qualquer reparo na parte impugnada pelo presente recurso.
3. Em 25 de Novembro de 2011, apelante e apelada assinaram um contrato-promessa de compra e venda relativo à fração autónoma em causa nestes autos, cuja cópia constitui o doc.4 junto com a Petição Inicial.
4. A apelada, tendo-se apercebido de um erro constante daquele contrato que referia ter existido quitação total do preço no momento da sua assinatura, acordou com a apelante substituir tal documento pelo contrato de arrendamento com opção de compra, celebrado em 30 dezembro de 2011, cuja cópia constitui o doc. 5 junto com a Petição Inicial.
5. O aludido contrato de arrendamento com opção de compra, com data de início de produção de efeitos em 1 de dezembro de 2011, permitiu à apelante ocupar o imóvel reivindicado a título de arrendatária.
6. Nos termos da cláusula 2.ª, n.º 3 do identificado contrato de arrendamento com opção de compra, a apelada opôs-se à renovação do contrato para novo período de vigência, através de carta remetida em 7 de agosto de 2015 (cf. docs. 6 e 7 juntos com a Petição Inicial).
7. Considerando que o imóvel não foi devolvido à apelada, apesar das várias solicitações nesse sentido, a mesma intentou uma ação de despejo no Balcão Nacional de Arrendamento, a qual correu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local Cível de Cascais – Juiz 3 (Proc. n.º 1139/17.9YLPRT), no âmbito da qual foi considerado como provado que a fração em causa foi cedida pela apelada à apelante, não tendo esta pago qualquer quantia pela sua cedência.
8. Não obstante terem ficado provados os factos melhor descritos nos artigos 15º a 17º da Petição Inicial, não foi possível obter o despejo requerido em virtude de a apelada não ter conseguido localizar o original do aludido contrato de arrendamento com opção de compra (vd. doc. 10 junto com o cit. articulado).
9. A apelante continua a recusar-se a entregar o imóvel à apelada, sua legítima proprietária, comportamento que justificou a instauração da presente ação de reivindicação.
10. Em sede de despacho saneador (cf. referência Citius 113454691), notificado às partes em 11.06.2018, o Tribunal a quo definiu o objeto do litígio e os temas da prova, além de ter admitido a prova documental oferecida pelas partes.
11. No âmbito da perícia requerida pela apelante ao aludido contrato de arrendamento (cf. requerimento com a referência Citius 29531214), o Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária (LPC) concluiu que «A zona da fl. 170, onde estão reproduzidas as assinaturas dos contraentes, não revela qualquer vestígio de montagem, pelo que não é possível inferir se a assinatura da segunda contraente, aposta no original utilizado na reprodução do contrato de arrendamento, foi, ou não, alvo de qualquer manipulação» (sublinhado nosso) – vd. referência Citius 14609984.
12. Insatisfeita, a apelante, em 05.11.2019, cerca de 17 (dezassete) meses após a prolação do despacho saneador que admitiu a junção aos autos da prova documental oferecida pelas partes (cf. referência Citius 113454691) e, também, após a realização das perícias por si solicitadas, entendeu vir requerer a não admissão do aludido contrato de arrendamento (cf. requerimento com a referência Citius 33912208), pretensão que, evidentemente, não foi acolhida pelo Tribunal a quo.
13. No âmbito do presente recurso, a apelante continua a insistir que o Tribunal a quo estava impedido de valorar a prova testemunhal produzida.
14. Ora, já a propósito da reclamação do despacho saneador a apelante abordara a questão do ónus da prova quanto à matéria do ponto 4 dos temas da prova, referindo que à apelada estava vedado o recurso à prova testemunhal, tendo o Tribunal a quo, por despacho proferido em 8.10.2018, indeferido tal pretensão da apelante.
15. Entretanto, na sessão de julgamento realizada em 7.10.2020, e finda a produção de prova, o Tribunal “a quo determinou que fosse ouvido o pai da apelante, despacho do qual recorreu a apelante, sem sucesso, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa esclarecido que «…toda a argumentação desenvolvida agora no recurso em que assenta a defesa da impossibilidade de inquirição oficiosa da testemunha em questão foi já suscitada na causa e devidamente apreciada, concluindo-se, à partida, pela viabilidade da produção de prova testemunhal sobre a matéria em questão».
16. Concluindo-se, sem grandes dúvidas, que o Tribunal a quo não estava impedido de valorar a prova testemunhal produzida.
17. No que concerne à impugnação da matéria de facto, alega a apelante, faltando à verdade, que o facto provado em K) «deve ser dado como não provado por ter incorrido a douta sentença recorrida em erro no julgamento por violação de normas de direito material probatório e ainda por errada valoração da prova produzida».
18. A propósito (da falta) do pagamento do preço depuseram, com clareza, sinceridade e consistência, as testemunhas (…), as quais demonstraram, ainda, ter conhecimento direto desta matéria.
19. Conforme se pode ler na sentença recorrida, «a testemunha (…) explicou que foi administradora da A., conhecendo o pai da R. por ser fornecedor da A., tendo explicado o contexto adjacente à entrega da fração em causa nos autos à R. Assim, por força da deslocação dos pais da R. para o Algarve por volta de 2008/2009, o engenheiro (…) emprestou a fracção em causa nos autos para a R. habitar, deslocando-se da zona onde anteriormente se encontrava, para estar mais protegida. Posteriormente, em ordem a formalizar a dita situação – conjuntamente com outras situações semelhantes – decidiram outorgar contratos promessa de compra e venda. Atentas as funções que exercia, sabe que o preço que consta do contrato promessa celebrado entre as partes não foi pago, tratando-se de lapso quanto à quitação. Explicou ainda esta testemunha que o mencionado lapso terá resultado da circunstância de ter sido utilizada a minuta que foi utilizada no outro caso semelhante existente na (…), com a diferença em que, nesse, o preço havia sido efetivamente pago. Foi perentória em afirmar que da análise que fez das contas da empresa, das mesmas não constava o pagamento do preço constante do contrato promessa» (realce e sublinhado nossos) – cf., a este respeito, depoimento prestado no dia 22.09.2020, registado em gravação digital no sistema HABILUS, com início às 09:49:00 e fim às 10:49:00, constante da faixa número 20200922094948_3986577_2871330, do minuto 00:04:00 ao minuto 00:09:00, do minuto 00:24:00 ao minuto 00:26:00, do minuto 00:27:00 ao minuto 00:28:00 e do minuto 00:42:00 ao minuto 00:43:00.
20. Esta testemunha foi perentória ao afirmar que o preço nunca foi pago (cf. respetivo depoimento, do minuto 00:31:00 ao minuto 00:32:00)
21. Por seu turno, (…), antigo diretor financeiro da apelada «explicou o circunstancialismo adjacente à ocupação da fracção pela R. (motivada pela deslocação dos seus pais para o Algarve), sendo que sabe que o valor do contrato promessa nunca foi pago porque nunca entrou nos cofres da empresa. Já quanto à outra situação semelhante (a do outro apartamento em relação ao qual também foi celebrado um contrato-promessa) sabe que o preço foi pago porque o (…) lhe entregou os cheques» (realce e sublinhado nossos) – vd. sentença recorrida.
22. Esta testemunha foi inquirida no dia 07.10.2020 (cf. depoimento registado em gravação digital no sistema HABILUS, com início às 14:15:00 e fim às 15:10:00, constante da faixa número 20201007141407_3986577_2871330), tendo referido, por diversas vezes, que o preço nunca foi pago (cf. do minuto 00:11:00 ao minuto 00:13:00, do minuto 00:15:20 ao minuto 00:17:30 e do minuto 00:47:00 ao minuto 00:49:45).
23. Esta testemunha foi inequívoca ao afirmar que todos os pagamentos passavam por si, razão pela qual sabe que, quanto à outra situação semelhante (a do outro apartamento em relação ao qual também foi celebrado um contrato-promessa), o preço foi pago, até porque foi o próprio (…)lhe entregou os respetivos cheques (cf. o seu depoimento, do minuto 00:51:00 ao minuto 00:52:10).
24. Por seu turno, prestou declarações de parte a apelante, a qual referiu, a propósito do pagamento do preço, «de forma muito comprometida, que julgava que o preço tinha sido pago. Instada a esclarecer se conhecia o objeto da presente ação, afirmou que sim, mais declarando que não conhecia como e quando o preço foi pago, tendo referido de forma muito evasiva que foi tudo tratado pelos pais. Por fim, transmitiu que não chegou a pedir um empréstimo bancário porque a escritura final não aconteceu» (vd. sentença recorrida).
25. A apelante prestou declarações de parte no dia 22.09.2020, com início às 10:58.00 e fim às 11:24:00 (cf. declarações registadas em gravação digital no sistema Media Studio, constantes da faixa número 20200922105820_3986577_2871330), tendo confirmado que nunca pagou renda, que tudo foi tratado com os seus pais e que começou a usufruir do imóvel a partir de 2009 com a autorização do (…), uma vez que os seus pais foram viver para o Algarve e a casa onde residia ficava numa zona que não era muito bem frequentada (cf. do minuto 00:14:00 ao minuto 00:16:30).
26. A apelante confirmou que nunca pagou qualquer quantia, conforme se infere do seguinte excerto do seu depoimento:
(…)
28. Considerando as declarações de parte da apelante, o Tribunal a quo, determinou oficiosamente a inquirição do pai daquela, o qual confirmou expressamente que não entregou qualquer dinheiro por conta do preço do contrato-promessa em causa nos autos (cf. depoimento prestado no dia 05.01.2021, com início às 14:14:43 e fim à 14:31:10, registado em gravação digital no sistema HABILUS, constante da faixa número 20210105141441_3986577_2871330), bastando, a este respeito, atentar no seguinte excerto do seu depoimento:
Meritíssima Juíza – «Muito bem.
(…)
29. Da análise de tudo quanto acima se deixa exposto resulta uma conclusão óbvia: «…se a R. diz desconhecer as circunstâncias de tempo e modo do pagamento de €125.000,00, nem demonstra sequer conhecimento da sua efetiva ocorrência (apesar de resultar evidente, relembramos que não se trata de uma módica quantia), relegando tal conhecimento para o seu pai que, por sua vez, afirma expressamente não ter ocorrido o mesmo, pensamos que sem grande esforço de raciocínio lógico-dedutivo resulta inelutável a conclusão de que a R. não pagou o preço de €125.000,00» – realce e sublinhado nossos (vd. sentença recorrida).
30. Ainda a este respeito, bastará recorrer, uma vez mais, às declarações de parte da apelante, a qual acabou por confirmar que pretendia contrair um empréstimo para pagar o preço do imóvel em causa (cf. Do minuto 00:19:50 ao minuto 00:20:50), donde se conclui, como é evidente, que ao contrário do que a mesma sempre defendeu, afinal o preço não estava pago.
31. De forma dolosa, a apelante falta, pois, à verdade ao alegar que o preço «há muito se encontra já pago», na medida em que «…em julgamento, não só o pai da R. referiu expressamente não ter entregue tal quantia como, instada, a R. desconhecia de que forma o valor do preço enunciado no contrato-promessa havia sido satisfeito à A. Ora, cremos que ofende os padrões de rectitude de consciência comum, peticionar-se a condenação de uma parte no pagamento de uma quantia tão avultada como o é a de €250.000,00, alegando-se, para o efeito, já se mostrar cumprido o pagamento do preço, quando tal manifestamente não sucedeu.
Por se tratar de facto pessoalíssimo, não tinha a R. como ignorar não ter sido pago o sinal do contrato-promessa, tendo adoptado uma conduta processual em ordem a querer fazer-se valer da força probatória plena do referido documento para evitar o recurso à prova testemunhal, nos termos do artigo 392.º, n.º 2 do Código Civil» (realce e sublinhado nossos) – vd. despacho de 13.12.2021, com a referência Citius 134146093.
32. Devidamente aquilatado do sentido dos aludidos depoimentos, alcance intrínseco e razão sustentada de ciência, é inatacável que o Tribunal a quo fez uma correta apreciação e valoração de toda a prova testemunhal produzida e, bem assim, das declarações de parte da apelada, resultando inequívoco que não merece qualquer discussão ou dúvida que «O preço de compra do imóvel constante do documento referido em C) nunca foi recebido pela A» (vd. alínea K) dos factos provados).
33. Do mesmo modo, inexistem motivos válidos para que aos temas da prova 5, 7, 8 e 9 seja dada a resposta pretendida pela apelante.
34. Com efeito, quanto à impossibilidade de a apelada juntar o original do contrato de arrendamento (vd. Tema da prova n.º5) e à circunstância de a apelante ter aposto a sua assinatura no documento nº 5 anexo à Petição Inicial (vd. tema da prova n.º 7), tais factos, ao contrário do que defende a apelante, também sempre resultariam claros do depoimento das testemunhas (…).
35. A testemunha (…) explicou a situação em que a grave situação económico-financeira em que (…)se encontrava, da qual resultou o desaparecimento de milhares de documentos, entre os quais o referido contrato de arrendamento, esclarecendo, contudo, que foram mantidos os documentos em formato digital (cf. respetivo depoimento, do minuto 00:33:00 ao minuto 00:37:00 e do minuto 00:47:00 ao minuto 00:49:00).
36. Por seu lado, a testemunha (…) também confirmou que era prática da empresa terem todos os documentos digitalizados, além de ter confirmado que viu uma cópia do aludido contrato de arrendamento (cf. respetivo depoimento, do minuto 00:18:10 ao minuto 00:18:45, do minuto 00:27:00 ao minuto 00:28:20 e do minuto 00:29:30 ao minuto 00:30:30).
37. Quanto aos temas da prova 8, 9 e 10 resultou inequívoco que a apelante, aproveitando-se a da situação, se foi mantendo no imóvel sem pagar qualquer renda, não obstante as diversas interpelações da apelada.
38. A apelante, aproveitando-se do lapso constante do contrato relativo à quitação do preço, limitou-se a invocar – dolosa e falsamente – que havia pago aquele preço para, assim, justificar a sua conduta.
39. Perante a realidade fáctica dos Autos, não pode, efetivamente, deixar de se chancelar que resulta evidente inexistirem razões para que seja efetuada qualquer alteração aos factos considerados provados pelo Tribunal a quo, devendo, em consequência, improceder a impugnação da matéria de facto.
40. Ao ter considerado que se mostram preenchidos os requisitos para a apelante recorrer à execução específica, o Tribunal a quo não poderia tomar outra decisão que não fosse a de autorizar a apelada a fazer sua a quantia depositada a título de preço, não se descortinando de que forma sentença recorrida possa ter violado as normas e os princípios jurídicos referidos pela apelante.
41. Por outro lado, também resultou provado, não só que a apelante ocupa sem autorização da apelada a fração em causa, o que configura a prática de um facto ilícito e culposo, mas também que a apelada se encontra privada do seu bem, por força da conduta da apelante – a ocupação daquela fração –, o que constitui um dano, mostrando-se verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, concluindo-se, pois, pela correspondente obrigação de indemnizar a apelada, nos termos constantes da sentença recorrida.
42. Atento o que acima se deixa exposto, entende a apelada que deverá ser negada a presente apelação, confirmando-se a sentença recorrida.”
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14.- O recurso referido em 10 (da sentença final) foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e assim recebido na Relação, que o considerou corretamente admitido e com o efeito legalmente previsto.
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15.- Por decisão singular de 30-06-2022, proferida pelo Relator ao abrigo do disposto no art.º 656.º do CPC, foi a apelação (referida em 10, da sentença final), julgada improcedente e, consequentemente, confirmada a sentença proferida em 1.ª instância.
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16.- Em 01-09-2022, inconformada com a decisão sumária, a Ré/Recorrente reclamou dela para a conferência.
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17.- Entretanto, na apelação referida em 11 (do despacho da 1.ª instância que condenara a Ré/Reconvinte como litigante de má fé), por Acórdão de 29-11-2022, a 8.ª Secção da Relação de Lisboa, concedeu-lhe integral provimento e revogou o despacho recorrido.
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18.- Por Acórdão de 25-05-2023 proferido neste recurso, a Relação de Lisboa, em conferência, confirmou a decisão sumária referida em 15, julgando, consequentemente, improcedente a apelação.
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19.- Inconformada, a Ré/Reconvinte interpôs recurso de revista de tal acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual, por Acórdão de 28-11-2023, julgou a revista procedente e, consequentemente, revogou o Acórdão recorrido, determinando que os autos retornassem à Relação, a fim de aqui se apreciar a impugnação da decisão da matéria de facto e se aplicasse o direito em conformidade.
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20.- Na revista foi invocado pela Ré/Recorrente o caso julgado decorrente do Acórdão da 8.ª Secção da Relação de Lisboa supra referido em 17.
Segundo a Recorrente, tendo nele sido decidido que o documento (o contrato-promessa) que, na sentença recorrida e na apelação dela interposta, fora aceite como princípio de prova que, nos termos dos art.ºs 393.º e 394.º do CC, sustentava a admissibilidade da prova testemunhal a fim de infirmar a prova plena dele decorrente no que toca ao pagamento do preço pela mesma, não tinha essa virtualidade, tal decisão projetiva o seu caso julgado à decisão a proferir na revista.
O Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão proferido, considerou que se tratava de questão nova, porque não suscitada nesta Relação, dela não conhecendo; todavia, constituindo o caso julgado exceção de conhecimento oficioso e devendo os autos, em função do nele decidido, retornar à Relação, caber-lhe-ia ajuizar da relevância do Acórdão referido em 17 para a decisão a proferir nesta apelação.
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21.- Recebidos os autos nesta Relação, atenta a posição do Supremo Tribunal de Justiça referida em 20, facultou-se às partes, nos termos do art.º 3.º, n.º 3 do CPC, a possibilidade de exercerem o contraditório sobre tal questão (eventual caso julgado decorrente da prolação do Acórdão referido em 17), sendo que só a Autora/Recorrida acedeu ao convite, batendo-se pela inexistência de caso julgado atendível.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II.- Das questões a decidir
O âmbito dos recursos, tal como resulta das disposições conjugadas dos art.ºs 635.º, n.º 4, 639.º, n.ºs 1 e 2 e 641.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Civil (doravante, CPC), é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente.
Isto, com ressalva das questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado ou das que se prendem com a qualificação jurídica dos factos (cfr., a este propósito, o disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 663.º, n.º 2 e 5.º, n.º 3 do CPC).
Neste pressuposto, as questões que, neste recurso, importa apreciar e decidir são as seguintes, de acordo com a sua precedência lógica:
1.- da impugnação da decisão da matéria de facto quanto a saber se:
.- o facto provado constante da alínea K) deve ser julgado não provado;
2.- da impugnação da subsunção dos factos ao direito aplicável quanto a saber se:
.- deve ser revogado o segmento da sentença que autoriza a Autora/Recorrida a fazer sua a quantia depositada a título de preço acordado no contrato-promessa dos autos;
.- deve ser revogado o segmento da sentença que condenou a Ré/Recorrente ao pagamento da indemnização devida pela ocupação do imóvel objeto mediato do contrato-promessa.
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A propósito das questões a decidir neste recurso cumpre salientar o seguinte.
A Recorrente, nas conclusões da sua peça recursória, invocara que a factualidade vertida nos temas da prova com os n.ºs 5, 7, 8 e 9 não fora considerada pela 1.ª instância e que era relevante para a boa decisão da causa, pelo se imporia o seu conhecimento em sede de recurso.
Esta questão foi apreciada no primeiro Acórdão que conheceu deste recurso (acima referido em 18) e, na revista que a Recorrente dele interpôs, não foi por esta suscitada novamente.
Outrossim, o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão proferido na revista, além de afirmar o que acaba de ser dito, afirmou, também, que a Relação apreciara a questão em termos “que se reputam suficientes”.
Finalmente, no Acórdão proferido na revista, o Supremo Tribunal de Justiça revogou o Acórdão recorrido e determinou que os autos retornassem à Relação para que aqui se apreciasse a impugnação da decisão de facto “nos termos supra expostos”, ‘termos supra expostos’ esses que, como se viu, não abrangem a presente questão.
Esta está, por conseguinte, definitivamente decidida, pelo que dela não há que tomar conhecimento neste recurso.
As questões aqui a decidir são, pois, única e exclusivamente, as acima elencadas.
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III.- Da Fundamentação
III.I.- Na sentença proferida em 1.ª Instância e alvo deste recurso foram considerados provados os seguintes factos:
A. Mostra-se registada a aquisição a favor da A. da fracção autónoma para habitação designada pela letra “C”, situada (…).
B. A A. teve, em tempos, a denominação social de (…), cfr. doc. 3 junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais.
C. Do documento particular datado de 25 de Novembro de 2011 e denominado “Contrato Promessa de Compra e Venda”, outorgado entre (…), na qualidade de promitente vendedor e a R., na qualidade de promitente compradora, junto como doc. 4 com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, consta, designadamente que:
CONSIDERANDO QUE:
A) A PROMITENTE VENDEDORA é legítima proprietária da fracção autónoma designada pela letra “C”, para habitação, situada (…);
B) A PROMITENTE COMPRADORA manifestou interesse em adquirir a FRACÇÃO e a PROMITENTE VENDEDORA intenção de a vender, tendo a PROMITENTE COMPRADORA liquidado integralmente, na presente data, o preço convencionado para a compra e venda da fracção.
C) Não foi possível celebrar, na presente data, a escritura pública de compra e venda da fracção em virtude de as não terem conseguido obter toda a documentação necessária para a outorga da mesma, designadamente as declarações fiscais exigíveis, tendo as partes acordado que a mesma seria celebrada assim que tal fosse possível.
Cláusula Primeira
(Objecto)
1. Pelo presente contrato, a PROMITENTE VENDEDORA promete vender, e a PROMITENTE COMPRADORA promete adquirir para si ou para quem vier a indicar para o efeito, pelo preço e demais condições previstas no presente contrato promessa, a fracção autónoma identificada no Considerando A) supra.
2. A prometida venda será efectuada livre de quaisquer ónus, hipotecas ou quaisquer outros encargos e/ou responsabilidade quer particulares quer ao estado.
Cláusula Segunda
(Preço e pagamento)
O preço acordado para a venda da fracção é de EUR 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil euros), que a Promitente vendedora declara ter recebido na presente data e do qual o presente contrato dá a competente quitação.
Cláusula Terceira
(Escritura Pública)
1. A escritura pública de compra e venda da FRACÇÃO será celebrada assim que as partes obtenham toda a documentação necessária e exigível, não podendo a mesma ser outorgada depois de decorridos 180 (cento e oitenta) dias a contar da data da celebração do presente contra promessa, competindo à promitente vendedora notificar a promitente compradora da data, hora e local da sua celebração, com a antecedência mínima de 10 (dez) dias sobre a data da sua realização.
(…) Cláusula Quarta
(Incumprimento)
1. A Promitente vendedora poerá resolver o presente contrato promessa se a promitente compradora faltar à outorga da escritura pública de compra e venda do prédio ou por outro modo impossibilitar a sua realização.
2. No caso do incumprimento ser imputável à promitente vendedora, terá a promitente compradora direito a exigir a execução especifica do presente contrato promessa nos termos do artigo 830.º do Código Civil, ou em alternativa à restituição da quantia liquidada no âmbito do presente contrato.
(…)
Cláusula Sétima
(Notificações)
1. As notificações ou comunicações a efectuar nos termos do presente Contrato considerar-se-ão validamente efectuadas por correio registado para as moradas das Partes constantes do presente Contrato ou para o endereço que tenha sido comunicado pelo destinatário ao remetente. (…)
D. Por missiva datada de 7 de Agosto de 2015 enviada e recebida pela R., junta como doc. 6 com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, a A. comunicou, designadamente, que:
Ao abrigo do disposto na cláusula segunda do contrato de arrendamento acima identificado (de que se anexa cópia), e ainda no uso da faculdade expressamente prevista no art.º 1097.º do Código Civil e respeitando o período de pré-aviso legal, a sociedade (…)  – Imobiliário e Turismo SA, na qualidade de senhoria, vem, pela presente, proceder à denúncia de tal contrato com efeitos a partir de 30 de Novembro de 2016, opondo-se, ainda, a que o mesmo se renove automaticamente por um novo período de vigência.
Deste modo, tal contrato cessará, impreterivelmente, todos os seus efeitos no próximo dia 30 de Novembro de 2016, deve devendo, nessa mesma data, o locado ser-nos entregue em perfeitas condições, totalmente limpo e integralmente devoluto de pessoas e bens.
E. Por missiva datada de 14 de Outubro de 2016 enviada e recebida pela R., junta como doc. 8 com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, a A. comunicou, designadamente, que:
Destina-se a presente a reiterar a comunicação por nós enviada em 7 de Agosto de 2015, na qual denunciámos, e nos opusemos a renovação para novo período de vigência, o Contrato de arrendamento celebrado com a sociedade “(…), S.A.”, actualmente com a denominação (…).
Assim, reitere-se, no próximo dia 30 de Novembro de 2016, data de cessação do Contrato, deverá o Imóvel ser-nos entregue em perfeitas condições, totalmente limpo e integralmente devoluto de pessoas e bens.
F. Por missiva datada de 8 de Setembro de 2015 enviada pela R. e recebida pela A., junta como doc. 1 com a contestação e cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, a R. comunicou que:
Na sequência da comunicação que me foi dirigida relativa a contrato de arrendamento alegadamente por mim celebrado (…), venho solicitar a V, Exas se dignem confirmar se têm em seu poder o respectivo original. Com efeito, não tendo jamais outorgado tal contrato, impõe-se o apuramento da respectiva falsidade com a responsabilização dos seus autores. Elo exposto, desejando alcançar a instauração de procedimento criminal e requerer perícia de letra e assinatura, muito agradeço a prestação da informação ora solicitada com a brevidade possível.
G. Por missiva datada de 26 de Outubro de 2016 enviada pela R. e recebida pela A., junta como doc. 4 com a contestação e cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, a R. comunicou, designadamente, que:
(…)
Face ao que não posso deixar de reiterar a minha comunicação de 8 de Setembro e recepcionada por V. Ex.ªs em 9 de Setembro de 2015, conforme A/R que me foi devolvida pelos CTT, informando novamente V.Ex.as que não outorguei com a V/representada qualquer contrato de arrendamento. Bem como, a solicitada comunicação, para que V.Exas se dignem informar me se têm em vosso poder o original do contrato em causa, de modo a ser apurada a sua falsidade e a consequente responsabilização dos seus autores, solicitação que apesar de ter sido solicitada com a brevidade possível, continuo a aguardar para poder instaurar o competente procedimento criminal.
H. Por missiva datada de 11 de Novembro de 2016 enviada pela R. e recebida pela A., junta como doc. 11 com a contestação e cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, a R. comunicou que:
Na sequência do contrato promessa de compra e venda da fracção sita (…), conforme apresentação n.º (…) do registo comercial, venho proceder à interpelação da v/ representada e à fixação do prazo de 15 dias para proceder à marcação da respectiva escritura pública, dado estarem reunidas as condições para a sua realização.
I. Da decisão proferida no processo n.º 1139/17.9YLPRT que correu termos no Juízo Local Cível de Cascais, Juiz 3, junta como doc. 10 e cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, consta que:
1. No presente procedimento especial de despejo que (…) intentou contra (…), veio esta opor-se, alegando não ter celebrado qualquer contrato de arrendamento. Requereu ainda a condenação da Requerente como litigante de má fé.
2. Notificada da oposição, a Requerente defendeu a sua improcedência.
3. Procedeu-se a inquirição de testemunhas.
*
O tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
O processo mostra-se isento de nulidades que o invalidem.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente patrocinadas.
Não há outras nulidades, excepções ou outras questões prévias que cumpra conhecer e obstem ao conhecimento do mérito da causa.
*
Dos elementos constantes dos autos, resultam assentes os seguintes factos:
1. Desde data não concretamente apurada mas anterior a 2010, foi cedida à Requerida, para sua habitação, o gozo e fruição da fracção autónoma designada pela letra “C”, para habitação, situada (…);
2. A Requerida não paga qualquer quantia pela cedência da fracção autónoma referida em 1.;
3. Entre o proprietário da fracção referida em 1. e a Requerida foi celebrado, em 2011, contrato-promessa de compra e venda da mesma fracção.
*
Não se lograram provar quaisquer outros factos com interesse para a discussão da causa.
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Para dar como assente a factualidade descrita fundou-se o Tribunal na conjugação dos documentos constantes dos autos com as declarações de parte da Requerida e com o depoimento das testemunhas inquiridas, as quais depuseram com isenção.
Assim, de todo este conjunto probatório ficou o Tribunal esclarecido quanto à permanência da Requerida na fracção em causa nos autos em virtude de uma cedência do seu anterior proprietário e no âmbito da relação laboral existente entre aquele e o pai da Requerida. Mais ficou o Tribunal esclarecido que a mesma reside no referido pagamento sem efectuar nem nunca ter efectuado o pagamento de qualquer quantia a título de renda ou outra.
Com efeito, estes factos foram relatados de forma credível e coincidente pelas testemunhas (…), ambos trabalhadores da empresa cedente, e (…).
Refira-se que as testemunhas (…) não tinham qualquer conhecimento concreto sobre a matéria dos autos, não tendo, por esse motivo, sido valorados pelo Tribunal.
De igual modo, as declarações de parte da Requerida revelaram-se inúteis, por não terem contribuído em nada para a matéria a provar.
Importa ainda referir que o Tribunal não deu como assente a existência de um contrato de arrendamento entre as partes, porquanto não ficou inteiramente esclarecido quanto à existência do mesmo.
Na verdade, e considerando a situação anómala de vida trazida aos autos, incumbia à A., no âmbito do ónus da prova que sobre si incumbe, trazer elementos de prova bastantes da existência de um contrato de arrendamento celebrado com a Requerida, o que não fez. Na verdade, e pese embora as declarações das testemunhas (…) quanto à existência do mesmo, não foi trazido aos autos o respectivo original ou qualquer recibo comprovativo, apenas sabendo o Tribunal que a Requerida ali tem residido, há mais de seis anos, sem efectuar o pagamento de qualquer quantia.
Acresce ainda que a celebração de um contrato promessa de compra e venda relativo à fracção dos autos se mostra peculiar face à existência de um contrato promessa, não sabendo o Tribunal qual a verdadeira vontade das partes.
Assim, e na ausência de outros elementos de prova, não deu o Tribunal como assente a celebração de um contrato de arrendamento, a qual se mostrava impugnada.
O Tribunal não deu como assentes quaisquer outros factos com interesse para a discussão da causa por não ter sido feita prova sobre os mesmos.
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Nos termos do art.º 15º, nº 1 do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), o procedimento especial de despejo destina-se a efectivar a cessação do arrendamento, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou fixada por convenção entre as partes.
Como decorre da Lei, a existência do procedimento especial de despejo pressupõe a existência de um contrato de arrendamento.
Ora, nos presentes autos, constata-se que a Requerente não logrou provar, tal como lhe competia nos termos gerais de repartição do ónus da prova constantes do art.º 342º do CC, provar esse mesmo contrato, pelo que não pode o presente procedimento especial de despejo prosseguir. Importa ainda referir que, embora resulte da matéria de facto assente a inexistência de um título para a Requerida residir na fracção dos autos, tal situação apenas poderá ser resolvida através de uma acção de reivindicação, não podendo o Tribunal extrair quaisquer consequências dos factos provados. Consequentemente, conclui-se pela procedência da oposição deduzida.
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Da condenação das partes como litigantes de má fé:
Por se entender que os factos alegados e provados não permitem concluir pela existência dos requisitos legais previstos no art.º 542º do CPC, indefere-se tais condenações.
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Pelo exposto, julga-se a presente oposição procedente e, consequentemente, determina-se o arquivamento dos autos.
Custas pela Requerente.
Registe e notifique.
Valor do presente incidente nos termos do art.º 315º, nº 2 do CPC e para efeitos de custas: €12.500,10.
J. A R. ocupa a fracção referida em A), pelo menos, desde Novembro de 2011.
K. O preço de compra do imóvel constante do documento referido em C) nunca foi recebido pela A.
L. A fracção referida em A) tem um valor de mercado de arrendamento mensal de, pelo menos, €540,00.
M. A A. não procedeu à marcação da escritura de compra e venda da fracção.
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.- Na mesma sentença não foi considerado provado que:
1. A A., tendo-se apercebido de um erro no Contrato Promessa de Compra e Venda que referia ter existido quitação total do preço no momento da sua assinatura, acordou com a Ré substituir aquele documento, pelo Contrato de Arrendamento com Opção de Compra, celebrado em 30 Dezembro de 2011, cfr. doc. 5 junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para os legais efeitos.
2. Pelas mesmas razões, e porque a Ré bem sabia nada ter pago no momento de celebração do Contrato Promessa de Compra e Venda, acordaram as partes em afectar o valor de €25.000 já liquidados pela Ré a título de antecipação de cinco anos de rendas, conforme disposto na cláusula terceira, n.º 2 do Contrato de Arrendamento com Opção de Compra.
3. Nos termos da cláusula 2.ª, n.º 3 do identificado Contrato de Arrendamento com Opção de Compra, à A. era facultada a possibilidade de se opor à renovação do contrato para novo período de vigência, mediante carta registada com aviso de receção dirigida à Requerida, com uma antecedência mínima de um ano sobre a data do termo.
4. Por outro lado, tem vindo a A. a suportar o pagamento de todos os impostos inerentes ao imóvel, bem como outros custos de propriedade, designadamente, o prémio do seguro do imóvel, sem qualquer contribuição por parte da Ré.
5. A Ré contactou várias vezes telefonicamente os representantes legais da A. para saber se já era possível procederem à realização da escritura pública, recebendo sempre a resposta de que se estava a tratar da situação.
6. A A. fez passar por documento original uma simples fotocópia, vem A. utilizar nos presentes autos novamente a mesma fotocópia para sustentar a sua pretensão, fazendo também “tábua rasa” da decisão judicial.
7. Sofreu ainda a Ré em consequência do comportamento da A. danos não patrimoniais, passando a viver constantemente em sobressalto e angustiada, passou a dormir mal e sempre em pânico, tendo perdido a paz e o sossego.
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III.II.- Do objeto do recurso
1.- Da impugnação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida
1.1.- Da consideração como não provado do facto provado constante da alínea K
Insurge-se a Recorrente contra a consideração como provado do facto constante da alínea K), o qual, na sua perspetiva, deve ser considerado não provado.
O facto em apreço é do seguinte teor: “K. O preço de compra do imóvel constante do documento referido em C) nunca foi recebido pela A.
A propósito desta questão, cumpre começar por dizer o seguinte.

1.1.1.- Como flui do relatório deste Acórdão, depois de proferida a sentença recorrida, sentença essa na qual o facto em apreço foi julgado provado, foi proferida outra decisão julgando verificada a má fé da Ré/Recorrente e, com esse fundamento, condenando-a em multa de 10 UC.
Dessa decisão foi interposto recurso de apelação, o qual foi tramitado pela 1.ª instância separadamente deste recurso, sendo que aquele culminou na prolação, pela 8.ª Secção da Relação de Lisboa, de Acórdão a conceder-lhe integral provimento e a revogar o despacho recorrido.
Para sustentar a revogação da condenação da Ré como litigante de má fé, considerou-se no Acórdão da 8.ª Secção, entre o mais, que o facto provado constante da alínea K (que aqui está em causa), “sempre teria de considerar-se «não escrito»”.
Segundo o Acórdão, a consideração do facto como provado pela 1.ª instância baseara-se exclusivamente em prova testemunhal, quando, no caso, havendo documento particular com força probatória plena a contrariar o teor do facto, tal meio de prova era inadmissível, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 374.º, n.º 1; 376.º, n.ºs 1 e 2; e 394.º, n.º 1 do CC.
Por outro lado, a prova testemunhal fora considerada tendo por base um outro documento junto pela Autora que, na ótica da sentença recorrida, constituía ‘princípio de prova’ legitimador da inquirição de testemunhas sobre o facto, quando a autoria e a genuinidade de tal documento foram postas em causa pela Ré e não resultaram provadas.
A Ré/Recorrente, na revista interposta do primeiro Acórdão proferido neste recurso, invocou o caso julgado decorrente daquele Acórdão da 8.ª Secção e o Supremo Tribunal de Justiça, na revista, afirmou expressamente que caberia à Relação, quando retornados os autos para conhecimento do presente recurso, “ajuizar da relevância do acórdão” (da 8.ª Secção) na determinação do conteúdo da matéria de facto a considerar na resolução do litígio.
Esse é, pois, o primeiro aspeto da questão a decidir que aqui importa apreciar.

Dispõe o art.º 619.º, n.º 1 do CPC, sobre a epígrafe “Valor da sentença transitada em julgado”, que transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força probatória dentro do processo e fora dele, nos limites fixados pelos art.ºs 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos art.ºs 696.º a 702.º.
Por seu turno, preceitua o art.º 620.º, n.º 1 do mesmo código, sob a epígrafe “Caso julgado formal”, que as sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo.
Finalmente, de harmonia com o art.º 621.º, que tem como epígrafe “Alcance do caso julgado”, a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifica, o prazo se preencha ou o facto se pratique.
O caso julgado, como referia Manuel de Andrade, “consiste em a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais (e até a outras autoridades) – quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial (acção destinada a fazer valer outro efeito dessa relação). Todos têm de acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão” (in Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 305).
Do cotejo dos citados art.ºs 619.º, n.º 1 e 620.º, n.º 1 do CPC resulta que o caso julgado pode advir da decisão que julgou o mérito da causa em processo anterior, ou da decisão proferida sobre a relação processual.
O primeiro, pressuposto no primeiro normativo, constituirá o ‘caso julgado material’ e terá força obrigatória dentro e fora do processo; o segundo, pressuposto no outro preceito, constituirá o ‘caso julgado formal’ e terá apenas força obrigatória dentro do processo em que a decisão é proferida.
O caso julgado, como também decorre dos citados normativos, opera dentro dos limites fixados pelos art.ºs 580.º e 581.º, sendo, assim, delimitado pelos elementos que identificam a relação jurídica definida na decisão (as partes, o pedido e a causa de pedir), relação jurídica essa que é aquela que se impõe por força da autoridade do caso julgado e que não pode voltar a ser discutida entre as mesmas partes e ser contrariada por qualquer outra decisão.
O caso julgado “assim formado e delimitado”, como se refere no Acórdão da Relação de Coimbra de 11-06-2019, “pode impor-se e produzir os seus efeitos por duas vias: pode impor-se, na sua vertente negativa, por via da excepção de caso julgado, no sentido de impedir a reapreciação da relação ou situação jurídica material que já foi definida por sentença transitada e pode impor-se, na sua vertente positiva, por via da autoridade do caso julgado, vinculando o tribunal e as partes a acatar o que aí ficou definido em quaisquer outras decisões que venham a ser proferidas” (acórdão proferido no processo 355/16.5T8PMS.C1, disponível na internet, no sítio www.dgsi.pt; neste sentido, v., ainda, os Acórdãos do STJ de 30-03-2017 e de 22-06-2017, proferidos, respetivamente, nos processos 1375/06.3TBSTR.E1.S1 e 2226/14.0TBSTB.E1.S1, disponíveis no mesmo local).
Contrariamente à exceção de caso julgado, a autoridade de caso julgado ocorre independentemente da tripla identidade de partes, pedido e causa de pedir que aquela pressupõe.
Daí não advém, todavia, que a autoridade do caso julgado possa valer fora dos limites resultantes daquela tripla identidade, uma vez que, como decorre do citado art.º 619.º, n.º 1 do CPC, só há caso julgado relevante quando a decisão se situe dentro desses limites.
Como se referiu, mais uma vez, no citado Acórdão da Relação de Coimbra, “[a]quilo que se impõe por força da autoridade do caso julgado é a definição – feita por decisão transitada em julgado – da concreta relação jurídica que aí foi delimitada pelos sujeitos, pedido pedido e pela causa de pedir. Mas a definição dessa concreta relação jurídica – assim delimitada – impõe-se e é vinculativa para os respectivos sujeitos no âmbito de qualquer outro litígio que entre eles venha a ocorrer e que tenha como pressuposto ou condição aquela relação e por isso se afirma que o funcionamento da autoridade do caso julgado não exige a identidade de pedido e causa de pedir; tal autoridade pode, de facto, impor-se no âmbito de acção posterior com pedido e causa de pedir diversas nas circunstâncias supra mencionadas, vinculando as partes e o Tribunal e evitando, dessa forma, que a relação ou situação jurídica já definida por decisão transitada em julgado seja novamente apreciada para o efeito de decidir o objecto da segunda acção”.
Formado o caso julgado, este, pela própria natureza das coisas, e como decorre do citado art.º 621.º do CPC, é projetado pela decisão final (pelo ‘julgado’), enquanto resultado da análise crítica e valorativa de um conjunto de fundamentos, mas não deixa de abranger, também, esses mesmos fundamentos, enquanto pressupostos da decisão (v., neste sentido, e entre outros, o Acórdão da Relação do Porto de 12-09-2023, proferido no processo n.º 1636/21.1T8PVZ-A.P1, disponível na internet, no mesmo local).
Isto não quer dizer, contudo, que os fundamentos formem, eles próprios, caso julgado, mas sim que os fundamentos “podem e devem ser utilizados para fixar o sentido e alcance da decisão contida na parte final da sentença, coberta pelo caso julgado” (v., neste sentido, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manuel de Processo Civil, Coimbra, 1985, p. 715).
Ou seja, é pela decisão final que o caso julgado formado se exprime, mas para a compreensão do seu significado e definição da sua amplitude pode-se e deve-se recorrer aos fundamentos que suportam essa decisão.

Reportando-nos ao caso em apreço, e considerando o que acaba de ser exposto, entendemos não haver caso julgado atendível nesta sede, decorrente do Acórdão proferido pela 8.ª Secção desta Relação.
Na verdade, por via de tal Acórdão aquilo que foi apreciado foi a questão de saber se a Ré/Recorrente litigara nos autos de má fé, isto é, o que por via dele se avaliou foi se o comportamento processual da mesma constituiu um incumprimento culposo ou gravemente negligente dos deveres de cooperação e de boa fé a que estava submetida.
Diversamente, o que aqui está em causa é a questão de saber se o julgamento da matéria de facto levado a cabo pelo tribunal a quo quanto ao facto provado da alínea K, por um lado, observou as regras de direito probatório material legalmente previstas e, por outro lado, se o juízo valorativo da prova foi feito corretamente.
A questão apreciada e decidida no referido Acórdão é, portanto, distinta da que aqui cumpre apreciar, o que por si só afasta a identidade de fundamentos (de causas de pedir) subjacentes a ambas pressuposta na exceção de caso julgado e, bem assim, que a relação jurídico-processual nele definida vincule as partes na decisão a proferir neste recurso, por força da exceção de autoridade de caso julgado.
É certo que um dos fundamentos que presidiu à decisão subjacente ao Acórdão proferido pela 8.ª Secção coincidiu com um dos fundamentos do presente recurso, que era o de saber se o tribunal a quo respeitara ou não as disposições de direito probatório material previstas na lei civil.
O caso julgado, contudo, projeta-se, como se viu, na decisão final e não nos fundamentos invocados em suporte dela, já que estes, quando muito, servem apenas de instrumento de definição do conteúdo e do alcance decisivos daquela decisão.
Ou seja, aquilo que, por via do Acórdão da 8.ª Secção, ficou definitivamente decidido foi a questão de saber se a Ré agiu ou não de má fé e não a de saber se o facto vertido na alínea k) deveria ou não ser julgado provado.
Não há, pois, em suma, caso julgado atendível, impondo-se apreciar o mérito da impugnação da decisão da matéria de facto da Ré/Recorrente.

1.1.2.- Subjacente à impugnação em apreço temos o seguinte quadro.
O facto provado constante da alínea K dá como assente que o preço da compra do imóvel que constitui objeto mediato do contrato-promessa dos autos não foi recebido pela Autora.
Tal facto contraria a declaração constante da cláusula segunda do contrato-promessa, através da qual a Autora/Recorrida, como promitente vendedora, declarou ter recebido, na data da celebração do negócio, o preço acordado de €125.000,00, do que o contrato dava a competente quitação.
Ou seja, o facto provado da alínea K vai em sentido contrário à declaração confessória da Autora constante do contrato-promessa dos autos de que recebera o preço nele acordado.
Ora, a consideração como provado do facto em apreço estribou-se, como decorre da análise da sentença recorrida, na prova testemunhal produzida em julgamento.
A Ré/Recorrente, contudo, pugna pela inadmissibilidade de tal meio de prova para atestar o facto em causa, pelo que é esse o segundo aspeto da questão decidenda que cumpre apreciar aqui.

Dispõe o art.º 374.º, n.º 1 do CC que a letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras.
Prescreve, por seu turno, o art.º 376.º, n.º 1 do CC que o documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos (além do mais) da norma citada faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento.
Acrescenta o n.º 2 do mesmo preceito que os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão.
Em face deste regime legal, e seguindo de perto o Acórdão da Relação do Porto de 07-02-2023, podemos dizer que o relevo probatório dos documentos particulares cuja letra e/ou assinatura sejam reconhecidas pela contraparte “releva em duas vertentes distintas, ainda que complementares e com alcances diferenciados”.
Uma, prevista no n.º 1 do art.º 376.º do CC, consubstanciada no “valor probatório formal do documento”, atinente ao seu conteúdo extrínseco, ou seja, à “autoria do mesmo e, por conseguinte, à materialidade das declarações nele vertidas”.
Outra, prevista no n.º 2 do art.º 376.º do CC, consubstanciada no “valor probatório material” do documento, a qual, ainda que consequência do valor probatório formal, diz respeito ao seu “conteúdo intrínseco”, ou seja, “ao valor ou veracidade das referidas declarações”.
Também resulta do regime legal em apreço que a força probatória plena dos documentos particulares prevista no n.º 1 do art.º 376.º do CC “opera apenas quanto ao seu conteúdo extrínseco, só podendo ser contrariada pela arguição e prova da falsidade do documento (por via do incidente previsto no art.º 446.º do CPC)” (Acórdão proferido no processo 1330/19.3T8PRT.P1, disponível na internet, no local acima mencionado).
Mas confirmada a força probatória plena do documento, em razão da demonstração da sua autoria, a declaração nele feita por uma das partes à outra que envolva o reconhecimento de um facto que lhe seja desfavorável equivale a uma declaração confessória e tem, por isso, também ela, força probatória plena, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 352.º e 358.º, n.º 2 do CC.
Ora, a prova legal plena, como decorre do art.º 347.º do CC, só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objeto, sem prejuízo de outras restrições especialmente determinadas na lei.
Uma dessas restrições consta do n.º 2 do art.º 393.º do CC, que proíbe a prova por testemunhas quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena.
E outra restrição, consequência desta última, reside na impossibilidade de recurso às presunções judiciais, pois que estas, como decorre do art.º 351.º do CC, só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal.
Perante o exposto, podemos concluir que quem beneficie de declaração confessória constante de documento cuja autoria esteja reconhecida está dispensado de provar a veracidade do seu conteúdo, cabendo à parte contrária – à parte ‘confitente’ – o ónus de demonstrar a inveracidade da declaração, para o que não se poderá servir, quer da prova testemunhal, quer das presunções judiciais.
A doutrina e a jurisprudência tem-se batido, contudo, pela interpretação restritiva de preceitos como o citado n.º 2 do art.º 393.º do CC, defendendo que as limitações ao nível do direito probatório material que os mesmos encerram devem ceder quando exista um princípio de prova escrito, ou seja, de natureza documental.
Como refere Luís Filipe Pires de Sousa, “recai sobre o confitente o ónus da prova da inveracidade da declaração confessória, defrontando-se com as limitações ao nível do direito probatório material no que concerne à apresentação de prova testemunhal ou ao uso de presunções judiais (arts. 393.º, n.º 2, e 351.º)”; todavia, “tais limitações apenas cedem quando exista outro meio de prova, maxime prova documental, que torne verosímil a inveracidade da declaração, servindo, então, a prova testemunhal ou o recurso a presunções judiciais como complemento dessa prova indiciária” (in Direito Probatório Material Comentado, 2.ª ed., Almedina, p. 106 e seguintes; neste sentido, v., ainda, Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. I, p. 344; Mota Pinto, in Arguição da Simulação pelos Simuladores – Prova testemunhal, parecer publicado na CJ, X, 1985, 3, p. 10 e ss.; na jurisprudência, v., entre outros, os Acórdãos do STJ de 17-12-2020, proferido no processe 3815/16.4T8AVR.P1.S1 e de 09-07-2014, proferido no processo 28252/10.0T2SNT.L1.S1, disponíveis na internet, no sítio já acima referenciado).
Temos, pois, e em suma, que, para prova da inveracidade da declaração confessória, está vedada a produção de prova testemunhal e por presunções judiciais; mas havendo prova documental que torne verosímil a inveracidade da declaração, já será admissível a prova por testemunhas ou por presunções a título de complemento dessa prova documental.

Reportando-nos ao caso dos autos, não está em causa o ‘valor probatório formal’ do documento que contém a declaração confessória da Autora, já que esta reconheceu a autoria da sua assinatura nele aposta.
Assim, e porque tal declaração envolve o reconhecimento de um facto que lhe é desfavorável, tem ela força probatória plena, incumbindo à Autora o ónus de provar a sua inveracidade.
Ora, para este efeito, a Autora alegou que, posteriormente à celebração do contrato-promessa do qual constava a declaração confessória, celebrou com a Ré, visto que aquela declaração constituiu um erro, um contrato de arrendamento com opção de compra, com o qual visaram as contratantes substituir o contrato-promessa inicialmente celebrado.
Com tal documento, pretendeu a Autora carrear para os autos um princípio de prova da inveracidade da declaração confessória constante do contrato-promessa, por forma a que, por via dele, pudesse evidenciar essa mesma inveracidade por prova testemunhal.
A Autora, contudo, impugnada, pela Ré, a autoria e a genuinidade desse documento, não logrou provar essa mesma autoria e genuinidade (v. factos não provados n.ºs 1, 2 e 3), pelo que o documento em causa não tem qualquer ‘valor probatório formal’.
E não tendo valor probatório formal, os factos compreendidos nas declarações nele vertidas (no contrato de arrendamento) não se podem considerar provados sem mais, já que o documento não tem qualquer ‘valor probatório material’.
Não havendo, por conseguinte, documento que constitua princípio de prova da inveracidade da declaração confessória da Autora de recebimento do preço constante do contrato-promessa, essa inveracidade não poderia ser provada por testemunhas, nem por presunções judiciais.

Argumentou-se na sentença recorrida que, apesar de não atestada a genuinidade do documento (do contrato de arrendamento) e, por isso, de afastada a sua força probatória plena, sempre o mesmo poderia ser livremente apreciado pelo tribunal.
Neste pressuposto, isto é, com base nessa livre apreciação da prova, considerou que porque o documento tivesse “uma data aposta posterior ao contrato-promessa em análise nos autos”, constituía princípio de prova da inveracidade da declaração confessória da Autora e atribuiu relevo à prova testemunhal produzida em julgamento.
Esta posição é, todavia, e salvo o devido respeito, inaceitável, já que intrinsecamente contraditória.
Na verdade, se, como reconhecido na sentença recorrida, não se provou a genuinidade e a autoria do documento, este – pura e simplesmente – não tem qualquer valor probatório formal.
Não vemos, assim, como que é que o documento em causa, não se tendo provado sequer que foi assinado pela Ré, pode firmar a convicção do tribunal de que o mesmo indicia a inveracidade de uma declaração confessória constante de documento anterior.
Acresce que, na mesma sentença, na parte da motivação da decisão da matéria de facto atinente aos factos não provados, foi dito expressamente que inexistiam “outros meios probatórios que pudessem convencer o Tribunal”, quanto à genuinidade do contrato de arrendamento.
O próprio tribunal a quo afasta, assim, a possibilidade de o documento em causa poder relevar em sede de livre apreciação da prova, já que, na sua perspetiva, não há outros meios de prova suscetíveis de o “convencer” da genuinidade do documento.
E se não há quaisquer elementos de prova que convençam da respetiva veracidade, não se vê como possível que dele se extraia uma sugestão, um indício ou um princípio de prova que seja de que a declaração confessória constante do contrato-promessa não era verdadeira, a ponto de se poder complementar esse indício com a prova testemunhal.
Em suma, a inveracidade da declaração confessória não poderia, nos termos legais, ser atestada por via testemunhal, nem por presunções judiciais.

Ora, a respeito do facto em apreço, desconsiderando-se a prova testemunhal e por presunções judiciais, nenhuma prova foi produzida assim como que a Ré não tenha pago o preço acordado no contrato-promessa dos autos.
Na verdade, a Ré/Recorrente, nas declarações de parte que prestou, não o reconheceu.
Segundo a própria, ouvidas as suas declarações, tudo o que esteve na origem da celebração do contrato-promessa dos autos foi acordado e negociado entre os seus pais e o “Eng. (…)” e o preço nele acordado teria sido pago, embora não soubesse precisar como, se antes ou depois da celebração do contrato e se com recurso a empréstimo bancário ou de que modo.
Ou seja, a declarante pôs em causa que a declaração confessória de recebimento do preço aqui em causa pudesse não responder à verdade.
Por outro lado, independentemente de se poder questionar ou não a consistência das declarações prestadas quanto ao facto em apreço, o certo é que a declarante não atestou positivamente a inveracidade da declaração confessória, o que inviabiliza a possibilidade de se estribar nelas a consideração como provado do facto em apreço.
O próprio tribunal a quo, de resto, assim o concluiu, reconhecendo ausência de relevo probatório às declarações, não só ao ordenar oficiosamente a inquirição, como testemunha, do pai da declarante, como fundamentando a consideração como provado do facto da alínea K com base na prova testemunhal produzida em julgamento.
Pelo exposto, não sendo aqui legalmente permitido o recurso à prova testemunhal e às presunções judiciais, não tendo a Ré, nas declarações que prestou, confirmado a inveracidade da declaração confessória da Autora e não havendo outro elemento de prova admissível com a virtualidade de atestar essa inveracidade, forçoso é concluir que o facto constante da alínea K só pode ser considerado não provado, como tal devendo ser considerado.
Procede, assim, nessa medida, a impugnação da decisão da matéria de facto na parte aqui em consideração.
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2.- Da impugnação da subsunção dos factos ao direito aplicável
2.1.- Do segmento da sentença recorrida que autorizou a Autora/Recorrida a fazer sua a quantia depositada nos autos, a título de preço acordado no contrato promessa dos autos
A Autora/Recorrida e a Ré/Recorrente, como é um dado adquirido nos autos, celebraram entre si, por documento escrito de 25-11-2011, um contrato-promessa de compra e venda, pelo que a primeira declarou vender à segunda e esta declarou comprar à primeira, pelo preço de €125.000,00, a fração autónoma designada pela letra “C”, para habitação, situada (…).
Por via da sentença recorrida, foi decretada a execução específica de tal contrato-promessa, suprindo-se, assim, a declaração de vontade da promitente vendedora e declarando-se vendida por esta à promitente compradora a fração autónoma, sendo que este segmento da sentença recorrida não foi posto em causa no recurso.
Transferida a propriedade do imóvel da promitente vendedora para a promitente compradora, tem a primeira, nos termos acordados, direito a que lhe seja pago o valor do preço acordado, de €125.000,00.
Na sentença recorrida, tendo-se julgado provado que a Ré/Recorrente, como promitente compradora, não efetuara o pagamento do preço à Autora/Recorrida, determinou-se que esta se pagasse dele mediante o levantamento dos €125.000,00 que a Ré/Recorrente, em 12-04-2021, depositara à ordem dos autos, ao abrigo do disposto no art.º 830.º, n.º 5 do CPC.
O facto em questão (isto é, o facto em que se referia que a Ré/Recorrente não pagara o preço acordado, constante da alínea K dos factos provados da sentença recorrida) não resultou, contudo, e como se viu, provado.
Do contrato-promessa dos autos consta, sob a ‘Cláusula Segunda’, a declaração da promitente vendedora de que, na data da sua subscrição, recebera o preço acordado de €125.000,00, do qual dava a competente quitação.
Tal declaração constitui, como acima se disse e aqui se reproduz, uma declaração confessória de recebimento do preço pela Autora/Recorrida, que, constituindo prova plena quanto ao efetivo recebimento do preço, só poderia ser contrariada pela demonstração de que o facto dela objeto (o recebimento do preço) não era verdadeiro, como dispõe o art.º 347.º do CC.
Tal prova, cujo ónus recaía sobre a Autora/Recorrida, enquanto confitente do facto que lhe era desfavorável, não foi feita, pelo que se impõe considerar provado que a Ré/Recorrente procedera, de facto, ao pagamento do preço devido.
E se procedeu a esse pagamento, carece de fundamento o segmento da sentença recorrida que determinou que a Autora/Recorrida se pagasse desse preço mediante o levantamento do depósito de €125.000,00 efetuado nos autos ao qual se fez referência supra.
Procede, pois, a pretensão da apelante em apreço, com a consequente revogação da sentença recorrida nessa parte.
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2.2.- Do segmento da sentença recorrida que condenou a Ré/Recorrente ao pagamento da indemnização devida pela ocupação do imóvel objeto mediato do contrato-promessa
Na sentença recorrida condenou-se a Ré/Recorrente a pagar à Autora/Recorrida uma indemnização de €540,00 por mês, desde dezembro de 2016 até à data da sua prolação, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde a data do seu vencimento e até efetivo pagamento.
Na origem desta condenação esteve a posição do tribunal a quo de que a Ré/Recorrente ocupou a fração autónoma objeto mediato do contrato-promessa dos autos sem título que o legitimasse, o que, para a Autora/Recorrida, constituiria um dano (da privação do uso) ressarcível no campo da responsabilidade civil extracontratual, previsto no art.º 483.º do CC.
A propósito desta questão, importa começar por dizer o seguinte.

O tribunal a quo, na sentença recorrida, sustentou a obrigação da Ré/Recorrente de indemnizar a Autora/Recorrida no facto de a ocupação da fração autónoma por aquela ‘não ter tido causa’ no contrato-promessa dos autos.
Para tanto, serviu-se de três factos que foram considerados provados na sentença proferida no processo n.º 1139/17.9YLPRT, que correu termos no Juízo Local Cível de Cascais, Juiz 3 (sentença esta que vem referida no facto provado da alínea I supra descrita), cuja ‘importação’ para este processo justificou com a autoridade de caso julgado decorrente daquela sentença.
Segundo o tribunal a quo, a exceção em causa (da autoridade do caso julgado) “conduziria a que os factos relativos à relação obrigacional que subjaz entre as partes deve(ssem) ser acatados neste processo”, pelo que “[f]ace ao exposto, constitui ponto assente que a Autora entregou à Ré a fracção em causa nos autos em data não concretamente apurada, mas anterior ao ano de 2010 para sua habitação, gozo e fruição, sem que tenha pago qualquer quanto sobre tal cedência”.
Os factos em causa são os seguintes:
1.- Desde data não concretamente apurada mas anterior a 2010, foi cedida à Requerida, para sua habitação, o gozo e fruição da fracção autónoma designada pela letra “C”, para habitação, situada no piso zero ao nível do rés-do chão, com arrecadação da cave -2, identificada com a letra C, e 2 lugares de estacionamento localizados na cave -2, identificados com os números 55 e 56, do prédio urbano sito na Rua … – Quinta …, n.º 36, freguesia de Carcavelos, concelho de Cascais, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º …, e inscrito na matriz predial urbana da citada freguesia sob o artigo …;
2.- A Requerida não paga qualquer quantia pela cedência da fracção autónoma referida em 1.;
3.- Entre o proprietário da fracção referida em 1. e a Requerida foi celebrado, em 2011, contrato-promessa de compra e venda da mesma fracção”.
A Ré/Recorrente, nas conclusões da sua peça recursória, sustentou que tais factos não poderiam ser considerados neste processo e o Supremo Tribunal de Justiça, na revista que determinou o retorno dos autos a esta Relação, determinou que se tratava de questão que importaria conhecer no recurso.
Ora, conhecendo da questão, importa dizer – e isto, independentemente de se saber se os factos em apreço, mesmo que pudessem ser tidos em consideração neste processo, tinham o relevo jurídico que o tribunal a quo retirou deles na sentença recorrida – que assiste razão à Ré/Recorrente quando se bate por que tais factos não sejam aqui considerados.
Na verdade, os fundamentos de facto constantes de uma sentença transitada em julgado não formam, como constitui posição, senão unânime, pelo menos maioritária na doutrina e na jurisprudência, autoridade de caso julgado no âmbito de outro processo em que estejam sob apreciação.
Como se referiu no Acórdão do STJ de 02-03-2010, “a problemática do respeito pelo caso julgado coloca-se, sobretudo, a nível da decisão, da sentença propriamente dita e, quando muito, dos fundamentos que a determinaram, quando acoplados àquela”; os “fundamentos de facto, nunca por nunca, formam, por si só, caso julgado, de molde a poderem impor-se extraprocessualmente” (sublinhado nosso; Acórdão disponível na internet, no sítio supra referenciado; neste sentido, v., ainda, os Acórdãos do STJ de 08-10-2018 e de 11-11-2021, disponíveis no mesmo local, bem como, na doutrina, Remédio Marques, in “Acção Declarativa à Luz do Código Revisto”, Coimbra, 2007, p. 447; Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, Coimbra, 1984, p. 697; e Miguel Teixeira de Sousa, In “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, p. 580, todos citados no segundo dos arestos mencionados).
Um facto em discussão num determinado processo, que, porventura, possa ter sido apreciado noutro já decidido definitivamente, tem de ser apreciado no quadro da produção de prova feita naquele processo e não em função da decisão proferida neste quanto a eles.
Os factos em causa não podem, pois, ser valorizados neste processo, pelo que saber se a ocupação da fração autónoma dos autos pela Ré/Recorrente constituiu-a ou não na obrigação de indemnizar a Autora/Recorrida deve ser aferido em face da restante factualidade apurada.
É isso, pois, o que importa analisar agora.

A pretensão indemnizatória da Autora/Recorrida aqui em apreço enquadra-se no instituto jurídico da responsabilidade civil extracontratual, previsto no art.º 483.º, n.º 1 do CC.
No que diz respeito ao dano específico da privação do uso de bem por terceiro sem título que o legitime, são perspetiváveis, em geral, três soluções acolhidas na doutrina e na jurisprudência.
Assim, seguindo de perto aquilo que vem exposto no Acórdão do STJ de 28 de janeiro de 2021 (disponível na internet, no sítio atrás indicado), uma primeira posição segue a linha de entendimento de que a privação de uso e fruição de um bem de que se é proprietário integra, por si só, “um dano indemnizável, independentemente da utilização que se faça, ou não, do bem em causa durante o período da privação”.
Trata-se aqui da posição assumida, de acordo com o mencionado Acórdão, e nos locais nele citados, por Abrantes Geraldes e Menezes Leitão, bem como pelo Acórdão do STJ de 05-07-2007, disponível no sítio acima indicado.
Uma segunda posição assenta no entendimento de que a indemnização em causa pressupõe “a prova do dano concreto”, pelo que, “para a determinação do dano, deve o lesado concretizar e demonstrar a situação hipotética que existiria se não fosse a lesão (ocupação ou privação do uso)”.
É a tese defendida, de acordo com o Acórdão em análise, nos Acórdãos do STJ de 10-07-2012, de 04-07-2013, de 10-01-2012, de 08-05-2017 e de 06-05-2008, dizendo-se, nestes últimos dois, que “a mera privação de uso da fração reivindicada ou do prédio reivindicado, impedindo, embora, o proprietário do gozo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição nos termos do art.º 1305.º do CC, só constitui dano indemnizável se alegada e provada, pelo dono, a frustração de um propósito real, concreto e efetivo de proceda à sua utilização, os termos em que o faria e o que auferiria, não fora a ocupação-detenção, pelo lesante”.
Finalmente, de acordo com uma terceira orientação, a prova da privação do gozo da coisa não é suficiente para garantir o direito de indemnização, mas também não é necessária “a prova efetiva do dano concreto, bastando, antes, que o lesado demonstre que pretende usar a coisa, ou seja, que dela pretende retirar as utilidades (ou algumas delas) que a coisa normalmente lhe proporcionaria se não estivesse dela privado pela atuação ilícita do lesante”.
Trata-se da posição assumida, de acordo com o mesmo Acórdão, nos Acórdãos do STJ de 02-06-2009, de 12-01-2012, de 03-10-2013, de 14-07-2016 e de 26-05-2009, disponíveis no local citado, sendo que, de acordo com o que foi dito neste último, em que estava em causa a privação do uso de um bem imóvel, “será suficiente demonstrar que se destinava a ser colocado no mercado de arrendamento ou que o seu destino era a habitação própria, se pudesse dispor dele em condições de normalidade. Mas será dispensável a prova efetiva que estava já negociado, um concreto contrato de arrendamento e a respetiva renda acordada ou os prejuízos decorrentes de o não poder, desde logo, habitar”.

Ora, independentemente da questão de saber qual das três posições enunciadas merece ser sufragada (sendo que o tribunal a quo, na sentença recorrida, perfilhou a primeira delas), o certo é que nenhuma delas justifica a obrigação de indemnizar que, na sentença recorrida, foi cometida à Ré/Recorrente.
E isto, pela simples razão de que, pressupondo todas elas a privação ilegítima do uso do bem pelo proprietário, no caso, não é possível descortinar uma privação com tais contornos.
Na verdade, nos termos do contrato-promessa dos autos (v. a Cláusula Terceira), contrato-promessa esse celebrado em 25-11-2011, o negócio definitivo nele previsto deveria ser celebrado nos 180 dias subsequentes e competiria à promitente vendedora notificar a promitente compradora da data, hora e local da sua celebração, com a antecedência mínima de 10 dias.
Temos, assim, que, à data de dezembro de 2016, a partir da qual, na sentença recorrida, se computou o início da indemnização devida pela Ré/Recorrente pela suposta ocupação indevida do imóvel, a Autora/Recorrida se encontrava em mora e, portanto, em inadimplemento há mais de 4 anos.
Tal circunstância é, aliás, assumida expressamente na sentença recorrida, que, com esse fundamento (com fundamento na mora da Autora/Recorrida), decretou a execução específica do contrato-promessa a favor da Ré/Recorrente.
Assim sendo, se, por força do programa negocial estabelecido entre as partes no contrato-promessa dos autos, a Autora/Recorrida, em 2016, já deveria ter transmitido a propriedade da fração autónoma para a Ré/Recorrente, não vemos como possível concluir que, nessa data, estivesse privada do seu uso por decorrência de ato imputável à Ré/Recorrente.
Acresce que, como flui dos factos provados, a Ré ocupa a fração autónoma dos autos desde, pelo menos, novembro de 2011 (v. facto provado constante da alínea J)) e a celebração do contrato-promessa em questão ocorreu, como também flui dos factos provados (v. facto provado constante da alínea C)), naquele mês de novembro de 2011.
Ou seja, a data da ocupação da fração autónoma pela Ré/Recorrente é antecedente ou, no máximo, coincidente com a da celebração do contrato-promessa.
Não vemos, assim, como não concluir que a ocupação da fração se estriba num acordo tácito de tradição do imóvel (v. art.ºs 217.º e 405.º do CC), o qual, como salienta a Ré/Recorrente na motivação do seu recurso, surge “conexionado com a celebração do contrato-promessa”, a título de “antecipação legítima de um dos efeitos do contrato” prometido.
Não há, pois, privação ilegítima de uso da fração autónoma decorrente da sua ocupação pela Ré/Recorrente, o mesmo é dizer que não há dano passível de ressarcimento.
Procede, consequentemente, a pretensão da Ré/Recorrente em apreço, com a consequente revogação da sentença recorrida também nessa parte.
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Porque vencida, suportará a Autora/Recorrida as custas da apelação (art.ºs 527.º e 529.º do CPC).
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IV.- Decisão
Termos em que se decide julgar totalmente procedente o recurso e, consequentemente, revogar a sentença recorrida:
i.- no segmento em determinou que a Autora/Recorrida fosse paga do preço acordado no contrato-promessa que serve de fundamento à ação, designadamente fazendo sua a quantia depositada a esse título nos autos, nos termos do disposto no art.º 830.º, n.º 5 do CC;
ii.- no segmento em que condenou a Ré/Recorrente ao pagamento da indemnização devida pela ocupação do imóvel objeto mediato do contrato-promessa.
Custas da apelação pela Autora/Recorrida.
Notifique.
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Lisboa, 4 de julho de 2024

José Manuel Correia
Higina Castelo
Paulo Fernandes da Silva